Sou de um tempo em que
os jovens acreditavam que podiam mudar o mundo. Passei minha adolescência e
começo da juventude nos anos 1970. Além de todo o ambiente mundial estar num
clima de revolução cultural, moral, social, o Brasil passava por uma ditadura
militar que cerceava a liberdade política e artística. Os jovens sentiam isso
na pele, e queriam mudança. Nesse ambiente, eu me converti ao Evangelho, em
setembro de 1976. Naquela época ser crente não era nenhum pouco “fashion”, ao contrário,
as pessoas tinham, muito mais que nessa 2ª década do século XXI, uma aversão ao
povo evangélico, aos seus costumes, as suas igrejas. Não existia ídolos de música
gospel para se assistir em shows, nem ouvir em rádios, a música era antiquada e
restrita.
Mas eu, quando me
converti não queria somente uma igreja alegre, emocionalmente exaltada com uma
música diferente. Não buscava na igreja uma fuga do mundo, não queria conviver
com a incoerência, que muitos jovens chamados de cristãos hoje possuem, sem
sentir nenhuma culpa por isso. O que eu vivia no culto de domingo à noite,
queria viver também na segunda-feira de manhã, na escola, no meio do mundo.
É claro que muita água
passou por debaixo da ponte nesses 36 anos de convertido que tenho. Fantasias caíram
por terra, hipocrisias foram desmascaradas, feridas profundas foram tratadas,
doenças espirituais e afetivas foram curadas. Não, não troco o que sou hoje
pelo que fui, mesmo com a dor nas costas, o cansaço fácil, os cabelos brancos e
a barriga que aparecem naturalmente com mais de meio século de vida.
Contudo, uma carência,
e eu admito que é carência, ainda tenho, busco amigos no meio da igreja,
amizades realmente sinceras e completas que acredito que devem brotar com muito
mais facilidade num ambiente onde as pessoas recebem e entregam perdão. Me
entristeço, todavia, ao constatar que muitos cristãos atuais querem ser seus
irmãos, e o são porque precisam ser, por isso te cumprimentam com “a paz do
Senhor” e seguem mais outras tantas tradições que eles acreditam ser obrigações
de quem vive numa igreja. Querem ser irmãos, mas não querem ser amigos.
Sinto que existem
muitas cerimônias e festas e pouca comunhão, parece que aquilo que os evangélicos
mais criticam na maior igreja cristã do planeta, eles também estão fazendo. Mesmo
em igrejas pentecostais, onde os dons são aceitos, onde o recebimento deles é
pregado como privilégio do convertido, não existe uma prática simples e plena
desses dons. Não, não estou fazendo uma crítica irresponsável, que a faz quem joga pedras de longe, sem querer contribuir para a mudança, sem fazer parte do
objeto criticado.
Sinceramente? Se
for para ter irmãos em Cristo que não querem ser amigos, então deixo para me
relacionar com eles na eternidade, lá terei todo o tempo do universo para ser
amigo de irmão, lá todos nós estaremos transformados, e sem os defeitos, as
defesas, os complexos e as carências, a relação será fácil. Mas enquanto nesse
mundo, quero e preciso de amigos verdadeiros, e esses não precisam ser,
necessariamente, irmãos.
Isso não é uma
teoria, já que Deus tem me dado amigos reais e fieis, tanto entre irmãos como
entre pessoas que não têm uma ligação oficial com a dita igreja evangélica. Dizer
que esses últimos são ou não convertidos não me compete, é Deus quem sabe, mas
assumi-los como amigos, é um direito meu, graças a Deus.
Lembro, que nesses
tempos, quando as igrejas evangélicas se proliferam exageradamente, com muita
quantidade, mas pouca qualidade, nos desligamos de uma comunidade às vezes sem
fazer nenhuma amizade. Se cruzamos com alguém, de uma igreja que já fizemos
parte, na rua, corremos o risco de nos portarmos com esse alguém como completos
estranhos. Alguma coisa está errada nisso, alguma coisa está errada com os cristãos,
alguma coisa está errada comigo.
Jesus pregou um
Evangelho de amizades, de relações humanas, pouco ele entrou nas sinagogas, as
igrejas de sua época, mas ele visitava constantemente os amigos, fazia amigos
constantemente, numa atitude de cumplicidade, não com o pecado, mas com o
pecador. Acredito que as igrejas organizadas que surgiram a partir do século I,
foram necessárias, visto que o homem precisa de alguma organização formal, de
regras, para viver junto. Mas esses grupos de irmãos, que se reúnem debaixo de
uma edificação maior, que professam uma visão da doutrina cristã semelhante, nunca
foram e nunca serão a Igreja, o corpo de Cristo, os filhos de Deus, os
verdadeiros amigos de Jesus.
Cuidado, se você tem tempo para fazer tantas coisas na igreja, a instituição, mas se não tem tempo para viver com a Igreja, as pessoas. “Irmãos sim, amigos
não”? Vamos mudar isso, é preciso, o homem está cansado de cerimonialismos,
tradições nunca alimentaram a alma humana, o que nos salvou não foi um ritual. Cristo,
por sua vez, não se ofereceu por irmãos, já que antes de sermos salvos nós não éramos
filhos de seu Pai, o que nos salvou foi o sacrifício de um amigo, um amigo que
se deu por seus amigos. (Por que o cafezinho na imagem? Pra mim, tomar um café com um amigo, é um dos melhores prazeres dessa vida).