1. ...e viva o órgão
2. Sobre pianos: digitais e acústicos3. Refletindo sobre execução pianística4. Instrumentos de teclas5. Cultura-Hammond: amor à sonoridade6. Sobre músicos e gênios, amadores e profissionais, diversão e profissão7. Música de improvisação: a liberdade de ir aonde se deseja8. Interação teclas e timbres9. Alma de Pianista10. Seja mais que tecladista
1. ...e viva o órgão A geração atual precisa redescobrir (ou mesmo descobrir) o órgão eletrônico, as possibilidades timbrísticas dos drawbars são imensas, muita coisa que se faz com pads sintetizados e pianos poderia ser feita com órgão, o que dá uma identidade bem legal à música.
Apesar de ter atuado como tecladista profissional por muitos anos, e atualmente estar atuando mais como pianista, sempre fui um apaixonado por órgão vintage. Meu Combo TX-5 da TOKAI simula com competência o famoso vintage e seu gabinete de falantes giratórios, por isso tenho estudado bastante blues e ouvido muitos organistas célebres como Jimmy Smith.
(Para quem quiser ouvir boa música com o timbre único do órgão eletrônico mais famoso do mundo segue o link da rádio online "Hammond Organ Radio", excelente canal com música de todos os gêneros, blues, Jazz, Rock, R&B, Country, Gospel, etc).
Se um timbre de qualidade, bons controles e teclas maravilhosas, como o do meu TX-5, é útil em boa música, nem se fala dele utilizado para música dentro das igrejas cristãs, na verdade eu acredito que o timbre de órgão é o que melhor compartilha a linguagem espiritual da adoração cristã. Bem, o B3 e o C3 foram originalmente construídos para esse fim (e depois tomados pelo blues/jazz revelaram todo o seu potencial).
Jovens tecladistas, descubram as maravilhosas possibilidades musicais do órgão eletrônico, desconsiderem aquela opinião equivocada que muitos brasileiros têm e que liga esse instrumento a uma sonoridade litúrgica antiga e entendiante, isso não é verdade. Use todos os seus recursos, além dos do órgão erudito, barroco, da técnica limpa e rápida, use também os recursos do blues e do jazz, aprenda a escala de blues, colecione riffs e frases, abuse dos glissandos, vivifique e avive seu instrumento.
Usado com liberdade musical e com o coração, o órgão cria um som vibrante e que expressa com muita propriedade as emoções e impressões humanas, e porque não dizer, divinas. Viva o órgão!!
2. Sobre pianos: digitais e acústicos
Nós, tecladistas, nos acostumamos com o timbre de piano produzido por teclados eletrônicos, muitos de nós, de uma maneira tal, que acabamos tendo como referência de bom piano um timbre na verdade artificial. Sim, pode ser um bom timbre de piano para se tocar nos palcos, nos bares, nos clubes, amplificado pela qualidade em média dos amplificadores e sistemas de som disponíveis no mercado. Contudo, um som de piano acústico real é diferente dessa referência que muitos de nós adquirimos, na verdade o piano acústico é algo que dificilmente fica bom microfonado, o ideal é usá-lo naturalmente, numa sala com acústica adequada, como era no século XIX nas mãos de Chopin ou Liszt. Os harmônicos produzidos por todos os materiais que formam um piano acústico são coisas sofisticadas e complexas demais para serem simplesmente "eletrificadas". Não estou aqui desconsiderando os pianos eletrônicos, ao contrário eu amo o timbre dos pianos digitais, mas eles decididamente não são acústicos, e talvez nunca venham a ser. A questão não é somente o som, mas a interação do dedo tocando a tecla e o soar de todo o instrumento, martelos, feltros, cordas, madeira, tábua harmônica, aço, ferro, etc, etc, etc... e isso tudo em 88 notas, abrangendo todas as nuanças, em muitas dinâmicas, em velocidades variadas, em todas as frequências. Uma lição dessa reflexão rápida é a seguinte: antes de dizer que esse piano digital é melhor que aquele, toque um piano acústico de verdade, toque não como tecladista ou organista, mas como pianista, com a técnica correta, e não somente um piano, mas vários, já que marcas, modelos e idade fazem uma diferença enorme na característica e qualidade sonora de cada piano. Não, instrumentos musicais acústicos não são identidades assim simples e fáceis, são complicadas, temperamentais, muito diferentes uns dos outros, e em se tratando de pianos, ainda muito mais.!
3. Refletindo sobre execução pianística
O que faz uma execução madura e considerada "profissional", não é só o conceito original da composição e a destreza naturais, que músico de verdade precisa ter, é necessário também técnica que alie limpeza, sincronismo e dinâmica à execução da ideia. Isso, contudo, não se consegue naturalmente, não na maioria dos casos, são necessários estudo e atenção.
Limpeza se obtêm com conhecimento da escala que se deseja usar, sincronismo com estudo com metrônomo. No caso da dinâmica, trabalhar com todas as nuanças de volume que o piano permite, e não fazer tudo com a mesma força, assim como usar pedal de sustain e ser atencioso nas passagens das notas, para fazer legatos e staccatos quando necessários.
Dessa maneira o homem pode ser visto sobre a máquina, é produzida uma execução que pulsa, com o coração do pianista, e que não é fria, como se fosse feita por computador. Isso é possível mesmo em teclados eletrônicos de recursos mais limitados, se houver sensibilidade e cuidado na alma do músico.
4. Instrumentos de teclas
As teclas e o som que elas desencadeiam ao serem acionadas, devem desafiar o tecladista, e eu uso o termo tecladista aqui na mais nobre das intenções, me referindo não a usuários de teclados eletrônicos com ritmos, mas ao instrumentista que tem o privilégio de executar todos os instrumentos de teclas, sejam órgãos de tubos, cravos, pianos, órgãos elétricos,pianos elétricos, sintetizadores ou samplers.
Nesse desafio o pianista não deve se limitar às teclas pesadas de um majestoso e grandioso Piano Acústico, mas pode experimentar as teclas mais leves de um Piano Elétrico que batem martelos revestidos, não de feltro, mas de borracha, em barras metálicas, e não em cordas, e com isso descobrir os legatos sinados mais agudos que um piano elétrico Rhodes produz para uma balada romântica assim como os marcatos médio-graves distorcidos que podem pontuar um funk.
Um tocador de teclados eletrônicos também pode entender que é preciso menos força para tocar as teclas waterfall de um órgão Hammond, mas que as sutilezas nos staccatos podem ressaltar clicks dos contatos mecânicos do instrumento dando ao som uma característica acústica única.
Mas um organista pode perceber que não adianta ligar acordes em um sintetizador monofônico, contudo nas ligaduras de notas-solos, o ataque pode ser controlado, fazendo com que um timbre eletrônico se porte como um instrumento de sopro.
Portanto, pianista, organista ou tecladista, não se limite a um instrumento, e não cometa a arrogância de achar que seu instrumento é o melhor, as teclas nos permitem produzir muitas sonoridades, de maneiras variadas, desde que em cima das teclas estejam dedos, e em cada dedo, um coração, pronto a se expressar através dos teclados.
5. Cultura-Hammond: amor à sonoridade
Sou músico profissional há vinte e cinco anos, fiz oito anos de piano erudito, mas já atuei em todas as áreas do setor, toquei todos os estilos de música, do clássico ao sertanejo, passando por música instrumental, cerimonial e música para balé. Nesse meio você fica viciado em sintetizadores e samplers, e eu particularmente, tive o privilégio de viver em meu momento mais produtivo a evolução dos teclados musicais. Desde aqueles com polifonia pequena, onde se tinha que fazer milagres com a programação para se simular instrumentos acústicos, passando pela descoberta do protocolo MIDI, que nos permite aumentar os recursos conectando equipamentos diferentes, até a utilização dos sequenciadores, também com memórias limitadas, que exigiam do músico malabarismos para fazer um baile de quatro horas, colocando e tirando disquetes.
Para mim, que venho do piano, o timbre de órgão era, a princípio, apenas mais um, mas mesmo para muitos que tiveram o órgão eletrônico como porta de entrada para a música, a cultura Hammond, como eu vou chamar todo este mundo que inclui o timbre único do instrumento, suas registrações e suas técnicas de performance, também eram (e ainda são) desconhecidas. Aliás, no Brasil, por motivos culturais e econômicos, o acesso a um órgão Hammond B-3, o clássico da marca, é muito difícil. Nas igrejas e nos lares brasileiros, lugares nos quais a presença de um Hammond nos Estados Unidos é muito comum, eram disponibilizados órgãos eletrônicos com recursos limitados, e ainda assim, caros. A cultura de órgão eletrônico no Brasil é do uso desse instrumento no estilo erudito, e mesmo no meio litúrgico, numa música religiosa dentro das características da música usada na igreja romana, sendo assim melancólica e limitada. Desculpem-me, mas é importante que isso seja dito, para que entendamos mais a música de órgão, e aqui não vai qualquer julgamento de valor, apenas uma constatação técnica.
Nos Estados Unidos, o Hammond foi construído para servir as igrejas, e lá a igreja protestante (evangélica, termo que se tem usado mais atualmente) tem uma presença mais significativa. Mas talvez mais importante em termos estilísticos que o fator litúrgico protestante, está o fator afrodescendente norte-americano dentro dessas igrejas evangélicas. Estilos como o spiritual e o gospel pertencem à música evangélica negra norte-americana, que serviu de base ao jazz, ao soul, ao tão sedutor blues e finalmente ao rock & roll. Nesse meio foi que o Hammond tomou rumos que com certeza não foram planejados pelo fabricante de relógios Laurens Hammond quando criou em 1933 o primeiro modelo. O instrumento foi baseado na invenção do norte-americano Thaddeus Cahill do início do século XX, o Telarmónio (ou “Telharmonium”), um aparelho que pesava toneladas (devido ao gerador elétrico que era disponível na época para permitir seu funcionamento) e usava captadores de telefones para reproduzir o som através de primitivos alto-falantes. Laurens usou amplificadores a válvulas o que diminuiu bastante o tamanho de seu órgão (200 kg pesa um B-3).
O que faz o som do Hammond ser único? Primeiro é preciso entender que ele não é simplesmente um instrumento eletrônico, que manipula energia para criar seus tons, através de síntese ou amostras de outros sons previamente gravados (sampler). Ele é eletromecânico, e isso faz muita diferença, sua geração de som é feita através dos “tone wheels” que são rodas com dentes em sua volta que giram em uma velocidade constante. Próximo à borda das rodas está um captador, quando os “tone wheels” giram e cada vez que a ponta dentada passa pelo captador ocorre uma mudança no campo magnético que induz uma pequena voltagem no captador. Quanto maior a quantidade de dentes por segundo que passa pelo captador, mais agudo é o tom resultante. Dentes e captadores maiores são usados para as notas mais graves, as notas mais agudas usam dentes e captadores menores. A quantidade de dentes nos “tone wheels” são para a oitava mais grave, 12 “tone wheels” cada um com 2 dentes. As oitavas sucessivas possuem respectivamente 4, 8, 16, 32, 64, 128 e 192 dentes. Em um Hammond B-3 há um total de 96 “tone wheels” (apenas 91 produzem tons, o restante foi colocado apenas para o equilíbrio). Os famosos “drawbars” ajustam quais “tone wheels” serão usados possibilitando a maravilhosa variação de timbres que o Hammond possui.
Esse processo mecânico produz ruídos, chamados “clicks”, causados pelo desgaste natural do contato físico das partes mecânicas, assim como interage com o toque do organista de forma acústica, permitindo geração de sons distintos, conforme a maneira que se toca, seja em staccato ou em legato (toques rápidos e secos ou mais longos e ligados), mesmo que o teclado não reconheça a velocidade do toque para variar o nível de volume do som. Isso, que é natural no Hammond, e que até tentaram tirar do instrumento, mas depois foi deixado, é minuciosamente simulado nos órgãos eletrônicos mais sofisticados, como parte do timbre do instrumento, uma parte importante do charme e da magia dele. Mas os apaixonados pelo instrumento amam tudo nele, mesmo seu portentoso móvel de madeira, suportando dois teclados e abrigando embaixo uma vasta pedaleira, sustentando por pés cilíndricos, lembrando a penteadeira da vovó.
Contudo, não se pode falar de órgão Hammond, sem falar também da caixa amplificada Leslie. Esses dois equipamentos se tornaram tão ligados que é impossível separar um do outro, ambos, funcionando juntos, são responsáveis pelo timbre original e eterno desse célebre instrumento musical. A caixa Leslie, uma torre com cerca de 70 kg, é um sistema de falantes amplificados que amplifica e modifica o timbre através do movimento rotatório do som, os falantes de agudo e de grave possuem movimento e velocidade independentes. Ela pode ser acionada por um interruptor manual, geralmente anexado ao órgão Hammond à esquerda, embaixo do teclado inferior, e pode alternar as velocidades dos falantes, ajustes conhecidos como "chorale" (“slow” ou lento) e "tremolo" (“fast” ou rápido). Donald Leslie fabricou o primeiro modelo da caixa em 1941.
Como em tudo, a mudança ocorreu quando uma evolução atingiu seu clímax, organistas alcançaram o máximo do Hammmond mais pianístico (e nessa evolução o estilo Choro brasileiro foi difundido em todo o mundo), ainda usando muito da técnica do piano e o órgão erudito, com notas soltas e harmonia mais convencional. Foi então que o Hammond ficou “azul”, o timbre produzido tornou-se tão ou mais importante que a técnica, a impressão emocional do som começou a falar alto através dos ricos acordes do jazz e da liberdade de expressão do blues. Sim, a música gospel atual utiliza todo o potencial do instrumento em seus improvisos de glorificação ao divino, com todos os drawbars no extremo e a Leslie na velocidade máxima, como os do reverendo Moses Tyson Jr, ela tomou de volta aquilo que o mundanismo da música secular deu ao Hammond-Leslie. Mas fica difícil dizer quem fez isso primeiro, normalmente os que ousam desobedecer regras são os rebeldes, e quem ganhou notoriedade por tirar do Hammond-Leslie toda a sua potência timbrística foram os músicos de jazz e blues.
Jimmy Smith tem um toque refinado, numa timbragem (a famosa 888000000 com 3º percussivo) encorpada e fechada, se bem que faz o “squabbling”, uma técnica de arpejos de oitavas, com o timbre característico dessa técnica, aberto e bem “podre” (cheio de harmônicos). Jon Lord, um “hamondista” revolucionário, apesar de também ter uma influência forte da música erudita, como é comum em todos do rock progressivo, abusa de glissandos e distorções. É importante que se note aqui uma característica peculiar dos “hamondistas”, mesmo que a técnica do glissando, o passar a mão ou o polegar rapidamente no teclado na passagem entre notas ou acordes, possa ser usada tanto no piano como em órgãos litúrgicos, as teclas “waterfalls” do Hammond (formato sólido, como no piano, mas sem o dente na ponta) são as que se prestam melhor para isso, assim os organistas de Hammond desenvolveram uma técnica exclusiva desse instrumento, alcançando uma sonoridade única.
Mas a lista de “hamondistas” é enorme, e os estilos musicais também são muitos, que utilizaram e utilizam o Hammond-Leslie. Do chorinho e da bossa nova ao jazz, do blues ao acid rock, do psicodélico ao rock progressivvo, nomes como Ethel Smith, Jimmy Smith, Jimmy McGriff, Jack McDuff, Richard Groove Holmes, Billy Preston, Booker T., Chester Thompson, Lonnie Smith, às damas do Hammond como Trudy Pitts, Rhoda Scott, e uma mais jovem, Barbara Dennerlein, aos “hamondistas” atuais como Joey DeFrancesco, Tony Monaco, Jim Alfredson e Mike Mangan, deixando muita gente boa de fora por falta de espaço, isso tudo é prova que o timbre e a cultura Hammond não vão morrer e têm resurgido muito fortemente nos últimos anos. Tanto que a produção dos chamados “clonewheels”, simuladores de Hammond, assim como de processadores de efeitos que simulam a Leslie, têm se multiplicado. Ainda bem, para a sorte do músico brasileiro, produtos mais acessíveis estão disponíveis no mercado, mesmo com marca nacional, como o Tokai TX-5.
Os modelos C-3 e B-3 (com recursos iguais, com uma diferença no móvel do C-3, mais adequado para uso da organista), foram os que tiveram maior longevidade na empresa, fabricados entre 1954 e 1974. A Hammond, original norte-americana, encerrou os negócios em 1985 e foi comprada, assim como a marca Leslie, pela empresa japonesa Suzuki. A nova fabricação teve seu auge com a produção do "New B-3" em 2002, que disponibilizou uma recriação sofisticada do B-3 original usando tecnologia digital moderna. Mas a fábrica japonesa disponibiliza também modelos mais portáteis, a série SK, que têm também outros timbres, além da simulação do vintage eletromecânico. Hammond Trios têm surgido no mundo todo, com jovens organistas tanto celebrando e perpetuando temas como “The cat” e “Moanin” tocados por Jimmy Smith e “Green Onions” do “Booker T And The MGs”, assim como fazendo novos trabalhos com o potencial do timbre Hammond-Leslie.
Escrevo essa matéria não como profissional, mas como um amador, amador do timbre único Hammond-Leslie, amor que se transformou em paixão para mim, nos últimos anos, tanto que tenho estudado com entusiasmo as técnicas de performance, escala de blues e riffs, assim como ouvido muito o timbre desse instrumento, indiferentemente do estilo musical onde ele é usado. Que seja jazz, que seja rock, que seja blues, que seja country, que seja gospel, se tiver o timbre Hammond-Leslie terá uma característica única, uma identidade marcante expressada pelo potencial desses dois equipamentos que compõem um instrumento musical que já se eternizou tanto quanto o violino, o piano ou o a guitarra. O som cheio das flautas, o percussivo quente estalando, o crocante da Leslie em fast, a sujeira boa dos clicks e das válvulas sobrecarregadas, seja fazendo cama para o solo de uma semiacústica num pequeno clube, ou rasgando durante a adoração num templo cristão, o Hammond-Leslie terá o timbre perfeito para expressar alegria e tristeza, um coração quebrado e uma alma elevada, um instrumento tão humano, amado pela carne e enaltecido pelo espírito, viva o Hammond!
(Edições de agosto e setembro de 2014)
6. Sobre músicos e gênios, amadores e profissionais, diversão e profissão
Raríssimas pessoas são realmente consideradas com grandes dificuldades para desenvolverem talentos musicais, isso inclui cantar e tocar instrumentos, contudo uma boa parte, por um motivo ou outro, não se dá ao trabalho de apreciar e estudar boa música. Aqueles que se dão ao trabalho conseguem cantar e tocar bem um instrumento. Contudo, existe uma parcela menor, que também existe em qualquer ofício ou habilidade, chamada de gênio, esse tem uma facilidade maior, um aproveitamento muito eficiente no estudo de música, o que o leva a cantar e tocar de maneira excepcional em bem menos tempo que a maioria.
Posto isso gostaria de refletir sobre usos s frutos de música, principalmente na área instrumental:
- se você tem muita dificuldade para aprender música, brinque com ela, desfrute, por exemplo, de teclados automáticos, que são mais brinquedos que instrumentos musicais, que precisam de pouca destreza nos dedos, que fazem a maior parte do trabalho sozinhos, mas que te darão um retorno musical prazeroso;
- se você não quer ouvir ou estudar boa música, então, tudo bem, é opção sua, afinal existem níveis musicais para todos os gostos, mas saiba, que se você se esforçar um pouco poderá entrar num mundo que só te trará bons frutos, quem ouve boa música, uma sinfonia de Beethoven, um improviso de Dave Brubeck ou uma bossa nova de Tom Jobim, lida com seus sentimentos de forma mais sadia, e se aprender a tocar música erudita, jazz ou MPB, usará um tempo de forma produtiva que não será gasto em fins destrutivos; mas gostaria de dizer algo a você que escolhe por menos, não almeje profissionalismo e nem se sinta menosprezado, seja no meio que for, por não ser mais utilizado na música, outras pessoas, que se esforçam mais, merecem a honra pelo trabalho e estudo que fazem, você não acha isso justo?
- se você escolheu estudar música e apreciar peças de qualidade, saiba que além de desfrutar de prazeres únicos e elevados, você poderá trabalhar com música, lecionar, tocar em bandas ou nas igrejas, enfim, poderá alegrar não somente a própria alma, mas também as almas dos outros; isso é um dom maravilhoso, um privilégio único, cuja satisfação que proporciona muitas vezes terá que bastar, já que infelizmente arte de maneira geral não é muito valorizada nesse mundo, não por todos e em todos os lugares; contudo, tenho uma palavra especial também pra você, como um tudo na vida, cada pessoa tem seu tem seu tempo, seu crescimento, seus limites, não fique triste por não poder desempenhar a música com a criatividade e destreza dos gênios, na verdade toda essa genialidade, como exceção que é, também tem seus contras, não servem para todos os ambientes e ouvintes e muitas vezes acaba isolando a pessoa que a possui, do que realmente a abençoa;
- se você é um gênio musical, com vinte anos ou menos de idade já fazia aquilo que muitos não conseguirão, mesmo com bastante esforço, por toda a vida, uma palavra pra você: seja humilde e se apresente, o máximo que puder, não perca tempo e não se acomode com pouco, seu dom foi dado por Deus e junto dele existe uma missão cuja responsabilidade também lhe será cobrada, mas faça isso em paz, com tranquilidade, com humanidade, você é gênio, mas não é Deus, e nem precisa ser.
7. Música de improvisação: a liberdade de ir aonde se deseja
Se o que me motivasse a tocar um instrumento fosse somente demonstração de técnica, principalmente no que concerne à velocidade, executar o máximo de notas no menor tempo possível, eu teria me contentado com música erudita, afinal, basta estudar horas a fio exercícios repetitivos e passar meses para tirar uma única peça de Franz Liszt. Pode até ser por limite técnico, ou por falta de paciência mesmo, mas eu abri mão da fritação pela sonoridade, e é aí que a gente se liberta do piano e entra no mundo dos sintetizadores e órgãos, é então que um acorde com 5ª diminuta de quatro tempos, com muita distorção, fica mais interessante que semi-colcheias em staccato.
Em primeiro lugar é importante que se entenda que em notas poucas e longas cabem palavras, nas muitas e curtas não, e são as palavras que falam ao coração, são as palavras, mesmo as não ditas, mas sentidas em frases tocantes de improviso, que dão asas as almas. Não, não releguei a técnica de notas soltas e rápidas ao esquecimento, ao contrário, tenho estudado bastante escalas de blues, mas como eu disse, porque têm um valor sonoro mais eficaz, dá riqueza à liberdade do improviso, e liberta das composições dos outros. Perdoem-me os instrumentistas eruditos, mas ainda acho que música erudita é para amadores disciplinados, artistas de verdade, e não existe qualquer vaidade no uso desse termo, buscará a música de improvisação que na verdade é compor temas paralelos a temas já compostos, muitas vezes por outros.
Acho que tocar uma peça erudita é como competir com um carro de Fórmula 1 numa pista fechada, é necessário habilidade? Sim, mas todos os outros pilotos têm ferramentas semelhantes, e por melhor que sejam, nunca sairão daquele autódromo. Improvisar, contudo, é pilotar um automóvel, que nem precisa ser top de alta tecnologia, pode ser um carro popular, comum e barato, mas com liberdade para ir aonde se deseja ir, e da maneira que se quer. Na verdade a música erudita, nos tempos atuais, deveria ser estudo preliminar para todo músico sério, para aperfeiçoar a ferramenta, que depois de aprendida pode ser usada no improviso, onde a identidade artística realmente pode aparecer. Não, este texto não é uma crítica aos músicos eruditos, mas uma atenção aos que acham que tocar partitura está em algum nível superior em relação ao improviso.
8. Interação teclas e timbres
Quando usamos um teclado como controlador MIDI, o ideal é achar o ajuste adequado do teclado e uma programação de timbre do módulo/VST/outro teclado correta, de maneira que a interação seja o mais confortável possível, de acordo com o estilo de execução pessoal. Alguns timbres, que nos encantam em alguns geradores de timbres, que nas demos parecem espetaculares, simplesmente não funcionam quando executados pelas teclas, às vezes mesmo as teclas que já vêm anexas ao gerador de timbre (em teclados com sons próprios) não fazem esse trabalho decentemente. Dou muita importância à interação teclas-timbres, já que como pianista erudito de formação, sei da importância e da sofisticação que podem haver num toque. Muitos, acostumados somente com teclados eletrônicos ruins, nunca se atêm a isso. Não, teclas não são interruptores de lâmpadas elétricas, com dois estados, off e on, existem várias nuanças disparadas pela velocidade e duração do toque. Amplificadores, filtros e osciladores de frequências, dentre outras centenas de parâmetros presentes num sintetizador/sample players modernos, podem ser controlados pelo simples toque do dedo numa tecla.
Um dos critérios que uso para identificar um bom sintetizador é justamente isso, a interação entre teclas e timbres, e isso varia de timbre pra timbre. Por isso megastations com teclas pesadas de piano são boas para timbres de pianos acústicos, e não para o resto, timbres de órgão eletro-mecânicos vintage são melhores executados com teclas waterfall, e assim vai. Então, se você não percebeu isso ainda, atente-se: sinta a tecla em todas às possibilidades de dinâmicas que causam nos timbres, perceba a força que você usa nos dedos (de PP ao FF), o tempo que descansa nelas (de staccato ao legato), e como tudo isso age na produção do som, faça isso principalmente com os timbres que você mais utiliza, e então programe ou adquira o teclado mais eficiente. Mas é muito importante que conheçamos o funcionamento dos instrumentos originais, que os sintetizadores ou samplers estão pretendendo simular, como os instrumentistas os executam para entender toda a complexidade dos sons, assim como qual é a maneira que devemos manejar as teclas para reproduzir tais sons. Tecladista que se prese precisa conhecer pelo menos um pouco: um piano acústico original, os pianos elétricos Rhodes, Wurlitzer e mesmo o toque que somente o sintetizador FM DX-7 tinha para produzir seu aclamado Fulltines, assim como precisa entender como é manejado um Hammond, um Vox Organ, um Moog, etc, etc. Isso sem falar nos instrumentos de orquestra e populares, como violinos, sopros e guitarras. Se uma megastation disponibiliza ao tecladista um universo de possibilidades timbrísticas com seu arsenal de sons, exige dele também a responsabilidade de saber simular todos os timbres possíveis através das teclas.
9. Alma de Pianista
Um pianista necessita de um bom piano, devidamente ajustado, para fazer a música mais excelente, mas um bom pianista se reconhece ainda que sem um piano. Mesmo num teclado eletrônico barato e com poucos recursos, ele fará sua performance com técnica, buscando tirar do instrumento o máximo de sua capacidade sonora, sendo generoso e misericordioso mesmo com os "PSRs" mais humildes dessa vida, já que antes de tudo ele respeita a música que pode ser compartilhada com os recursos que tem em mãos.
Isso se vê logo de início, no ajuste da altura de estante e banco, na postura com que o músico senta ao teclado, posiciona braços e mãos, apoia-se e usa o pedal de sustain, a princípio dedilhando com cuidado, apenas conhecendo o instrumento, sendo educado, falando baixo, sem gritaria, até chegar em uma intimidade profunda com a sonoridade.
Um pianista se vê na escolha e ajuste do melhor timbre, adequado à amplificação e à sala, na utilização de todo o teclado, com os dedos em forma de concha, da nota mais grave a mais aguda, não se limitando apenas ao centro do instrumento, é claro quando isso não desequilibrar o arranjo, principalmente se estiver tocando com outros instrumentos ou vozes.
Mas um pianista genuíno se sente na dinâmica, tanto de notas soltas quanto de acordes, na expressão que bate um fortíssimo e toca num pianíssimo, na ligadura de frases, em delicados staccatos. Um pianista o é de alma, de tempo, de trabalho e de dedicação, o faz com paixão, por afeto, com todo seu ser, tratando o piano como ser amado, como cúmplice, como amigo, com amor.
10. Seja mais que tecladista
Para ganharmos a vida como músico, o instrumentista de teclas, precisa ter e saber usar os teclados baseados em samples. Bom pra nós, mas também ruim, tanto porque não nos pagam o que merecemos, como por acontecer do nosso trabalho mal pago substituir o trabalho de outros, o fato é que precisamos saber simular nas teclas uma linha de cordas, uma base de metais, além de tantos outros instrumentos e efeitos que precisamos executar nas teclas para produzir os arranjos das músicas.
Com tudo isso, e respeitando o tecladista profissional, competente e tão mal compreendido, é preciso que o instrumentista das teclas saiba seu lugar principal, priorize e se especialize nos instrumentos de teclas originais. Então eu volto a falar do estudo de piano, atividade esquecida cada vez mais pela juventude, que tem preferido outros instrumentos e deixado de lado o rei dos instrumentos, o piano acústico. Mas quero incentivar também o estudo do órgão, que seja no estilo erudito, dos grandes mestres da música barroca e clássica, que seja no estilo mais popular dos órgãos eletrônicos, que seja no blues e no jazz do órgão Hammond, o rei dos órgãos. Aquele que se identifica como tecladista precisa dominar as técnicas desses instrumentos, caso contrário, seremos apenas operadores de sampler-players. Isso é pouco? Não, não é, mas é bem menos que podemos ser como pianistas e organistas.
Amigos tecladistas, lembro que operadores de máquinas existem aos milhares, pianistas e organistas, todavia, estão cada vez mais raros, não deixemos que essa arte morra, e você pode ter certeza, se souber tocar um piano ou um órgão de verdade, outros teclados, sintetizadores, samplers, etc, ficarão bem mais fáceis de serem operados, e o faremos, não só como operadores de máquinas, mas com alma, com coração, como verdadeiros pianistas e organistas.