domingo, maio 31, 2020

Reavaliemos nossas crenças (Íntegra)

      “Reavaliemos nossas crenças”, um estudo em trinta partes, espero que você se aproxime mais de Deus com a leitura desses textos, não, necessariamente, concordando com tudo, mas abrindo um espaço em teu coração e em tua mente para refletir mais a fundo sobre pilares tão importantes da doutrina cristã protestante.

01. Reavaliemos nossas crenças (Introdução)
02. Criacionismo 
03. Mitos 
04. Antropomorfismos 
05. Causa e Efeito 
06. Poder, Fé e Milagre (parte 1)
07. Poder, Fé e Milagre (parte 2)
08. Homoafetividade
09. Casamento e Bíblia
10. Casamento hoje
11. “A Bíblia é a palavra de Deus”
12. Catolicismo e Protestantismo 
13. Comunicação com mortos na Bíblia 
14. Comunicação com mortos e a Teologia
15. Céu 
16. Inferno
17. Eternidade 
18. Israel
19. Altar, sacrifício e levita 
20. Dízimos 
21. Igrejas
22. Pastores 
23. Chamadas (parte 1)
24. Chamadas (parte 2)
25. Política e Evangelho 
26. Sabedoria (parte 1)
27. Sabedoria (parte 2)
28. Sofrimento humano
29. Jesus reavaliou todas as religiões 
30. Reavaliemos nossas crenças (Conclusão)

Agrupadas por assunto

      Sociedade:
01. Reavaliemos nossas crenças (Introdução)
08. Homoafetividade
09. Casamento e Bíblia
10. Casamento hoje
25. Política e Evangelho 
26. Sabedoria (parte 1)
27. Sabedoria (parte 2)
28. Sofrimento humano

      Igreja:
12. Catolicismo e Protestantismo  
20. Dízimos 
21. Igrejas
22. Pastores 
23. Chamadas (parte 1)
24. Chamadas (parte 2)
30. Reavaliemos nossas crenças (Conclusão)

      Bíblia:
02. Criacionismo 
03. Mitos 
04. Antropomorfismos 
11. “A Bíblia é a palavra de Deus”
18. Israel
19. Altar, sacrifício e levita 
29. Jesus reavaliou todas as religiões 

      Espiritualidade:
05. Causa e Efeito  
06. Poder, Fé e Milagre (parte 1)
07. Poder, Fé e Milagre (parte 2)
13. Comunicação com mortos na Bíblia 
14. Comunicação com mortos e a Teologia
15. Céu 
16. Inferno
17. Eternidade 

1. Reavaliemos nossas crenças (Introdução)

      “Porque eu bem sei os pensamentos que tenho a vosso respeito, diz o Senhor; pensamentos de paz, e não de mal, para vos dar o fim que esperais. Então me invocareis, e ireis, e orareis a mim, e eu vos ouvirei. E buscar-me-eis e me achareis, quando me buscardes com todo o vosso coração.” Jeremias 29.11-13

      Muitas pessoas percebem que suas crenças não estão funcionando, mas ainda assim não param para reavalia-las, continuam dizendo a si mesmas que não há nada de errado nas crenças, se algo errado existe é nelas, assim mantêm tradições e dogmas inquestionáveis, achando que questionar é pecado. Deus é inquestionável, ainda que aberto a diálogos, mas as crenças não são, elas são interpretações humanas de Deus, não Deus, mesmo a Bíblia não foi escrita diretamente por Deus, mas por homens, ainda que dizendo-se inspirados por Deus. Questionar as crenças é questionar os homens que as construíram, no cristianismo é avaliar a tradição judaica-cristã, o catolicismo, o cânone bíblico protestante, as relevâncias por trás da eleição de certas doutrinas, a funcionalidade de tudo isso no mundo atual, na eternidade e em nossas vidas.
      Confesso que não teria coragem de compartilhar uma reflexão como a deste estudo há pouco tempo atrás, ainda que sempre tenha questionado a razão de tanta coisa ensinada em igrejas simplesmente não se converterem em prática, serem só simples teorias que as pessoas adoram, mas que não trazem no dia a dia transformação de vida. Minha mudança de atitude não tem a ver com qualquer espécie de decepção que tive com Deus, ao contrário, já provei, provo e sei que provarei sempre uma presença tão real de Deus, me curando e me consolando, que minha alegria em caminhar com Jesus e adora-lo como altíssimo e santíssimo só aumenta. Amo a Deus! Contudo, é com tristeza que vejo sempre em muitos cristãos, uma incoerência entre fé e obras. A culpa não é de Deus, mas no que muitos creem e no que desejam viver através das crenças.
      O problema está nas pessoas? Sim, mas pessoas que não querem resolver problemas do jeito certo não buscam crenças corretas, mas aquelas mais convenientes. Isso, contudo, poderia começar a ser resolvido se as pessoas dessem início a um longo processo de reavaliação das crenças. Isso as afastaria de Deus? As deixaria decepcionadas com igrejas e líderes? As colocaria num estado de rebeldia sem volta? Não, não e não! Não se elas não quiserem e se diante das discrepâncias percebidas elas se aplicarem em buscar mais ainda ao Deus verdadeiro. Mas só faz essa busca séria e profunda os homens crescidos, crianças não fazem porque ainda não podem andar com as próprias pernas e precisam ser supervisionadas, e nisso, a princípio, nada há de errado. Infelizmente é na supervisão aos novos na fé que oportunistas se apresentam.
      A roda viva do universo nos move, nos conduz à realidade, nos leva a amadurecer, a reavaliar as crenças, nos mostra o egoísmo dos homens, de todos eles. A vida nos leva a querer conhecer mais sobre a verdade e os mistérios de Deus numa vida de qualidade espiritual, não material. A principal mentira ensinada em muitas igrejas hoje é o materialismo, para se ter riquezas e ser vitorioso socialmente, que encontra no velho testamento apoio para um cristianismo ganancioso e beligerante, que não conduz à espiritualidade, mas só a uma vida boa nesse mundo. Assim, ter fé para ser rico como Jacó ou Davi passa a ser mais importante que buscar uma vida humilde, com domínio próprio e santidade, santidade que não se evidencia necessariamente em não beber bebidas alcoólicas (lei tão venerada nas igrejas quanto desobedecida) e em se vestir diferente do padrão secular. 
      Cristãos querem fé para mover montes, mas não têm iniciativa para pedir perdão ou perdoar um irmão, têm forças para passarem dias em jejum, mas não têm vontade para perguntar ao irmão, da cadeira ao lado num culto, como ele está, para então ouvi-lo contar seus problemas por vinte minutos que sejam. As pessoas entram egoístas e imaturas nas igrejas, passam anos lá, e saem ainda egoístas e imaturas, mas acreditando que são espirituais e que vão para céu e não para o inferno, seja céu e inferno lá o que for que elas creiam que sejam. Isso porque as pessoas não pensam, não avaliam e reavaliam suas crenças, se estão num templo grande e confortável (que em suas mentes confere legitimidade a ministérios) ou num pequeno e pobre (achando que só isso as faz mais espirituais), se acomodam a crenças e não questionam. 
      O texto inicial de Jeremias 29 é uma dessas passagens maravilhosas da Bíblia, que consolam nossos corações com precisão de bisturi, que parecem dizer exatamente os que queremos e precisamos ouvir, bem, a passagem diz exatamente isso, “para vos dar o fim que esperais”. O que mais esperamos para nossas vidas que um final feliz? Mas existe uma condição para isso, “quando me buscardes com todo o vosso coração”, ah se fizéssemos exatamente isso, quanto sofrimento evitaríamos, em nossas vidas e nas vidas de outros. Tudo o que tento compartilhar em reflexões como está só será entendido por aqueles que fizerem isso, buscarem a Deus com todo o coração. Igreja de Cristo, quer um final feliz para você? Eternidade com Deus? Deixe a hipocrisia, reavalie tuas crenças e busque a Deus, com todo o coração.
      Quer assuntos que exigem de nós cristãos atuais reavaliações urgentes de nossas crenças? Cito dois, já tantas vezes refletidos aqui: o primeiro é criação versus evolução, o segundo é a sexualidade homoafetiva. Sim, são polêmicos, e só podem ser entendidos na oração de corações e mentes abertos para o Espírito Santo, não para tradicionais crenças religiosas humanas. Em primeiro lugar, você ainda acha que o mundo foi feito em sete dias de vinte e quatro horas e que qualquer informação que a ciência dê sobre evolução das espécies é coisa do diabo? Ou pensa que toda expressão homossexual, e eu disse toda, é pecado? Pois se acha isso precisa urgentemente reavaliar tuas crenças, como eu disse em oração, em temor a Deus, medindo teoria com prática, e querendo de fato conhecer a verdade de Deus sobre esses assuntos.

2. Criacionismo

      “Na tradição judaico-cristã sobre a criação divina do mundo, que é baseada em Gênesis, um ser único e absoluto, denominado Javé ou Jeová (ou Deus), perfeito, incriado, que existe por si só e não depende da existência do Universo, é o elemento central da estrutura criacionista. Exercendo seu infinito poder criativo, ele criou o Universo em seis dias e no sétimo descansou. Sempre através de palavras, no primeiro dia, ele fez a luz e separou o dia da noite; no segundo dia, ele criou o céu; no terceiro dia, a terra e o mar, as árvores e as plantas; no quarto dia, o Sol, a Lua e as estrelas; no quinto dia, os peixes e as aves; e, no sexto dia, ele criou os animais e, por fim, ele fez o homem e a mulher (Adão e Eva) à sua imagem e semelhança.“ Fonte Wikipedia 

      Criacionismo bíblico (existem crenças criacionistas de outras culturas que não as de tradição religiosa judaica-cristã) é a crença que tudo foi criado por Deus, através de ordens verbais, numa sequência e de maneira separada. Na Bíblia, a criação, do Sol, da Lua, das estrelas, da terra, do céu, do mar, dos vegetais, dos animais e do homem, é descrita no livro de Gênesis. Cada evento foi realizado em um dia, assim seis dias foram necessários e no sétimo dia Deus descansou, segue um resumo do texto bíblico:

      “No princípio criou Deus os céus e a terra. E a terra era sem forma e vazia; e havia trevas sobre a face do abismo; e o Espírito de Deus se movia sobre a face das águas. E disse Deus: Haja luz; e houve luz.” Gênesis 1.1-3

      “E Deus chamou à luz Dia; e às trevas chamou Noite. E foi a tarde e a manhã, o dia primeiro.” Gênesis 1.5

      “E disse Deus: Haja uma expansão no meio das águas, e haja separação entre águas e águas.“ “E chamou Deus à expansão Céus, e foi a tarde e a manhã, o dia segundo.” Gênesis 1.6, 8

      “E a terra produziu erva, erva dando semente conforme a sua espécie, e a árvore frutífera, cuja semente está nela conforme a sua espécie; e viu Deus que era bom. E foi a tarde e a manhã, o dia terceiro.” Gênesis 1.12-13

      “E fez Deus os dois grandes luminares: o luminar maior para governar o dia, e o luminar menor para governar a noite; e fez as estrelas.“ “E foi a tarde e a manhã, o dia quarto.” Gênesis 1.16, 19

      “E Deus criou as grandes baleias, e todo o réptil de alma vivente que as águas abundantemente produziram conforme as suas espécies; e toda a ave de asas conforme a sua espécie; e viu Deus que era bom.“ “E foi a tarde e a manhã, o dia quinto.” Gênesis 1.21, 23

      “E criou Deus o homem à sua imagem: à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou.“ “E viu Deus tudo quanto tinha feito, e eis que era muito bom; e foi a tarde e a manhã, o dia sexto.” Gênesis 1.27, 31

      “E havendo Deus acabado no dia sétimo a obra que fizera, descansou no sétimo dia de toda a sua obra, que tinha feito.” Gênesis 2.2

     II Pedro 3.8, “mas, amados, não ignoreis uma coisa, que um dia para o Senhor é como mil anos, e mil anos como um dia”, é a primeira coisa que temos que saber para reavaliar a criação descrita em Gênesis, é uma daquelas revelações maravilhosas que Deus permitiu que estivesse na Bíblia, um toque discreto do Espírito do altíssimo para entendermos como as coisas realmente funcionam. Cristão, tema a Deus, isso é bom, é proteção e vitória, creia num Deus poderoso e próximo, ele responde prontamente aos que o buscam, mas entenda, o universo funciona dentro de leis imutáveis, criadas por Deus. Um Deus sem início e sem fim, não fica velho, não se cansa e sabe de tudo sempre, mas que para nós, seres humanos finitos, atua em grandes extensões de tempo, não em dias, em anos, mas em milhares, milhões, bilhões de anos, em eras.
      Um Deus grande faz coisas grandes em grandes eras temporais, isso não diminui a Deus, isso diminui a nós, reles criaturas humanas. Quer entender um pouco sobre Deus? Pense grande, bem, a ciência pensa grande, pensa com profundidade, investiga e comprova com rigor, a ciência não é invenção do diabo, mas do melhor do homem em sua área intelectual, o mesmo homem que a Bíblia diz que foi criado à imagem de Deus. Quer uma verdade? Junto da fé, a ciência é o que mais aproxima o homem de Deus, e eu disse aproxima, não afasta. A ciência se opõe ao criacionismo através de várias teorias, a do “Big Bang” e a do Evolucionismo são duas delas, uma sobre a criação do universo e a outra sobre a criação da natureza e do homem. Se o Evolucionismo extende a criação da vida em nossa planeta à dimensões não imagináveis, o “Big Bang” vai muito mais além.

      Georges Lemaître (1927) propôs a teoria “Big Bang” da origem do universo, embora tenha chamado de "hipótese do átomo primordial":
Big Bang ou Grande Expansão é a teoria cosmológica dominante sobre o desenvolvimento inicial do universo. Os cosmólogos usam o termo "Big Bang" para se referir à ideia de que o universo estava originalmente muito quente e denso em algum tempo finito no passado. Desde então tem se resfriado pela expansão ao estado diluído atual e continua em expansão atualmente. A teoria é sustentada por explicações mais completas e precisas a partir de evidências científicas disponíveis e da observação. De acordo com as melhores medições disponíveis em 2010, as condições iniciais ocorreram há aproximadamente 13,3 ou 13,9 bilhões de anos.“ Fonte Wikipedia

      O livro “A Origem das Espécies” (“On the Origin of Species”, 1859), do naturalista britânico Charles Darwin, apresenta a Teoria da Evolução:
Neste livro, Darwin apresenta evidências abundantes da evolução das espécies, mostrando que a diversidade biológica é o resultado de um processo de descendência com modificação, onde os organismos vivos se adaptam gradualmente através da selecção natural e as espécies se ramificam sucessivamente a partir de formas ancestrais, como os galhos de uma grande árvore: a árvore da vida”. “A proposta de Darwin que as espécies se originam por processos inteiramente naturais contradiz a crença religiosa na criação divina tal como é apresentada na Bíblia, no livro de Génesis. As discussões que o livro desencadeou se disseminaram rapidamente entre o público, criando o primeiro debate científico internacional da história.” Fonte Wikipedia

      O processo evolucionista, no que se refere principalmente ao homem, já provado pela ciência de forma irrefutável, através de restos de esqueletos encontrados, datação por carbono 14 etc, necessariamente não nega Deus, só abre nossas mentes para que entendamos um Deus que age diferentemente de como foi ensinado aos homens de quatro mil, dois mil ou cem anos atrás. Através do evolucionismo podemos como cristãos entender que Deus usou uma evolução física, lenta e complexa, para que o homem, o Adão mítico ou o primeiro homo sapiens, fosse alcançado e recebesse o sopro do espírito. Em milhões de anos e não em sete dias? Sim. Qual o problema disso? Não seriam os sete dias sete eras de vinte e quatro outras eras, resumidas por Moisés para facilitar o entendimento de homens que ainda não tinham um conhecimento científico desenvolvido?
      A espiritualidade não podia aguardar a ciência para ser apresentada, assim os homens registraram suas experiências espirituais da maneira que podiam entender em seus contextos intelectuais e culturais, o Espírito Santo nunca teve interesse em que a Bíblia ou qualquer outro texto sagrado fosse de caráter científico, precisamos entender e aceitar isso. Assim temos que reavaliar, não os conceitos espirituais fundamentais e absolutos, mas os materiais citados na Bíblia. Jesus nunca perderá seu lugar, mas nossa ideia do pecado entrar na humanidade porque uma Eva mítica comeu do fruto de uma árvore proibida mudará, ainda que na essência algo tenha sido feito, através da mordida de um fruto físico ou não, que desobedeceu uma ordem de Deus e que trouxe separação entre o homem e seu criador.
      Graças a Deus, hoje temos a ciência, então a usemos para entender melhor o plano de Deus, e mais, à medida que a ciência evoluir, mais ainda teremos que reavaliar nossas crenças. Que a ciência explique o que lhe cabe, a matéria, e que a fé se aproprie daquilo que não pode ser provado, o espírito. A nós, cristãos humildes e sábios, cabe guardar o conhecimento espiritual, mas de forma alguma fechar os olhos para o conhecimento material, cabe-nos, mais até que aos cientistas materialistas, harmonizar as duas coisas. Mas ainda que tenhamos a humildade para reavaliar nossas crenças com base na ciência, não nos iludamos, a ciência não sabe tudo, ainda mudará muito de opinião sobre muitas coisas, ainda que muitos arrogantemente achem que não, contudo, repito, quem deve ser humilde para aceitar o outro ponto de vista, ainda que saibamos que esse pode mudar, somos nós crentes em Deus, não os cientistas.

3. Mitos

      “Um mito (em grego clássico: μυθος; transl.: mithós) é uma narrativa de caráter simbólico-imagético, ou seja, o mito não é uma realidade independente, mas evolui com as condições históricas e étnicas relacionadas a uma dada cultura, que procura explicar e demonstrar, por meio da ação e do modo de ser das personagens, a origem das coisas (do mundo; dos homens; dos animais; das doenças; dos objetos; das práticas de caça, pesca, medicina entre outros; do amor; do ódio; da mentira e das relações, seja entre homens e homens, homens e mulheres e mulheres e mulheres, humanos e animais etc.). Sendo dessa maneira, é correto dizer que o mito depende de um tempo e espaço para existir e para ser compreendido. Ao mito está associado o rito. O rito é o modo de se pôr em ação o mito na vida do homem - em cerimônias, danças, orações e sacrifícios. 
      O termo "mito" é, por vezes, utilizado de forma pejorativa para se referir às crenças comuns (consideradas sem fundamento objetivo ou científico, e vistas apenas como histórias de um universo puramente maravilhoso) de diversas comunidades. Acontecimentos históricos podem se transformar em lendas, se adquirem uma determinada carga simbólica para uma dada cultura, e serem erroneamente chamados de mito. Na maioria das vezes, o termo refere-se especificamente aos relatos das civilizações antigas, mas há de se lembrar que muitas comunidades contemporâneas ainda se valem e muito do mito que, organizados, constituem uma mitologia - por exemplo, a mitologia grega, a mitologia romana, etc.” 

      Para entendermos melhor a Bíblia, é importante que reavaliemos também o elemento mítico contido nela. A descrição da criação de Gênesis, Adão, Eva, a Serpente, a Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal, mesmo o dilúvio e Noé, podem ser mitos, e se existem esses mitos, por que não podemos entender também o céu e o inferno descritos na Bíblia como mitos? Símbolos de personagens, eventos e lugares, sejam físicos ou espirituais, reais, mas registrados como foram na Bíblia, de uma forma mais simples, para que uma humanidade, ainda sem informação científica ou formação psicológica, pudesse aprender o caminho de Deus? 
      Não estamos colocando um mito grego no mesmo nível de uma tradição religiosa hebréia ou evangélica, mas ambos tecnicamente são mitos e com origens em verdades espirituais reais, ainda que um em histórias dos grandes anjos caídos passadas por homens e o outro em experiências com o Deus altíssimo passadas por homens ditos inspirados pelo Espírito Santo. Mas como mito, tanto um como o outro teve com o tempo, e principalmente pela tradição oral (contar uma história de geração para geração através de palavras sem usar registro da escrita), adições e subtrações aos fatos reais, exageros e desprezos, conforme as características e mesmo interesses de quem contou. 
      Assim a verdade sobre Deus colocando seu sopro de vida no primeiro homem, tornou-se no mito de Adão, a verdade sobre um homem que construiu uma arca para proteger sua família e os animais de sua região de um grande temporal, se transformaria no mito do dilúvio e Noé. O que temos que entender é que mitos não são as narrações ao pé da letra de fatos genuínos preservadas fielmente no tempo e no espaço por homens preocupados com uma verdade científica. Mesmo o acompanhamento real e amoroso de Deus não anulou o livre arbítrio de Moisés e de outros escritores hebreus e do novo testamento no registro dos textos bíblicos, a Bíblia é especial, sim, mas ainda que seja mítica em muitos pontos. 
      Mitos não são, ou não eram, intencionais, eles se tornaram com o tempo, e isso ocorreu durante muito tempo da história da humanidade. Talvez a partir do último XX, principalmente com meios mais precisos para se registrar uma quantidade maior de fatos, como os computadores, novos mitos deixem de ser criados, talvez o homem contemporâneo não entenda o conceito de mito, nem sua relevância. Mas isso infelizmente não tem tornado o ser humano, principalmente os cristãos, mais lúcidos com a maneira como avaliam sua religião e seus textos sagrados, ocorre é que muitos mitos antigos contém muito mais verdades espirituais que muitos fatos mais novos, comprovados por meios mais científicos.
      O ser humano tem se tornado radical, nos dois polos, ou é exigente ou cego num polo ou é cético ou cego no outro, veja que ser cego é ruim tanto num extremo quanto no outro, incorre-se no mesmo erro, ausência de crítica para não negar ou aceitar sem reavaliar. O homem é maravilhoso justamente porque é um ser que contém as duas coisas, matéria e espírito, ciência e fé. Deus é sábio, Deus é equilíbrio, Deus é matéria e espírito, o Espírito Santo de Deus que habita no novo nascido em Cristo é conduzido, atraído, para ser isso também, se não consegue ser é por escolha própria, escolhe-se isso porque é mais fácil, mais cômodo. O verdadeiro conhecimento está no equilíbrio, e isso inclui o conhecimento da Bíblia.
  
4. Antropomorfismos

      Esta reflexão é dividida em duas partes, na primeira parte reavaliaremos algo muito presente na Bíblia, antropomorfismo, na segunda, continuando o pensamento, refletiremos sobre a lei universal de causa e efeito, que têm respaldo na Bíblia, sim! Como introdução, um estudo em Salmos 11.5.

      “O Senhor prova o justo; porém ao ímpio e ao que ama a violência odeia a sua alma.” 
      “O Senhor prova o justo, mas a sua alma aborrece o ímpio e o que ama a violência.
      “O Senhor põe à prova o justo e o ímpio; mas ele abomina o que ama a violência.”
 Salmos 11.5

      O Senhor prova o justo, e isso não é a tentação menor dos demônios nem da concupiscência da carne, com as quais convivemos em todo o tempo, tentação não é provação. A provação de Deus nos confronta com uma situação, com pessoas, com palavras ou atitudes externas, e mesmo com sentimentos e pensamentos internos, que suscitam em nós a ira, “esquentam” nosso sangue, como se diz. A ira sempre tenta nos arrastar para uma reação de violência, seja física ou verbal. Mas isso é só uma provação, assim, ainda que sintamos algo forte, que experimentemos pensamentos intensos (e não estranhemos, isso todos nós sentimos, ainda que não admitamos), nos acalmemos e busquemos no Espírito Santo que habita os filhos de Deus, a pacificação. 
      Paz é sempre possível ao justificado em Cristo, porque esse teve o coração curado, coração que agora não tem prazer na violência. O justo não ama a violência, e ainda que ela exista nele por pouco tempo, ele se sente mal com isso. Citei três versões de Salmos 11.5 para entendermos melhor o que Deus sente sobre o que ama a violência, penso que o termo “despreza” seria mais adequado, já que pensar num Deus que “odeia” é antropomorfizar demais o divino altíssimo santíssimo de luz. Na verdade quem ama a violência se coloca por ele mesmo longe de Deus, em trevas, e esse não tem direito ao amor de Deus, mas à negação desse amor, que não é o ódio de Deus, mas simplesmente a ausência de seu amor. Terrível é estar nessa posição, de fato uma posição onde se prova que entendemos como ira de Deus. 

      “Antropomorfismo: forma de pensamento comum a diversas crenças religiosas que atribui a deuses, a Deus ou a seres sobrenaturais comportamentos e pensamentos característicos do ser humano.” 
Fonte Dicionário Google

      Antropomorfizar é aliar comportamentos ou características humanas a outros seres, sejam seres físicos, animais, como seres subjetivos ou “espirituais”, “deuses”. O desenho da Disney do Mickey, por exemplo, usa um camundongo antropomorfizado, com pernas, braços, mãos e andando de pé, como se fosse um ser humano, mas com cabeça de bicho. Quando falamos com bichos e plantas estamos antropomorfizando, isso não é loucura, mas uma faceta sadia da nossa imaginação que nos ajuda em nossas carências. 
      A mitologia grega (e outras como a hinduísta) é fundamentada em antropomorfismos, já que seus deuses são formatações de virtudes e defeitos humanos, como deusa da sabedoria, deus da guerra, musas das artes, deusa do amor, deus do mar e outros. Mas no caso de seres espirituais que não sejam Deus, podemos levantar uma pergunta: são eles meras invenções baseadas em interpretação emocional humana ou entendimento real das especificidades de funções de anjos e diabos? Esse é assunto do livro apócrifo de Enoque e da angelologia, área da teologia. 
      “Deus odeia” (Salmos 1.5), “Deus se ira” (Deuteronômio 9.7), “Deus se vinga” (Salmos 94.1), “Deus se arrepende” (Gênesis 6.6), esses são exemplos de antropomorfismos na Bíblia. Mas qual é a crítica a isso? A resposta é um novo questionamento: será que um Deus santíssimo, altíssimo, com luz espiritual e moral mais clara, que tudo sabe e pode, odeia, se ira, se vinga ou se arrepende? Essas são características de homens, ou de seres espirituais, mas será que são de Deus? O Deus verdadeiro pode ser antropomorfizado? 
      Se não pode por que a Bíblia o antropomorfiza? Por não entender corretamente porque os escritores bíblicos registraram assim reações de Deus, é que muitos se enganam sobre a verdadeira vontade de Deus para suas vidas, tentam copiar algo que não entendem. Muitos pensam, “se Deus, munido de razão, pode se vingar, eu também posso”, e mais, “Deus pode se vingar por mim se eu orar a ele”. Novamente aqueles que pensam que a Bíblia deve ser seguida ao pé da letra podem se equivocar.

      “E viu o Senhor que a maldade do homem se multiplicara sobre a terra e que toda a imaginação dos pensamentos de seu coração era só má continuamente. Então arrependeu-se o Senhor de haver feito o homem sobre a terra e pesou-lhe em seu coração. E disse o Senhor: Destruirei o homem que criei de sobre a face da terra, desde o homem até ao animal, até ao réptil, e até à ave dos céus; porque me arrependo de os haver feito.” Gênesis 6.5-7

      O texto acima de Gênesis tem dois antropomorfismos, “arrependeu-se o Senhor” e “pesou-lhe em seu coração”. Deus se arrepende? O coração de Deus sofre (pesa)? Quem se arrepende é porque fez uma coisa e depois viu que fez errado, por tanto depois percebeu que não devia ter feito, mas se Deus sabe de tudo antes, como fez algo que não era para ser feito? Ou se é perfeito e não erra, como fez algo errado digno de arrependimento? Por outro lado um Deus que é amor e luz não pode odiar ou se irar, na verdade o que ele faz é não amar ou não abençoar alguém que está em pecado. 
    Isso acontece não para que Deus feche a porta para que o que está em pecado se arrependa, essa porta está sempre aberta neste mundo, mas para que o pecador colha a ausência do amor de Deus enquanto não se arrepende. A grande ira de Deus sobre o homem é ele ser impedido, pelo próprio homem, de se aproximar do homem e abençoá-lo, o fato de Deus não fazer nada e entregar o homem à colheita de seu plantio errado, enquanto não se arrepende. A conclusão que Deus de fato não se ira e que o homem apenas colhe o que plantou, nos leva a um novo tema para reflexão, causa e efeito, veja isso na próxima parte do estudo “Reavaliemos nossas crenças”.
 
5. Causa e Efeito

      Nesta segunda parte do tema antropomorfismo, uma reflexão sobre a lei universal de causa e efeito, para entender melhor o texto que segue é interessante a leitura da primeira parte da reflexão feita na postagem anterior.

      “Não erreis: Deus não se deixa escarnecer; porque tudo o que o homem semear, isso também ceifará. Porque o que semeia na sua carne, da carne ceifará a corrupção; mas o que semeia no Espírito, do Espírito ceifará a vida eterna. E não nos cansemos de fazer bem, porque a seu tempo ceifaremos, se não houvermos desfalecido.” Gálatas 6.7-9

      Se o homem quando faz algo certo, colhe o bem, e quando faz algo errado, colhe o mal, significa que Deus não age? Significa que tudo segue a lei da causa e efeito (ensinada pelo hinduísmo, mas também citada na Bíblia)? Deus age através da lei de causa e efeito, lei que ele mesmo estabeleceu, que se manifesta pelo universo que se encarrega de dar e de tirar, universo que ainda que não seja Deus, está contido em Deus. Deus agiu de fato uma única vez, num momento longínquo do tempo, no fenômeno que cientistas chamam de “big bang”? Pode ser, nele houve um disparo divino que iniciou todas as coisas, a causa primordial para o efeito eterno de tudo vir a existir, efeito descrito em detalhes nos primeiros versículos de Gênesis. 
      Seja como for, a partir disso, tudo é causa e efeito, plantio e colheita. Então onde está a ação presente de Deus? Está em Jesus, um ato acima de tudo de amor, isso porque existe um mal maior que o homem não pode anular com um bom plantio ainda que colha prosperidade desse plantio neste mundo. Por isso Jesus é tão especial, só através dele temos acesso ao altíssimo e a uma eternidade perto do melhor de Deus. Neste mundo, todavia, é causa e efeito de nossos próprios atos, sem vingança, sem arrependimento, sem ódio e sem ira de Deus. Deus não funciona assim porque Deus é Deus, não criatura, seja encarnada ou espiritual. Por que então a Bíblia cita um Deus que odeia, que se ira, que se vinga, que se arrepende?
      Porque a Bíblia, como as religiões e tantos outros textos sagrados, ainda que ela conte a história de um povo que trouxe ao mundo Jesus, o único salvador, a Bíblia é uma construção humana, seja da tradição judaica, de Moisés, de Esdras, dos evangelistas, de Paulo, de João, da tradição católica, da protestante e de tantos outros homens. Não nos iludamos, ainda que ela seja diferente de outros textos sagrados de outras religiões, ainda que o Cristo seja o centro dela, algo que não é contado em nenhum outro livro religioso, ainda que o Espírito Santo inspire seus escritores, a palavra final registrada na Bíblia é sempre da subjetividade humana, limitada espiritual, cultural e socialmente.
      Interpretar as reações de Deus como reações humanas acontece por causa da imaturidade do homem, isso o leva a concluir a coisa mais fácil e mais rápida, e a coisa mais fácil e mais rápida sempre usa o próprio homem como referência. Fazemos isso o tempo todo com as outras pessoas, as julgamos baseados em nós mesmos, no que nós somos, em como nós reagimos e em porque nós agimos. Dessa forma, se fazemos algo por um motivo temos a tendência é achar que os outros fazem a mesma coisa pelo mesmo motivo. Fazemos isso também com Deus, os escritores bíblicos fizeram isso quando entenderam que um efeito ruim que teve como causa um ato errado dos homens, disparou uma ação de vingança divina.
      Não achemos que Davi, ainda que um homem segundo coração de Deus em tantos aspectos, que provou de uma unção do Espírito Santo quase que constante (quase que neo-testamentária), ou que Moisés, por quem fez Deus os maiores “milagres” (e isso também pode ser um antropomorfismo), que libertou e estabeleceu um povo como nação, o povo escolhido do altíssimo, ou mesmo que Paulo, que escreveu a teologia fundamental do cristianismo além de fundar igrejas em muitos locais do mundo de seu tempo, não pensemos que todos esses tenham conseguido de fato registrar uma palavra absolutamente livre do véu. Eles eram limitados e escreveram uma Bíblia velada da verdade, sob vários espectros. 
      Mas ainda assim a Bíblia tem o principal, Jesus, e isso basta, para todos os homens de todos os tempos. Orar através de Jesus, crer que o sacrifício de Jesus foi em nosso lugar, confiar que por isso o nome de Cristo tem poder para nos curar, e depois disso adorar a Deus em santidade através de Jesus, é a vontade de Deus para todos os seres humanos, ainda que a Bíblia esteja repleta de interpretações não tão precisas de quem Deus é, de como ele age e de como interage conosco. Deus é espírito, e busca quem tem comunhão com ele e o adora em espírito e em verdade, se entendêssemos o mistério desse ensino poderíamos começar a tirar o véu e ver de fato como as coisas funcionam, sem antropomorfismos. 
 
6. Poder, Fé e Milagre (parte 1)

      “Poder divino, fé e milagre”, é o assunto desta reflexão do estudo “Reavaliemos nossas crenças”, dividida em duas partes, no texto a seguir a primeira parte. Estes três princípios são hoje os temas mais pregados no púlpitos, infelizmente mais até que salvação e santidade, por quê? Porque a humanidade hoje quer um Deus poderoso que possa ser acessado pela fé para receber dele milagres. Milagres para mudança de caráter? Para prática de virtudes morais? Não, para conquistas de bens e status. Mas será que isso é prioridade do verdadeiro evangelho? Bem, vamos à reflexão.

      “Então os discípulos, aproximando-se de Jesus em particular, disseram: Por que não pudemos nós expulsá-lo? E Jesus lhes disse: Por causa de vossa pouca fé; porque em verdade vos digo que, se tiverdes fé como um grão de mostarda, direis a este monte: Passa daqui para acolá, e há de passar; e nada vos será impossível. Mas esta casta de demônios não se expulsa senão pela oração e pelo jejum.” Mateus 17.19-21

      Poder divino, fé e milagre, são três conceitos relacionados: prova milagre que tem fé no poder divino, esse é o senso comum. Essa pode ter sido a leitura inicial dos discípulos que não conseguiram expulsar a legião, talvez eles achassem que lhes bastava fé, e a princípio foi isso que Jesus disse. Mas Cristo disse algo mais, pelo menos sobre aquela situação, não bastaria fé, mas oração e jejum. Esse ensino nos revela alguns mistérios por trás de poder divino, fé e milagre, que nos ensinam que provar milagres não é só causa e efeito de fenômenos físicos ou emocionais do homem, não é só questão de ter uma grande e firme convicção que o poder divino será acionado para que o milagre se realize. Mais que força humana, é preciso consagração a Deus e comunhão íntima com seu Espírito, para que de fato tenhamos acesso a uma palavra que dispare o poder sobrenatural de Deus.
      Sobrenatural é o natural que ainda não entendemos bem, que ainda não podemos explicar cientificamente, milagre é o que nos parece acontecer excepcionalmente por não termos ainda intimidade suficiente com o que ou quem o causou. Mas será que um Deus que tudo sabe e tudo pode sempre, precisa agir de forma excepcional, precisa fazer milagres ocasionais? A excepcionalidade existe no ponto de vista do humano desinformado, a ciência explica muitas coisas e o Espírito Santo nos coloca em sintonia com o melhor de Deus que não deixa faltar nada aos que estão sintonizados com ele. O que anda com Deus e o conhece provará milagres naturalmente, o que conhece a ciência discernirá o inexplicável de superstição, e muita coisa relatada na Bíblia, como milagres, foi pela falta de conhecimento, tanto científico quanto espiritual, de homens.

      “Confia no Senhor de todo o teu coração, e não te estribes no teu próprio entendimento. Reconhece-o em todos os teus caminhos, e ele endireitará as tuas veredas. Não sejas sábio a teus próprios olhos; teme ao Senhor e aparta-te do mal. Isto será saúde para o teu âmago, e medula para os teus ossos.” Provérbios 3.5-8

      Quando alguém diz, “Deus fez um milagre”, a primeira coisa que deveria ser feita é verificar com muito cuidado se o que aconteceu de fato não tem uma explicação científica, que nos permita entender porque algo ocorreu no plano físico. Isso mostraria se algo é ou não milagre? Não, só mostraria que algo foi realizado através de meios físicos conhecidos ou por meios, pelo menos até o momento, desconhecidos para o homem. Mas se não for constatado, é uma excepcionalidade de Deus? Não, pode ter sido apenas Deus agindo de uma maneira ainda não conhecida pelo homem, pelo menos não por todos, principalmente no plano espiritual. Isso mostra que não é um milagre de Deus? Não, não no coração de quem buscou o milagre.
      Vou dar um exemplo, se eu não soubesse que iria chover à tarde, se eu não tivesse acesso a previsões meteorológicas, e mais, se eu nem soubesse que meteorologia existe, e orasse a Deus pedindo que chovesse à tarde, quando chovesse, eu estaria provando um milagre de Deus? Sim, no meu coração eu estaria. Mas se alguém, que tenha acesso às previsões meteorológicas, sabendo que pode chover e por isso nem orasse a um “deus” solicitando isso, quando chovesse, provaria um milagre? Não, não em seu coração. Milagre de Deus não é provar uma excepcionalidade, mas é aliar a Deus uma excepcionalidade, e muitos provam excepcionalidades inexplicáveis e ainda assim não agradecem a Deus por isso. 
      O texto de Provérbios 3 ensina algo muito importante sobre isso, um segredo de vida, física e espiritual: reconhece Deus em todos os teus caminhos. Isso é científico? Não. Pode nos levar a um certo alienamento intelectual? Até pode. Mas porque é sábio? Porque demonstra nosso temor a Deus, que ainda que não entendamos, não conheçamos em sua plena verdade, cremos que existe e que é por quem e em quem tudo acontece, seja no plano físico, seja no espiritual. Assim, se não entender, se não ver saída, santifique-se, adore e peça um milagre a Deus, bem, se você de fato entrar em comunhão com Deus você pedirá, porque foi autorizado por ele a fazer isso, e se ele autorizar o pedido, o pedido será respondido. 

      “E o barco estava já no meio do mar, açoitado pelas ondas; porque o vento era contrário; Mas, à quarta vigília da noite, dirigiu-se Jesus para eles, andando por cima do mar. E os discípulos, vendo-o andando sobre o mar, assustaram-se, dizendo: É um fantasma. E gritaram com medo. Jesus, porém, lhes falou logo, dizendo: Tende bom ânimo, sou eu, não temais. E respondeu-lhe Pedro, e disse: Senhor, se és tu, manda-me ir ter contigo por cima das águas. E ele disse: Vem. E Pedro, descendo do barco, andou sobre as águas para ir ter com Jesus. Mas, sentindo o vento forte, teve medo; e, começando a ir para o fundo, clamou, dizendo: Senhor, salva-me! E logo Jesus, estendendo a mão, segurou-o, e disse-lhe: Homem de pouca fé, por que duvidaste?” Mateus 14.24-31

      Se Jesus disse que se nós crêssemos faríamos milagres, por que então não vemos milagres depois da época da igreja primitiva, ou mais, nos dias de hoje, pelo menos milagres como os que Jesus e seus discípulos diretos fizeram? Muitos podem dizer, incluindo pentecostais e católicos que creem em santos milagreiros, “isso não é verdade, vemos sim”. Bem, precisaríamos de fato fazer uma averiguação isenta e científica para constatar muito do que muitos dizem ser milagres, não só feita a averiguação feita por religiosos mais intencionados em provar suas crenças, mas o nome dessa série de reflexões é “Reavaliemos nossas crenças”, para vermos a verdade por trás das coisas.
      O conhecimento científico ateu foi outro amargo efeito colateral, que o homem provou após ter comido do fruto mítico da “árvore do conhecimento do bem e do mal”, assim, à medida que o homem foi evoluindo intelectualmente, conhecendo a si mesmo, física e psicologicamente, à natureza, ao planeta Terra e ao cosmos, ao invés de adorar a Deus por começar a entender como o criador e Senhor de tudo faz as coisas funcionarem, preferiu ver nas próprias coisas criadas o início e o fim da criação, perdendo-se no plano visível (ainda que com microscópios ou telescópios) e fechando os olhos para o invisível. Esse conhecimento afastou o homem da fé e do temor a Deus.
      Por outro lado, se o homem não tivesse provado do “fruto proibido“ também teria evoluído intelectual e cientificamente, contudo, usaria tecnologias e as ciências como dons de Deus, e mais, em plena comunhão com a espiritualidade. Quem tem essa proposta é o ocultismo, ainda que sem colocar Jesus em seu devido lugar (mesmo que reconheça esse lugar), mas o ser humano, sendo amante de extremos, se é cristão chama a ciência de ateia e o esoterismo de satânico, se é esotérico, chama o cristianismo de superficial e a ciência de limitada, e se é científico, chama o cristianismo de ignorante e o esoterismo de insano. Enfim, pouquíssimos acham o equilíbrio entre esses três conhecimentos, nesse equilíbrio está o melhor e o mais profundo do verdadeiro conhecimento de Deus. 
      A verdade é que muitas coisas que as pessoas chamam de milagres atualmente não são, mas isso pode não fazer diferença para um Deus que sabe que se as pessoas estiverem ligadas a ele estarão protegidas, ainda que não seja da maneira mais lúcida. Melhor conhecer pouco de Deus e segui-lo que conhecer profundamente a ciência (ou o esoterismo) e desprezar Jesus como único e suficiente salvador. O plano ideal de Deus, contudo, seria um homem que ainda que conhecesse profundamente a ciência e usasse todos os benefícios dela, e ainda que conhecesse todos os segredos da “árvore da vida” da Cabala e se comunicasse com o mundo espiritual, ainda que soubesse de física quântica e das hierarquias de arcanjos e diabos, adorasse o Altíssimo Deus, se harmonizasse com ele através de Jesus, e aprendesse as verdades mais profundas e eternas diretamente do Espírito Santo.

7. Poder, Fé e Milagre (parte 2)
      
      No texto a seguir, a segunda parte da reflexão “poder divino, fé e milagre”, para melhor entendimento leia antes a primeira parte na postagem anterior. 

      “E estes sinais seguirão aos que crerem: Em meu nome expulsarão os demônios; falarão novas línguas; Pegarão nas serpentes; e, se beberem alguma coisa mortífera, não lhes fará dano algum; e porão as mãos sobre os enfermos, e os curarão.” Marcos 16.17-18

      Milagres seguirão os que creem em Jesus, está claro nas palavras que Marcos e outros escritores bíblicos registraram na Bíblia. Eu creio em milagres, mas não como muitos creem, e isso também não faz diferença para Deus, contudo, esse ensino bíblico sobre milagre, precisamos admitir, que principalmente nos dias atuais, pode fazer mais mal que bem. Já refletimos bastante sobre fé aqui no “Como o ar que respiro” (por exemplo na postagem “”), fizemos a crítica no grande erro que se comete quando se tem fé na fé, não importando o objeto da fé, mas só a quantia e qualidade da fé do crente, nisso o homem é honrado mais que Deus. Infelizmente, a fé que alguns colocam num cristal, ou na imagem de um homem religioso falecido, torna-se igual àquela que muitos dizem colocar em Jesus. Objeto, homem e Deus são colocados no mesmo nível, o que importa é a fé, o homem, não Deus, isso não é evangelho. É vida espiritual? Pode ser, mas não com o Deus altíssimo. 
      Mas ainda assim o Deus altíssimo pode ouvir e responder? Sim! Mas não é o melhor que agrada a Deus e que nos conduz ao melhor de Deus, principalmente na eternidade. Já citamos nesta série de reflexões o texto, “mas a hora vem, e agora é, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade, porque o Pai procura a tais que assim o adorem, Deus é Espírito, e importa que os que o adoram o adorem em espírito e em verdade.” (João 4.23-24), vamos pensar nele agora com mais profundidade, ele revela um mistério que explica porque Deus responde muitas orações, ainda que não estejam de acordo com a tradição teológica protestante. O Espírito Santo pode dialogar com o nosso espírito através de palavras e pensamentos? Sim, mas ele é mais que isso, sua interação é absoluta, sempre revela a verdade de Deus, enquanto que palavras e pensamentos são relativos, depende da interpretação humana, que usa o entendimento subjetivo do homem que a recebe. 
      “E da mesma maneira também o Espírito ajuda as nossas fraquezas; porque não sabemos o que havemos de pedir como convém, mas o mesmo Espírito intercede por nós com gemidos inexprimíveis. E aquele que examina os corações sabe qual é a intenção do Espírito; e é ele que segundo Deus intercede pelos santos.” (Romanos 8.26-27), essa passagem explica o mistério da comunicação mais profunda entre Deus e o homem. Uma manifestação explícita dessa comunicação espiritual ininteligível pela razão, talvez a mais, é o dom de línguas espirituais estranhas, quem o busca e o recebe experimenta algo único, que ainda que a mente não compreenda deixa no espírito e depois na alma uma presença poderosa, consoladora e libertadora de Deus. Na verdade o primeiro contato que Deus faz com o homem é espiritual, e ele não pode ser totalmente exprimido por pensamentos ou palavras, mesmo através dons espirituais como profecias e tradução das línguas estranhas, que humanamente verbaliza a palavra do Espírito.
      Se Deus procura uma comunhão espiritual, a forma pode não ter tanta importância, talvez ele esteja interessado no conteúdo. Podemos entender melhor forma e conteúdo com os termos ações e intenções, ainda que certas ações sejam de um jeito, as intenções por trás delas podem ser um pouco diferentes (obviamente elas não opostas, senão é hipocrisia e o hipócrita será pouco eficiente em achar a Deus). A oração de fé que Deus ouve e que pode nos colocar em harmonia com ele, é aquela feita pelo nosso espírito no Espírito de Deus, isso pode ir além de palavras, e mesmo de nossas ferramentas de fé, mas representar nossa intenção espiritual mais íntima que deseja estabelecer comunhão com Deus. “Bem-aventurados os limpos de coração, porque eles verão a Deus” (Mateus 5.8), quanto mais pureza houver no íntimo do homem, mais ele poderá entrar na presença de Deus para saber sua vontade, e então solicitar ao altíssimo de fato aquilo que ele quer dar. Essa pureza, contudo, diz respeito a uma coerência plena entre forma e conteúdo, entre ação e intenção. 

      “Que nos salvou, e chamou com uma santa vocação; não segundo as nossas obras, mas segundo o seu próprio propósito e graça que nos foi dada em Cristo Jesus antes dos tempos dos séculos; E que é manifesta agora pela aparição de nosso Salvador Jesus Cristo, o qual aboliu a morte, e trouxe à luz a vida e a incorrupção pelo evangelho” II Timóteo 1.9-10

      Nesse entendimento, qual é então o poder de Deus, que as pessoas evocam tanto, como ele é manifestado? Estamos aqui negando um Deus que quando buscado manifesta seu poder pelos que nele confiam? Não, de maneira alguma, na verdade estamos querendo abrir mentes e corações para que vejam um Deus maior e mais poderoso ainda. (Para entender o pensamento do “Como o ar que respiro” sobre os temas dessa reflexão é importante que você tenha em mente as postagens anteriores que refletiram sobre antropomorfismo e causa e efeito, se possível as leia). O poder de Deus é maior que tudo e todos, sobre tudo e todos, sem início e sem fim, e o tempo todo, ele não só criou tudo e todos, mas a tudo e todos sustenta, desde cada átomo e ser espiritual, até cada galáxia de sistemas solares e legiões de anjos. Por ter pleno e absoluto poder Deus não muda, e por não mudar não pode perder parte ou ganhar uma nova, tudo está nele e sem mudança, ainda que tudo sempre em eterna transformação. 
      Ao olhar do descrente, Deus fará algo, ao olhar do crente, Deus está fazendo algo, mas ao olhar do verdadeiramente espiritual, Deus já fez. Nós vivemos na verdade no passado de Deus. Se Deus já fez não é sobrenatural, mas natural, não é um milagre, mas parte do processo, não é excepcional, mas eterno. Se tudo nos foi dado “antes dos tempos dos séculos”, incluindo nossa salvação, não recebemos nada por créditos pessoais, principalmente a salvação, essa é efeito de uma única causa, nossa fé em Cristo, não de qualquer obra que tenhamos feito, que fazemos ou que faremos. Mas fé também é dom de Deus, não capacidade humana, assim existe algo na essência espiritual das pessoas que as conduzem a Deus, ao mesmo tempo que são atraídas por Deus. Por que muitas pessoas parecem não ter essa essência espiritual? Por que algumas parecem estar condenadas ao “inferno”? Isso, a grande maioria de cristãos, só saberá na eternidade.
      Se Deus tivesse que corrigir algo, criar algo novo ou desfazer algo antigo, cada vez que o homem mudasse de ideia, ele não seria Deus. Ainda assim ele ouve “zilhões” de orações pedindo coisas que as pessoas já possuem em Cristo, não para fazer algo que ele já fez, não para mudar de ideia, mas só para estar em comunhão com as pessoas, como um pai amoroso e paciencioso com filhos pequenos. As pessoas não entendem que a bênção não é receber o que estão pedindo nas orações, mas é o simples fato de estarem em oração, em comunhão com Deus, no Espírito de luz do altíssimo. Elas nem precisariam pedir alguma coisa, só teriam que andar em Deus o tempo todo, usufruindo do eterno presente do Senhor, provando “milagres” cada vez que respirassem, milagres que já foram feitos, estando numa vida eterna e abundante sempre. Esse entendimento nos faz de fato provar uma paz espiritual singular, pois nos cura de expectativas e frustrações, nos liberta de querer ter e pedir o tempo todo, nos leva a ser e só. Essa paz é a arma mais eficiente contra todo tipo de mal, seja físico, emocional ou espiritual.
      Por que a Bíblia não deixa claro assim as coisas? A Bíblia não é o fim, mas o início de nosso conhecimento de Deus, é o Espírito Santo que é a viva palavra de Deus em nós. A Bíblia não é um tratado meticuloso sobre medicina espiritual, é um livro de primeiros socorros, que ainda que dizendo só o que se deve fazer para se obter cura, sem explicar profundamente como essa cura se opera, ou de onde veio, salva os homens da segunda morte, a morte do espírito. Por quê? Porque isso basta para a maioria dos homens de todos os tempos e lugares. Contudo, os atentos, conseguirão pinçar aqui e ali, nos textos bíblicos, revelações de grandes mistérios, eu tenho tentado compartilhar alguns desses textos nesse estudo, “Reavaliemos nossas crenças”. Em alguns momentos Moisés, Davi, Daniel, João evangelista ou Paulo deixam como que escapar respostas a grandes mistérios da existência humana. Essas respostas fazem diferença na salvação eterna? Não. São decisivas para que alguém experimente um milagre de Deus pela fé? Não. Se você crer de verdade, seu espírito harmonizando-se com o Espírito de Deus, experimentará milagres, conforme a promessa de Jesus, contudo, entenderá que milagres não são assim tão necessários. 

8. Homoafetividade

      O que a Bíblia diz sobre as cidades de Sodoma e Gomorra, e sobre os sodomitas, nome dos habitantes de Sodoma, mas termo que acabou sendo muito usado como sinônimo de quem tem práticas homossexuais? Segue um resumo dos textos bíblicos referentes a isso:

      “Habitou Abrão na terra de Canaã e Ló habitou nas cidades da campina, e armou as suas tendas até Sodoma. Ora, eram maus os homens de Sodoma, e grandes pecadores contra o Senhor.” 
Gênesis 13.12-13
      “Disse mais o Senhor: Porquanto o clamor de Sodoma e Gomorra se tem multiplicado, e porquanto o seu pecado se tem agravado muito, descerei agora, e verei se com efeito têm praticado segundo o seu clamor, que é vindo até mim; e se não, sabê-lo-ei.” 
Gênesis 18.20-21
      “E vieram os dois anjos a Sodoma à tarde, e estava Ló assentado à porta de Sodoma; e vendo-os Ló, levantou-se ao seu encontro e inclinou-se com o rosto à terra;
      E porfiou com eles muito, e vieram com ele, e entraram em sua casa; e fez-lhes banquete, e cozeu bolos sem levedura, e comeram. E antes que se deitassem, cercaram a casa, os homens daquela cidade, os homens de Sodoma, desde o moço até ao velho; todo o povo de todos os bairros. E chamaram a Ló, e disseram-lhe: Onde estão os homens que a ti vieram nesta noite? Traze-os fora a nós, para que os conheçamos. Então saiu Ló a eles à porta, e fechou a porta atrás de si, E disse: Meus irmãos, rogo-vos que não façais mal; Eis aqui, duas filhas tenho, que ainda não conheceram homens; fora vo-las trarei, e fareis delas como bom for aos vossos olhos; somente nada façais a estes homens, porque por isso vieram à sombra do meu telhado.
      Aqueles homens porém estenderam as suas mãos e fizeram entrar a Ló consigo na casa, e fecharam a porta; E feriram de cegueira os homens que estavam à porta da casa, desde o menor até ao maior, de maneira que se cansaram para achar a porta. Então disseram aqueles homens a Ló: Tens alguém mais aqui? Teu genro, e teus filhos, e tuas filhas, e todos quantos tens nesta cidade, tira-os fora deste lugar; Porque nós vamos destruir este lugar, porque o seu clamor tem aumentado diante da face do Senhor, e o Senhor nos enviou a destruí-lo.” 
Gênesis 19.1, 3-8, 10-13

      “Não erreis: nem os devassos, nem os idólatras, nem os adúlteros, nem os efeminados, nem os sodomitas, nem os ladrões, nem os avarentos, nem os bêbados, nem os maldizentes, nem os roubadores herdarão o reino de Deus.
I Coríntios 6.10

      Não, eu não vou fazer um estudo técnico, teológico, exegético, hermenêutico etc, para tentar arrancar desses textos uma interpretação que defenda o ponto de vista do “Como o ar que respiro”, isso seria repetir o modus operandi de muitos teólogos, sim, estudiosos sérios e aclamados, muitos que eu pessoalmente admiro e com os quais aprendi e aprendo muito. Não tento achar coesão na Bíblia, principalmente em relação ao que sua palavra escrita diz em relação a o que o Espírito Santo nos ensina, porque acho que a Bíblia pode não ser coesa, refletiremos mais sobre isso nas próximas reflexões “A Bíblia é a palavra de Deus” e “História e cristianismo”. A Bíblia, e mesmo isso em poucas passagens, ensina algo diferente daquilo que outras passagens dizem, mas principalmente, sua interpretação ao pé da letra leva a obediência de algo diferente daquilo que o Espírito Santo nos orienta hoje.
      Em que texto bíblico encontramos então, apoio para a apologia que será feita aqui? Diretamente em nenhum. Mas você também não achará na Bíblia nenhum texto que recrimine a escravidão, principalmente a de africanos que foi feita no Brasil e em outros países. Ao contrário, a Bíblia diz que o escravo deve ser um bom escravo, obedecer seu senhor, que isso é agradável a Deus (I Timóteo 6.1-2). Mas eu pergunto, na consciência do ser humano civilizado do século XXI, escravidão é justificável, sobre qualquer ponto de vista? Não, não é, foi uma violência feita contra africanos, que trouxe à sociedade tantos preconceitos e injustiças colhidos até hoje. Se escravidão, tão comum e legítima no antigo e no novo testamento (ainda que um tipo de escravidão diferente da feita com africanos), hoje é repensada, por que não seria a visão tradicional cristã que ainda impera em muitas igrejas sobre homoafetividade?
      O que nos cabe hoje, é analizar com mais cuidado o que é de fato um homoafetivo, ou alguém que tem algum tipo de relação afetiva ou física com alguém do mesmo sexo, depois comparar isso com o que achamos que Moisés e Paulo pensavam ser um sodomita (achamos, porque saber mesmo só na eternidade). Será que é justo, correto, denominarmos como sodomita, e assim lançarmos a esse todos as reprovações que a Bíblia cita, todas as pessoas que têm uma relação homossexual? Todos os gays e lésbicas (e outros, e outras...), são “sodomitas”, condenados ao mais terrível e atormentado inferno, para sempre? Se entendermos certo, veremos que a essência do que Moisés, Paulo e outros escritores bíblicos condenam como sodomitas está correta, eu creio que eles era homens em comunhão com Deus, com intenções tementes a Deus, e defensores de uma vida digna para os homens, livres do pecado.
      Pecado sexual é quebra de aliança, traição no casamento é adultério e paga-se um preço caro por isso. Usar sexo só como prazer com vários parceiros, é prostituição, recebendo-se ou não dinheiro em troca. Tem muita homem que tem relação física sexual com outro homem só por prazer, ou algo que foi prazer num tempo e se tornou vício, homens assim são héteros, se apaixonam por mulheres, até podem ser casados com mulheres, mas acham nessa relação física homossexual um prazer, o mesmo que se acha em bebidas ou drogas. Isso é pecado, isso não é, necessariamente, atitude de homoafetivos verdadeiros,  isso pode ser curado e não é cura gay, mas libertação de disposições promíscuas e obsessivas que podem acontecer tanto com homens quanto com mulheres, e que não ocorre só com sexo, mas também com outros apetites físicos. 
      Verdadeiros homoafetivos nascem assim e nada pode mudá-los, não é escolha, contudo, como tem pastor que nunca se deu ao trabalho de ajudar   aqueles que condena sem conhecer. Alguns dizem, “Deus só criou homem e mulher”, mas se fosse verdade só existiriam homens e mulheres héteros e sadios. E quanto aos doentes mentais, os paraplégicos, e tantos outros transtornados física e psicologicamente, Deus não os criou? Não estou dizendo que homossexualidade seja doença, mas gente diferente existe, precisa se adaptar à sociedade e ser respeitada. O plano inicial de Deus para o homem, como pensam muitos (não eu), pode até ter tido um padrão, mas a humanidade real não é assim. Enquanto cristãos condenam os que não se encaixam em seus preconceitos, o evangelho deixa de acolher pessoas que não são pecadoras, mas só diferentes. 
      Não pense que esse é o pensamento do mundo, para o mundo até o promíscuo que quer se relacionar sexualmente e ocasionalmente com ambos os sexos só por prazer, não deve ser recriminado, para o mundo isso é direito de cada um, “cada um usa seu corpo como quer”, mas não é isso que estou dizendo aqui. Existem referências morais, sim, necessidade de limpeza espiritual, sim, e o único jeito de se vivenciar isso é através de Jesus. Mas não peça a um homossexual verdadeiro que mude sua essência, o homossexual o é na alma, antes de em relações físicas-afetivas, ele não pode mudar tanto quanto não pode um heterossexual genuíno. Os cristãos evangélicos atuais precisam aprender a separar os verdadeiros homoafetivos, que querem casar, ter família e serem fiéis, dos falsos, esses sim, os falsos, são os sodomitas que a Bíblia cita e recrimina em Gênesis. 
      As passagens bíblicas iniciais nos levam a três tipos de posicionamentos, o primeiro é: as praticamos, de verdade, não só de palavra, pagando todo o tipo de preço que implique nisso, principalmente o preço de amor, tentando “curar” todos os homoafetivos pelo evangelho, e obviamente constando frutos dessa prática. Nesse posicionamento acreditamos num Deus que de fato age conforme entendemos nas passagens acima. Um segundo posicionamento é, não concordamos com as passagens e crendo que elas são agradáveis a Deus, não concordamos também com Deus. Esse é o pior posicionamento? Não sei se é pior que o primeiro, porque nele pelo menos há honestidade e um respeito com os homoafetivos. O terceiro posicionamento é o do “Como o ar que respiro”, cremos e confiamos em Deus, mas reavaliamos a Bíblia, pelo menos em algumas passagens. 

9. Casamento e Bíblia

      Esta reflexão faz parte do estudo “Reavaliemos nossas crenças”, isso significa que existe a necessidade de nós cristãos pensarmos mais é diferentemente sobre temas que tradicionalmente possamos estar tendo entendimentos não tão corretos, ainda assim, não tenho me recusado a compartilhar os textos bíblicos que muitos usam como bases para estabelecerem suas doutrinas tradicionais. Dessa forma, dividirei o tema casamento em duas reflexões, na primeira, que segue, listarei as principais passagens bíblicas sobre o tema, na próxima refletiremos sobre a realidade do casamento hoje.

      “Então o Senhor Deus fez cair um sono pesado sobre Adão, e este adormeceu; e tomou uma das suas costelas, e cerrou a carne em seu lugar; E da costela que o Senhor Deus tomou do homem, formou uma mulher, e trouxe-a a Adão. E disse Adão: Esta é agora osso dos meus ossos, e carne da minha carne; esta será chamada mulher, porquanto do homem foi tomada. Portanto deixará o homem o seu pai e a sua mãe, e apegar-se-á à sua mulher, e serão ambos uma carne.” Gênesis 2.21-24

      A orientação inicial de Deus: um casamento, um esposo, uma esposa, um homem, uma mulher. Essa orientação é dada pelo registro de Moisés em Gênesis, que se baseou em tradição oral e na tradição religiosa de seu povo. Sejamos francos, essa orientação é a melhor? Claro que é, feliz o homem que acha uma esposa e fica com ela até à morte de um deles, feliz a mulher que acha um esposo e permanece com ele até o fim da vida de um deles. Precisamos de mais que isso para sermos felizes e realizados afetiva e sexualmente? Não! Isso basta, e é uma relação que pode ser sempre boa, motivadora, satisfatória, maravilhosa, eu creio nisso! 

      “...E eram doze os filhos de Jacó. Os filhos de Lia: Rúben, o primogênito de Jacó, depois Simeão e Levi, e Judá, e Issacar e Zebulom; Os filhos de Raquel: José e Benjamim; E os filhos de Bila, serva de Raquel: Dã e Naftali; E os filhos de Zilpa, serva de Lia: Gade e Aser...” Gênesis 35.22b-26a

      “E tomou Davi mais concubinas e mulheres de Jerusalém, depois que viera de Hebrom; e nasceram a Davi mais filhos e filhas.” II Samuel 5.13

      “E o rei Salomão amou muitas mulheres estrangeiras, além da filha de Faraó: moabitas, amonitas, edomitas, sidônias e hetéias, Das nações de que o Senhor tinha falado aos filhos de Israel: Não chegareis a elas, e elas não chegarão a vós; de outra maneira perverterão o vosso coração para seguirdes os seus deuses. A estas se uniu Salomão com amor. E tinha setecentas mulheres, princesas, e trezentas concubinas; e suas mulheres lhe perverteram o coração.” I Reis 11.1-3

      A realidade de patriarcas e reis de Israel: poligamia, simples assim, por vários motivos. Em primeiro lugar nas sociedades dos tempos do antigo testamento, onde a força de mão de obra tanto de trabalho quanto militar era humana, não se tinha máquinas ou carros motorizados, assim a presença masculina, fisicamente mais forte, e obviamente ainda dentro de uma sociedade patriarcal, machista, “machocêntrica”, era de suma importância. Dos homens dependia a existência e continuidade de uma família, de uma tribo, de um reino, de uma nação, por isso, se uma esposa não podia gerar descendentes, ou se não gerava filhos homens, o esposo podia, legalmente, unir-se à servas para conseguir esse intento, às vezes com mais de uma, como é o exemplo de Jacó. 
      Mas existiam os exageros, como de Salomão, que não era um homem comum, era um rei, rei de Israel, responsável não só por feitos maravilhosos em sua nação como também são atribuídos a ele a autoria de textos bíblicos de muita sabedoria, como Provérbios, Eclesiastes e Cantares (estudiosos argumentam que ele de fato não escreveu esses livros, não em suas totalidades pelo menos). A impressão que temos é que o homem dos tempos do antigo testamento não tinha os limites que tem hoje o homem da cultura ocidental, cristianizada, que ainda que se separe e torne a se casar não chega nem de longe à experiência de Salomão e de outros. Mas era preciso ser rico como Salomão para poder sustentar um número tão grande de esposas, que trouxe ao rei também um grande número de problemas, como a Bíblia nos relata.

      “Então chegaram ao pé dele os fariseus, tentando-o, e dizendo-lhe: É lícito ao homem repudiar sua mulher por qualquer motivo? Ele, porém, respondendo, disse-lhes: Não tendes lido que aquele que os fez no princípio macho e fêmea os fez, E disse: Portanto, deixará o homem pai e mãe, e se unirá a sua mulher, e serão dois numa só carne? Assim não são mais dois, mas uma só carne. Portanto, o que Deus ajuntou não o separe o homem. Disseram-lhe eles: Então, por que mandou Moisés dar-lhe carta de divórcio, e repudiá-la? Disse-lhes ele: Moisés, por causa da dureza dos vossos corações, vos permitiu repudiar vossas mulheres; mas ao princípio não foi assim. Eu vos digo, porém, que qualquer que repudiar sua mulher, não sendo por causa de fornicação, e casar com outra, comete adultério; e o que casar com a repudiada também comete adultério.” Mateus 19.3-9

      A orientação de Jesus: segue a orientação original e inicial de Moisés em Gênesis, que nos ensina sobre o plano ideal de Deus para a vida de homem e mulher no casamento. Lembro que mesmo na época de Jesus existia uma cultura machista, onde o homem tinha mais direitos que a mulher, onde o pai tinha direitos sobre as filhas, durante muito tempo (até há poucas décadas atrás) foi o pai quem escolhia marido para a filha, que só conheceria, em muitos aspectos, o esposo, após o casamento, mesmo depois dele os casais não tinham a cumplicidade que podemos ter hoje em dia, onde se busca divisão igualitária de direitos e deveres. 
      Pessoalmente creio que a orientação de Jesus era muito mais para expor a inabilidade do homem em obedecer a qualquer espécie de idealização divina (baseada na lei mosaica), que de fato exigir isso ou aquilo do ser humano. Essa revelação levaria as pessoas a entenderem todas as camadas do pecado, não só aquela que se exteriorizava com um divórcio, mas principalmente aquela que cometia adultério só no olhar e no pensamento. Para que isso? Para que as pessoas entendessem a urgência e a eficiência do perdão que só a obra redentora de Cristo pode dar. Lembrando que não temos qualquer texto escrito diretamente por Jesus, temos apenas registros de Marcos, Mateus, Lucas e João, homens com costumes sociais e religiosos baseados na sociedade e religião judaica e com muita influência da cultura greco-romana. 
      Abrindo parênteses, o termo “machista” não significava necessariamente algo ruim, assim como não era “escravatura”, não há dois mil anos ou mais atrás, as pessoas podiam ter estilos de vida porque eram o costume da sociedade de suas épocas, e ainda assim se adaptarem ao costume de maneira justa. Ao meu ver, o problema nunca foi o sistema ou o costume, mas o coração do ser humano, homens maus serão maus seja em que sistema for, assim como homens bons serão bons sejam quais forem os costumes em que vivam. Obviamente, com a evolução social que o ser humano alcançou, nos tornamos mais exigentes e não podemos retroceder, assim qualquer espécie de machismo ou de escravatura hoje é inconcebível, fecho parênteses.

      “E bem quisera eu que estivésseis sem cuidado. O solteiro cuida das coisas do Senhor, em como há de agradar ao Senhor; mas o que é casado cuida das coisas do mundo, em como há de agradar à mulher. Há diferença entre a mulher casada e a virgem. A solteira cuida das coisas do Senhor para ser santa, tanto no corpo como no espírito; porém, a casada cuida das coisas do mundo, em como há de agradar ao marido. E digo isto para proveito vosso; não para vos enlaçar, mas para o que é decente e conveniente, para vos unirdes ao Senhor sem distração alguma. Mas, se alguém julga que trata indignamente a sua virgem, se tiver passado a flor da idade, e se for necessário, que faça o tal o que quiser; não peca; casem-se. Todavia o que está firme em seu coração, não tendo necessidade, mas com poder sobre a sua própria vontade, se resolveu no seu coração guardar a sua virgem, faz bem. De sorte que, o que a dá em casamento faz bem; mas o que não a dá em casamento faz melhor.” I Coríntios 7.32-38

      A orientação de Paulo: era extremada, talvez mais até que a de Cristo, principalmente em relação às mulheres como nos relata a Bíblia. Veja que o texto acima se trata do que um pai cristão deve fazer com sua filha solteira, se ele deve “dá-la” em casamento ou não. Só o fato do pai ter autoridade sobre a filha, não levando em conta a vontade da filha, já mostra como era o costume da sociedade da época de Paulo, costume que não mudava pelo fato da pessoa ser cristã. Sim, no texto, a orientação é para um pai cristão que quer conduzir sua filha no caminho de Deus, ainda que com prepotência, mas o outro ponto é que Paulo deixa claro que em sua opinião a mulher permanecer solteira para servir a Deus é melhor. Retrógrado esse ensino? Mas é o que a Bíblia ensina, os que querem segui-la ao pé da letra não deveriam excluir o que lhes convém, mas fazer isso com toda a Bíblia, aí pelo menos haveria coerência.
      Contudo, se obedecermos o que manda Paulo ao pé da letra, tanto para homens como para mulheres (já que um casamento precisa de duas pessoas para acontecer), não haverá mais casamentos, nem filhos, mas só celibatários dedicados exclusivamente a servir o evangelho, em tempo integral, ou você discorda? Ele não diz que é pecado se casar, mas que só serve a Deus com mais qualidade o que fica solteiro e não se envolve com as coisas de casado. A continuação de Mateus 19, todavia, cita uma orientação mais equilibrada de Jesus sobre o assunto, e não se refere exclusivamente à mulher. Cristo diz que permanecer solteiro para servir a Deus é bom, mas não é para todos, e podemos entender que para os que não é não faz com que esses sejam colocados num nível menor de espiritualidade, só diferente. Um conselho para entender melhor a vontade de Deus pela Bíblia, prefira sempre os ensinos diretos de Jesus.

      “Disseram-lhe seus discípulos: Se assim é a condição do homem relativamente à mulher, não convém casar. Ele, porém, lhes disse: Nem todos podem receber esta palavra, mas só aqueles a quem foi concedido. Porque há eunucos que assim nasceram do ventre da mãe; e há eunucos que foram castrados pelos homens; e há eunucos que se castraram a si mesmos, por causa do reino dos céus. Quem pode receber isto, receba-o.” Mateus 19.10-12

10. Casamento hoje

       O tema casamento, nessa série de reflexões “Reavaliemos nossas crenças”, dá qual essa reflexão faz parte, foi dividido em duas partes, a primeira foi compartilhada na reflexão anterior, onde listamos os textos bíblicos principais sobre o tema. Nessa reflexão, a segunda e última parte, refletiremos sobre casamento e o cristão hoje (já pensamos sobre o tema aqui no blog em postagens como “Casar e seguir casado hoje”).

      O ser humano tornou-se mais complexo à medida que adquiriu liberdade, talvez esse seja o pior efeito colateral do homem ter “comido” do “fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal”, efeito que não apareceu assim de um dia para o outro na história da humanidade, mas que levou milhares, talvez milhões de anos, desenvolvendo e mudando o ser humano. É só a partir do final do século XIX de nossa era, que tradições sociais começaram a ser quebradas, como libertação de escravos, direitos de mulheres iguais aos dos homens, fim do patriarcalismo e condenação radical de todo tipo de machismo. Atualmente, em pleno século XXI, as coisas ainda estão acontecendo na área da sexualidade e de relações conjugais, e ao contrário do que muitos cristãos acham, essas mudanças não são coisas do diabo. É nesse ponto que precisamos reavaliar o conceito que achamos que Deus tem do casamento.
      Entenda certo o posicionamento do “Como o ar que respiro”, cremos com toda a convicção que a orientação dada em Gênesis é a melhor vontade de Deus para o homem sobre casamento, mas muitos se esquecem de um detalhe, essa orientação foi dada ao homem antes de sua queda. Se era viável naquele tempo, depois não foi mais, por muitos motivos, tanto que na história de Israel, que segue em Gênesis e nos outros livros do antigo testamento, não vemos, mesmo em homens importantes e com grandes experiências com Deus, a ordem dada a Adão e Eva sendo cumprida. Depois da saída do jardim do Éden o homem foi conquistando uma liberdade fora do plano original de Deus, em pecado, errando e acertando, lutando contra os próprios irmãos, matando-os, muitas vezes, mas também se encantando com a presença de Deus, adorando-o, e novamente se perdendo com os falsos deuses. 
      Nisso tudo o casamento foi uma relação conturbada, egoísta e possessiva, muitas vezes, querendo só prazer carnal, mas outras vezes um homem e uma mulher se encontraram e tudo pareceu belo, como se estivessem novamente no Éden, como se sua aliança fosse santa e para sempre (perdoem-me o romantismo). Hoje igualdade é o ponto, entre todos os seres humanos, seja qual for a raça, o poder aquisitivo, a formação intelectual, a sexualidade. Isso é quebrar a família? Não, isso é pensar uma família formada por indivíduos com liberdade e com papéis iguais de escolha. Isso não é bíblico? Depende de como você vê a Bíblia, se a interpretação for ao pé da letra, sem se importar com contexto histórico, cultural ou com metáforas e mitos, você pode achar que o que muitos pensam e fazem do casamento atualmente vai contra a Bíblia. 
      Isso, contudo, é ser simplista, é fechar os olhos para a realidade, para uma sociedade cheia de injustiças e violências que cria seres humanos doentes e imaturos, inviáveis para a aliança conjugal ideal orientada por Moisés, reclamada por Jesus e exortada por Paulo. Mas se entendermos a essência do que a Bíblia ensina, se vermos o Espírito Santo por trás de escritores bíblicos pecadores e limitados como eu e você, talvez possamos entender de fato o que Deus quer e pode nos ensinar sobre casamento e tantas outras coisas, não para o homem do passado, mas para aquele que vai morar no céu eternamente com Deus, aquele que entenderá de fato a vontade e as prioridades de Deus. Qual é a prioridade de Deus, o que Deus quer de fato que o homem aprenda como o mais importante durante sua vã existência neste mundo? Bem, essa lição não se aprende fácil, rápido, porque a maioria de nós não acerta com facilidade e na primeira vez, batemos muito a cabeça para entender o que importa.
      Infelizmente, nessa aprendizagem, muitos de nós, casam, descasam e tornam a se casar, mesmo que não seja um casamento oficializado, mesmo que seja só ter relação sexual ou dividir um colchão, essa é a verdade. Nesse ponto seria interessante entendermos o que é a união que Deus uniu e que o homem não deve separar, qual relação, nesse mundo de liberdade e libertinagem, é de fato casamento. Todas? Nenhuma? Uma? Muitos dizem que uma cerimônia religiosa, seja católica ou evangélica, sacramenta um casamento, ganha uma legitimidade divina, que se for quebrado, por adultério, é pecado. Outros dizem que o que vale é o cartório, que papel passado legitima um casamento, para outros, contudo, casamento é ter uma vida íntima em comum. Mas será que Deus de fato está sempre numa cerimônia religiosa, na legalização de uma aliança ou mesmo em sexo compartilhado? Não sei se está, tem muito casamento feito na igreja, no cartório ou na cama que Deus não aprovou, nem uniu. 
      Contudo, a principal responsabilidade numa aliança conjugal, com ou sem cerimônia, com ou sem papel, são os filhos, se as pessoas pensassem de fato em bebês, crianças e adolescentes crescendo sem uma base familiar adequada, com certeza respeitariam mais o casamento, teriam mais cuidado com relações sexuais, se respeitariam mais como seres humanos. Filhos é o que de fato realiza um casamento, levam duas pessoas a viverem em toda a sua plenitude uma união íntima, pessoas que ganham com isso uma oportunidade diferenciada para amadurecerem bem. Só quem assume maternidade e paternidade, sendo ou não mães e pais biológicos, passa de fato à idade adulta, caso contrário, poderão até ser pessoas de bem, boas cidadãs, mas no coração sempre serão filhos e jovens, buscando amparo, despreparadas para amparar. Não quero generalizar, Deus sabe de cada caso, de quem acaba nunca se casando ou ainda que se casando, nunca criando filhos, mas quero deixar claro que ser mãe e ser pai, por inteiro, é algo especial na vida de alguém.
      A vida não é fácil, nem simples, não julguemos, a ninguém, só Deus sabe do coração de cada um. Muitos querendo acertar, erram, e outros erram e tornam a errar só por satisfação egoísta, é preciso separar adúlteros de pessoas com dificuldades, separar pecadores voluntários de pessoas que foram mal construídas afetivamente, com desprezo, com violência, frutos de sexo sem amor, de amor sem responsabilidade, de qualquer coisa que seja, mas que nunca foi casamento. Gente assim terá dificuldades para ser indivíduo, quanto mais para ser casada. Mas Jesus nos mostra a luz mais alta para onde devemos caminhar e conquistarmos cura e vitória, eu sei, eu provei isso, e não fácil depressa. Me custou muita dor, mas eu cheguei no plano de Deus para a minha vida matrimonial, pelo poder do perdão e da restauração que há somente no nome de Jesus. Não posso encerrar esta reflexão sem compartilhar o texto a seguir, ele não precisa de muita explicação, só leia.

      “E os escribas e fariseus trouxeram-lhe uma mulher apanhada em adultério; E, pondo-a no meio, disseram-lhe: Mestre, esta mulher foi apanhada, no próprio ato, adulterando. E na lei nos mandou Moisés que as tais sejam apedrejadas. Tu, pois, que dizes? Isto diziam eles, tentando-o, para que tivessem de que o acusar. Mas Jesus, inclinando-se, escrevia com o dedo na terra. E, como insistissem, perguntando-lhe, endireitou-se, e disse-lhes: Aquele que de entre vós está sem pecado seja o primeiro que atire pedra contra ela. E, tornando a inclinar-se, escrevia na terra. Quando ouviram isto, redargüidos da consciência, saíram um a um, a começar pelos mais velhos até aos últimos; ficou só Jesus e a mulher que estava no meio. E, endireitando-se Jesus, e não vendo ninguém mais do que a mulher, disse-lhe: Mulher, onde estão aqueles teus acusadores? Ninguém te condenou? E ela disse: Ninguém, Senhor. E disse-lhe Jesus: Nem eu também te condeno; vai-te, e não peques mais. Falou-lhes, pois, Jesus outra vez, dizendo: Eu sou a luz do mundo; quem me segue não andará em trevas, mas terá a luz da vida.” João 8.3-12

11. “A Bíblia é a palavra de Deus”

            Continuando nossa série de reflexões sobre reavaliar crenças, uma reavaliação sobre a Bíblia, tema que já refletimos bastante no estudo “Bíblia do jeito certo”. Este tema será apresentado em duas partes do estudo “Reavaliemos nossas crenças”, nesta e na próxima reflexão, que desta vez será focado em responder uma questão, de importância fundamental à teologia cristã protestante: a Bíblia é a palavra de Deus ou ela contém a palavra de Deus? 

      É importante que protestantes e evangélicos (e católicos, e ortodoxos, para se falar com mais abrangência de cristãos) estejam cientes que muitas coisas que eles creem como verdades indiscutíveis, como dogmas, como doutrinas básicas e delimitadoras de experiências e ideias do que eles vivem como cristãos, foram estabelecidas por séculos de tradições orais passadas de geração para geração, de escritos em línguas e materiais distintos, e depois por concílios e consensos teológicos estabelecidos por homens. Como a religião, textos sagrados são construções humanas, Deus nunca desceu do céu para definir princípios, selecionar esse ou aquele texto como inspirado, elencar essa ou aquela doutrina como verdade. 
      Aqueles que inocentemente acreditam que antes de qualquer dessas reuniões de lideranças eclesiásticas, uma busca a Deus, verdadeira e santa, foi feita, para que se conhecesse a real vontade do Senhor para os homens, se enganam. Muitas doutrinas foram estabelecidas por pura conveniência humana, para manter o controle político (e mesmo econômico e militar) nas mãos de alguns, para dominar sobre a maioria, para se estabelecer como povo e nação, ainda que abrindo mão de pureza de intenções. Enfim, tanto a nação de Israel, como a Igreja Católica e os Reformadores Protestantes, escolheram o que era de seus interesses, e isso é ensinado até hoje. O processo histórico é construído com falsas verdades? Sempre.
      Mas e a soberania do altíssimo sobre tudo, como fica? Não acompanhou e direcionou tudo conforme sua vontade para que homens fossem abençoados e conhecessem a Deus? Com certeza isso é argumento também de homens, mas a resposta é sim e não. O livre arbítrio sempre tem prioridade, tanto para os que selecionam o que deve ser crido, como para os que escolhem no que querem crer. Contudo, ainda assim, creio num Deus amoroso, que conhece os limites humanos, que protege os homens deles mesmos, mas que muitas vezes tem que agir como pai de crianças, não de adultos, dizendo não para algumas coisas, não porque sejam erradas em si mesmas, mas porque crianças não estão preparadas para administra-las. 
      Vou me posicionar, eu penso que a Bíblia contém a palavra de Deus, não penso que ela é. A verdadeira palavra de Deus com certeza foi falada ao coração de Moisés, de Samuel, de Davi, de Salomão, de Daniel, de Isaías, de Marcos, de Lucas, de Pedro, de Paulo, de João evangelista e de tantos outros que registraram os textos bíblicos, Deus sempre fala com todos, principalmente com os que o buscam. Mas eles registraram isso com fidelidade? Não, não podiam porque eram limitados como indivíduos em suas espiritualidades, e como homens de seus tempos em suas intelectualidades, mas também nem precisavam, Deus nunca exigiu isso deles e não exige de ninguém. 
      O que precisamos entender é que achar a palavra de Deus na Bíblia é exercício de homens íntegros, inteligentes e espirituais, que querem de fato conhecer a Deus, não obedecer cegamente e ao pé da letra um livro de regras morais. É preciso se dar ao trabalho, de estudar e orar, não só de decorar e repetir, isso permite que homens e mulheres cresçam em suas plenitudes como seres, no corpo, na alma e no espírito. Isso difere robôs de humanos, manada de animais irracionais de ovelhas espirituais do verdadeiro pastor. Isso nos permite ler os mitos (assunto que refletiremos mais a frente neste estudo) e entender as verdades, escondidas dos ociosos e hipócritas, mas reveladas aos simples. 
 
12. Catolicismo e Protestantismo

      Um conhecimento com embasamento mais científico, algo que ajudaria muito os crentes entenderem melhor o que creem, contudo, o que vemos em muitos púlpitos são pregadores demonizando ciência e filosofia, não entendendo (ou se fazendo de não entendedores propositalmente para não criarem ovelhas lúcidas) que elas são só ferramentas, não fim em si mesmas, e ferramentas da parte intelectual do homem, tão criação de Deus como o corpo e o espírito. Saber um pouco mais de história, por exemplo, pode nos fazer enxergar verdades claras sobre os processos evolutivos de muitas coisas, como das religiões e de seus textos sagrados. Existem livros de história universal, esses usados no ensino público, que em quatrocentas páginas nos dão uma ideia bem legal sobre história ocidental, império romano, idade média, etc, são informações importantes para entendermos o que é a Igreja Católica e a Reforma Protestante, com o tempo que levaríamos para ler um romance qualquer somos abastecidos com um conhecimento bem relevante para nossa fé.
      Muitos hoje, desconhecendo a história, não enxergam que durante a maior parte da trajetória do cristianismo no mundo ocidental, era a Igreja Católica quem imperava, assim ela era a representante oficial do cristianismo na Terra (eu disse do cristianismo, não de Cristo). Contudo, é preciso antes de tudo entendermos, que apesar dos católicos exigirem para si a continuidade legítima do cristianismo iniciado por Cristo e a igreja cristã fundada por Paulo, Pedro e outros apóstolos do século I, isso não confere. “Em 313, o imperador Constantino fez publicar o Édito de Milão, que instituía a tolerância religiosa no império, beneficiando principalmente os cristãos. Com isso, recebeu apoio em sua luta para se tornar o único imperador e extinguir a tetrarquia. Em 361, assumiu o trono Juliano, que tentou reerguer o paganismo, dando-lhe consistência ético-filosófica e reabrindo os templos. Três anos depois o imperador morreu e, com ele, as tentativas de retomar a antiga religião romana.” (Fonte Wikipedia). 
      A Igreja Católica que foi oficializada pelo imperador Constantino era extremamente distinta na doutrina, na hierarquia, nos objetivos, mas principalmente nos frutos, amargos e terríveis, que o Catolicismo colheu e colheria no decorrer de sua história, daquela fundada pelo Espírito Santo em Jerusalém na Festa de Pentecostes. Assim, se hoje evangélicos veem no catolicismo tantos erros, o que pensava Deus sobre o que era ensinado sobre ele, no mínimo entre o século IV e o século XVI, início oficial da Igreja Católica e época da reforma protestante? Se entendermos isso poderemos chegar a duas conclusões diferentes: ou a Igreja Católica está certa e os protestantes estão errados, e Deus está no catolicismo, ou Deus age indiferentemente do que é ensinado e ele não está nem aí com o que igrejas cristãs acreditam como sendo suas doutrinas oficiais e exclusivas para levarem os homens à verdade, sejam elas quais forem. 
      O que fica difícil de aceitar, e incrivelmente é o que os protestantes e evangélicos mais acreditam, é uma terceira conclusão, que a verdade sobre Deus só foi revelada ao mundo (ou a revelação foi restabelecida após mais de mil anos de catolicismo exclusivo) quando se fez a Reforma Protestante. É difícil crer que só a partir do século XVI (31 de outubro de 1517), quando Martinho Lutero publicou suas noventa e cinco teses na porta da Igreja do Castelo de Wittenberg, é que de fato tivemos uma Bíblia e sua interpretação realmente “corretas”. Dizer isso é dizer que por mais de mil anos as pessoas estiveram sem a luz da Bíblia, condenadas às trevas do verdadeiro conhecimento de Deus e presas à idolatrias e heresias. Está achando isso exagero? Em primeiro lugar é preciso saber se você está entendendo de fato o que está sendo dito aqui, você está? Senão, leia novamente, por favor. 
      A verdade é que Deus salva pelo Espírito Santo, não pela palavra escrita, Deus nunca teve a intenção de estabelecer na Terra uma embaixada oficial. Por outro lado, esse cânone bíblico que protestantes e evangélicos tanto idolatram, só foi largamente acessível há pouco tempo, na época anterior à reforma era escrito em latim e de estudo restrito a clérigos, a liderança lia, entendia e ensinava, o povo só ouvia e aceitava, sem questionar. Mas mesmo após a reforma, cópia da Bíblia na língua natal do país não era algo fácil de se ter, e as pessoas, muitas delas, nem sabiam ler. Seja como for, essa Bíblia que todos têm na mão hoje em dia com tanta facilidade, em tantas versões, encadernações e comentadas por tantos, é muito mistificada e é por isso que muitos não reavaliam suas crenças, acham que são a real palavra de Deus e ir contra elas seria ir contra o próprio Deus.
      Isso nos leva ao entendimento que usar a Bíblia, que protestantes e evangélicos têm nas mãos hoje em dia como palavra direta e plena de Deus, não é o mais sensato, ainda que ela contenha a palavra de Deus, ainda que seja singular entre todos os textos religiosos do mundo de todos os tempos, ainda que o centro dela seja Jesus, o caminho, a verdade e a vida, ainda que seus textos tenham sido escritos por homens inspirados pelo Espírito Santo. Mas se tivesse a relevância legalista e absoluta que muitos lhe dão, ela teria sido entregue aos homens no início e sempre estaria com eles, iluminando seus caminhos e mostrando o rumo ao altíssimo. Contudo, é por idolatrar a Bíblia que muitos se desviam de Deus, calam o Espírito Santo, negam o amor de Jesus, deixam de dar no mundo um testemunho verdadeiro, eficiente e poderoso, e são preconceituosos e intolerantes. 

13. Comunicação com os mortos na Bíblia

      O assunto deste texto é polêmico, refletiremos sobre passagens bíblicas que relatam algo que parece destoar da doutrina bíblica protestante tradicional sobre necromancia, consulta aos mortos, comunicação de vivos com falecidos e de mortos com mortos. Na próxima parte, ainda dentro do estudo “Reavaliemos nossas Crenças”, a continuação dessa reflexão, assim, se possível, leia todo o estudo para ter uma opinião sobre o ponto de vista do “Como o ar que respiro” sobre o assunto. 

      - Deuteronômio 18.10-13: uma lei mosaica que condena consulta a espírito adivinhador e aos mortos. A Bíblia é clara quando Moisés orienta a nação de Israel que a prática de consulta aos mortos não deveria ser feita, contudo, se existe proibição é porque a experiência pode ser realizada, isso pode ser interpretado, ainda que não seja aconselhável, senão nem seria proibida. Dessa forma se Moisés legislou enfaticamente uma proibição é porque comunicação com os mortos faz mais mal que bem, conduz mais ao afastamento de Deus que à aproximação com ele, não que seja impossível de ser feita. 

      - I Samuel 28 (todo o capítulo, por favor, leia todos os textos citados nesta reflexão, mas esse em especial leia com calma e mais de uma vez, se possível): a experiência de Saul falando com o espírito do morto Samuel através da feiticeira de En-Dor. Ela é a mais polêmica, talvez a mais polêmica da Bíblia protestante, cita uma experiência de contato com espírito de um morto, Saul com Samuel através da médium, em momento algum a Bíblia diz com clareza que é mentira, sonho, ou algum tipo de engano demoníaco. I Crônicas 10.13-14 diz que Saul teve o fim que teve porque dentre outras coisas buscou a adivinhadora para a consultar, desprezando a orientação que Deus já tinha dado (ou não) por meios legítimos, conforme a religião israelita da época. Contudo, ainda assim, a Bíblia não diz que a experiência não foi real, só diz que não era a maneira aprovada por Deus para orientar Saul.

      - Lucas 9.28-36, Mateus 17.1-9 e Marcos 9.2-9onde Jesus transfigura-se e os espíritos de Moisés e Elias aparecem a ele, a Pedro, a Tiago e a João. Nessas passagens duas pessoas mortas apareceram a uma pessoa viva, isso é, os espíritos de Moisés e Elias apareceram a Jesus, esse acontecimento foi uma exceção ou um dos registros únicos na Bíblia de um evento real? O consenso da teologia tradicional protestante é que foi um evento único que antecedeu a ressurreição de Jesus, legitimando essa, revelando, antecipadamente, o poder diferencial que Cristo teve de vencer a morte. O aparecimento especialmente de Moisés e Elias, representantes dos pilares da religião de Israel, Moisés a lei e Elias os profetas, revela o valor superior da nova aliança de Cristo com relação a velha aliança. Interessante que justamente esses dois personagens tiveram mortes, digamos assim, não normais e envolvidas em mistérios (Enoque é um terceiro exemplo bíblico disso, Gênesis 5.24), ambos tiveram experiências diferentes com seus corpos físicos. A Bíblia até cita que Moisés foi enterrado, mas não se sabe exatamente onde (Deuteronômio 34.5-6), além do que houve uma disputa entre o diabo e o arcanjo Miguel por seu corpo (Judas 1.9), por quê? A Bíblia não diz. Já Elias foi levado ao céu, ao que nos parece, ainda em vida por uma carruagem de fogo celeste (II Reis 2.11).

      - Lucas 16.19-31: a parábola do rico e do mendigo Lázaro, onde é dito que existe um abismo entre inferno e céu. Interessante que a pergunta do rico morto no inferno diz respeito a uma possibilidade de quem está no céu (no seio de Abraão) se comunicar com que está no inferno, na “parábola” Abraão responde, “está posto um grande abismo entre nós e vós, de sorte que os que quisessem passar daqui para vós não poderiam, nem tampouco os de lá passar para cá“. Assim o que fica claro neste texto é que não é possível ou permitido uma comunicação entre quem está no inferno com quem está no céu, e vice-versa. Mas o rico faz um segundo pedido a Abraão, que ele pudesse alertar seus irmãos em vida para que agissem melhor para não virem ao inferno, contudo, a resposta de Abraão é, “se não ouvem a Moisés e aos profetas, tampouco acreditarão, ainda que algum dos mortos ressuscite”, a palavra não diz exatamente que não seria possível a comunicação, só diz que seria inútil. Um detalhe sobre essa passagem é que estudiosos têm a opinião que apesar de relatar uma história fictícia ela se baseia em realidade espiritual, não em metáforas, assim não se configura uma parábola tradicional, isso dá ainda mais argumentos para uma explicação teológica sobre a vida além morte e comunicação entre mortos e entre mortos e vivos.

14. Comunicação com os mortos e a Teologia

      Neste texto, a finalização da reflexão sobre comunicação com mortos, no outro texto analisamos passagens bíblicas que falam sobre o assunto, aqui análises teológicas, um pouco diferentes entre si, mas que representam a opinião da grande maioria de protestantes e evangélicos sobre o tema. Lembrando que este texto é uma das partes do estudo “Reavaliemos nossas crenças”, que traz à tona temas importantes e polêmicos sobre a doutrina cristã, se possível leia todo o estudo para ter uma opinião sobre o ponto de vista do “Como o ar que respiro” sobre o assunto. 

      Na defesa da Bíblia ser a palavra de Deus, é muito importante que ela seja coesa, isso é, não se contradiga e se auto-explique, como poderia se defender algo como dito por Deus se contivesse incoerências, interpretações dúbias? Assim teólogos protestantes se esforçam para não acharem na Bíblia textos que se contradigam, nisso podem forçar certas interpretações, em minha opinião. A Bíblia pode ter três camadas de interpretação: o que Deus pode dizer através dela, o que os homens quiseram e querem dizer através dela, e o que nós queremos que ela nos diga, em cada uma dessas camadas acha-se coesão. Coesão é relativa, vê-se coerência onde se quer ver, busca-se integridade naquilo que se quer achar, como sempre a subjetividade humana é quem dá a palavra final, não Deus, coesão não existe por si, é algo buscado, defendido, construído.
      Os teólogos protestantes constróem sua coesão bíblica sobre a tradição judaica e a igreja primitiva, assim, textos como I Samuel 28 (Saul consultando a médium de En-Dor) e Lucas 9 (a transfiguração de Cristo), se apresentam para eles como exceções que exigem deles esforço maior para casarem suas interpretações com o que eles defendem ser a teologia geral da Bíblia sobre comunicação de vivos com mortos. Abrindo parênteses, a Igreja Católica permite oração pelos mortos apoiada na citação de Macabeus I 12.38-45, livro considerado apócrifo pelos protestantes e não presente na Bíblia evangélica, essa doutrina está atrelada à doutrina católica do purgatório, assim católicos oram pelos mortos para que esses passem do purgatório ao céu (leia neste link a respeito), fechando parênteses.

      Uma análise séria sobre I Samuel 28, defendendo sobre muitos aspectos técnicos a doutrina protestante tradicional sobre consulta aos mortos que diz que isso é tanto proibido por Deus quanto impossível, é feita pelo teólogo, mestre e missionário, Russell Shedd, nas Bíblias Vida Nova e Shedd, segue transcrição de parte de sua análise:
      “A crônica de 7-25 fora escrita por uma testemunha ocular, logo por um dos servos de Saul que o acompanhara à necromante. Frequentemente esses servos eram estrangeiros e quase sempre supersticiosos, crentes no erro, razão porque o seu estilo é tão convincente. Esta crônica que é parte da história de Israel pela determinação divina, entrou no cânon sagrado e deve estar lá, como lá estão os discursos dos amigos de Jó, as afirmações do autor de “debaixo do sol”, a fala da mulher de Tecoa etc - palavras e conceitos humanos. (Infelizmente esta crônica é interpretada por muitos sobre o mesmo ponto de vista do servo de Saul).” 
      “Quem respondeu a Saul? Sugerimos a seguinte possível explicação, a Bíblia fala de certos espíritos, sua natureza e seu poder. São os anjos maus. Do mesmo modo fala de anjos que acampam ao nosso redor e nos guardam. São os anjos bons. São dois, os “secretários” (se não mais) que nos acompanham durante a vida toda, um bom e outro mal. Anotam tudo e sabem tudo a nosso respeito. Depois da morte o anjo bom leva o nosso livro-relatório diante de Deus pelo qual seremos julgados. Por sua vez o anjo mau assume a nossa identidade e representa-nos no mundo através dos médiuns, onde revela o nosso relatório com acerto e “autoridade”. É por isso que Paulo fala da luta que temos contra as forças espirituais do mal e é pela mesma razão que Deus proíbe consultas aos “mortos”, porque estes são falsos. Caso fossem espíritos humanos, provavelmente, Deus não proibiria a sua consulta, apenas regulamentaria o assunto para evitar abusos. Deus, porém, proíbe o que é dissimulação e falsidade.” (Bíblia Shedd, 1ª edição, 1998, Edições Vida Nova, parte dos comentários de rodapé das páginas 430 e 431 sobre o texto de I Samuel 28.7-25)

     Para defender seu entendimento bíblico, Shedd dá a sua interpretação do texto, que ao meu ver, em alguns aspectos, é forçada, sacrificando exegese por uma coesão teológica que ele tenta ver. Isso ocorre quando diz que o texto pode ter sido escrito por um servo estrangeiro de Saul, que estava enganado sobre o que de fato tinha testemunhado. Sob esse ponto de vista, alguém registrou uma mentira na Bíblia e isso, mesmo depois de anos de revisões feitas principalmente por líderes judeus, não mereceu de ninguém uma explicação de que é mentira, simplesmente ficou registrado como uma declaração verdadeira, e justamente uma passagem que fala sobre algo de proibição tão clara na Bíblia (Deuteronômio 18.10-13).
      Shedd defende esse argumento dizendo que isso ocorre também em outras passagens na Bíblia, dá como exemplo passagens do livro de Jó com os discursos dos amigos de Jó. Ao meu ver, no livro de Jó é diferente, aliás não existe nenhuma polêmica sobre as passagens de Jó, lá está registrado de maneira clara que os argumentos dos amigos de Jó são equivocados, que o que Jó experimenta é um embate ideológico que tenta suas convicções. As afrontas ideológicas dos amigos de Jó são parte importante na tentação do homem de Deus, que no final do livro reconhece a soberania de Deus, assim como seus amigos são punidos por Deus por terem falado a Jó coisas erradas sobre Deus (Jó 42.7).
      Além disso, Shedd usa argumento não bíblico para defender uma possível simulação maligna do espírito do morto Samuel, que pode ter ludibriado o servo de Saul responsável pelo relato enganoso. O argumento é um conhecimento do esoterismo, sobre o “anjo bom” e o “anjo mau”, que não tem base bíblica direta. Interessante o professor basear-se no princípio que a Bíblia explica a própria Bíblia em um ponto, e usar algo que não está na Bíblia para achar coesão na Bíblia em um outro ponto. Mesmo que eu não tenha qualquer intenção de descreditar Russell Shedd, homem de magnífica importância para a teologia no Brasil e no mundo, não tenho receio de discordar dele sobre o texto de I Samuel 28, a eternidade nos esclarecerá.

      Outra análise muito interessante sobre I Samuel 28, que representa mais a minha opinião, e que abre a porta para um conhecimento mais profundo de Deus através da Bíblia, é feita pelo pastor e teólogo Augustus Nicodemus Lopes (clique no link para ver o estudo completo). Essa análise ainda defende a posição tradicional protestante que diz que consulta a mortos é proibida por Deus na Bíblia, todavia, diz que tanto o aparecimento de Samuel já morto na passagem de I Samuel 28, como o aparecimento de Moisés e Elias já mortos a muito mais tempo em Lucas 9, são exceções feitas pelo próprio Deus. Realmente foi o espírito de Samuel que apareceu a Saul, não foi um engodo do diabo, nem charlatanismo da feiticeira, nas palavras do reverendo Nicodemus, “pois Deus mesmo faz as regras e as suspende de acordo com sua soberana vontade e com seus propósitos”. 
      Isso pode ser difícil de ser aceito por uma grande maioria de cristãos, pois contraria um mandamento de Deus assim como a doutrina protestante tradicional, mas é o único jeito de ser fiel ao texto bíblico, sob o ponto de vista exegético. Em nenhum momento, como ocorre em outras passagens bíblicas, é dito que o diabo aparece enganando Saul, mas que é Samuel quem aparece. Contudo, os que discordam dessa interpretação são os mesmos que defendem interpretações da Bíblia ao pé da letra em tantas outras passagens, assim fazem uma exceção neste caso, mas a interpretação ao pé da letra de I Samuel 28 nos leva a acreditar que Deus faz uma exceção, e ele pode fazer isso, quando permitiu que o espírito verdadeiro do morto Samuel aparecesse ao teimoso Saul, experiência que só aumentou sobre Saul o juízo de Deus.
      Uma das coisas que mais me agradam na Bíblia são justamente os pontos que sob o ponto de vista humano são considerados polêmicos, só sob o ponto de vista humano, não de Deus. Passagens assim mostram a total liberdade que o Espírito Santo teve para orientar os registros bíblicos, sem se preocupar em ser teologicamente sistemático, sem se acomodar às caixas humanas, sem revelar todas as verdades de Deus, mas também sem escondê-las, sem escancarar as limitações humanas, mas também sem escondê-las. Enfim, a Bíblia não é para ser lida como um livro de leis objetivas para então ser obedecido cegamente (sem pensar ou sentir), é preciso usar a inteligência, o bom censo, mas também o discernimento espiritual e o amor de Deus. Eu pessoalmente não acho que Deus fez uma exceção para Saul e para Jesus na transfiguração, só penso que a maioria dos cristãos não está preparada para a verdade de Deus, por isso é melhor que certas coisas, ao menos por enquanto, sejam simplesmente proibidas. 

15. Céu

      Alguns creem que céu e inferno não são regiões acima e abaixo do plano físico, mas estão no mesmo nível do plano físico, só que em realidades ou dimensões diferentes, assim o que gradua alguém não é sua posição geográfica, mas sua qualidade espiritual, ligada obviamente à moralidade estabelecida por Deus. Ser mais ou menos espiritual é estar mais próximo ou mais distante do melhor de Deus, da luz do altíssimo santíssimo Deus, assim pertencer ao céu ou ao inferno espirituais. O planeta Terra, interior, superfície e atmosfera ao redor, assim como o espaço sideral ao redor dele, estão submergidos no plano espiritual, com anjos e diabos todos convivendo ao mesmo tempo com os seres humanos, os animais, a natureza, assim como com a Lua, o Sol, as estrelas etc.
      Existe uma classificação mais simplista que define três tipos de céu, Paulo cita um 3º céu em II Coríntios 12. O primeiro céu é o físico, que está ao redor do globo celeste, o segundo, e o primeiro espiritual, ocuparia o mesmo espaço físico que o primeiro e físico, nele se encontram os demônios e outros seres espirituais e é onde se fazem as batalhas entre as legiões, como a descrita em Daniel 10 (já refletimos sobre isso no estudo “Desvendando o mundo espiritual”). O terceiro céu, o segundo espiritual, é onde estão o trono do altíssimo e santíssimo mais outros seres espirituais, em Isaías 6 é mencionado um local assim, com Deus e os serafins. Mas e o céu e o inferno onde habitarão os seres humanos e os seres espirituais malignos depois do juízo final, onde se encontram?
      Como nós cristãos evangélicos e protestantes temos facilidade para julgar onde alguém vai passar a eternidade, como dizemos com tanta certeza, “esse vai para o céu”, ou, “aquele vai para o inferno. Algo que também precisamos reavaliar é o que pensamos e quem pensamos que tem direito a essa ou àquela eternidade. Céu ou inferno? Se quiser, se estiver pronto para isso, você pode ter tua certeza, e se tiver fé pode dizer isso para os outros, mas infelizmente o que mais ocorre é gente sem noção ter certeza de coisas que nem sabe o que é, muito menos ter vida digna para ter direito a essas coisas. Reavaliemos céu e inferno estudando o texto de Mateus 25.32-46, um texto tão completo quanto revelador, este tema será dividido em três reflexões, esta, sobre o céu, a próxima, sobre o inferno e a última, sobre a eternidade.

O Juízo Final

      “E todas as nações serão reunidas diante dele, e apartará uns dos outros, como o pastor aparta dos bodes as ovelhas; E porá as ovelhas à sua direita, mas os bodes à esquerda.“ Mateus 25.32-33

      O evento escatológico deste texto é o último, na série de eventos sobre o final dos tempos, após o arrebatamento, a grande tribulação, a volta de Cristo em Jerusalém e o reinado de Cristo e dos santos na Terra por mil anos (o milênio), depois disso é que ocorre, segundo a interpretação de muitos estudiosos protestantes, o trono branco ou o derradeiro juízo final. Antes disso ainda haverá oportunidade de escolha do tipo de eternidade que se deseja viver, chance de salvação haverá mesmo após o arrebatamento quando os salvos e consagrados subirão para as bodas do cordeiro, sendo preservados da grande tribulação. O que precisamos entender é que sob o ponto de vista cristão protestante haverá um momento onde todos os seres humanos, de todas as nações e tempos, serão divididos em dois grupos, dois extremos, sem meios termos, direita e esquerda, ovelhas e bodes, sem purgatório e sem reencarnação. 

O Céu

      “Então dirá o Rei aos que estiverem à sua direita: Vinde, benditos de meu Pai, possuí por herança o reino que vos está preparado desde a fundação do mundo; Porque tive fome, e destes-me de comer; tive sede, e destes-me de beber; era estrangeiro, e hospedastes-me; Estava nu, e vestistes-me; adoeci, e visitastes-me; estive na prisão, e fostes ver-me.” Mateus 25.34-36

      Um grupo terá uma herança boa, em paz, com e em Deus, gozará de delícias e maravilhas que não podemos ter ideia do que sejam. Jesus é o meio direto que pode nos levar a fazer parte desse grupo, não religiões ou mesmo boas obras. Não basta seguir fielmente uma religião, é preciso ter uma experiência espiritual e interior com o verdadeiro Deus, que nos transforma de dentro para fora. Também não basta fazer boas obras, ainda que elas possam ser o efeito da causa fé em Deus, mas se as obras não forem para adorar a Deus, podem até valerem como créditos de prosperidade neste mundo, mas não levarão as pessoas para perto de Deus na eternidade. Por quê? Porque os egoístas e materialistas aqui, continuarão sendo lá, mesmo que tenham sido bons cidadãos, estarão num abismo sem fim na eternidade.

Quem vai pro Céu

      “Então os justos lhe responderão, dizendo: Senhor, quando te vimos com fome, e te demos de comer? ou com sede, e te demos de beber? E quando te vimos estrangeiro, e te hospedamos? ou nu, e te vestimos? E quando te vimos enfermo, ou na prisão, e fomos ver-te?” Mateus 25.37-39

      Na passagem, os justos questionaram o supremo juiz sobre quando fizeram coisas boas que lhes deram direito a uma eternidade com e em Deus, só essa pergunta dos justos já explica tudo, revela o coração de um justo, sua intenção verdadeira e sua essência. O justo não pratica boas obras porque isso lhe dará alguma recompensa, e mesmo que faça conscientemente coisas boas, nunca se acha bom o suficiente, nunca se acha no direito de receber um pagamento eterno de Deus por isso. Isso é uma das definições mais precisas de humildade, o humilde vigia de tal maneira sua mente e seu coração que não ficam nele qualquer presunção ou sentimento de arrogância, de se achar melhor por ter feito isso ou aquilo. Ele faz por obrigação, por dever, mas ainda assim, não faz com frieza ou displicência, mas com alegria, dando o seu melhor no tempo certo, age depressa e com generosidade porque sabe que isso é certo. 

      “E, respondendo o Rei, lhes dirá: Em verdade vos digo que quando o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes.” Mateus 25.40

      O versículo 40 nos revela um mistério espiritual e universal importantíssimo, que esotéricos e espiritualistas, principalmente orientais, muitas vezes conhecem mais que os cristãos, o mistério é: somos todos um em Deus e Deus está em todos. Foi a partir de um belíssimo texto de John Donne, que o escritor norte-americano Ernest Hemingway encontrou inspiração para o título do seu romance “Por Quem os Sinos Dobram” (1940), o texto original de Donne, escrito em 1623, diz: “Nenhum homem é uma ilha, inteiramente isolado, todo homem é um pedaço de um continente, uma parte de um todo. Se um torrão de terra for levado pelas águas até o mar, a Europa fica diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse o solar de teus amigos ou o teu próprio; a morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntai: Por quem os sinos dobram; eles dobram por vós” (Link da Fonte).
      Desculpe-me recorrer à arte secular, mas ela se encaixa muito bem ao ensino deste texto bíblico. Infelizmente, como muitos evangélicos atuais são egoístas, materialistas, escondem-se nos templos com medo do diabo, condenam muitos ao inferno, se acham no direito do céu, e pouco praticam para ajudarem o próximo, mesmo que esse próximo esteja de fato próximo a ele, na cadeira ao lado num culto. Quando desprezamos um pequenino de Cristo, é a Cristo que desprezamos, e um pequenino pode estar bem ao nosso lado, às vezes com uma cara feia, com uma postura que até não achamos de cristão, mas com um coração humilhado diante de Deus, adorando a Deus em silêncio, na solidão. Ajudar um pequenino como esse, muitas vezes com algo que nem nos custa muito, só com alguma atenção, com algum carinho, pode nos dar muito mais direito à eternidade com e em Deus que assiduidade em cultos, fidelidade em dízimos e ofertas, e só aparência externa de crente.

16. Inferno

      Está é a segunda reflexão sobre o tema “Reavaliemos Céu e Inferno”, na anterior refletimos sobre o céu, nesta refletiremos sobre o inferno, ambas sobre a passagem bíblica de Mateus 25.32-46.

      “Então dirá também aos que estiverem à sua esquerda: Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus anjos” Mateus 25.41

     O inferno é definido no novo testamento como um local de sofrimento e castigo no plano espiritual, preparado, ao menos inicialmente, só para o diabo e seus anjos, não para os seres humanos, isso é o que entendemos no texto bíblico. Isso porque os seres espirituais malignos já escolheram uma eternidade sem Deus, no início dos tempos, o homem está escolhendo, a partir do momento em que Adão e Eva míticos foram expulsos do paraíso terrestre. A Bíblia, exceto pela informação que é um local de fogo, não diz mais sobre o inferno (poderia ser um local gelado, isso também pode causar sofrimento), mas ela nem precisa dizer mais, sofrimento é tão terrível quanto simples, e se estamos nele tudo o mais desaparece, referências de estética, de espaço e de tempo, sofremos e ponto. No Antigo e no Novo Testamento termos diferentes são usados para referirem-se ao inferno: 

      “A palavra hebraica principal usada para se referir ao mundo dos mortos é sheol. A origem do termo sheol é incerta e todas as tentativas de fazer isso foram frustradas ou são duvidosas... A Bíblia Hebraica usa o termo sheol (65 vezes) para se referir ao submundo dos mortos retratado como um profundo e escuro abismo. Na Bíblia o termo está estritamente relacionado a abismo e sepultura. Sheol é o termo preferido dos textos poéticos, pois exceto oito passagens no AT, todas as demais ocorrem em textos poéticos. Sheol é a sepultura ou morada de todos os mortos indistintamente. Em várias ocorrências da palavra não é um local desejável de se ir, exceto quando preferível a um grande sofrimento aqui na terra dos vivos. Mas está completamente ausente o ensino de que era um local de fogo e tormento dos maus como na ideia atual de inferno. 
      ...Para os israelitas antigos era o termo designativo do mundo dos mortos é sheol, que apresenta essa característica de desolação, silêncio e purificação. "De acordo com o pensamento dos israelitas antigos, um abismo escuro e silencioso situado nas profundezas da terra, para onde todas as pessoas iam depois de morrer." Sheol tem uma associação muito estreita com o túmulo (veja Isaías 5.14; 11.9,18-20), mas sheol é usado principalmente em textos poéticos. Embora o significado seja controverso, o uso do termo sheol indica lugar de morada dos espíritos dos mortos, conforme o contexto nos mostra, embora deixe transparecer que essa existência no sheol é um estilo de vida fraca e não gratificante...”

      “Quando os judeus fizeram a tradução da Bíblia Hebraica para o Grego Koinê (comum), conhecida como Septuaginta (símbolo LXX), usaram 61 vezes o termo grego hades comum na mitologia grega para se referir ao reino dos mortos, mas não há evidências de que partilhassem de todas as concepções mitológicas sobre o hades, principalmente sua personificação no deus Hades. Seguindo a tradição da Septuaginta (LXX), os cristãos, ao produzirem o chamado Novo Testamento Grego, usaram a palavra hades para se referir ao submundo dos mortos, principalmente quando citavam a Bíblia Hebraica ou Antigo Testamento para traduzir a palavra sheol. 
      Como os judeus, os cristãos emprestaram apenas o sentido geral de hades como mundo dos mortos, mas não há evidências no Novo Testamento ou nos primeiros cristãos de que usassem a palavra com a mesma ideia mitológica grega. O Dicionário da Bíblia Almeida, publicado pela Sociedade Bíblica do Brasil, que é responsável pela tradução das principais versões da Bíblia protestante usada no Brasil, diz sobre o termo hades: "Palavra grega que designa a morada dos mortos, bons e maus. Em quase todos os contextos, hades é equivalente a SHEOL (At 2.31). Possivelmente no seu Evangelho, Lucas (16.23) tenha empregado hades como equivalente de GEENA, num contexto de castigo e tormento, visto que essa era a visão típica dos gregos e dos romanos quanto à situação das pessoas depois de sua morte.”

      “A origem do termo inferno é latino: infernum, que significa "as profundezas" ou o "mundo inferior". Origina-se da palavra latina pré-cristã inferus "lugares baixos", infernus. 
      A medida que a igreja crescia e mais e mais romanos foram se tornando cristãos vindo, por fim, a cristianizar todo o império, foram feitas traduções da Bíblia para o latim, língua oficial dos romanos. Primeiro havia os textos da Antiga Latina ou Vetus Latina, e, por fim, o monge São Jerônimo fez uma tradução completamente nova da Bíblia (Antigo e Novo Testamento) para o latim que veio a ser conhecida como Vulgata Latina (vulgata, quer dizer comum, i.e., latim comum). Na Vulgata, foi usado o termo latino infernus 61 para traduzir o hebraico sheol (61 vezes) e o grego hades e geena sem distinção, o que fatalmente tem causado vários mal entendidos, uma vez que geena tem sentido diverso de hades e sheol, embora em alguns contextos apareça associado a estes. Assim como sheol e hades, infernus se referia ao mundo dos mortos na mitologia romana.” 

      Achei importante citar as explicações mais técnicas acima para entendermos que na verdade a Bíblia não se dá ao trabalho de especificar muito o sheol, o hades ou o inferno, e os termos usados nas línguas originais têm significados variados, sejam hebreus, gregos, romanos ou latinos. Novamente o evangélico atual precisa entender que a Bíblia não é esse livro com exatidão científica que temos que obedecer e crer ao pé da letra, é preciso interagir com ela usando todo o nosso ser, não só fé espiritual, mas também inteligência mental e mesmo um sentimento de amor e de paz, é preciso reavalia-la. O que de fato é o inferno? Não sabemos, o que sabemos é que é um “lugar” (ou uma posição espiritual, ou uma disposição mental...) de sofrimento, é eterno? Bem, todo sofrimento parece eterno enquanto estamos nele, e terá duração proporcional ao tempo de nosso orgulho, só a humildade para por fim a ele. 

Quem vai para o Inferno

      “Porque tive fome, e não me destes de comer; tive sede, e não me destes de beber; Sendo estrangeiro, não me recolhestes; estando nu, não me vestistes; e enfermo, e na prisão, não me visitastes. Então eles também lhe responderão, dizendo: Senhor, quando te vimos com fome, ou com sede, ou estrangeiro, ou nu, ou enfermo, ou na prisão, e não te servimos? Então lhes responderá, dizendo: Em verdade vos digo que, quando a um destes pequeninos o não fizestes, não o fizestes a mim. E irão estes para o tormento eterno, mas os justos para a vida eterna.” 25.42-46

      Interessante que os condenados a uma eternidade longe do melhor de Deus também questionaram o Senhor no juízo, mas esses pelo motivo oposto ao dos justos. Esses tinham certeza que morariam no céu na eternidade, por isso se surpreenderam, se ainda não tivessem se surpreendido haveria neles mais justiça, pois seria atitude de quem sabe que está errado e por isso entende que é justificado seu terrível fim, para esses talvez ainda houvesse uma eternidade no melhor de Deus. (Uso frequentemente o termo perto ou longe do melhor de Deus, alguém pode perguntar, mas Deus tem pior? Sim, o inferno foi criado por Deus, está em Deus, pois Deus tudo contém sempre, mas é um lugar bem ruim). 
      Não entendemos pelo texto bíblico, que são os não cristãos, pessoas que muitos evangélicos consideram mundanos, carnais, adúlteros e alcoólatras, que questionam Deus do porquê não terem direito ao céu, esses não fazem esse tipo de pergunta, eles não estão nem aí pra céu e inferno, muitos desses dizem com desdém, “vou pro inferno mesmo”. Por outro lado, os que dizem ter certeza do céu são justamente os religiosos, e principalmente cristãos evangélicos e protestantes. Assim, reavaliemos nossas vidas, o que esperamos da eternidade, o que pensamos sobre a eternidade dos outros, será que o inferno não será de acordo com o que cremos que ele é? Se for assim, cristãos equivocados são os que terão o pior inferno, pois creem nele.

17. Eternidade

      Segue a terceira e última parte de reflexões sobre o tema céu e inferno.

      “Quem pós a sabedoria no íntimo, ou quem deu à mente o entendimento?” Jó 38.36

      “Tu conservarás em paz aquele cuja mente está firme em ti; porque ele confia em ti.” Isaías 26.3

      “Porque, quem conheceu a mente do Senhor, para que possa instruí-lo? Mas nós temos a mente de Cristo.” I Coríntios 2.16

      “Que, quanto ao trato passado, vos despojeis do velho homem, que se corrompe pelas concupiscências do engano; E vos renoveis no espírito da vossa mente; E vos revistais do novo homem, que segundo Deus é criado em verdadeira justiça e santidade. Por isso deixai a mentira, e falai a verdade cada um com o seu próximo; porque somos membros uns dos outros.” Efésios 4.22-25

      Muitos pensam em ser humano como corpo e espírito, no corpo veem os desejos carnais, as paixões, e no espírito a parte que se comunica com Deus, que recebe a “unção“, pouco, contudo, se pensa sobre a mente. Na verdade a porta para o nosso ser não é o coração, que dizemos ser o centro de nossas emoções, mas é a nossa mente, antes de sentirmos, de querermos e de fazermos, nós pensamos. Já refletimos no “Como o ar que respiro” sobre tricotomia, que divide o homem em três partes, corpo, espírito e alma, bem, sentimentos e pensamentos, coração e mente, fazem parte da alma. Isso é um jeito simplista de entendermos as coisas, alguns pensam diferente, mas eu acho um jeito fácil de entendermos o ser humano. 
      Os textos iniciais citam a mente humana, que Deus a criou, que é a parte que retém a paz de Deus de forma lúcida, mas dizem também que o novo nascido em Cristo não tem mais uma mente comum, humana, mas divina. Ah, se as pessoas entendessem a verdade poderosa que existe nisso, o mistério que nos é revelado. “Mas nós temos a mente de Cristo”, isso é muito forte, mas é algo que precisamos aprender a guardar, a dar liberdade para que apareça e nos mostre a vontade de Deus, à medida que mortificamos a mente do homem natural que ainda continua conosco. Liberar a mente de Cristo em nós é construir o céu ainda neste mundo, é vivermos uma eternidade boa com Deus ainda neste plano físico. 
      Mas será que é isso, construímos em nossas almas e neste mundo o céu ou o inferno que teremos no outro mundo? Pode ser, somos ensinados pela Bíblia a crer num lugar maravilhoso, onde não haverá dor, nem culpa, nem tédio, só paz com e em Deus, talvez isso não seja a indicação de um lugar que teremos no mundo espiritual, mas algo que nos ensine sobre o lugar melhor que Deus pode nos dar, ensino que constrói em nossas almas o céu. Talvez a fé seja a melhor maneira que Deus tenha para que neste mundo, encarnados, nós possamos fazer uma construção mental que seguirá conosco na eternidade, a melhor construção daquilo que é uma eternidade boa com Deus.
      Contudo, por que é importante fazer essa construção em nossas mentes, através de uma imaginação movida pela fé em Deus, conforme a informações que a Bíblia nos dá sobre céu e inferno? Lembre-se que essa reflexão faz parte do estudo, “Reavaliemos nossas crenças”, assim a proposta é pensar um pouco além daquela maneira tradicional que pensamos na maioria das igrejas ensinados pela maioria de pregadores e teólogos. Veja, na outra vida não teremos corpos físicos, que ainda que limitados nos permitem alguns escapismos. Quando estamos tristes, por exemplo, dormimos, comemos algo gostoso, tomamos um café, enfim, achamos conforto, ainda que temporário, em prazeres do corpo.
      Mas imagine uma existência sem um corpo, suas necessidades e suas consequentes satisfações, teremos nosso espírito e nossa alma e só. Se o espírito tiver a presença do Espírito Santo de Deus, nossa alma, enfim, poderá viver em plena paz, mas se não tiver, teremos só uma alma atormentada, sem as distrações do corpo, sem os vícios e outros artifícios para escaparmos do sofrimento. A dor e a culpa, que tantas vezes se escondem de todo mundo neste plano físico, terão que ser encaradas sem desculpas e sem o Espírito Santo, isso não será um inferno? Indiferentemente de haver um local espiritual de fogo eterno, esse fogo de sofrimento já levarão muitos deste mundo, construído com orgulho e ausência de temor a Deus. 
      Por isso é tão importante sermos verdadeiros e sinceros do bem, querermos com todo o coração o caminho da verdade e da paz, termos uma boa intenção que se traduza, ao menos em parte, em boas obras. Ainda que tenhamos uma alma boa ela vive em luta? Sim, pois sabemos que o melhor que desejamos ser muitas vezes não conseguimos ser, mas ainda assim não deixamos de pedir perdão a Deus, às pessoas, de recomeçarmos, tantas vezes quanto necessárias, com humildade. Só conseguimos isso com Deus em nós, assim a primeira e principal obra é crer em Deus através de Jesus, para depois seguirmos com ele como amigo, focando na luz. Isso constrói um céu em nós ainda neste mundo, e esse céu é eterno.
      Por outro lado, não basta ter uma experiência religiosa ou mesmo cristã de imaginação, e muitos têm essa experiência vazia. Estão nas igrejas, ou conhecem muito bem a Bíblia, ou mesmo pregam a teologia tradicional protestante, de boca, na aparência, mas seus corações estão numa agonia sem fim, não experimentam de fato a libertação que há em Jesus, não têm a paz dos justos. Esses serão arrebatados na “primeira leva” dos salvos? Esse terão o céu na eternidade? Dificilmente, e muitos carregam o inferno nas almas, ainda que digam que vão para o céu, esses de fato nunca creram em Jesus como salvador, não têm as lâmpadas cheias de óleo, são as “virgens loucas” da parábola de Mateus 25.1-13. 

18. Israel

      A Bíblia pode nos passar vários tipos de ensino, os principais são três, os religiosos, os morais e os históricos. Os ensinos históricos precisam da homologação científica, não devem ser entendidos ao pé da letra, já que muitas histórias bíblicas sobre muitos personagens que chegaram ao conhecimento dos escritores bíblicos, principalmente no antigo testamento, foram através de tradição oral. Tradição oral é o costume que se tinha, principalmente antes da escrita existir ou ser acessível a todos, de uma geração contar para outra geração um acontecimento importante de um povo. A história original, ainda que tenha origem na realidade, naturalmente sofre alterações, adições e subtrações, à medida que a informação é verbalizada, assim a verdade inicial nunca saberemos de fato (pensamos mais sobre isso na reflexão “Mitos” desse estudo, “Reavaliemos nossas crenças”). A arqueologia e outras ciências podem auxiliar estudantes bíblicos sérios a chegarem mais perto da verdade sobre personagens que aprendemos a amar e com os quais tanto aprendemos. 
      Os ensinos morais são os que mais buscamos na Bíblia, onde o senso comum estabelece orientações para o dia a dia da vida, assim ainda que cultura e sociedade bíblicas sejam diferentes, tentamos retirar das histórias da Bíblia lições e referências de certo e errado, de bom e mau, de justiça, de amor, de misericórdia etc (neste link uma reflexão a respeito disso, feita aqui no blog). Contudo, a leitura desses ensinos desconsiderando contextos históricos e sociais, pode também conduzir a entendimentos equivocados sobre a vontade de Deus para o homem hoje (um desses equívocos ocorre, por exemplo, na área da sexualidade). Nos ensinos religiosos da Bíblia, todavia, é onde a grande maioria das igrejas evangélicas atuais mais se engana, nesta reflexão, dividida em três partes, pensaremos sobre equívocos que podem ser cometidos quando tentando transferir conceitos da religião de Israel do antigo testamento para a religião cristã do novo testamento. Na primeira parte, que segue, pensemos sobre Israel e a missão que Deus deu a ela como nação.

      “Ora, o Senhor disse a Abrão: Sai-te da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai, para a terra que eu te mostrarei. E far-te-ei uma grande nação, e abençoar-te-ei e engrandecerei o teu nome; e tu serás uma bênção. E abençoarei os que te abençoarem, e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem; e em ti serão benditas todas as famílias da terra.” 
Gênesis 12.1-3

      “E disse-lhe Deus: O teu nome é Jacó; não te chamarás mais Jacó, mas Israel será o teu nome. E chamou-lhe Israel. Disse-lhe mais Deus: Eu sou o Deus Todo-Poderoso; frutifica e multiplica-te; uma nação, sim, uma multidão de nações sairá de ti, e reis procederão dos teus lombos; E te darei a ti a terra que tenho dado a Abraão e a Isaque, e à tua descendência depois de ti darei a terra.” 
Gênesis 35.10-12

      “E será que, se diligentemente obedecerdes a meus mandamentos que hoje vos ordeno, de amar ao Senhor vosso Deus, e de o servir de todo o vosso coração e de toda a vossa alma, Então darei a chuva da vossa terra a seu tempo, a temporã e a seródia, para que recolhais o vosso grão, e o vosso mosto e o vosso azeite. E darei erva no teu campo aos teus animais, e comerás, e fartar-te-ás.”
      “Porque se diligentemente guardardes todos estes mandamentos, que vos ordeno para os guardardes, amando ao Senhor vosso Deus, andando em todos os seus caminhos, e a ele vos achegardes, Também o Senhor, de diante de vós, lançará fora todas estas nações, e possuireis nações maiores e mais poderosas do que vós. Todo o lugar que pisar a planta do vosso pé será vosso; desde o deserto, e desde o Líbano, desde o rio, o rio Eufrates, até ao mar ocidental, será o vosso termo. Ninguém resistirá diante de vós; o Senhor vosso Deus porá sobre toda a terra, que pisardes, o vosso terror e o temor de vós, como já vos tem dito.” 
Deuteronômio 11.13-15, 22-25

      “Vós sois as minhas testemunhas, diz o Senhor, e meu servo, a quem escolhi; para que o saibais, e me creiais, e entendais que eu sou o mesmo, e que antes de mim deus nenhum se formou, e depois de mim nenhum haverá. Eu, eu sou o Senhor, e fora de mim não há Salvador. Eu anunciei, e eu salvei, e eu o fiz ouvir, e deus estranho não houve entre vós, pois vós sois as minhas testemunhas, diz o Senhor; eu sou Deus.” 
Isaías 43.10-12

      Deus sempre teve um propósito, após a queda do homem no jardim do Éden, salvar a humanidade, já que sobre a Terra um lei impera desde que Adão e Eva comeram do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal, “A alma que pecar, essa morrerá; o filho não levará a iniqüidade do pai, nem o pai levará a iniqüidade do filho. A justiça do justo ficará sobre ele e a impiedade do ímpio cairá sobre ele. Mas se o ímpio se converter de todos os pecados que cometeu, e guardar todos os meus estatutos, e proceder com retidão e justiça, certamente viverá; não morrerá. De todas as transgressões que cometeu não haverá lembrança contra ele; pela justiça que praticou viverá.” (Ezequiel 18.20-22). Contudo, nos primeiros tempos, Deus escolheu um homem, Abraão, uma família, a de Jacó, uma nação, Israel, para estabelecer uma primeira aliança com a humanidade, para mostrar ao mundo sua salvação. Como essa salvação era obtida? Obedecendo as leis mosaicas e fazendo sacrifícios no templo de Jerusalém. Assim, três são os conceitos fundamentais da religião primeira que religava o homem a Deus: a Lei, que são as regras morais e sociais, o altar no Templo de Jerusalém, representando a presença de Deus na Terra, e sistema de ofertas e sacrifícios, o meio de perdão e manutenção da comunhão entre o Senhor e Israel. 
      Podemos, todavia, fazer uma interpretação mais extrema da narrativa do antigo testamento, que Deus escolheu, desconsiderando o restante da humanidade, os descendentes de Abraão, de Isaque e de Jacó. Por que esses agradavam a ele e o resto do mundo não? Não sei se só eles agradavam a Deus, não sei se em toda a Terra, não havia mais nenhum outro homem, família ou nação, que buscasse, adorasse e seguisse ao Deus verdadeiro e não aos falso deuses. Seja como for, Israel foi um povo especial no mundo (e é até hoje), principalmente antes de Jesus ter executado sua missão messiânica. Bem, de uma nação foi escolhido uma tribo, e não era a de Levi (a tribo responsável pela religião israelita, isso é algo bem significativo), mas a de Judá, dessa tribo foi escolhido um homem, Davi, um rei e líder político, e desse rei um descendente nasceu, Jesus, que seria nele mesmo a segunda, final e completa religião de Deus para religar a humanidade ao seu criador, numa nova aliança. “Porque o salário do pecado é a morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna, por Cristo Jesus nosso Senhor.” (Romanos 6.23), em Cristo seu objetivo de salvação foi alcançado, não temporariamente, e não de uma maneira ligada a uma nação do mundo, mas eternamente estabelecendo um povo espiritual, a igreja.
      Com Israel e sua religião Deus tinha o mesmo propósito, mas com uma ferramenta diferente, Deus tinha um povo, mas no mundo e definido geograficamente. Interessante notarmos que no antigo testamento pouco se fala de vida pós-morte, de promessas para uma eternidade com Deus, de céu e de inferno. Para aquele tempo Deus era visto como uma divindade que fazia daqueles que o obedeciam vencedores neste mundo, como potências militares, políticas e econômicas (Deuteronômio 11). Israel obedecia a Deus para que através dele tivesse vitória sobre as outras nações, e essas sempre eram apresentadas como nações que não serviam ao Deus verdadeiro de Israel, mas a outros deuses, falsos deuses. Pelo antigo testamento podemos entender que só Israel no planeta Terra conhecia e adorava o Deus Jeová, nenhuma outra nação no mundo fazia isso. Mas será que era nenhuma mesmo? Essa é uma conclusão bem extremista, mas é o que os registros de Moisés, Esdras, juízes e profetas não levam a entender através do antigo testamento, nós lemos e estudamos isso, mas nunca nos atentamos de como isso é extremo...
      Outra coisa que também não vemos no antigo testamento, de maneira geral (salvo algumas exceções), é Israel se preocupando com a salvação dos outros povos, esses que gostam de comparar a igreja cristã com a nação israelita precisam se atentar a isso. Israel não tinha, pelo que lemos na Bíblia, nenhuma intenção “evangelista” no mundo de seu tempo, não lhes pesava o fato de egípcios, filisteus ou babilônios não serem abençoados por Deus, esses eram vistos como inimigos a serem vencidos ou mantidos fora de suas fronteiras, simples assim. Nessa questão muitos cristãos erram por transportarem o mesmo conceito para a igreja, não no sentido de não serem evangelizadores, mas de verem aqueles que lhes fazem oposição como inimigos, que devem ser vencidos. Assim, ao invés de perdoarem e no pior das situações, quando não existe jeito de viver junto, só se afastarem, pedem vingança. Uma igreja que se acha Israel não ama, não age com misericórdia, mas clama a Deus para que se vingue por ela, meus queridos e minhas queridas, isso definitivamente não é o evangelho de Jesus, não é a verdadeira igreja de Cristo (Mateus 5.43-44).
      A religião de Israel era aberta a estrangeiros, um gentio podia se converter ao judaísmo, são os prosélitos. Um bom exemplo disso é o do profeta Jonas, enviado a Nínive para falar sobre Deus, “E os homens de Nínive creram em Deus; e proclamaram um jejum, e vestiram-se de saco, desde o maior até ao menor... e Deus viu as obras deles, como se converteram do seu mau caminho; e Deus se arrependeu do mal que tinha anunciado lhes faria, e não o fez” (Jonas 3.5, 10). Mas esses deveriam seguir as regras, começando pela circuncisão, “porém se algum estrangeiro se hospedar contigo e quiser celebrar a páscoa ao Senhor, seja-lhe circuncidado todo o homem, e então chegará a celebrá-la, e será como o natural da terra; mas nenhum incircunciso comerá dela. Uma mesma lei haja para o natural e para o estrangeiro que peregrinar entre vós.” (Êxodo 12.48-49). Contudo, as profecias messiânicas, já revelavam uma salvação para todos os povos no futuro, quando não haveria diferenciação entre judeu e gentio, em Cristo todos têm as mesmas oportunidades espirituais e os mesmos direitos na eternidade (leia com calma Isaías 56, fala sobre a salvação de Deus para o estrangeiro e para o eunuco). 
      Mas podemos entender que não havia outra maneira de Deus trabalhar naquele mundo, que a humanidade naquele momento era assim mesmo, a grande maioria adorava a falsos deuses, que ela não tinha maturidade intelectual, emocional, social, cultural, espiritual, para receber a nova aliança de Cristo. Foi necessário uma primeira aliança, metafórica, temporária, para ensinar ao homem conceitos básicos de religião, preparando uma humanidade ainda infantil para que pudesse no futuro entender a aliança de fato permanente, não simbólica, mas real. É imprescindível que entendamos isso, para não fazermos simplesmente transferências diretas entre o que era Israel no antigo testamento e a igreja da nova aliança. Não podemos de forma alguma interpretar direitos e objetivos que uma nação política desse mundo tinha, através do Deus que eles conheciam como Jeová, como sendo os mesmos, com as mesmas referências, de uma igreja espiritual, eterna, formada por gente de todas as nações e tempos, incluindo o Israel do velho testamento. Fazer isso seria tentar escrever um romance adulto e sofisticado com o conhecimento de linguagem e ortografia de uma criança de sete anos de idade. A ferramenta  Israel de Deus, que ele usou para o apresentar ao mundo, foi só uma simbologia simplista da igreja de Cristo. 
      Esse erro muitas igrejas evangélicas cometem hoje em dia, obviamente usando só as características da nação Israel que lhes são convenientes, como as riquezas materiais de patriarcas e reis hebraicos. “Mas vós sois a geração eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo adquirido, para que anuncieis as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz; Vós, que em outro tempo não éreis povo, mas agora sois povo de Deus; que não tínheis alcançado misericórdia, mas agora alcançastes misericórdia. Amados, peço-vos, como a peregrinos e forasteiros, que vos abstenhais das concupiscências carnais que combatem contra a alma”, sim, nós, igreja de Cristo, somos nação santa de Deus, mas com uma missão superior comparada com a de Israel. É uma missão espiritual para salvar homens para a eternidade, o final do texto de I Pedro 2.9-12 ensina isso, “peço-vos como a peregrinos e forasteiros”, em Jesus não somos mais desse mundo, nosso reino não é mais aqui, nossos interesses e bens devem ser os espirituais, não os materiais. Dessa forma, usar a prosperidade financeira de homens considerados de Deus do antigo testamento como referência para sermos considerados povo de Deus do novo testamento é um erro, para não dizer uma heresia. “Respondeu Jesus: O meu reino não é deste mundo; se o meu reino fosse deste mundo, pelejariam os meus servos, para que eu não fosse entregue aos judeus; mas agora o meu reino não é daqui.” (João 8.36).

19. Altar, sacrifício e levita

      Esta é a segunda parte da reflexão sobre equívocos que podem ser cometidos quando tentando transferir conceitos de Israel para a igreja cristã, refletiremos agora sobre a religião hebraica, o templo, o altar, os sacrifícios e a tribo sacerdotal de Levi. 

      “Fala aos filhos de Israel, e dize-lhes: Quando algum de vós oferecer oferta ao Senhor, oferecerá a sua oferta de gado, isto é, de gado vacum e de ovelha. Se a sua oferta for holocausto de gado, oferecerá macho sem defeito; à porta da tenda da congregação a oferecerá, de sua própria vontade, perante o Senhor. E porá a sua mão sobre a cabeça do holocausto, para que seja aceito a favor dele, para a sua expiação. Depois degolará o bezerro perante o Senhor; e os filhos de Arão, os sacerdotes, oferecerão o sangue, e espargirão o sangue em redor sobre o altar que está diante da porta da tenda da congregação. Então esfolará o holocausto, e o partirá nos seus pedaços. E os filhos de Arão, o sacerdote, porão fogo sobre o altar, pondo em ordem a lenha sobre o fogo.” 
Levítico 1.2-7

      O altar era parte do Templo de Jerusalém, o templo de Jerusalém não era uma igreja, nem uma sinagoga, era um local único e exclusivo para que a religião israelita fosse realizada. Abraão e seus descendentes ofereceram a Deus sacrifícios em outros lugares, em montes, em pedras empilhadas, que não no tabernáculo itinerante de Moisés ou no Templo fixo, construído por Davi e Salomão. As sinagogas surgiram durante os cativeiros e exílios de Israel, quando não podiam exercer sua religião no Templo, eram locais para estudo dos textos sagrados judeus, da Torá, essas talvez se aproximem mais do conceito igreja cristã. Mas o que precisamos entender é principalmente o conceito do altar dentro do Templo, existente não só na religião israelita como também nas pagãs, esse era um local para matar e queimar animais. Interessante que no caso da religião israelita, a carne dos animais era queimada, não era oferecida crua, assim o cheiro era agradável, como de um churrasco, isso é diferente de animais mortos em rituais, por exemplo, nas religiões afro-espíritas. Até nisso há diferença, entre uma religião oficial do Deus verdadeiro e as de entidades espirituais. 
      Usar o termo altar em igreja cristã é um erro doutrinário, no mínimo uma comparação inexata, mas pode ser até um sacrilégio, pelo menos para a teologia protestante tradicional, por quê? “Porque também Cristo padeceu uma vez pelos pecados, o justo pelos injustos, para levar-nos a Deus; mortificado, na verdade, na carne, mas vivificado pelo Espírito” (I Pedro 3.18), para o cristianismo esse sacrifício foi único, suficiente e para todos os homens de todos os tempos e nações. O altar foi a cruz no calvário, um evento histórico singular, não há mais necessidade de novos sacrifícios nem de outros altares. O altar que Deus construiu no século I d.C. na Palestina nunca mais se repetirá! Por que esse sacrifício foi especial, melhor e mais eficiente que os de animais? Porque foi o de um cordeiro perfeito, do qual os outros eram só símbolos, o filho de Deus encarnado. Contudo, algo é de suma importância para conferir ao sacrifício de Cristo o autoridade que tem, é a santidade, o sacrifício tinha que ser de um homem santo, por isso Jesus nasceu do Espírito Santo, cresceu e viveu sem pecar, morreu santo e ressuscitou, vencendo a morte, todas essas etapas tinham quem ser cumpridas. 
      Se Jesus tivesse vindo ao mundo, feito tudo isso, sem ter realizado um milagre ou sem ter deixado um registro escrito de seus ensino, sua obra já teria sido completa. Mas ainda assim ele fez milagres, para que homens incrédulos vissem para crer, como também suas palavras foram registradas no novo testamento, para que homens, também incrédulos, tivessem como conferir o ensino vivo e em primeira mão que o Espírito Santo pode dar a cada um de nós. O que Jesus fez foi muito mais importante que o que ele disse, ainda que tenha deixado palavras singulares, que nenhuma outra religião possui, e ainda que tenhamos palavras de excelente sabedoria registradas por outros fundadores de religiões, nenhum desses, todavia, fez o que Jesus fez, oferecer-se como puro cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo (João 1.29). Essa é a grande diferença do cristianismo, é algo que NÃO precisamos reavaliar em nossas crenças, mas que devemos nos focar mais para crer, conhecer, viver e compartilhar com o mundo. Jesus é único, especial, suficiente, digno de toda confiança, adoração e sob todo poder, seja na terra, seja no céu, desde o início dos tempos, hoje e para sempre!

      “Os sacerdotes levitas, toda a tribo de Levi, não terão parte nem herança com Israel; das ofertas queimadas do Senhor e da sua herança comerão. Por isso não terão herança no meio de seus irmãos; o Senhor é a sua herança, como lhes tem dito. Este, pois, será o direito dos sacerdotes, a receber do povo, dos que oferecerem sacrifício, seja boi ou gado miúdo; que darão ao sacerdote a espádua e as queixadas e o bucho. Dar-lhe-ás as primícias do teu grão, do teu mosto e do teu azeite, e as primícias da tosquia das tuas ovelhas. Porque o Senhor teu Deus o escolheu de todas as tuas tribos, para que assista e sirva no nome do Senhor, ele e seus filhos, todos os dias.” 
Deuteronômio 18.1-5

      “E Davi, juntamente com os capitães do exército, separou para o ministério os filhos de Asafe, e de Hemã, e de Jedutum, para profetizarem com harpas, com címbalos, e com saltérios; e este foi o número dos homens aptos para a obra do seu ministério” “Todos estes estavam sob a direção de seu pai, para a música da casa do Senhor, com saltérios, címbalos e harpas, para o ministério da casa de Deus; e Asafe, Jedutum, e Hemã, estavam sob as ordens do rei.
I Crônicas 25.1, 6

      Levitas eram israelitas de uma tribo específica, a tribo de Levi, separados para fazer exclusivamente a manutenção dos serviços religiosos, entre eles, os filhos de Asafe, de Hemã e de Jedutum, eram responsáveis pela música (I Crônicas 25.1-7). É correto usar o termo levita hoje em dia para identificar obreiros ou mesmo músicos que tocam em igrejas? Não! Jesus, já realizou toda a obra de salvação, bastando aos homens que aceitem isso pela fé em seus corações, então, não existe mais Israel, muito menos levitas, pessoas sem as quais os sacrifícios não eram feitos para que a reconciliação com Deus fosse acessada. Na verdade, na nova aliança, não precisamos nem de pastores, de obreiros, de diáconos, de presbíteros, de missionários ou ministros, e nem dos músicos, para termos uma comunhão com Deus. Sim, eles nos auxiliam, são de grande importância, devem ser honrados e Deus os guarda de um jeito especial, mas eles não são levitas. Para cada um de nós basta fé no nome de Jesus e a presença do Espírito Santo, essa é toda a religião cristã, o resto é conveniência social, necessidade que se tem quando comungando em grupo. O cristianismo verdadeiro é basicamente uma religião individual, não coletiva ou de nacional, a responsabilidade é pessoal e não se ganha privilégios só por ser de um povo ou de uma nação deste mundo. 
      Pastores ou líderes de ministérios não têm qualquer dever, assim como qualquer direito, que tinha a tribo sacerdotal levita. “Mas vós sois a geração eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo adquirido, para que anuncieis as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz” (I Pedro 2.9), aliás, numa possibilidade de transferir o termo levitas para a igreja cristã, poderíamos dizer que todos os cristãos são levitas, e os sacrifícios que esses oferecem são suas próprias vidas, não para serem salvos ou para ganharem qualquer espécie de créditos diante de Deus, mas somente para adorarem a Deus, por tudo que ele faz e dá, e muito mais por tudo que ele é. Com o termo igreja nos referimos ao conjunto de todos os filhos de Deus, não de todos os seres humanos, esses são só criaturas de Deus enquanto não escolhem ouvir e obedecer ao Deus verdadeiro, condição que se prova com eficiência através unicamente de Cristo. Assim, Igreja, noiva do cordeiro, que viverá com o melhor de Deus no céu, são todos os salvos, selados com o Espírito Santo, novos nascidos em Cristo, indiferente de a qual denominação cristã pertençam, seja católica, ortodoxa, anglicana, protestante, evangélica, pentecostal etc, incluindo outros filhos de Abraão que nem pertencem oficialmente a denominações cristãs. Veja que esse conceito vai muito além do conceito nação política de Israel neste mundo, e bem mais que o de tribo sacerdotal de levitas. 
      Por esse motivo a igreja católica, sob o ponto de vista da igreja primitiva do livro Atos dos apóstolos, do primeiro século, da teologia protestante oficial, pode ser considerada tão desviada, ela deixou a simplicidade do Espírito Santo, do evangelho, do cristianismo de Cristo e perdeu o poder de salvar, de consolar, de curar. Por isso teve que retroceder, recriar uma religião de ritos, onde o poder está nos objetos, nos rituais, nos sacramentos, no batismo, na hóstia, na extrema-unção, nos homens, nos santos, no altar que existe na parte frontal de todo templo romano (quanto mais elaborados os rituais mais distante do Deus altíssimo e verdadeiro se está). Quando se deixa o sacrifício eficiente e único de Jesus, deve-se fazer novos sacrifícios para se obter redenção, a igreja católica é toda baseada nisso, em homens fazendo sacrifícios de homens e para homens, não no sacrifício único do filho de Deus. Ela pode até usar a obra de Jesus como um molde, sim, como um exemplo, contudo, faz isso para criar uma nova religião, ainda que baseada no conceito da retrógrada e ultrapassada religião de Israel misturada com o paganismo greco-romano. A igreja com sede no Vaticano é só uma continuação do Império Romano, uma igreja pagã rudemente maquiada com os ícones do cristianismo, um poder político e econômico no mundo, com pouca eficiência espiritual. 

      “Ora, estando estas coisas assim preparadas, a todo o tempo entravam os sacerdotes no primeiro tabernáculo, cumprindo os serviços; Mas, no segundo, só o sumo sacerdote, uma vez no ano, não sem sangue, que oferecia por si mesmo e pelas culpas do povo; Dando nisto a entender o Espírito Santo que ainda o caminho do santuário não estava descoberto enquanto se conservava em pé o primeiro tabernáculo, Que é uma alegoria para o tempo presente, em que se oferecem dons e sacrifícios que, quanto à consciência, não podem aperfeiçoar aquele que faz o serviço; Consistindo somente em comidas, e bebidas, e várias abluções e justificações da carne, impostas até ao tempo da correção.
      Mas, vindo Cristo, o sumo sacerdote dos bens futuros, por um maior e mais perfeito tabernáculo, não feito por mãos, isto é, não desta criação, Nem por sangue de bodes e bezerros, mas por seu próprio sangue, entrou uma vez no santuário, havendo efetuado uma eterna redenção. Porque, se o sangue dos touros e bodes, e a cinza de uma novilha esparzida sobre os imundos, os santifica, quanto à purificação da carne, Quanto mais o sangue de Cristo, que pelo Espírito eterno se ofereceu a si mesmo imaculado a Deus, purificará as vossas consciências das obras mortas, para servirdes ao Deus vivo? E por isso é Mediador de um novo testamento, para que, intervindo a morte para remissão das transgressões que havia debaixo do primeiro testamento, os chamados recebam a promessa da herança eterna.” 
Hebreus 9.6-15

20. Dízimos

      Esta é a terceira parte da reflexão sobre equívocos que podem ser cometidos quando tentando transferir conceitos de Israel para a cristã, continuando sobre a religião hebraica. Pensaremos agora sobre um tema polêmico, dízimos, uma lei da velha aliança, que não é para a igreja cristã do novo testamento.

      O tema dízimos é uma consequência do que refletimos sobre a religião de Israel no antigo testamento até agora, sobre a tribo sacerdotal de Levi, e sobre sua função exclusiva de administrar o templo e os sacrifícios dos israelitas. Uma tribo que se dedicava a esse trabalho não teria tempo para outras atividades, assim, Deus ordenou que as outras tribos a sustentassem. “Porque os dízimos dos filhos de Israel, que oferecerem ao Senhor em oferta alçada, tenho dado por herança aos levitas; porquanto eu lhes disse: No meio dos filhos de Israel nenhuma herança terão.” (Números 18.24). O costume de dizimar como oferta de louvor, contudo, era costume anterior à lei de Moisés, “E Melquisedeque, rei de Salém, trouxe pão e vinho; e era este sacerdote do Deus Altíssimo. E abençoou-o, e disse: Bendito seja Abrão pelo Deus Altíssimo, o Possuidor dos céus e da terra; E bendito seja o Deus Altíssimo, que entregou os teus inimigos nas tuas mãos. E Abrão deu-lhe o dízimo de tudo.” (Gênesis 14.18-20). 
      Hoje o Espírito Santo habita nossos corações, o templo de Deus somos nós, o lugar onde fazemos os cultos são só locais para reuniões, e a parte na frente e mais alta dos templos não é um altar, é só um palco, ainda que consagrado. Solicitação de dinheiro na igreja cristã deveria ser só para ajuda de custo de pastores e missionários, e principalmente, para auxílio aos necessitados, primeiro os da igreja e depois os outros. A área financeira é uma necessidade secundária, não um objetivo primário, a igreja usa o dinheiro, não é usada por ele, uma igreja não é uma empresa com fins lucrativos, isso parece óbvio, mas não é o que acontece em muitos ajuntamentos religiosos cristãos. Uma igreja de fato de Deus deveria ter total transparência na maneira como administra ofertas e dízimos, movimentações financeiras e de bens deveria estar num balancete visível a todos no templo. 
      Não posso encerrar essa reflexão sem pensar sobre um texto tão usado na “dizimolatria”, heresia cometida num falso culto, dentro do culto principal, que muitas vezes é mais importante que o próprio culto em muitas igrejas evangélicas. “Trazei todos os dízimos à casa do tesouro, para que haja mantimento na minha casa, e depois fazei prova de mim nisto, diz o Senhor dos Exércitos, se eu não vos abrir as janelas do céu, e não derramar sobre vós uma bênção tal até que não haja lugar suficiente para a recolherdes. E por causa de vós repreenderei o devorador, e ele não destruirá os frutos da vossa terra; e a vossa vide no campo não será estéril, diz o Senhor dos Exércitos.” (Malaquias 3.10-11). Essa palavra é dura, mas é para o contexto da nação de Israel dentro da antiga aliança. Podemos aprender algo com esse texto hoje? Sim, com certeza, mas de maneira alguma interpretando-o ao pé da letra. 
      A não entrega de dízimos no antigo testamento, para uma religião que necessitava deles para existir, já que os levitas e todo o serviço religioso dependiam dele, era negar a própria religião, era impedi-la de funcionar, e sem ela, naquele tempo, Deus não poderia se reconciliar com os homens. Assim, o jeito certo de aprender com o texto de Malaquias é fazendo-nos a seguinte pergunta: o que eu devo fazer para que o cristianismo continue vivo dentro de mim, já que eu sou o templo de Deus, não o prédio da igreja e o pastor? O texto a seguir é claro sobre quem é o templo de Deus no novo testamento, “E que consenso tem o templo de Deus com os ídolos? Porque vós sois o templo do Deus vivente, como Deus disse: Neles habitarei, e entre eles andarei; e eu serei o seu Deus e eles serão o meu povo. Por isso saí do meio deles, e apartai-vos, diz o Senhor; E não toqueis nada imundo, E eu vos receberei; E eu serei para vós Pai, E vós sereis para mim filhos e filhas, Diz o Senhor Todo-Poderoso.” (II Coríntios 6.16-18). 
      O mesmo egoísmo materialista e adoração a falsos deuses que levaram Israel a pecar deixando de dizimar, também podem nos desviar, isso acontece quando não nos humilhamos diante de Deus, quando desejamos coisas materiais ou mesmo religiosas só para nos exibirmos diante dos homens, quando buscamos, mesmo em igrejas e lideranças de ministérios, poder no mundo e aprovação humana, quando adorando um”Deus” falso obedecendo heresias. Em tudo isso deixamos de adorar e servir a Deus, e por causa isso, sim, o “devorador” destrói nossas famílias, na área financeira? Sim, mas principalmente na área moral, e aí toda a sociedade sofre, a criminalidade aumenta, o tráfego de drogas seduz, os maus políticos roubam e tudo vai mal. Isso por que não demos o dízimo? Não! Não e não! O evangelho não funciona assim, a nova aliança de Cristo não é isso, é muito mais que isso.
      O “devorador” nos afligi quando não entregamos a Deus nosso coração, a parte mais íntima do nosso ser, aquela que ninguém conhece, só o Senhor. Sim, a consequência final dessa entrega é uma vida material digna, e nessa vida ajudamos financeiramente igreja e necessitados com alegria, sem peso e com absoluta pureza de intenção. Isso, sim, é um louvor perfumado e suave que sob ao trono de Deus de maneira agradável, esse é o melhor “dízimo”. Contudo, de forma alguma fazemos essa entrega financeira para fins materialistas, para obter créditos de Deus para que ele nos faça prosperar materialmente. A nova aliança ensinada no novo testamento é baseada em fundamentos espirituais, ela prepara o homem para a eternidade espiritual, não para esse mundo, esse Deus espiritual não precisa de dízimos, os pobres nesse mundo sim, muito mais que falso Israel, falso templo e falso levita. 

21. Igrejas

       Muitos, de início, podem fazer uma pergunta: por que devo reavaliar minha igreja, ela está fazendo tudo certo? Pois é, o primeiro problema que enfrentamos para reavaliar igrejas e pastores é o fato de muitos cristãos hoje em dia não terem a mínima ideia do que deve ser uma igreja e um pastor, segundo a vontade de Deus, que deem a eles o alimento espiritual verdadeiramente do Espírito Santo, e isso acontece mesmo que muitos acreditem ser ungidos, íntimos de Deus, aliás isso ocorre mesmo com pregadores e líderes. Por que as pessoas não têm noção? 
      Porque há algum tempo, mesmo a doutrina bíblica tradicional protestante, deixou de ser ensinada na maioria das igrejas, principalmente nas mais frequentadas no Brasil, assim, sem Bíblia, não se tem informação sobre o que é igreja e o que é pastor. Esses ensinos foram substituídos por música e heresias, por longos períodos de “adoração”, por cultos ao dízimo e por discursos sobre prosperidade material e milagres. Enfim, tudo o que refletimos até aqui nessa série de reflexões “Reavaliemos nossas crenças”, tomou o lugar da orientação que levaria cristãos a entenderem o que é de fato uma igreja. 
      As palavras finais de Jesus antes de ser preso, em João 17, texto também conhecido como “oração do adeus” ou “oração sacerdotal de Cristo”, definem os cristãos, como nascem, como vivem no mundo e para onde irão após a morte, estabelecem a doutrina fundamental da igreja cristã e a sua missão, vou recortar da passagem alguns versículos (mas se possível leia todo o capítulo).

      “Jesus falou assim e, levantando seus olhos ao céu, disse: Pai, é chegada a hora; glorifica a teu Filho, para que também o teu Filho te glorifique a ti; Assim como lhe deste poder sobre toda a carne, para que dê a vida eterna a todos quantos lhe deste. E a vida eterna é esta: que te conheçam, a ti só, por único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste.“ (1-3): Jesus declara a legitimidade de sua obra, foi iniciativa de Deus, realizada por Deus em Cristo homem na Terra e entregando homens a Deus, começando por ele, que voltou ao céu como Cristo Deus. Jesus mostra a autoridade ímpar que a religião que ele fundou tem (o versículo tema do “Como o ar que respiro” está contido nessa passagem).
      “Manifestei o teu nome aos homens que do mundo me deste; eram teus, e tu mos deste, e guardaram a tua palavra. Agora já têm conhecido que tudo quanto me deste provém de ti; Porque lhes dei as palavras que tu me deste; e eles as receberam, e têm verdadeiramente conhecido que saí de ti, e creram que me enviaste. Eu rogo por eles; não rogo pelo mundo, mas por aqueles que me deste, porque são teus.” “Dei-lhes a tua palavra, e o mundo os odiou, porque não são do mundo, assim como eu não sou do mundo. Não peço que os tires do mundo, mas que os livres do mal. Não são do mundo, como eu do mundo não sou. Santifica-os na tua verdade; a tua palavra é a verdade.” (6-9, 14-17): Jesus afirma que suas palavras foram dadas a ele por Deus e ele as dá aos homens, deu em pessoa enquanto encarnado, e depois de ressuscitado dadas pelo Espírito Santo. Jesus ensina que existe uma diferença clara entre os que recebem sua obra e os que não recebem, entre os salvos e os do mundo, Jesus divide a humanidade em dois grupos, mas Jesus revela que os do mundo odiariam os da igreja, como a ele odiaram. 
      “E não rogo somente por estes, mas também por aqueles que pela sua palavra hão de crer em mim; Para que todos sejam um, como tu, ó Pai, o és em mim, e eu em ti; que também eles sejam um em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste.“ (20-21): Jesus revela que sua obra não se encerraria no primeiro século, nas vidas de seus contemporâneos, mas estaria disponível a todos, através da igreja e pelo Espírito Santo, mas Jesus dá uma característica singular de seus seguidores, que os diferenciaria dos não salvos, a união.

     Diante do 17º capítulo de João chegamos a três perguntas que precisamos fazer ao cristianismo atual: 
- ele tem a autoridade exclusiva da única religião fundada na terra pelo próprio Deus? 
- ele de fato se diferencia do mundo e das outras religiões, correndo mesmo o risco de ser odiado? 
- ele une os cristãos?

      As respostas às três perguntas, infelizmente, nos conduzirão à necessidade de fazermos reavaliações sobre nossas igrejas, responsáveis pelo atual cristianismo no mundo. O cristianismo se adaptou demais, e tudo que se adapta se altera para sobreviver, mas será que o verdadeiro cristianismo de Cristo precisaria se adaptar? Jesus disse, “não peço que os tires do mundo, mas que os livres do mal”, esse é o mistério que só a verdadeira igreja de Cristo pode viver, ser pura no meio do impuro, fazer diferença sem se adaptar, ainda que entregando uma maneira única de transformação. 
      Mas muitos se desviaram do verdadeiro cristianismo, ainda nos primeiros séculos, quiseram o mundo e seus valores, seu poder, sua aprovação, e não os valores do Deus altíssimo ensinados pelo Espírito Santo. Assim, para terem o que não precisariam ter, ser o que não precisariam ser, se adaptaram e nisso perderam a autoridade do evangelho puro. Esconderam-se debaixo do manto da autoridade humana, de poderes humanos, que ainda que usassem ícones do verdadeiro cristianismo, passaram a cultuar só a forma, a cruz, a palavra morta, as figuras dos apóstolos, os lugares históricos onde os cristãos primitivos viveram. 
      Contudo, a mentira nunca se basta, precisa de mais e novas mentiras para continuar existindo, assim nasceu e se estabeleceu a Igreja Católica, sobre a qual o protestantismo fez uma reforma, mas ainda mantendo em suas doutrinas muitas das mentiras. O cristianismo primitivo, da primeira igreja, de Pedro, de João, de Paulo, foi esquecido. A autoridade, a diferença e a união, se perderam, ainda que tantos cristãos hoje em dia tentem reivindicar essas virtudes que Cristo disse que seriam as de sua genuína igreja.
      Autoridade espiritual se tem quando se recebe, não de homens, mas de Jesus que a recebeu de Deus, “porque lhes dei as palavras que tu me deste”, disse Cristo. Essa palavra pura é a que salva, cura e pode fazer o que tantos chamam de milagres, contudo, só tem direito a essa palavra quem é de fato diferente do mundo, não diferente de acordo com referências humanas, sejam religiosas, sejam em costumes externos ou culturais. Alienação social pode ser insanidade, não reflexo de uma vida diferente em Cristo, seja como for o diferente em Cristo não é apreciado pelo mundo. 
      Nesse ponto algo precisa ficar bem claro, diferente em Cristo é ser como Cristo era, e Cristo não era odiado por ser escandaloso, inacessível, por dizer o que pensava sempre, para todos, querendo sempre gritar a última palavra como dono da verdade, se mostrando como “santarrão”. Jesus muitas vezes se calava e se retirava, Jesus era acessível e não tinha preconceitos, Jesus andava com pecadores e participava de festas (e bebia vinho, diferente de João batista, Lucas 7.33-34). Jesus era na aparência comum e não fazia nenhuma questão de ser diferente, mas era diferente no coração e nos frutos, por isso tinha autoridade.
      E sobre união? “Que também eles sejam um em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste”? Talvez a característica mais conhecida do cristianismo hoje seja a desunião, quantas denominações, quantas igrejas, quantos ministérios, quantas seitas, quantas cisões, e ainda assim todos dizem ter a autoridade do Espírito Santo. Por que tantas diferenças? Bem, as pessoas são diferentes, fazer caber todas, com diferenças de cultura, de nível financeiro, de nível intelectual, de características emocionais (introvertidas, extrovertidas, centradas), num só lugar, numa só igreja, é de fato impossível. 

      “Porque também o corpo não é um só membro, mas muitos. Se o pé disser: Porque não sou mão, não sou do corpo; não será por isso do corpo? E se a orelha disser: Porque não sou olho não sou do corpo; não será por isso do corpo? Se todo o corpo fosse olho, onde estaria o ouvido? Se todo fosse ouvido, onde estaria o olfato? Mas agora Deus colocou os membros no corpo, cada um deles como quis. E, se todos fossem um só membro, onde estaria o corpo? Assim, pois, há muitos membros, mas um corpo. E o olho não pode dizer à mão: Não tenho necessidade de ti; nem ainda a cabeça aos pés: Não tenho necessidade de vós.” I Coríntios 12.14-21

      Contudo, é justamente essa vontade de viver só com quem pensa igual, uma escolha com certeza mais fácil, é que leva as igrejas a serem corpos deformados, monstros, não organismos completos e aptos a viverem bem. Mãos gostam de mãos porque é mais fácil viver com iguais, assim mãos formam uma igreja de mãos, de fato uma igreja especialista, em mãos, mas eu pergunto, um corpo só com mãos pode andar, ou pode andar bem? Não, lhe faltam pés. Mas os pés, por sua vez, fazem a mesma coisa, formam um corpo só de pés, especialista em pés, que podem andar, mas que não conseguem manusear bem as coisas, lhe falta mãos para pegar.
      Assim, temos igrejas com excelentes teólogos, mas que desprezam os dons espirituais e a palavra revelada, temos igrejas cheias de dons, mas que não conhecem com profundidade a palavra escrita na Bíblia, por quê? Porque teólogos protestantes, em muitos casos, não conseguem conviver com os pentecostais, que falam em línguas espirituais estranhas. Organismos completos e unidos? Não, guetos de monstros, corpos desfigurados, desequilibrados, nos quais o Espírito Santo clama com gemidos inexprimíveis e não é ouvido. 
      É importante que entendamos que conviver juntos como um corpo não é só fazer parte da mesma igreja e se respeitar educadamente, é preciso que de fato ideias, doutrinas, atitudes, sejam compartilhadas e inter-relacionadas. Uma mão não funciona sozinha, ela precisa de sangue que vêm do coração, de comandos que vêm do cérebro, e de um braço para ligá-la ao corpo. Espiritualmente entendemos isso tendo teólogos estudando a Bíblia racionalmente, mas atentos às profecias, que são entregues por profetas que buscam aprovação delas pela Bíblia estudada pelos teólogos. 
      Todos têm que ouvir todos e aprender com todos, ainda que tendo cada um chamadas vocacionais, dons espirituais, aptidões humanas, experiências e formações diferentes. Viver como corpo de Cristo, a metáfora perfeita nos ensinada por Paulo sobre a igreja, não é fácil, para ninguém, é preciso temor a Deus e humildade, para se saber que por mais que nos apliquemos em nosso trabalho, o outro também faz o mesmo. Dessa forma ninguém deve se julgar melhor ou maior que o outro, mas todos membros, diferentes, mas importantes, do mesmo corpo cuja cabeça é Cristo. 
      Contudo, além da desunião que prefere viver só com pares, ênfases doutrinárias divergentes, onde mandam as heresias, também dividem igrejas. A prioridade da igreja cristã, dada por Cristo, é uma, salvar gente, pregar o evangelho que muda vidas. Mas quantos batismos a grande maioria das igrejas faz atualmente por mês? Hoje em dia muitas nem têm batistério, mas um grande palco para músicos e pregadores itinerantes, em templos que são mais salas de espetáculos que locais santos onde o Cristo que salva é pregado, são só teatros onde se paga shows com dízimos. 
      A igreja que tem a autoridade dada por Cristo, que é diferente e que é unida, virou só mais uma empresa de homem querendo morder um pedaço do mercado que são os corações de homens que só querem uma religião para se livrarem de culpas e fugirem do diabo. Mal sabem que o diabo está no meio deles, sentado na cadeira ao lado, cantando, batendo palmas, satisfeito por não precisar mais tirar as pessoas dos templos para que se desviem.
      Ter uma igreja com real autoridade de Jesus, a dada a ele pelo próprio Deus, uma igreja de fato diferente de tudo que o mundo e o diabo representam, uma igreja que une todo tipo de ser humano, do intelectual ao de serviço braçal, do hétero ao homoafetivo, do branco ao negro, do pobre ao rico, ter essa igreja que estava no coração de Jesus quando ele fez a oração sacerdotal, só depende de mim e de você. Orar por isso, cobrar isso de líderes e de demais irmãos, não aceitar heresias e manipulações, e acima de tudo, buscar uma vida cristã que dê frutos, de santidade, de libertação, isso, muito mais que dízimos e música, entrega ao Deus altíssimo uma adoração agradável. 

      Igrejas evangélicas atuais e seus pastores pode ser o ponto mais importante que devemos reavaliar, já refletimos bastante sobre isso aqui no “Como o ar que respiro”, seguem links de algumas reflexões:
22. Pastores

      Nesta reflexão, reavaliemos os pastores, não poderia deixar passar esse estudo sem pensar sobre eles, líderes das igrejas que tanto reavaliamos nessa série de reflexões, os maiores responsáveis pelo que o cristianismo representa no mundo hoje. Bem, o “Como o ar que respiro” já fez muitas reflexões sobre o assunto, mas desta vez senti que seria mais construtivo, ao invés de listar defeitos de muitos, estudar as virtudes de um, Paulo, o teólogo-apóstolo-missionário-evangelista e pastor. Depois do próprio Cristo, Paulo é nosso melhor exemplo sobre o que deve ser um pastor de acordo com o coração de Deus. Para isso vários textos me vieram à mente, principalmente aqueles que Paulo dá orientações diretas a pastores. 
      O capítulo 18 do livro de Atos dos Apóstolos (se possível leia-o na íntegra), por exemplo, relata a vida corrida de Paulo atrás de um único objetivo, pregar a palavra de Deus. Nessa passagem nos é informado que Paulo tinha um ofício secular, fazia tendas, outro exemplo da qualidade de homem de Deus que era, ainda que missionário em tempo integral não queria pesar para os outros, financeiramente (Atos 18.3). Contudo, o texto que ficou em meu coração são treze versículos de II Timóteo 4, uma verdadeira carta de despedida do apóstolo, que revela a humanidade desse excepcional homem de Deus, um registro não só do que ele orienta a outros fazerem, mas que revela como ele era, o que sentia, o que fazia. 
      Dizem que o estudo bíblico mais técnico é o que é feito seguindo os fundamentos da exegese, sim, somos gratos a homens estudiosos que usam princípios científicos para nos esclarecerem a Bíblia, que conhecem com profundidade história, geografia, línguas antigas etc, e nos permitem saber de detalhes que uma leitura mais leiga não permitiria. Contudo, será que o Espírito Santo inspirou homens a escreverem os livros bíblicos para que só os teólogos conseguissem entender? Não. A Bíblia foi escrita para que mesmo uma leitura descompromissada com princípios de hermenêutica pudesse abençoar qualquer um. A Bíblia original não é comentada, o Espírito Santo e um pouco de sensatez bastam para qualquer um entendê-la. 
      Darei, todavia, alguns dados históricos sobre a segunda carta de Paulo a Timóteo: Paulo escreveu em Roma, estando em sua segunda prisão aguardando sua execução, provavelmente em 64 d.C., Timóteo estaria em Éfeso e viria a Roma. Apesar de Paulo ser um fundador itinerante de igrejas, não um pastor fixo numa congregação, numa cidade, as orientações que ele dá nas epístolas são ensinos pastorais, visam a vida diária das ovelhas nas igrejas e no mundo, e alertam bastante sobre ensinos errados do evangelho. As duas cartas a Timóteo e a carta a Tito são especialmente chamadas de cartas pastorais pois dão orientações, não a grupos de pessoas, como as demais de Paulo, mas a líderes com responsabilidades pastorais.

      “Porque eu já estou sendo oferecido por aspersão de sacrifício, e o tempo da minha partida está próximo. Combati o bom combate, acabei a carreira, guardei a fé. Desde agora, a coroa da justiça me está guardada, a qual o Senhor, justo juiz, me dará naquele dia; e não somente a mim, mas também a todos os que amarem a sua vinda.” II Timóteo 4.6-8

      Para um homem que fez tanto pelo evangelho, deveria haver nele desejo de ter alguma recompensa, mas a conclusão de Paulo ao sentir que sua carreira estava terminando é, “estou sendo oferecido por aspersão de sacrifício”. Que diferença de tantos pastores que com quarenta e poucos anos se acham no direito de terem uma vida mais tranquila financeiramente, uma casa boa, um carro mais caro, um salário alto, direito de fazerem boas viagens de férias, enfim, direitos de colherem neste mundo frutos materiais. Do quê? De uma obra que deveria ser puramente espiritual, pastoreio de ovelhas, pregação do evangelho que salva e cura almas.
      Paulo chegou ao final de seu combate com a fé guardada, não vendida, não adaptada ao mundo, não desviada da pura doutrina de Cristo. Paulo só via a coroa da justiça que receberia no céu, não queria outra coisa, não almejava mais nada. Um homem sem ilusões? Sim. Sem bens? Sim. Mas em paz por saber que fez o que Deus queria que ele fizesse. Paulo, não “bispos”, não “donos de ministérios poderosos”, não “pastores com posicionamentos políticos”, mas alguém que obedeceu a Deus até o fim, esse sim é alguém que devemos “invejar” (usando a melhor interpretação dessa palavra), alguém que devemos ter como modelo, alguém a ser imitado. 

      “Procura vir ter comigo depressa, Porque Demas me desamparou, amando o presente século, e foi para Tessalônica, Crescente para Galácia, Tito para Dalmácia. Só Lucas está comigo. Toma Marcos, e traze-o contigo, porque me é muito útil para o ministério. Também enviei Tíquico a Éfeso.” “Alexandre, o latoeiro, causou-me muitos males; o Senhor lhe pague segundo as suas obras. Tu, guarda-te também dele, porque resistiu muito às nossas palavras. Ninguém me assistiu na minha primeira defesa, antes todos me desampararam. Que isto lhes não seja imputado.” II Timóteo 4.9-12, 14-16

      Paulo era um ser humano e precisava de seres humanos para realizar a obra de Deus, bem, todos que precisam, de alguma maneira, de seres humanos, padecerão decepções, Paulo não foi isentado disso. Paulo abre o coração para Timóteo, reclama de alguns que o abandonaram, solicita que o discípulo venha o quanto antes vê-lo. Paulo está preso aguardando a morte, mas seu coração vive o evangelho. Atualmente, somos ensinados de púlpito por muitos pregadores, que buscam referência para espiritualidade em anulação emocional, um princípio tão católico, e que postam-se, ainda que muitos com sinceridade, como super-homens, que estão bem com todos e não se importam com os que lhes fazem mal. Isso só gera hipocrisia, e achando-se curados muitos nem buscam cura.
      Paulo dá nome aos bois, “Demas me desamparou, amando o presente século”, “Alexandre, o latoeiro, causou-me muitos males”, “ninguém me assistiu na minha primeira defesa”, parece que só Lucas estava com ele naquele terrível momento. De fato, quando estamos no alto da aprovação pública, muitos nos acompanham, mas quando as injustiças do mundo nos aprisionam e tentam nos matar, muitos nos abandonam, chegam mesmo a dar razão aos injustos por nos fazerem mal, mentindo dizem que se estamos sofrendo é porque merecemos, ainda que nunca tenham se aproximado de nós para saberem de fato a verdade, ou ao menos a noção versão. Não sabemos o certo de porque tantos deixaram Paulo só, mas ele demonstra claramente que sofria com isso.

      “Mas o Senhor assistiu-me e fortaleceu-me, para que por mim fosse cumprida a pregação, e todos os gentios a ouvissem; e fiquei livre da boca do leão. E o Senhor me livrará de toda a má obra, e guardar-me-á para o seu reino celestial; a quem seja glória para todo o sempre. Amém.” II Timóteo 4.17-18

      Deus nunca nos abandona! Nunca!! Mas isso é para os que sabem que a companhia de Deus basta, já que para muitos, ainda que Jesus esteja ao lado deles, eles se desesperam, se fazem de vítimas, culpam os homens. Quem odeia demais é porque buscou amor demais nas pessoas erradas, o amor se transforma em ódio com facilidade. Só se desilude quem se ilude, mas quem tem os olhos firmes em Deus, aprendeu que ele tem o principal para que estejamos em paz sempre, em qualquer situação. Paulo sabia disso, estava preparado para seu fim, o fim de um genuíno seguidor de Cristo. Muitos conseguem trilhar um longo caminho com Deus, mas quando chegam no final, na última prova, desistem, negam tudo, e deixam de conhecer o melhor de Deus. 
      O objetivo de Deus é sempre se mostrar através de nossas vidas, muitas vezes ele faz isso nos dando vitória e livramento, mas nosso maior testemunho de Deus pode pedir de nós um grande sacrifício, de Jesus foi a crucificação, de Paulo a condenação à prisão e à morte. Estamos preparados para obedecer a Deus até as piores consequências? De verdade? Cuidado, não nos iludamos com este mundo, mas não nos iludamos com um falso evangelho tão pregado atualmente, que ensina que Deus sempre dá o melhor para seus filhos neste mundo em todas as circunstâncias. Sim, eu creio que ainda que condenado à morte de alguma maneira Deus livrou Paulo de uma morte pior, de alguma maneira Deus deu forças a ele para passar por aquilo com dignidade. 

      “Quando vieres, traze a capa que deixei em Trôade, em casa de Carpo, e os livros, principalmente os pergaminhos.” II Timóteo 4.13

      A Bíblia não especifica como Paulo morreu, há outros relatos de que ele teria sido decaptado e não crucificado de cabeça para baixo como Pedro, teria recebido um tratamento “melhor” por causa de sua cidadania romana. Final trágico para um homem tão importante? Pois é, isso é a realidade do verdadeiro evangelho, não a posição de imperador em meio a luxos que têm papas do Vaticano, nem a prosperidade material que tantos donos de ministérios evangélicos têm ou gostariam muito de ter atualmente. Que bens Paulo queria perto de si em seus últimos dias? O versículo 13 de II Timóteo 4 fala a respeito, que eu deixei por último porque para mim é um dos registros mais lindos e reveladores da Bíblia.
      Livros, registros de outros autores pelos quais Paulo tinha alguma afeição? (Uma versão do Antigo Testamento?). Pergaminhos, anotações feitas por ele? (Ou outros textos como dicionários?) Não sabemos, mas eram importantes para ele. Mas tinha um peça de roupa, uma capa (alguns estudiosos dizem que podia ser uma capa de livro), lembrando que Atos 16.8-11 registra que Paulo saiu meio às pressas de Trôade. Se for uma roupa podemos achar justificação no fato de Paulo poder estar preso num cárcere úmido e frio. Sejam o que forem, são poucos bens, poucas necessidades, simples urgências do plano físico para um homem que viveu a espiritualidade cristã em seu nível mais alto, o verdadeiro pai da igreja cristã.

23. Chamadas (parte 1)

      Nesta reflexão, dividida em duas partes, pensemos sobre chamadas. Todos temos de alguma maneira vocações para servir a Deus neste mundo, seja na área afetiva, isso é, na família, seja na área profissional, na sociedade, ou na área espiritual, através das igrejas. O texto a seguir é a primeira parte da reflexão sobre vocação espiritual, nela somos chamados como indivíduos, como líderes de grupos e como líderes de grupos maiores, isso é, de igrejas, pensemos esse último tipo de chamada, a feita para pastores.

      “E disse-lhes: Ide por todo o mundo, pregai o evangelho a toda criatura. Quem crer e for batizado será salvo; mas quem não crer será condenado.” Marcos 16.15-16

      Deus age com inteligência, diferente do que o ditado “Deus não chama os preparados mas prepara os chamados” diz, ele chama espiritualmente os preparados intelectualmente, ainda que tenha que prepará-los espiritualmente. Exemplo disso é Paulo, mesmo preparado intelectualmente teve que ser preparado espiritualmente para se tornar um apóstolo. Já Pedro, estava preparado espiritualmente, foi apóstolo direto de Cristo, mas sem preparo intelectual teve um ministério mais restrito, seja na abrangência geográfica, seja como escritor dos fundamentos evangélicos. Paulo viajou mais como missionário e escreveu mais como teólogo, assim quem acha que cultura não importa, tem na chamada de um homem com passaporte romano, com formação acadêmica grega e com autoridade religiosa judaica, uma negativa (Atos 23.3). 
      Paulo foi o homem certo para desempenhar a vontade de Deus naquele tempo e naquele mundo, assim como foi Pedro. Contudo, ainda que para servirmos em e através de igrejas seja a vocação espiritual quem estabeleça a chamada, ninguém ache que basta fé e unção. Deus usa as duas coisas, aptidões humanas que nascem com a gente e que são aprimoradas por experiências intelectuais e profissionais seculares, somadas a dons e vocações espirituais, recebidos à medida que andamos com Deus. Paulo tinha o preparo intelectual para desempenhar a chamada que Deus tinha para ele, e Pedro o preparo intelectual para a chamada que Deus tinha para ele, Paulo não tinha que tentar fazer o trabalho de Pedro, nem o contrário, assim como Pedro não deveria se sentir melhor que Paulo pode ter uma chamada diferente, nem o contrário. 
      Deus chama todos para que reflitam sua luz no mundo, mas as chamadas são diferentes, tanto quanto as pessoas são. Uma chamada é mais importante que a outra? Uma tem um nível espiritual mais alto que o nível de outra? Não, todas são importantes e todos somos chamados para termos uma comunhão plena com Deus, o que difere são nossos dons, nossas habilidades e nossas experiências, que podem nos ajudar a compartilhar essa comunhão, seja com um grupo menor ou com um maior. Deus chama respeitando tudo isso, de modo que cada um dê o seu melhor no lugar e no tempo certo para abençoar melhor os outros. Obviamente o que tem um grupo maior sob liderança deverá ter o conhecimento adequado para além de servir espiritualmente, administrar áreas do mundo material, principalmente a financeira. 
      Muitos, contudo, pensam ter chamada espiritual de Deus, quando na verdade são só seres humanos carentes de atenção, tentando convencer a si mesmos que estão certos. Como aliamos a vontade maior de Deus para pregarmos o evangelho com palcos, ainda que o chamemos de altares e púlpitos, como acreditamos que ser espiritual é ser reconhecido publicamente. Essa é uma visão do cristianismo atual, não das religiões orientais, mas também não a de Cristo encarnado. O texto inicial cita o “ide” de Jesus, uma ordem que Cristo deu nas ultimas palavras à Igreja, querendo obedecê-lo com sinceridade muitos tentam ser Pedro ou Paulo, contudo, entendem só a parte da quantidade, de ter ministérios poderosos com templos cheios de membros, não entendem a espiritualidade melhor provada no solitário anonimato.
      Querendo quantidade, não qualidade, vemos hoje em dia um evangelho vendido barato, em todas as esquinas, oferecido fácil e sem obrigações, pérolas vendidas a porcos a troco de dízimos. Os “pastores“ que vendem esse “evangelho” sentem-se especiais, orgulhosos de suas chamadas, são esses, evangélicos? Sim, mas no fundo a grande maioria quer um ministério grande como o do Vaticano, deixou a Igreja Católica mas continua louca para ser igual a ela, com o mesmo poder. Na eternidade? Não, no mundo, e muitos Jovens que sentem chamada missionária atualmente também querem isso para si mesmos, não querem ser Pedros ou Paulos, muito menos como Cristo, só ambicionam ser outros “Macedos”, “Hernandes” e “Malafaias”. Por isso reavaliar chamada pastoral é uma necessidade tão urgente, identificar o erro na raiz. 
      Se um homem tivesse tido base familiar melhor, cuidado mais carinhoso de pais e próximos ou sofrido intervenção de amigos colocando-o sob cuidados psicológicos, milhões de vidas talvez não tivessem sido terrivelmente massacradas, o nome desse homem é Adolf Hitler. Sim, coisas importantes, sejam para o bem ou para o mal, foram feitas no mundo, deixando homens famosos, poderosos, ricos, só para satisfazerem uma necessidade de auto-afirmação ou compensarem inseguranças e falta de amor de um indivíduo. Se soubéssemos de detalhes sobre a vida, principalmente familiar, de muitos líderes, cientistas e empresários, faríamos essa constatação. Líderes religiosos não fogem disso, aliás, desbalanceados psicologicamente têm predileção especial por religião, principalmente por uma que se diz dona da verdade.
      Às vezes, após buscarmos a vontade de Deus com a igreja, em humildade e obediência, sem que tenhamos obtido uma certeza, uma busca solitária pode ser a saída. Em algumas situações a palavra final de Deus só conhecemos orando sozinhos. Homens usados de maneira diferenciada pelo Senhor, para missões decisivas, foram chamados na solidão, e assim foram seus ministérios, conduzidos exclusivamente sob a aprovação de Deus. Com Jacó foi assim, fugindo de seu irmão, com José foi assim, odiado por seus irmãos, com Moisés foi assim, exilado no deserto longe tanto da parentela egípcia de criação quanta da de sangue israelita. Interessante como familiares podem ser nossos maiores inimigos, os que menos entendem nossas chamadas, Jesus no final foi crucificado por escolha dos judeus, não dos romanos.
      A maioria de nós, todavia, hoje é chamada dentro de denominações evangélicas, sob lideranças estabelecidas, assim nos coloquemos debaixo de orientação dos mais experientes, isso é sábio e livra de armadilhas que podem ser armadas por nós mesmos. Para isso precisamos estar em igrejas idôneas, sob pastores sérios homens de Deus, que também achamos buscando no Senhor. O importante é não termos pressa para desempenhar nossas chamadas, não para aparecer diante de homens em igrejas, antes, sejamos diligentes, sim, para viver uma vida agradável diante de Deus, no dia a dia, como pessoas comuns. Não caiamos no engodo da vaidade de desejar títulos eclesiásticos, achando que isso nos torna especiais para Deus, o Senhor não se importa com isso, ele busca os que o obedecem mesmo que ninguém saiba ou veja.

24. Chamadas (parte 2)

      Segue a segunda e última parte da reflexão “Chamadas”, para melhor entendimento leia a primeira parte na postagem anterior.

     “Não extingais o Espírito. Não desprezeis as profecias. Examinai tudo. Retende o bem. Abstende-vos de toda a aparência do mal. E o mesmo Deus de paz vos santifique em tudo; e todo o vosso espírito, e alma, e corpo, sejam plenamente conservados irrepreensíveis para a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo. Fiel é o que vos chama, o qual também o fará.” I Tessalonicenses 5.19-24

      Há riscos em liderança solitária, que se autodenomina pastor, sem que tenha certificado de meios legítimos, que se levanta contra tudo, alegando chamada “especial”, isso até pode ser de Deus, mas via de regra não é o que vemos atualmente. Vemos é rebelde usando sua não aceitação por outros como álibi para criar igreja mal estruturada, baseada em heresias, e no final, tornando-se pior que aqueles que ele “robinwoodiando” combatia no início de seu “ministério”. Maluco atrai maluco, assim muitos que começam errados terminam errados e grandes, multiplicando um mal pelo qual um dia terão que dar contas. “Muitos me dirão naquele dia: Senhor... em teu nome não fizemos muitas maravilhas? E então lhes direi abertamente: Nunca vos conheci, apartai-vos de mim, vós que praticais a iniquidade.” (Mateus 7.22-23).
     Por outro lado, não devemos ser inocentes (ou puristas) a ponto de crermos que existam homens no mundo, suficientemente desapegados de outras ambições, que só queiram obedecer a Deus e honrar seu nome, sem qualquer outra intenção egoísta até o final de seus ministérios. Todos nós, todos, mesmo Paulo e Pedro, temos nossas vaidades e inseguranças, Deus não trabalha sem isso, mas apesar disso e com isso, contudo, as coisas têm limites. Como tentar não deixar que as coisas passem dos limites? “Com conselhos prudentes tu farás a guerra; e há vitória na multidão dos conselheiros“ (Provérbios 24.6), seguindo esse provérbio, usando o máximo possível de critérios, sejam doutrinários, intelectuais, psicológicos, espirituais, para verificarmos a legitimidade da chamada de alguém, ainda que ela seja muito sincera. 
      Em Jesus vemos um ensino claro sobre ministério, ele só o começou aos trinta anos, por que não fazer essa exigência para todos que almejam liderança pastoral? Autorização de profissional de confiança da área de psicologia ou de psiquiatria também deveria ser exigida para que alguém assumisse uma igreja como pastor ou mesmo grupos menores em igrejas, muitos não fazem ideia de como portadores de transtornos mentais tentam se engajar no “exército evangélico”. Estudo sério de teologia, onde a pessoa possa conhecer as ferramentas intelectuais disponíveis para uma interpretação bíblica respeitando ciência e tantos contextos, também deveria fazer parte dos pré-requisitos. Vida espiritual é de suma importância, mas confrontar isso com realidade científica é o que nos leva a amadurecer sem extremismos. 
      As orientações gerais que Paulo dá aos tessalonicenses no texto inicial, apresentam um equilíbrio necessário a quem se presta a cargos de lideranças nas igrejas cristãs, reflitamos sobre elas. Em primeiro lugar está o Espírito Santo, que está intrinsecamente ligado às palavras finais do texto, “fiel é o que vos chama, o qual também o fará“. A chamada verdadeira é feita pelo Espírito Santo e se é feita por ele ela se realiza, dá frutos, pois Deus não desampara os que chama, ele é fiel às alianças que faz com os homens. O que temos que saber é só se a chamada é de fato de Deus, e não só ilusão de nossas almas. Se é de Deus ainda que pareça não dar frutos, dará, no tempo de Deus, contudo, se não é de Deus ainda que pareça dar frutos, não são, não passarão pela prova do tempo. Nunca julguemos pela aparência presente. 
      Outra coisa que o texto nos ensina é sobre a análise racional que precisamos fazer para discernirmos se algo é de Deus, “examinai tudo, retende o bem, abstende-vos de toda a aparência do mal“, isso só é conseguido verificando com calma as coisas, não se deixando levar por uma impulsividade em nome de uma fé irresponsável, nem por uma falsa sabedoria que se acovarda diante de uma ordem espiritual urgente e clara de Deus (“não desprezeis as profecias”). “Todo o vosso espírito, e alma, e corpo, sejam plenamente conservados irrepreensíveis”, isso nos chama a atenção para a totalidade do homem, corpo, alma e espírito, físico, intelecto e sopro divino, sentimentos, pensamentos e percepção espiritual. Uma chamada deve ser analisada em todas essas áreas, na sua origem, na sua manutenção e em seus frutos.
      “Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração.... porque o meu jugo é suave e o meu fardo é leve.“ (Mateus 11.29-30), uma chamada genuína, apesar de exigir consagração, atenção e pureza constantes, não é pesada, não demais. Quem tem chamada verdadeira a conseguirá desempenhar a tempo, se for humilde e se quiser agradar a Deus, não a homens. A principal virtude de um servo é a humildade, um chamado de Deus é chamado para servir, não para ser servido, seu objetivo é fortalecer ovelhas, e não o contrário, seu desejo é ver Deus aparecer, não ele. Coração de servo, como falta isso em tantos que hoje se autodenominam pastores, ainda que tenham um “jeitinho” tranquilo, uma fala “mansa”, têm corações  orgulhosos e gananciosos, seus frutos serão provados, o futuro esclarecerá. 
      “Não ambicioneis coisas altas, mas acomodai-vos às humildes“ (Romanos 12.16). Será que o que o mundo mais está precisando hoje em dia é de mais igrejas e pastores? Perdoe-me se você pensa diferente, mas eu creio que não. Desliguem o sistema de som, guardem os microfones, fechem os grandes templos, parem de entregar dízimos a empresas. Façamos grupos pequenos nos lares, oração, louvor e palavra, usemos dízimos para ajudar os necessitados, em primeiro lugar os irmãos e depois os outros, mostremos Cristo através de vidas simples. Quanto aos chamados, tenham serviços seculares e não pesem financeiramente a ninguém, busquem a Deus, com choro, não com alegria, não é tempo de celebração, mas de humilhação. A realidade grita aos nossos ouvidos, acordemos e façamos diferença nesses dias difíceis. 
      Cristãos melhores serão frutos de igrejas verdadeiras, lideradas por homens com chamadas genuínas, isso só existirá quando o homem sair do trono, quando o papa abrir mão do Vaticano, mas quando os pastores, “bispos” e  “apóstolos” atuais, fizerem voto de pobreza, mas não como referência humana de espiritualidade, isso também é vaidade. Quando a palavra for pregada por homens que amam a Deus mais que a “mamom” (Mateus 6.24), que preferem agradar a Deus mais que aos homens, que definitivamente não se preocupam com quantidade, mas com qualidade, aí teremos de fato uma igreja corpo de Cristo preparada para o arrebatamento. Sou sincero, não acho que isso ocorrerá a tempo, Jesus não profetizou isso sobre o fim dos tempos, mas é o que todo sincero filho de Deus deve buscar, até seu último dia neste mundo. 

25. Política e Evangelho

O que o velho testamento fala do povo de Israel e seu governo político?

      “Então todos os anciãos de Israel se congregaram, e vieram a Samuel, a Ramá, E disseram-lhe: Eis que já estás velho, e teus filhos não andam pelos teus caminhos; constitui-nos, pois, agora um rei sobre nós, para que ele nos julgue, como o têm todas as nações. Porém esta palavra pareceu mal aos olhos de Samuel, quando disseram: Dá-nos um rei, para que nos julgue. E Samuel orou ao Senhor. E disse o Senhor a Samuel: Ouve a voz do povo em tudo quanto te dizem, pois não te têm rejeitado a ti, antes a mim me têm rejeitado, para eu não reinar sobre eles. Conforme a todas as obras que fizeram desde o dia em que os tirei do Egito até ao dia de hoje, a mim me deixaram, e a outros deuses serviram, assim também fazem a ti. Agora, pois, ouve à sua voz, porém protesta-lhes solenemente, e declara-lhes qual será o costume do rei que houver de reinar sobre eles.” I Samuel 8.4-9

      A vontade de Deus é clara no antigo testamento, teocracia, o próprio Deus governaria Israel, obviamente através de homens, esse foi o papel dos juízes durante um período aproximado de 410 anos. Além de Moisés e Josué fazem parte da lista de juízes, Otniel, Eúde, Sangar, Débora, Gideão, Tola, Jair, Jefté, Ibsã, Elom, Abdom e Sansão, registrados no livro de Juízes, e Samuel, registrado nos livros de I e II Samuel e I e II Crônicas. Samuel foi um juiz especial, o maior profeta depois de Moisés, um homem importantíssimo na história de Israel, desempenhou tanto as funções de profeta e sacerdote, quanto de líder político.
      Após isso, Israel pede um rei, conforme o sistema político de outras nações, e Deus dá, um rei conforme seus corações rebeldes, Saul. Mas depois Deus dá um novo rei, agora conforme o coração de Deus, Davi da tribo de Judá da qual nasceria o Cristo. Depois de Davi reina seu filho Salomão, que levaria Israel ao seu tempo áureo como nação, contudo, depois dele reinam seus filhos e uma infinidade de reis inconstantes que se afastam e se aproximam de Deus, ora servindo a Deus, ora aos falsos deuses, dividindo as tribos da nação de Israel que nunca mais provaria a grandeza que teve na época de Davi e Salomão. 
      É claro que teocracia era a vontade de Deus para um povo seu debaixo da velha aliança, a Lei de Moisés e o sistema de ofertas e sacrifícios no Templo de Jerusalém, onde tudo era relacionado, religião, política e mesmo orientações de saúde, de higiene, alimentação etc, eram tempos de um homem ainda em desenvolvimento social e espiritual. Para a nação Israel debaixo desse sistema havia deveres, mas também havia direitos, o ser humano, contudo, de qualquer maneira sempre se mostra inviável para ser feliz em harmonia com Deus neste mundo, por isso Jesus foi enviado, o rei eterno, de Israel e da Igreja. 

O que o novo testamento diz sobre a relação de cristãos, convertidos, novos nascidos em Cristo, com a política?

      “É-nos lícito dar tributo a César ou não? E, entendendo ele a sua astúcia, disse-lhes: Por que me tentais? Mostrai-me uma moeda. De quem tem a imagem e a inscrição? E, respondendo eles, disseram: De César. Disse-lhes então: Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus.” Lucas 20.22-25

      “Admoesto-te, pois, antes de tudo, que se façam deprecações, orações, intercessões, e ações de graças, por todos os homens; Pelos reis, e por todos os que estão em eminência, para que tenhamos uma vida quieta e sossegada, em toda a piedade e honestidade; Porque isto é bom e agradável diante de Deus nosso Salvador, Que quer que todos os homens se salvem, e venham ao conhecimento da verdade.” I Timóteo 2.1-4

      “Ousa algum de vós, tendo algum negócio contra outro, ir a juízo perante os injustos, e não perante os santos? Não sabeis vós que os santos hão de julgar o mundo? Ora, se o mundo deve ser julgado por vós, sois porventura indignos de julgar as coisas mínimas? Não sabeis vós que havemos de julgar os anjos? Quanto mais as coisas pertencentes a esta vida? Então, se tiverdes negócios em juízo, pertencentes a esta vida, pondes para julgá-los os que são de menos estima na igreja?” I Coríntios 6.1-4

      “Não vos prendais a um jugo desigual com os infiéis; porque, que sociedade tem a justiça com a injustiça? E que comunhão tem a luz com as trevas? E que concórdia há entre Cristo e Belial? Ou que parte tem o fiel com o infiel? E que consenso tem o templo de Deus com os ídolos? Porque vós sois o templo do Deus vivente, como Deus disse: Neles habitarei, e entre eles andarei; e eu serei o seu Deus e eles serão o meu povo. Por isso saí do meio deles, e apartai-vos, diz o Senhor; E não toqueis nada imundo, E eu vos receberei; E eu serei para vós Pai, E vós sereis para mim filhos e filhas, Diz o Senhor Todo-Poderoso.” II Coríntios 6.14-18

      O texto de Lucas se refere diretamente a pagamento de impostos, mas podemos usá-lo para entender com clareza as diferenças das relações e compromissos que podemos ter neste mundo, físicos ou espirituais, políticos ou religiosos, com os homens ou com Deus, e Deus não exime seus filhos de viverem neste mundo debaixo de leis físicas, políticas e humanas. O texto de I Timóteo nos orienta sobre o respeito que devemos ter com lideranças deste mundo, sejam na área profissional ou política, elas não devem ser desprezadas, mas protegidas por nós em oração, ainda que não sejam cristãs. Se todos os seres humanos precisam ser salvos, muitos mais os líderes, cujas diretrizes influenciam um número muito maior de pessoas, sejam ou não cristãs.
      As duas passagens de Paulo escrevendo aos coríntios precisam de um pouco mais de reflexão, mas penso que elas são importantes para entendemos as orientações bíblicas sobre a relação de cristãos com o mundo no tocante às leis e mesmo à política. Em primeiro lugar, usando ainda o texto de Lucas, “dai a César o que é de César”, desobediências às leis de homens, sejam civis, criminais, fiscais, devem ser tratadas com os homens. Nenhum cristão queira se esconder atrás de sua fé para fugir às consequências de seus atos, ainda que Deus o perdoe e lhe dê paz, cristão não é isento de pagar suas dívidas com as leis, ainda que em paz com Deus e que isso não o prejudique na eternidade.
      Contudo, Paulo se refere a outra coisa em I Coríntios 6, ele fala de problemas entre irmãos em Cristo e que, porventura, ainda não tenham ido para os tribunais humanos. Se esses problemas forem resolvidos só entre irmãos, e o mais rapidamente possível, escandalizará menos o evangelho, mas isso, repito, se a justiça dos homens ainda não tiver sido acionada. Isso é possível, “roupa suja ser lavada em casa”, se for uma questão entre cristãos, possível e recomendado. Essa passagem mostra o nível moral e ético que um cristão deve ter, que o coloca numa posição espiritual superior a de não cristãos, nível que lhe confere direitos? Sim, mas também deveres. 
      É baseado nessa qualidade moral, ética, social e espiritual, que um cristão genuíno tem (ou deveria ter), que podemos interpretar a Bíblia como orientando que o cristão não precisa se envolver com política, além do dever cívico de ir à sua zona eleitoral e votar, fazendo a melhor e mais consciente escolha. O texto de II Coríntios 6 vai mais a fundo sobre essa diferença quando questiona, “que comunhão tem a luz com as trevas?”. Se o sistema político, câmaras de vereadores, de deputados, de senadores, se cargos de prefeitos, governadores e presidentes, fossem de fato limpos, talvez o cristão pudesse se envolver sem se sujar, mas isso é impossível, não num mundo físico onde o próprio Deus dá livre arbítrio aos homens e onde os sistemas políticos existem para administrar esses homens, que fizeram escolhas morais, espirituais e sociais diferentes. 

O que muitos cristãos hoje em dia dizem sobre política?

      Não, cristão não deve se envolver com cargos políticos, principalmente se forem cristãos com cargos e funções dentro de igrejas. Se forem cristãos sem envolvimentos em ministérios, é menos ruim, pois escandalizam o evangelho em menor instância, contudo, o que ocorre é justamente o contrário. Ditos “evangélicos” com cargos, pastores, missionários, bispos, presbíteros, diáconos, pregadores (e como tem “evangélico” que adora título), são os que mais participam de eleições e mantém cargos políticos, usando justamente seus títulos para se elegerem, para convencerem uma grande maioria de crentes mal informados e imaturos, que eles têm legitimidade espiritual para exercerem tais cargos, quanto equívoco. Pior que isso, acumulam cargos, muitas vezes de pastores e de vereadores, por exemplo, para ganharem salário dobrado.
      Será que um pastor vereador merece ganhar como pastor em tempo integral, ou será que tem tempo para trabalhar como pastor sendo também vereador? Reavaliemos isso, nos revoltemos com isso, digamos não a isso, isso não é correto nem bonito, ainda que ter um cargo político possa acariciar o ego de muitos líderes evangélicos que querem ser, sem estudar e trabalhar por isso do jeito certo. Pastores e outros líderes, querem influenciar mais e melhor a sociedade? Preparem-se, façam uma boa faculdade (não qualquer uma, dessa “pagou passou”), adquiram conhecimento intelectual sério, sejam bons professores de Bíblia e de muito mais, revolucionem pela educação, imaginem só se a educação fosse ocupada por cristãos genuínos, fariam muito mais diferença no mundo que políticos.
      Um argumento muito usado por muitos cristãos que almejam cargos políticos, e concordo que muitos usam esse argumento até com boa sinceridade, ainda que com imaturidade, é que se os cristãos não ocuparem os cargos a política não melhorará, nunca será purificada. O primeiro engano que esses cometem é achar que é possível o céu, com luz moral e espiritual, no mundo, isso vai contra muitos ensinos bíblicos. “Sabemos que somos de Deus, e que todo o mundo está no maligno.”, ou o mundo jaz no maligno (I João 5.19), ponto! E a política jaz no íntimo do pior do maligno, porque ela mexe com o poder que domina o mundo, maior ainda que o dinheiro ou prazeres carnais, as pessoas fazem tudo para terem poder político e muito mais para se manterem nesse poder.

      “Não erreis: Deus não se deixa escarnecer; porque tudo o que o homem semear, isso também ceifará.” Gálatas 6.7

      Não posso deixar de falar sobre o fato de termos no momento um presidente da república apoiado por uma grande maioria de evangélicos, incluindo altas lideranças cristãs. Em primeiro lugar nem sabemos ao certo se a pessoa é de fato evangélica (talvez isso seja até melhor), esse presidente escolheu um bom ministério e está tentando fazer um governo sem “rabo preso” com “toma lá dá cá”, sem corrupção e venda de cargos? Aparentemente sim, e grande parte de seus ministros é de técnicos e pessoas idôneas. Mas tenhamos cuidado, não nos iludamos, não façamos com ele o que a ideologia política oposta e opositora a esse governo faz com seu maior líder, adorar homem. Esse presidente é honesto e o líder opositor é desonesto? Parece que sim, mas ainda assim, irmãos e irmãs, tenhamos cautela.
      O tal homem ocupa uma posição que não pode agradar só a cristãos, uma posição que precisa governar para todos, não para uma parte, ainda que ele esteja sendo fiel com suas promessas eleitorais e esteja tentando agradar ao seu eleitorado, ao meu ver de forma exagerada visto que não está mais em palanque eleitoral, está incentivando, dia a dia, uma situação beligerante e perigosa. Ele e seus filhos dizem coisas erradas todo o dia, ofendendo, provocando, enfim, agindo de uma maneira tanto desnecessária pela qualidade do governo que faz com seus ministros, quando inadequada pelo perfil que ele diz ter como alguém que respeita a tradição judaica-cristã, a família etc. Eu temo por esse presidente, pela vida dele, mas temo muito mais por uma igreja cristã evangélica que está colocando sua confiança em homem, e num homem estúpido e amargo. 
 
26. Sabedoria (parte 1)

      “A sabedoria clama lá fora; pelas ruas levanta a sua voz. Nas esquinas movimentadas ela brada; nas entradas das portas e nas cidades profere as suas palavras: Até quando, ó simples, amareis a simplicidade? E vós escarnecedores, desejareis o escárnio? E vós insensatos, odiareis o conhecimento? Atentai para a minha repreensão; pois eis que vos derramarei abundantemente do meu espírito e vos farei saber as minhas palavras. 
      Entretanto, porque eu clamei e recusastes; e estendi a minha mão e não houve quem desse atenção, Antes rejeitastes todo o meu conselho, e não quisestes a minha repreensão, Também de minha parte eu me rirei na vossa perdição e zombarei, em vindo o vosso temor. Vindo o vosso temor como a assolação, e vindo a vossa perdição como uma tormenta, sobrevirá a vós aperto e angústia. 
      Então clamarão a mim, mas eu não responderei; de madrugada me buscarão, porém não me acharão. Porquanto odiaram o conhecimento; e não preferiram o temor do Senhor: Não aceitaram o meu conselho, e desprezaram toda a minha repreensão. Portanto comerão do fruto do seu caminho, e fartar-se-ão dos seus próprios conselhos. Porque o erro dos simples os matará, e o desvario dos insensatos os destruirá. Mas o que me der ouvidos habitará em segurança, e estará livre do temor do mal.”
Provérbios 1.20-33

      Muitos interpretam o termo sabedoria que aparece no livro de Provérbios, como algo só espiritual, mas será que o pleno temor de Deus contempla só a comunhão direta entre o Senhor e o homem através do Santo Espírito? Não, temer a Deus abrange todas as esferas da vida humana, em todos os planos, no corpo, na alma, no espírito, na interação entre homens, com a natureza, além de com o mundo espiritual. A apologia que Salomão (e possivelmente outros escritores que também escreveram o livro de Provérbios) faz da sabedoria não se refere só à sabedoria moral, social e religiosa. 
      Salomão é célebre por ter tido um entendimento singular da existência humana, sabedoria que recebeu de Deus (I Reis 3.1-15), ele também se refere à ciência, à medicina, à química, à física, à matemática e a tudo o mais que permite ao homem dominar este planeta e seguir civilizado e evoluindo. Nesta reflexão, dividida em duas partes, pensemos sobre o valor do estudo, da formação acadêmica, do conhecimento científico e da intelectualidade, na vida não só do homem em geral, mas também do cristão, tudo incluído, como entendemos, na sabedoria orientada na Bíblia, segue a primeira parte.

      Bom estudo, melhor oportunidade de trabalho, maior influência no mundo, testemunho mais abrangente, essa é uma cadeia natural de coisas conquistadas neste planeta do jeito correto, com esforço, com melhores escolhas, com status quo mais alto e com sabedoria para usufruir isso tudo com justiça social e respeito com a natureza. Uso da ciência com inteligência e boa formação acadêmica é o que faz o homem um verdadeiro rei neste mundo, conquistando e dominando da maneira certa, não com violência ou egoísmo, mas com lucidez e conhecimento (já refletimos um pouco sobre o tema desta reflexão em “Intelectualidade não é pecado...”). 
      Você já pensou se o homem não tivesse pecado originalmente (seja lá o que isso signifique de verdade, além dos mitos), como seria este mundo? Em que nível científico estaríamos, o quanto de outros planetas e sistemas solares já teríamos visitado? Muitos acham que um homem sem pecado viveria o céu na terra, mas não é assim que funciona, o céu é puramente espiritual. A criação material foi algo muito especial de Deus, se o mundo espiritual fosse suficiente Deus não precisaria criar o plano físico, a Terra, o Sol, a Lua, as estrelas, a natureza, os animais, o ser humano. Sem o pecado a vida no mundo seria algo único, nunca provado pelos anjos. O que Deus tinha em mente para um plano físico sem pecado?
      Será que haveria morte física? Lembre-se que pelo livro de Gênesis os homens viviam muito tempo antes do dilúvio, dilúvio que também foi outra consequência do pecado do homem. Por outro lado, entendemos pela Bíblia que originalmente era proibido ao homem comer só da árvore do conhecimento do bem e do mal, já o fruto da árvore da vida só foi proibido depois que o homem comeu o fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal (Gênesis 2.9,16-17), assim talvez, sem pecado, o homem pudesse viver eternamente encarnado. Quanto desenvolvimento a humanidade não alcançaria em pouco tempo, e tudo com temor a Deus, com justiça social e respeitando a natureza.
      O que de fato são as árvores de Gênesis? O que representam? Se referem a dois poderes que os humanos almejam muito, conhecimento e longevidade. Mas que conhecimento é esse, moral, espiritual, científico? “Então disse o Senhor Deus: Eis que o homem é como um de nós, sabendo o bem e o mal; ora, para que não estenda a sua mão, e tome também da árvore da vida, e coma e viva eternamente, O Senhor Deus, pois, o lançou fora do jardim do Éden, para lavrar a terra de que fora tomado.” (Gênesis 3.22-23). Como tudo nos capítulos iniciais de Gênesis, essa passagem tem vários mistérios, Deus referindo-se a si mesmo na primeira pessoa do plural e a única informação bíblica sobre o que é a árvore da vida.
      Uma coisa é certa, num plano físico sem pecado não haveria qualquer embate entre fé e ciência, entre matéria e espírito, nessa realidade a evolução intelectual do ser humano não o levaria a uma arrogante posição de duvidar de Deus, antes permitiria que ele conhecesse as verdades de Deus encarnado. Os mistérios do universo seriam mostrados sem véus, entenderíamos a mente de Deus neste mundo, ainda que com trabalho e com tempo, mas seria uma experiência diferente, que sequer podemos imaginar hoje. Mas por que ciência tornou-se sinônimo de oposição a Deus? Por causa do pecado dos ateus, sim, mas também por causa da ganância de líderes evangélicos que para manterem o controle escravizam ovelhas à ignorância. 

27. Sabedoria (parte 2)

      Segue a segunda parte da reflexão sobre sabedoria, o valor do estudo, da formação acadêmica, do conhecimento científico e da intelectualidade, na vida não só do homem em geral, mas também do cristão.

      “Ninguém se engane a si mesmo. Se alguém dentre vós se tem por sábio neste mundo, faça-se louco para ser sábio. Porque a sabedoria deste mundo é loucura diante de Deus; pois está escrito: Ele apanha os sábios na sua própria astúcia. E outra vez: O Senhor conhece os pensamentos dos sábios, que são vãos.” (I Coríntios 3.18-20). 

      “Ouvi, meus amados irmãos: Porventura não escolheu Deus aos pobres deste mundo para serem ricos na fé, e herdeiros do reino que prometeu aos que o amam?” (Tiago 2.5). 

      Uma das diferenças importantes do novo testamento é que ele alia valor espiritual ao desprendimento de valores materiais feito por pessoas comuns, diferente do antigo testamento que alia proteção divina à prosperidade material de patriarcas e reis. O antigo testamento são crônicas das vidas de homens poderosos, o novo é a história da morte de um simples homem. Pensamos sobre isso na reflexão “Israel”, neste estudo “Reavaliemos nossas crenças”, mas a verdade é que esse desprendimento não significa pobreza ou falta de estudo. Os textos iniciais, todavia, exortam sobre o erro que se comete quando se acha que só porque se tem sabedoria ou riqueza se tem superioridade social, pode até ser neste mundo, mas não é assim no outro. 
      Os pregadores que demonizam intelectuais, filósofos e ricos, acham em textos neo-testamentários álibis para pregarem o que pregam, e sim, a Bíblia diz isso, contudo, eis aí outro ensino que temos que reavaliar, para entender a sua essência, não interpreta-lo ao pé da letra de maneira preguiçosa, o que pode conduzir a preconceitos e a fazer acepção de pessoas, “E, se invocais por Pai aquele que, sem acepção de pessoas, julga segundo a obra de cada um, andai em temor, durante o tempo da vossa peregrinação“ (I Pedro 1.17). Deus não faz distinção pelo exterior ou mesmo pela intelectualidade, mas julga a prática daquilo que de fato está no coração, veja que o texto diz “julga segundo a obra”, e não só segundo a intenção.
      Voltando a I Reis 3.11-13, “E disse-lhe Deus: Porquanto pediste isso, e não pediste para ti muitos dias, nem pediste para ti riquezas, nem pediste a vida de teus inimigos; mas pediste para ti entendimento, para discernires o que é justo; Eis que fiz segundo as tuas palavras; eis que te dei um coração tão sábio e entendido, que antes de ti igual não houve, e depois de ti igual não se levantará. E também até o que não pediste te dei, assim riquezas como glória; de modo que não haverá um igual entre os reis, por todos os teus dias.”, interessante que Deus deu a Salomão riquezas justamente porque ele não as pediu, antes pediu sabedoria, assim entendemos que o sábio naturalmente alcança prosperidade material, porque não tem o coração nela.
      Se em Cristo somos novas criaturas, se somos salvos e libertos do velho homem, que ainda que lute com o novo homem pode ser vencido por quem tem o selo do Espírito Santo em seu interior, se iluminados pelo nome de Jesus temos acesso ao Deus altíssimo, às suas virtudes, às suas prioridades, nós também não precisamos temer a tentação da arrogância que pode haver no conhecimento intelectual. Ao contrário, os novos nascidos em Cristo são os mais aptos espiritualmente para amadurecerem intelectualmente, para se aproximarem do Adão original sem pecado, “Assim que, se alguém está em Cristo, nova criatura é; as coisas velhas já passaram; eis que tudo se fez novo.“ (II Coríntios 5.17)
      O que vemos em muitas igrejas atuais, contudo, é o oposto, gente achando que por ser crente, não precisa estudar tanto, basta crer, e pior, os mais estudados chegam mesmo a sofrer olhares desconfiados quando se convertem, não são valorizados pela formação intelectual que possuem. Não, isso não é atitude de todos os cristãos, mas é a de muitos, mas, sim, intelectualidade é demonizada, começando de muitos púlpitos. Contudo, como seria agradável a Deus ver pastores focando menos em fé para dar dízimo, em falsa moralidade para jovens serem diferentes externamente, mas incentivando ovelhas a estudarem mais, fazerem boas faculdades, terem empregos melhores, serem cidadãos mais civilizados. 
      Sim, muitos pregam esse texto, “e o Senhor te porá por cabeça, e não por cauda; e só estarás em cima, e não debaixo, se obedeceres aos mandamentos do Senhor teu Deus, que hoje te ordeno, para os guardar e cumprir“ (Deuteronômio 28.13), contudo, querem o efeito e desprezam a causa, e a causa não é só religiosidade, assiduidade em cultos, fé, mas é trabalho no mundo, nas escolas, nas universidades, nas empresas. Uma igreja que se acha cheia de fé, de adoração, de unção, está fadada a ser cauda, não cabeça, porque se nega a fazer a sua parte, uma parte que nem a maior fé do mundo poderá fazer, uma parte que Deus não fará por ela, que é crescer não só no espírito, mas na mente. 
      Não, intelectualidade não é pecado, e não basta fazer qualquer faculdade, tem que se preparar para fazer a melhor, isso é urgência num mundo onde a vida fica cada vez mais difícil, mais competitiva. Com bom estudo poderemos escolher e não sermos escolhidos, ter um emprego melhor que nos dará condição de abençoar mais a sociedade, não só com dinheiro, mas com informação. Evangélicos, criemos melhor nossos filhos, com amor e proximidade, mas também incentivando o estudo e investindo em boas escolas, se o mundo se perde em vaidades querendo só roupas e carros caros, nós temos o dever de escolher melhor, usar nossas rendas para dar aos jovens bons estudos, isso é andar na luz, é sabedoria de Deus. 

28. Sofrimento humano

      “E à mulher disse: Multiplicarei grandemente a tua dor, e a tua conceição; com dor darás à luz filhos; e o teu desejo será para o teu marido, e ele te dominará. E a Adão disse: Porquanto deste ouvidos à voz de tua mulher, e comeste da árvore de que te ordenei, dizendo: Não comerás dela, maldita é a terra por causa de ti; com dor comerás dela todos os dias da tua vida. Espinhos, e cardos também, te produzirá; e comerás a erva do campo. No suor do teu rosto comerás o teu pão, até que te tornes à terra; porque dela foste tomado; porquanto és pó e em pó te tornarás. E chamou Adão o nome de sua mulher Eva; porquanto era a mãe de todos os viventes. E fez o Senhor Deus a Adão e à sua mulher túnicas de peles, e os vestiu. Então disse o Senhor Deus: Eis que o homem é como um de nós, sabendo o bem e o mal; ora, para que não estenda a sua mão, e tome também da árvore da vida, e coma e viva eternamente, O Senhor Deus, pois, o lançou fora do jardim do Éden, para lavrar a terra de que fora tomado. E havendo lançado fora o homem, pós querubins ao oriente do jardim do Éden, e uma espada inflamada que andava ao redor, para guardar o caminho da árvore da vida.” Gênesis 3.16-24

      “Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna. Porque Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para que condenasse o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele. Quem crê nele não é condenado; mas quem não crê já está condenado, porquanto não crê no nome do unigênito Filho de Deus.” João 3.16-18

      “E vi um novo céu, e uma nova terra. Porque já o primeiro céu e a primeira terra passaram, e o mar já não existe. E eu, João, vi a santa cidade, a nova Jerusalém, que de Deus descia do céu, adereçada como uma esposa ataviada para o seu marido. E ouvi uma grande voz do céu, que dizia: Eis aqui o tabernáculo de Deus com os homens, pois com eles habitará, e eles serão o seu povo, e o mesmo Deus estará com eles, e será o seu Deus. E Deus limpará de seus olhos toda a lágrima; e não haverá mais morte, nem pranto, nem clamor, nem dor; porque já as primeiras coisas são passadas. E o que estava assentado sobre o trono disse: Eis que faço novas todas as coisas. E disse-me: Escreve; porque estas palavras são verdadeiras e fiéis. E disse-me mais: Está cumprido. Eu sou o Alfa e o Omega, o princípio e o fim. A quem quer que tiver sede, de graça lhe darei da fonte da água da vida. Quem vencer, herdará todas as coisas; e eu serei seu Deus, e ele será meu filho. Mas, quanto aos tímidos, e aos incrédulos, e aos abomináveis, e aos homicidas, e aos fornicadores, e aos feiticeiros, e aos idólatras e a todos os mentirosos, a sua parte será no lago que arde com fogo e enxofre; o que é a segunda morte.” Apocalipse 21.1-8

      No meio a essa crise mundial de saúde, com o Corona vírus e a Covid 19, vi uma entrevista na TV, de um homem, com um bebê no colo, desses que moram com mais “seis” pessoas numa casa de um cômodo numa favela, ao lado de um rio imundo, sem saneamento ou qualquer infraestrutura básica de sobrevivência. O homem dizia ao entrevistador, “sou diabético, sou do grupo de risco, mas estou tomando cuidado, não saio de casa e limpo minhas mãos com álcool em gel o tempo todo”, eu pergunto, que proteção álcool em gel pode dar para esse homem, que parece querer fazer a sua parte e seguir as orientações de médicos? 
      Quanto sofrimento, isso me cortou o coração e me levou a pensar, que culpa tem esse cara de ter nascido no meio social que nasceu, pobre, sem o mínimo de condições para ter uma vida minimamente digna? Ele sofre porque está em pecado, a culpa é dele? Essa explicação que muitos evangélicos dão é a mais correta? Verdadeiramente precisamos reavaliar nossas crenças, principalmente sobre salvos e perdidos, sobre quem são e porque são protegidos por Deus ou abandonados no sofrimento, precisamos entender de fato porque o mundo funciona como funciona e porque tanta gente sofre, aparentemente, sem ter feito nada de errado para isso nessa vida. 
      Os três textos iniciais resumem a história da humanidade, o início e o pecado original, causa de todo sofrimento humano, o meio e a obra redentora de Cristo, que restaura os direitos espirituais do homem com Deus, e o final e os novos céus e a nova terra, numa eternidade junto do melhor de Deus onde habitarão os salvos em Cristo. Isso representa a teologia tradicional protestante, isso deve bastar aos cristãos para explicar sofrimento e livramento do sofrimento para todos os seres humanos de todos os tempos e lugares. Bem, eu poderia encerrar a reflexão aqui, e para a maioria de cristãos, pelo menos na teoria, isso é o suficiente.
      Muitos, querendo diminuir o sofrimento, dizem que ele é relativo, para um ter só um carro é sofrimento, enquanto que para outro, não ter nem uma motocicleta é sofrimento, que para alguns não poder comer carne de primeira é sofrimento, enquanto que para muitos não comer nada é sofrimento, sim, esse relativismo é real, pode ser usado como argumento para explicar que cada um recebe o frio conforme o cobertor, e que ninguém sofre mais que ninguém. Mas porque um teve direito de nascer num lar onde se pode adquirir um automóvel e outro a obrigação de nascer num lugar onde não se tem nem comida para comer todos os dias? 
      Isso não importa? São questionamentos que não devemos fazer? Temos que aceitar certas coisas como são? Explicações simplistas consolam os que não querem pensar muito por acharem que se pensarem poderão ter suas zonas de conforto abaladas, poderão trincar bases de convicções, que boas ou não, sustentaram suas existências até então. Mas mais que isso, poderão distancia-los do “Deus” que creem, e que acham que se não crerem, do jeito que creem, lhes dará vidas ruins neste mundo e eternidades terríveis. Reavaliar o que pensamos sobre sofrimento talvez seja o tema mais sensível dessa série de reflexões.
      A verdade é que muitos elegem essa ou aquela crença por medo, e, egoisticamente, para se livrarem de seus medos pessoais, não se importam de condenar os outros aos piores medos possíveis. Será que não é fácil demais, resolver a questão do sofrimento humano simplesmente com a explicação de que desde que Adão e Eva pecaram no Éden a vida é sofrimento, e como cristãos temos que aceitar isso? Essa é a verdade ou é a verdade que Moisés conseguia entender da verdade que foi passada a seu povo de geração para geração, e que dava a eles algum consolo moral? Isso também pode ter sido uma escolha conveniente, que consola alguns, ainda que deixem no sofrimento a outros.
      Eu não tenho uma conclusão para esta reflexão, não uma que esteja preparado para compartilhar aqui, ainda a guardarei em meu coração, mas eu gostaria que você que lê pensasse sobre uma coisa. Não me refiro aqui a qualquer sofrimento, àquele que nós, pessoas de classe média passam, que são legítimos, às vezes bem difíceis, mas não terríveis, não letais. Penso em crianças em zonas de guerra, em mulheres sendo sequestradas para “servirem” a terroristas, em inocentes, e creia, existem, sim, inocentes que sofrem injustamente. Quem ora para que esses sejam livrados do sofrimento? Se são inocentes bastaria a oração de um justificado em Cristo para que Deus respondesse e agisse. Mas isso acontece? 
      Quem ajuda esses inocentes que sofrem? Bem, deveria ser nós, que temos alguma condição financeira e entendimento moral e religioso de caridade. Mas isso é feito? Não, não é feito, o sofrimento no mundo é grande e continua existindo enquanto nós nos vestimos e vamos a cultos cantar louvores. Sou levado a crer que a existência vai além do que entendemos como evangélicos e protestantes, que existem causas que levam muitos a sofrer que vão além do que vemos nesse mundo, e que a eternidade é mais que branco e preto, sem matizes de graduações de outras cores. Ainda creio num Deus justo e na salvação única de Cristo, mas parece que para muitos, em uma vida neste plano, isso não basta...
 
29. Jesus reavaliou todas as religiões

      “Raça de víboras, como podeis vós dizer boas coisas, sendo maus? Pois do que há em abundância no coração, disso fala a boca. O homem bom tira boas coisas do bom tesouro do seu coração, e o homem mau do mau tesouro tira coisas más. Mas eu vos digo que de toda a palavra ociosa que os homens disserem hão de dar conta no dia do juízo. Porque por tuas palavras serás justificado, e por tuas palavras serás condenado.Mateus 12.34-37

       Em Mateus 12 Jesus confronta a hipocrisia dos religiosos judeus, como eles podiam dizer que falavam coisas boas quando possuíam corações maus? Jesus não se deixou enganar pelas palavras, ele conhecia os corações. Mas ainda que as palavras sejam boas elas não são desconsideradas pelo juízo de Deus, caso sejam falsas. Não basta parecer, tem que ser, não basta falar, tem que viver. Muitas igrejas e pastores atuais teimam em afirmar que pregam o evangelho, que possuem autoridade legítima para isso, mas como podem pregar o bem se possuem corações maus, que agem com preconceito, superficialidade, imaturidade espiritual? Cuidado, seria melhor a esses nem pregar o evangelho, ou só pregar aquilo que de fato vivem. O correto, contudo, seria que eles reavaliassem suas crenças à luz do Espírito Santo.
      Jesus, encarnado como homem, era um questionador, por isso era odiado, avaliou a religião de seu povo, por isso foi perseguido, mostrou sem medo, ainda que com sabedoria, a incoerência, a hipocrisia, a ineficiência das crenças de judeus, gregos e romanos, por isso foi morto. A encarnação de Jesus foi uma reavaliação de todas as religiões feita por Deus. Não podemos ser como Jesus, mas fomos chamados para segui-lo, temos o Espírito Santo que continua em nós a obra do Cristo homem, agora na autoridade do Cristo Deus, temos por isso direito à comunhão com Deus, mas também responsabilidades sobre deveres. O principal dever que temos é o de suportar as perseguições em paz, se alguém não quer perseguição que se acomode às crenças dos outros, esses, contudo, nunca terão paz verdadeira. 
      Jesus não tinha um lugar fixo, confortável, oficial, para receber donativos que sustentassem sua obra, ele ensinava onde dava, nas montanhas, nas praias, nos campos, em barcos, nas casas de amigos. Jesus sabia que para poder reavaliar as interpretações humanas sobre religião precisava ser livre, de tudo e de todos, isso lhe dava autoridade para pregar a verdade, ele não tinha “rabo preso com ninguém” (desculpem-me o termo). Quanto falamos, ouvimos, pregamos e cantamos que somos cristãos, que seguimos a Jesus, que somos diferentes do mundo, que acreditamos na religião verdadeira e que as outras são mentiras, mas na realidade tudo o que queremos é uma tradição religiosa que nos proteja de remorsos, do nosso passado, do diabo, e de tantas coisas que por não podermos ter ou ser, demonizamos.
      Isso nos leva a aceitar tradições sem questionar, a respeitar igrejas e pastores, calados e temerosos, faço uma pergunta, se Jesus se encarnasse hoje, de que igreja, de que denominação cristã faria parte? Da Congregação Cristã? Da Assembleia de Deus? Da Universal? Da Renascer? Da Lagoinha? Da Presbiteriana? Da Batista? Da Católica? Ou de uma desconhecida, essas pequenas e pobres e com poucos membros? Quer a verdade? De nenhuma e de todas, mas não por ser essa melhor que aquela (nem pior), por ter uma doutrina mais próxima aos seus verdadeiros ensinos, por ser mais pura e menos herética, não por nada disso. A Igreja de Jesus, a genuína, na verdade é o coração do homem que o busca com sinceridade e em verdade, a esse ele se apresenta, vive nele e lhe mostra o caminho (João 14.20-23).
      Na verdade, Deus não está nem aí com igrejas e religiões. Para entender isso temos que perguntar a ele, não a pastores, padres, teólogos, e muito menos a mim, enquanto isso Deus continua nos abençoando, do jeito que estamos, onde estamos, indiferente do nosso nível de fé e de intimidade com ele. Se achamos que só o agradamos vestidos de ternos, os homens, e de saias e com longos cabelos, as mulheres, Jesus assim nos salva. Se acharmos que só o agradamos conhecendo a Bíblia com profundidade teológica, ele nos salva assim. Se acharmos que só o agradamos falando em línguas espirituais estranhas e experimentando vários dons espirituais, ele nos salva dessa maneira. Mas não se iluda, se acharmos que podemos confiar em santos e em Maria, ele também pode nos salvar, não se engane quanto a isso.
      Mas isso é o ideal de Deus? Não. A pergunta é: até quando viveremos na exceção de Deus, por sua misericórdia, fazendo muito menos que podemos para experimentar muito menos que Deus pode nos dar? Isso não depende de Deus, mas de nós. Uma qualidade de Deus que provamos muito mais que percebemos é a educação, ele não se mostra a quem não o quer, e se mostra em parte a quem o quer em parte. Ocorre que muitos que só o desejam em parte e o buscam em parte, querem exigir que Deus dê a eles o que recebem os que buscam de forma mais completa. Contudo, o mistério é que no plano espiritual as coisas acontecem de forma inversa, é o próprio evangelho que diz que só nascemos quando morremos, que é dando que se recebe, que os últimos serão os primeiros, e os primeiros serão os últimos.
      Quanto mais se busca a Deus, quanto mais intimidade se tem com ele, menos se exigi, pelo menos no que se refere ao plano físico. Os que querem mais de Deus querem o conhecimento das verdades espirituais para serem mais espirituais. Só entenderemos de fato a vida plena e eterna que Deus quer nos dar em Jesus, quando reavaliarmos nossas crenças. Fazer as mesmas coisas só nos levarão aos mesmos lugares, assim, se já entendemos que não fomos muito longe agindo como agimos, então é sinal que temos que fazer coisas diferentes, reavaliar nossas crenças em muitos aspectos, em várias áreas de nossas vidas. Não nos enganemos, o grande número de denominamos cristãos no mundo não reflete uma presença atuante de Cristo na realidade, e isso acontece porque a grande maioria é só religiosa, não de fato seguidora de Cristo. 

30. Reavaliemos nossas crenças (Conclusão)

      “Examinai tudo. Retende o bem.” I Tessalonicenses 5.21

      Serei bem sincero nesta reflexão, se você chegou até aqui e leu todo o estudo “Reavaliemos nossas crenças”, você não merece menos que a minha verdade. Eu sei que toquei em pontos bem polêmicos neste estudo, evolucionismo e não criacionismo, homoafetividade não é condenada por Deus, comunicação com mortos é possível, a Bíblia contém a palavra de Deus e muita coisa nela registrada é mitologia hebréia, não verdade histórica ao pé da letra, não tenho dúvida que a grande maioria de cristãos não concordará com os pontos de vista do “Como o ar que respiro”, e muitos talvez não voltem mais ao blog depois de ler o estudo.
      Nasci em 1959, me converti ao evangelho em 1976, aos dezesseis anos, me batizei numa igreja batista (CBB), fui para o seminário teológico em 1978, junto da faculdade de análise de sistemas na PUCC, trabalhei em igrejas na área musical por muitos anos, mas também atuei como músico profissional, dono de estúdio, de escola de música e entre 2006 e 2009 trabalhei na Roland Brasil como suporte técnico de todas as linhas de produtos. Atualmente promovo musical apps para iOS (iPad e iPhone), o futuro dos instrumentos musicais, para isso tenho um blog, o “Músicos que usam iPad”, um grupo no Facebook, com o mesmo nome, e um canal no Youtube, com videos de demonstração e tutoriais de apps e teclados. 
      Esse é o resumo de minha biografia autorizada, com as melhores partes, no meio de tudo isso houve muitas lutas e buscas, erros e acertos, mas sempre em meu coração o desejo de agradar a Deus e de ter uma vida coerente, uma vida só, não duas com uma falsa para mostrar aos outros e outra derrotada para esconder. Quando entendi que o que Deus mais quer de mim é coerência, pode chamar isso de verdade pessoal, eu comecei de fato a viver, não para os homens, mas para Deus. Esse entendimento, contudo, não aconteceu depressa, e durante o tempo que demorei para tê-lo foi o tempo em que mais machuquei as pessoas, muitas até hoje não me perdoam por muitas coisas, mas Jesus morreu por mim na cruz por isso.
      Mas para que eu estou compartilhando com você minha vida? Bem, para dizer que algo que eu nunca busco no cristianismo é religião, isso nunca me bastou, e teria sido bem mais conveniente para mim, socialmente, em termos de ministério, de status religioso, se religião bastasse, principalmente trabalhando eu com música, ferramenta tão útil para pastores que querem manter igrejas cheias. Mas eu tentei, praticar o que me ensinavam, mas isso não me dava paz nem libertação, nesse ponto você é que decide, se eu desisti porque sou fraco e incrédulo, por isso me desviei, ou se desisti porque reavaliei minhas crenças e entendi que algo estava errado com elas, bem, cheguei ao assunto do estudo que estou concluindo agora.
      Um dos meus versículos bíblicos favoritos diz, “pelos frutos vos reconhecereis”, se você me acompanha aqui no blog sabe que desde maio de 2011 compartilho reflexões diárias (pelo menos até fevereiro de 2020 foram diárias), assim de duas uma, ou sou um escritor de ficção bem criativo ou de fato tenho tido experiências com Deus que me inspiram a escrever aqui no blog, e creia, o que compartilho aqui é prática de vida, não é teoria ou fantasia. As reavaliações que fiz neste estudo não são frutos de alguém que se afastou de Deus, é bem o contrário, tenho me aproximado mais e mais de Deus a cada dia, em oração, em consagração, e tenho muitos frutos disso em minha vida e na de minha esposa e minhas filhas.
      Se me desviei foi da religião, da tradição humana, da igreja cristã que já deixou bem claro que não tem vivido, não em sua maioria, uma vida agradável a Deus, ainda que templos estejam cheios, que novos ministérios apareçam a cada dia, em cada esquina das cidades, tornando o cristianismo tão popular quanto ineficiente, eficiente só para criar novos religiosos, cegos guiando cegos. Não, não compartilhei aqui todas as reavaliações que o Espírito Santo tem me levado a fazer sobre as crenças das igrejas protestantes e evangélicas, foram são as mais óbvias, vocês ainda não estão preparados para isso, talvez nunca estejam, não nesta vida, talvez sejam coisas só para mim saber, talvez. 
      Contudo, um conselho, aproximem-se mais de Deus, com todo o coração e não dependam de pastores e religião, mesmo que igrejas cristãs ainda sejam os melhores lugares para compartilharmos Jesus com o mundo. Mas “não deis aos cães as coisas santas, nem deiteis aos porcos as vossas pérolas, não aconteça que as pisem com os pés e, voltando-se, vos despedacem”, antes, “pedi e dar-se-vos-á, buscai e encontrareis, batei e abrir-se-vos-á, porque, aquele que pede, recebe, e, o que busca, encontra, e, ao que bate, abrir-se-lhe-á” (Mateus 7.6-8). Sabe quem quer saber, ainda que quem não saiba Deus ame e abençoe do mesmo jeito, afinal, Deus nunca precisa ser reavaliado. 
     
José Osório de Souza, 13/04/2020

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