sábado, fevereiro 29, 2020

Fé e frutos

      “Produzi, pois, frutos dignos de arrependimento, e não comeceis a dizer em vós mesmos: Temos Abraão por pai; porque eu vos digo que até destas pedras pode Deus suscitar filhos a Abraão.” Lucas 3.8

      Nossas crenças religiosas deveriam ser fundamentadas em dois únicos princípios: fé e frutos. Se esses dois princípios fossem experimentados em verdade de forma honesta, poderíamos chegar ao melhor e mais profundo conhecimento de Deus, do mundo espiritual e do espírito humano, assim como, como “bônus track”, adquirirmos uma vida harmoniosa e equilibrada com o mundo, com a natureza, com a sociedade, com nossos corpos e almas, enfim, com o plano físico em geral. Contudo, muitos focam demasiadamente no primeiro princípio, esquecendo-se de averiguar o segundo, ou cobram friamente o segundo princípio, sem dar ao primeiro a importância devida.
      Fé, porque ainda não se pode acreditar por se conhecer cientificamente em Deus (e talvez a humanidade nunca chegue a esse ponto), assim é preciso uma fé, a princípio, cega, e eu disse a princípio. Penso que o primeiro passo em relação a Deus é feito com uma fé fisicamente cega, que não vê mas também não sente e nem entende intelectualmente. Através de fé pode-se crer em qualquer coisa, pessoa, morta ou viva, ou entidade espiritual, isso é acima de tudo um direito de todo ser humano que ninguém deve proibir nem desrespeitar. Mas o segundo princípio é frutos, assim a fé ainda que inicialmente cega, deve ser aferida para sabermos onde ela nos levou, se dá frutos, e se são, ou deveriam ser, bons frutos. 
      Só os primeiros passos de uma experiência religiosa são por fé “cega”, porque a partir desses se frutos não forem constatados há de se fazer uma correção na fé, em quem ou no que se acredita ou em como se está crendo, o problema pode estar tanto no objeto da fé quanto no crente. Não coloque a culpa no Deus verdadeiro quando você pediu algo errado ou do jeito errado, também não se considere menos bom por estar, ainda assim, crendo numa mentira. Por outro lado não basta fé sincera e forte no Deus verdadeiro, se o que se espera com essa experiência é algo ilegítimo diante de Deus. Enfim, fé e frutos, um princípio medindo o outro, se tivermos essa honestidade acharemos o melhor no Deus verdadeiro.
      Infelizmente muitos não fazem as medidas desses princípios, o ser humano sempre acha mais confortável acomodar-se numa posição. Em termos de fé, se ela é uma tradição familiar, muitos preferem não desagradar pais, assim insistem em continuar crendo em algo que não os está levando a nada. Essa situação pode ser uma armadilha terrível do mal, pois as pessoas acreditam que ir contra o que os pais acreditam é desobedecer o “deus” de seus pais, assim preferem a hipocrisia e a incoerência que assumirem uma fé diferente daquela da tradição paterna. Mas o que muitos na verdade não entendem é que fé que leva a Deus não é simples convicção mental e emocional, não é força humana.
      A fé que conduz a Deus é graça divina, que deve ser pedida a Deus, e que só depois de recebida pode de fato nos colocar em comunhão, não com tradição religiosa, mas com o Deus verdadeiro. Essa fé dará frutos bons e que permanecem, diferentes de qualquer espécie de fruto que se provou usando energia humana para se acreditar em qualquer outro deus, entidade, homem, coisa ou seja lá o que for. Contudo, esse processo de fé e frutos não para na conversão e nas primeiras coisas que se recebe de Deus. O cristão deve continuar medindo fé e frutos, para prosseguir em sua caminhada, senão a qualquer momento pode ser presa de uma heresia que o congelará num degrau impedindo-o de continuar subindo.
      O texto inicial, dito por João Batista, deixa bem claro que tradição não salva, não basta dizermos que temos esse ou aquele direito porque somos filhos de Abraão, como diziam os judeus, ou porque somos protestantes ou católicos, ou filhos de protestantes ou de católicos, a fé deve ser aprovada por frutos. Ninguém tem posição especial diante de Deus simplesmente por manter uma tradição, é preciso ter uma experiência pessoal com Deus e essa experiência qualquer um pode ter. Essa experiência nos faz provar a verdadeira fé, aquela que é dom de Deus como ensina Paulo (Efésios 2.8), essa nos liga a Deus através de Jesus e permite que produzamos frutos de arrependimento.

sexta-feira, fevereiro 28, 2020

Deus ou placebo? A natureza responde

      “Portanto, pelos seus frutos os conhecereis. Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus.” Mateus 7.20-21

      Religião, é Deus ou é placebo? Será que isso importa? Mas aí teríamos que admitir que os fins justificam os meios, talvez o que o homem necessite seja só um lugar para colocar sua fé. Você, cristão protestante ou evangélico, se acha melhor? Acha que diferentemente de católicos e outros religiosos você coloca tua fé em algo superior, na verdade, em Deus? Pois nem é preciso um microscópio para aferir tuas crenças, a olho nu podemos verificar que muitos protestantes e evangélicos só seguem seitas, e não o autêntico evangelho de Jesus. Você discorda? Muitos creem porque não conhecem, não conhecem porque não gostam, não gostam porque não conhecem, e não conhecem porque acham que basta crer (não fui redundante, algumas pessoas é que são).
      Não confundamos as coisas, quem é incognoscível é Deus, não as religiões e seus líderes, quem se torna cada vez maior e mais profundo é Deus, não os homens, assim alegar que é preciso crer nas tradições, nas doutrinas, nos pastores e padres, sem fazer crítica, é um grande equívoco. Contudo, à medida que evoluímos no conhecimento de Deus, tudo o mais se torna menor, e aí, sim, podemos até fazer parte de religiões, de denominações e de igrejas, mas para abençoar as pessoas, não esperando que tudo isso tenha algo de fato excelente para nos guiar. Quem vive e adquire humildade compara teoria com prática e não se afasta de Deus, mas passa a não dar tanta importância a homens, aprende a diferenciar placebo psicológico de Deus, enquanto se fortalece ainda mais no altíssimo e se maravilha com sua verdade. Após essa palavra introdutória, vamos agora à reflexão.

      “Ouvi a palavra do Senhor, vós filhos de Israel, porque o Senhor tem uma contenda com os habitantes da terra; porque na terra não há verdade, nem benignidade, nem conhecimento de Deus. Só permanecem o perjurar, o mentir, o matar, o furtar e o adulterar; fazem violência, um ato sanguinário segue imediatamente a outro. Por isso a terra se lamentará, e qualquer que morar nela desfalecerá, com os animais do campo e com as aves do céu; e até os peixes do mar serão tirados.” “O meu povo foi destruído, porque lhe faltou o conhecimento; porque tu rejeitaste o conhecimento, também eu te rejeitarei, para que não sejas sacerdote diante de mim; e, visto que te esqueceste da lei do teu Deus, também eu me esquecerei de teus filhos.” Oseias 4.1-3,6

      A um país como o Brasil, onde existe uma quantia enorme de religiosos protestantes e evangélicos (se não for a maioria, ainda que a mídia e pesquisas oficiais digam que não), cristãos que acham que elegeram (enfim) um presidente que lhes é “simpático”, onde templos se enchem com música, onde ser crente virou moda e ninguém mais tem vergonha de se admitir como tal, a esse país fazemos uma pergunta: de fato temos na prática vidas de reais filhos de Deus? (E digo filhos no sentido doutrinário protestante-evangélico, onde se torna filho só o realmente convertido a Cristo). 
      A violência e a criminalidade aumentam dia a dia, os sistemas públicos de saúde, ensino, segurança e infra-estrutura básica de água, esgoto e energia, estão em estado lastimável. Zilhões de reais foram e são roubados sendo que poucos respondem judicialmente por isso, e em todas as esferas, não só na federal, mas nas estaduais e principalmente nas municipais. Não, a realidade do Brasil não mostra um país de maioria cristã (e é maior se juntarmos aos protestantes-evangélicos os católicos), mas revela um povo que está sofrendo o pesar da mão de Deu, pesar que se evidencia na natureza.
      Não, Deus não vai descer do céu e mostrar sua vontade (não ao menos por enquanto?), mas as chuvas fortes corroem as encostas montanhosos, destroem encanamentos e invadem as cidades, as matas são queimadas, o ar é poluído, e o homem, que por egoísmo e ganância usou suas riquezas para prazer e ostentação pessoal, colhe a “vingança” das forças naturais da Terra que nunca esquece o mal que lhe é feito. Se o apocalipse ocorrerá será por meio da natureza, ela sim pode fazer desse mundo um inferno, até que depois de milhares de anos se recupere e faça de novo da Terra um paraíso.
      O que as pessoas querem, Deus ou só um placebo no qual elas creem e acham satisfação? Bem, placebos podem até consolar a alma, e até curar o corpo, pois colocam em ação leis universais e poderosas, mas eles não são o Pai dos Espíritos. Como tais, não oferecem o que só Jesus dá, um contato direto com o Deus santíssimo e altíssimo que permite conhecimento e experiência diferenciados, superiores, que de fato conduzem o ser humano não só a uma vida satisfatória no plano físico, em harmonia com a natureza e com a sociedade, mas a uma eternidade em paz com o melhor de Deus. 

quinta-feira, fevereiro 27, 2020

“Não li e não gostei”??

     “Não julgueis, para que não sejais julgados. Porque com o juízo com que julgardes sereis julgados, e com a medida com que tiverdes medido vos hão de medir a vós.Mateus 7.1-2

      O evangelho que liberta o espírito e abre a alma não tem feito esse efeito em muitos cristãos, que acham que por crerem numa verdade maior têm o direito de julgar muitas coisas sem que se darem ao trabalho de conhecerem essas coisas. Esse é só mais um dos maus efeitos de uma interpretação legalista da Bíblia. Esse julgamento se faz principalmente com as outras religiões, muitos evangélicos, e principalmente pastores e pregadores, dizem sobre textos espiritualistas que não são bíblicos, “são coisas do diabo, nem devem ser consideradas”. Principalmente os líderes, deveriam dar-se ao trabalho de conhecer um pouco mais sobre textos budistas, muçulmanos, ocultistas, e mesmo sobre livros considerados apócrifos pelos protestantes. 
      Muitos, se forem honestos e se esforçarem um pouco, surpreenderiam-se com a sabedoria que textos como o Baghavad Gita ou os livros de H. P. Blavastky possuem, e eu não estou dizendo aqui que isso é de Deus e que aquilo é do diabo, mas só que deveríamos ser maia livres e abertos, virtudes que o evangelho pode dar àqueles que realmente o vivem. Muitos evangélicos afirmam, “mas eu posso julgar religiões e textos porque possuo a verdade, enquanto que os outros possuem mentiras” (que arrogância sem noção e muito comum). Bem, do que é melhor se exige mais, e não menos, do que experimenta a verdade de Deus se exige amor, paciência, sabedoria e respeito, e não ao contrário, se é que de fato vivem tudo isso. 
      Se nós evangélicos julgamos os outros sem conhecer mais profundamente, demonizando e maldizendo, que direito temos nós de reclamar quando os outros dizem que somos tapados, extremistas, ignorantes, quando nos julgam injustamente? O igual não pode julgar o igual, é preciso ter uma referência mais alta para ter uma visão melhor e poder analizar com justiça, só Deus tem essa visão de tudo e todos, mais ninguém. Mas o que julga mal se coloca no máximo no mesmo nível de quem julga, assim “evangélicos” que demonizam sem conhecer se colocam no nível de demônios acusadores. A verdade é que ninguém deveria fazer qualquer julgamento, com relação à religião diferente da sua, e muito menos os cristãos.
      O que está num nível espiritual mais elevado não tem o direito de excluir, mas o dever de agregar, não tem o direito de julgar mal, mas o dever de respeitar, não tem o direito de falar, mas o dever de ouvir. Agregar, respeitar e ouvir é melhor que excluir, julgar mal e falar. Não estou dizendo que devemos sair lendo textos sagrados de outras religiões, isso não é para todos, a Bíblia deve ter prioridade para a maioria, conhecê-la e vivê-la, e muitos não têm tempo nem para isso. Mas aqueles que têm tempo e são chamados (por Deus e não por mera curiosidade) conheçam mais outras religiões e ensinem isso aos outros. Isso fará a eternidade melhor (menos surpreendente), assim como poderemos viver mais dela ainda aqui.
      A verdade revela, mas a mentira pode revelar ainda mais, pois ela revela, nas entrelinhas, aquilo que se quer esconder, e o que se quer esconder é verdade mais profunda sobre as coisas. Uma frase ficou famosa na mídia, “não li e não gostei”, como alguém pode dizer que não gosta de algo que não conheça? Tratando-se de espiritualidade esse assunto vai bem além do que aquilo que muitos cristãos entendem, lendo de maneira superficial a Bíblia. Mas esses na verdade não estão prontos para muitas verdades, é melhor que permaneçam na ignorância, Deus, em sua graça, os ama e cuida deles mesmo assim. O mundo, todavia, seria muito melhor se fizéssemos mais que o mínimo para receber o favor do altíssimo. 
      Jesus, ele é o mais importante, ele é imprescindível, ele é único, e não só como um exemplo de prática e mestre da melhor forma de se viver em comunhão com Deus, com nós mesmos e com as pessoas, mas como o salvador singular e suficiente. Se há necessidade de um salvador é porque existem pessoas que precisam ser salvas, e essa é a mensagem da Bíblia, na velha e temporária aliança mosáica, mas principalmente na nova e eterna aliança do evangelho. Essa é a relevância que muitas religiões, ainda que respeitem e compartilhem os ensinos de Cristo, não mostram, Jesus salva e com ele temos acesso direto ao altíssimo, santo, verdadeiro e único Deus. Nenhum outro texto sagrado, além da Bíblia, revela isso!

quarta-feira, fevereiro 26, 2020

Problemas que vêm e que não se vão, por quê?

       “Então conheçamos, e prossigamos em conhecer ao Senhor; a sua saída, como a alva, é certa; e ele a nós virá como a chuva, como chuva seródia que rega a terra.” Oseias 6.3
 
     Todos nós já vimos pessoas que possuem problemas que nunca se resolvem, talvez eu e você sejamos uma delas. Por que isso ocorre? Podemos listar três motivos. O primeiro é que ainda que a pessoa esteja sofrendo, ou exagerando o sofrimento, pensando que vive um dilema insolúvel, o problema na verdade é passageiro, logo será resolvido, ela louvará a Deus e será feliz. O segundo motivo pode ser porque a pessoa definidamente não está dando ouvidos à voz de Deus, que está mostrando a solução mas a pessoa não quer obedecer. O terceiro motivo pode ser porque só com um problema sem solução a pessoa consegue andar no caminho estreito da vontade de Deus para ela, se determinado problema for resolvido de forma definitiva a pessoa simplesmente se perderá e se afastará do melhor caminho para sua vida.
      Reflitamos mais no terceiro motivo, bem, nele o problema não é um problema, mas o tal “espinho na carne”, descrito por Paulo em II Coríntios 12 e tantas vezes já citado aqui neste espaço. Sim, Deus não resolve certos problemas não porque não possa, mas porque nós não podemos conviver com eles solucionados, assim, ou aprendemos a viver com certos limites ou alcancemos um nível de humildade mais alto que nos possibilite certas liberdades sem que nos percamos na vida. Sim, libertações, soluções de problemas nos deixam mais livres, mas será que podemos conviver com a liberdade, somos espirituais o suficiente para isso? A maioria de nós não é, eu não sou, eu admito, por isso tenho problemas insolúveis, suas existência me fazem depender mais de Deus. Nesse ponto da reflexão é importante que nos façamos uma pergunta: qual é nosso maior objetivo de vida? Ter problemas resolvidos ou conhecer a Deus?
      Muitos só buscam religiões, igrejas, vida “espiritual”, “Deus”, para terem problemas resolvidos, e na maior parte das vezes, problemas materiais. Muitos querem emprego, casamento, dinheiro no bolso, mas não conhecimento íntimo do altíssimo. Isso está certo, está errado, é o melhor, o pior? Nem farei juízo de valor, cada um que faça suas escolhas, só saiba que essa vida é curta, a eternidade no espírito (que é eterna), cobrará de nós as melhores escolhas. O verdadeiramente espiritual, contudo, não se preocupa com recompensas, com soluções, antes age corretamente, se esforça e faz seu melhor, mas só para adorar a Deus. Para ele problemas de verdade não existem, apenas oportunidades de conhecer mais a Deus para depois poder louva-lo pela sua maravilhosa providência. 
      O ponto é que o sim de Deus nos permite um crescimento na fé, mas um não nos permite um crescimento maior ainda, muitos, infelizmente, acham que só alcançam o máximo quando recebem um sim, e que se receberem um não é prova de que precisam, não aceitar uma realidade em humildade, mas de mais fé. Todavia, quando Deus diz não, nem a maior fé do mundo pode mudar isso, isso não é razão pra desistir, mas motivo para alcançar um novo nível de intimidade com o Senhor. Sim, alguns problemas não se resolvem porque não são para serem resolvidos, mas para que cresçamos, deixemos de ser filhos infantis e mimados e então confiemos mais em Deus, em humildade e fidelidade. Se eu ou você ainda não entendemos isso, é melhor entendermos e aceitarmos o quanto antes, senão nossas vidas ficarão empacadas numa infelicidade que na insistência pode nos levar mesmo a negar o evangelho. 

terça-feira, fevereiro 25, 2020

Não tenha medo de recomeçar

      “Eis que a mão do Senhor não está encolhida, para que não possa salvar; nem agravado o seu ouvido, para não poder ouvir. Mas as vossas iniquidades fazem separação entre vós e o vosso Deus; e os vossos pecados encobrem o seu rosto de vós, para que não vos ouça.Isaías 59.1-2

      A vida se vive vivendo, nessa experiência muitas vezes erramos, fazemos escolhas ruins, contudo, ter a humildade de pedir perdão, a Deus, às pessoas e a nós mesmos, e então seguir em frente, é condição importante de quem quer aprender com seus erros e acertar. Em alguns casos, todavia, cometemos erros grandes, que nos levam a quebrar alianças com grupos sociais, com família, com igrejas, erros que poderão nos estigmatizar para sempre diante de muitas pessoas. Erros assim, maiores que deveriam ser, têm consequências, algumas bem duras, com as quis teremos que conviver para sempre, e algumas pessoas, mesmo dentro de igrejas cristãs, não nos perdoarão, sim, por incrível que pareça, aqueles que mais pregam perdão são os que mais podem nega-lo a nós. 
      Mas ainda assim não culpemos as pessoas, algumas simplesmente têm limites, antes reconheçamos que se isso aconteceu foi porque nós pisamos muito na bola, não podemos mudar as pessoas, nem precisamos, não daremos satisfação a Deus por elas, mas podemos mudar a nós mesmos e isso basta. Assim, se esse for teu caso, se cometeu um erro muito significativo, assuma o erro, em primeiro lugar diante de si mesmo e depois diante de Deus, perdoe-se e tome posse do perdão do Senhor, mas esteja consciente das consequências e não fuja delas. Contudo, em algumas circunstâncias, quando o copo de leite já foi derramado de maneira irremediável, o melhor a se fazer é nos afastarmos do grupo social em que vivemos, mesmo da igreja, e algumas vezes até da cidade em que moramos.
      Precisamos nos dar ao direito de recomeçar, de construir uma nova vida em outro lugar, não guardemos mágoa dos que não nos perdoaram, mas nos afastemos deles. Para isso muitas vezes teremos que abrir mãos de direitos que tínhamos, de posições sociais que tínhamos, de importâncias que gozávamos e que algumas vezes nunca mais teremos de volta. Alguns, não querendo abrir mão de honra, preferem mentir para a sociedade, para a igreja, ou então, ainda que assumam o pecado, teimam em permanecer perto de algumas pessoas, isso pode só dificultar um restabelecimento, a retomada de uma nova vida. Contudo, afastar-se pode ser a melhor solução, assim se você está passando por uma situação ou se conhece alguém que está, tome essa decisão ou aconselhe alguém a decidir assim. 
      Interessante como muitas vezes somos cheios de coragem para errar, mas medrosos para acertar. Em tantos anos seguindo a Jesus já vi muita hipocrisia dentro de igrejas, principalmente com aqueles que cometem o erro taxado de adultério, vi irmãos e pastores, antes, próximos, se afastarem, condenando o caído para sempre no pecado e nada fazendo para recupera-lo. Muitas vezes reconciliação com os excônjuge é inviável, sim, a vontade ideal da doutrina baseada na Bíblia é um casamento e para sempre, mas a realidade é bem mais complicada. Assim, precisamos aprender a andar com as pessoas em amor, parar de acreditar em mágicas, ainda que chamemos de milagres, e entender que crescer como cristão é processo que leva tempo, toda uma vida, ninguém condene ninguém a um inferno eterno.
      Contudo, vai um conselho, tome cuidado com julgamento precipitado, com preconceito, o tempo é senhor, a experiência amarga que alguém teve hoje amanhã pode ser a tua, “aquele, pois, que cuida estar em pé, olhe não caia“ (I Coríntios 10.12). Mas a verdade é que a vida é longa, não condenemos  alguém ou a nós mesmos, nem antes do tempo e nem depois, sempre há tempo para recomeçar. Se o erro foi no casamento, você fez tudo o que podia para restabelecê-lo e não conseguiu, recomece, usando a experiência ruim como aprendizado. Se o erro foi na área profissional, às vezes é até o caso de fazer uma nova faculdade, de mudar de área, e seja qual for o erro, pode ser o caso de mudar de ares, de cidade, de estado, às vezes até de país, isso pode nos dar a chance, não de fugir de nós mesmos, mas de nos encontrarmos com o nosso melhor.

segunda-feira, fevereiro 24, 2020

Em Babilônia, orai por sua paz

      “E procurai a paz da cidade, para onde vos fiz transportar em cativeiro, e orai por ela ao Senhor; porque na sua paz vós tereis paz.” Jeremias 29.7

      O texto inicial não fala historicamente da melhor situação para o povo de Israel, relata a orientação que Deus deu a seu povo no antigo testamento para uma experiência de cativeiro, cativeiro que não teria como o povo sair antes que setenta anos tivessem passado (leia todo o capítulo para maior entendimento). A Bíblia, contudo, sob a ótica do Espírito Santo e com algum entendimento de texto e histórico mais lúcido, pode nos ensinar várias coisas e sob diversas camadas de interpretações. 
      Aplicando o texto para nossas vidas, não vendo Babilônia como volta a uma vida de pecado (a metáfora “volta ao Egito” e mais adequada para isso, Babilônia pode se aplicar melhor a um período de disciplina), mas entendendo que ainda que sejamos filhos de Deus, neste mundo nunca teremos uma vida perfeita, mesmo não estando em períodos de disciplina, a vida ideal só existirá na eternidade, podemos aprender com a passagem que certas coisas aqui não vão mudar, coisas, por exemplo, como a política. Assim, o melhor que temos a fazer é aceitar certas situações e pessoas e orar, não por mudanças radicais, mas para que dentro do sistema mundano as coisas não prejudiquem tanto o povo de Deus. 

      “Mas nós, segundo a sua promessa, aguardamos novos céus e nova terra, em que habita a justiça. Por isso, amados, aguardando estas coisas, procurai que dele sejais achados imaculados e irrepreensíveis em paz.II Pedro 3.13-14

      O povo de Deus precisa entender a tênue linha que separa uma vida de fé e de confiança num Deus que pode tudo e que a todos governa, com a vontade de Deus de usar esse mundo, diabos e demônios, para dar às pessoas oportunidades de escolherem viver com Deus, ainda que por “70 anos” (é isso não é um período cronológico real mas uma metáfora, um mistério) Babilônia e seu rei dominem, de alguma maneira, sobre o povo de Deus. Muitos achando-se espirituais são na verdade imaturos e rebeldes, que querem mudar “em nome de Deus” algo que Deus não vai mudar por enquanto, não pelo menos em “70 anos de cativeiro”. 
      A verdade, que até se reforça na história real de Israel e que entrega uma metáfora muita mais realista e reveladora, já que até o fim da história relatada na Bíblia, Israel (ou a tribo restante de Judá) nunca teve novamente o tempo de glória que teve no tempo de Davi e Salomão, é que o povo de Deus debaixo da nova aliança de Cristo neste mundo nunca deixará de viver numa Babilônia, nossa Canaã real é na eternidade, é espiritual. Quem ora, por exemplo, para que o Brasil se torne uma Canaã perde tempo. O que podemos fazer é seguir a orientação dada no livro de Jeremias, isso enquanto aguardamos novos céus e nova terra prometidos na segunda carta de Pedro.

domingo, fevereiro 23, 2020

Sistemas de alarme, não os ignoremos

      “Sede sóbrios; vigiai; porque o diabo, vosso adversário, anda em derredor, bramando como leão, buscando a quem possa tragar; Ao qual resisti firmes na fé, sabendo que as mesmas aflições se cumprem entre os vossos irmãos no mundo.I Pedro 5.8-9

      A dor é um sistema de alarme, se não existisse não seríamos avisados que algo de errado ocorre com o nosso corpo para então tomarmos uma atitude de busca de ajuda, de cura e de medicação. Como ocorre com nosso corpo físico também ocorre com nossa mente, depressão e outros desconfortos mentais nos indicam que nosso psicológico precisa de ajuda, mostram que algo de errado ocorre com nossas faculdades mentais e que precisamos urgentemente arrumar algo que não está certo. Se problemas físicos podem ser mais fáceis de serem diagnosticados e tratados, os mentais não são, tanto são de cura mais complicada como podemos ser mais morosos para resolvê-los.
      Contudo, somos dotados também de sensibilidade espiritual que quando nos infringe algum desconforto indica que algo errado ocorre com nosso espírito, com os espaços espirituais em que vivemos ou com as vidas espirituais das pessoas com as quais nos relacionamos. Nesse plano, medo pode não constituir uma fraqueza, mas pode ser um sistema de proteção que foi ativado, veja que nesse caso nosso corpo e nossa mente podem não estar necessariamente sendo prejudicados, não imediatamente, mas mesmo eles poderão ser, caso não tomemos a atitude, que espiritualmente estamos sendo avisados para tomar, através do medo. Contudo, se com relação à mente há de se ter cuidado, com o espírito mais ainda.
      Nem todo medo é espiritual, nem todo medo é legítimo, nem todo arrepio é reação a demônios, isso pode ser só algum equívoco criado pelas complexidades emocionais de nossas almas, psicose é doença, não é habilidade, assim não generalizemos. Medo, contudo, pode ser, sim, o Espírito Santo em nosso espírito nos mostrando que algo está errado e que nós precisamos tomar algum tipo de atitude. A atitude pode ser orar especificamente sobre um assunto, pode ser fazer algum tipo de repreensão espiritual sobre nossas vidas, sobre lugares ou sobre vidas de outras pessoas, assim como pode ser evitar algum tipo de situação, sair de algum lugar, não ir a um, ou mesmo não se encontrar ou se encontrar com alguém.
      A verdade é que se estamos com as vidas certas com Deus e se certo medo é insistente e claro, aparecendo em certos lugares ou com certas pessoas, não devemos desprezar sua sensação, a presença de atuações demoníacas causa medo, mesmo terror, o cristão maduro saberá discerni-la. Assim, se for o caso, o medo não é para que nos sintamos enfraquecidos, nem para que saiamos fugindo ou que enfrentemos algo de qualquer maneira, mas ele pode estar nos avisando de que algo está ocorrendo no plano espiritual e que devemos e podemos agir. O mais importante é usar o sentimento como sistema de alarme, não nos prendermos a ele, ainda que ele seja muito intenso, o justo viverá pela fé e fé no nome de Jesus.
      Mas cuidado, nem todo medo espiritual deve ser enfrentado sozinho, assim como certas dores físicas e emocionais podem não ser vencidas com remédios comprados sem receita ou com simples descanso, antes precisam de ajuda de profissionais da área médica adequados, alguns problemas espirituais podem requerer ajuda de pastores e de outros irmãos em Cristo para serem resolvidos. Dessa forma, na dúvida, não enfrente a opressão espiritual sozinho, procure ajuda de cristãos sérios e de confiança, mas não ignore certos medos terríveis que muitas vezes sentimos, ainda que pareçam sem explicação racional. O Espírito Santo que habita os filhos de Deus os ajuda, os orienta, os ensina e os livra, sejamos então obedientes a ele. 
      Alguns, irmãos sinceros e sérios, mas que tentam viver um bom cristianismo de maneira mais intelectual, materialista (ainda que não carnal), podem não acreditar tanto no mundo espiritual como na sensibilidade que o Espírito Santo nos dá sobre ele, mas vejam o que diz o texto inicial. Se a presença espiritual do diabo ao nosso redor é tão forte assim, como o Espírito Santo não nos daria auxílio contra ele, sensibilidade de sua presença a tempo de tomarmos uma decisão de retaliação? Uma sensação de medo pode ser, sim, Deus nos avisando, mesmo arrepios muito fortes, não zombem disso, também, repito, não generalizem, mas creiam, o diabo pode ser sentido para ser então repreendido no poder do nome de Cristo!

sábado, fevereiro 22, 2020

Quão frágeis somos nós neste mundo...

      “O coração do homem pode fazer planos, mas a resposta certa dos lábios vem do Senhor. Todos os caminhos do homem são puros aos seus olhos, mas o Senhor pesa o espírito.” Provérbios 16.1-2

      Como fazemos planos, sonhamos, adquirimos certezas, andamos no caminho certos de onde queremos chegar, seja para o bem, seja para mal. Com o tempo, quando nos envolvemos por completo na roda viva da vida, nos sistemas do mundo, seja em nossa profissão, ou mesmo nas igrejas e nos lares, nos acostumamos a olhar horizontalmente, ainda que oremos e acreditemos em Deus, e nessa ótica um planeta de homens passa a ser nossa ocupação, num plano basicamente físico. Nossos inimigos são os seres humanos, assim como nossos amigos, nossos obstáculos estão fora de nós, e ainda que usamos o diabo e seus demônios como adversários, adquirindo uma visão mais espiritualizada da existência, não pensamos na morte. 
      Isso não está errado, faz parte de nosso instinto, é o que nos leva a seguir em frente e vencermos obstáculos, contudo, o indicador do nosso equilíbrio entre corpo e espírito, está no quanto somos surpreendidos pelas verdades eternas, aquelas, que seja qual for nossa posição social, financeira, cultural ou religiosa, afetam a todos indiscriminadamente. Isso nos faz pensar numa frase que os mais antigos costumavam usar, “se Deus quiser”, concordando que algo só se realizaria se Deus quisesse, frase dita quando um compromisso era combinado, “amanhã então eu estarei aí, se Deus quiser”. Atualmente  muitos perderam esse temor, essa sabedoria, por isso tantos se veem surpreendidos pela vida, caem em tanto desespero e recorrem a tantos meios de consolo que não é a confiança de que Deus sabe o que faz, por maior que seja a dor e a surpresa.

      Em 26 de janeiro de 2020, em Calabasas na Califórnia/EUA, por volta das dez horas da manhã, horário local (dezesseis horas de Brasília), num desastre de helicóptero, morre Kobe Bryant, jogador de basquete norte-americano, aos anos 41 anos, junto dele morrem mais oito pessoas  entre as quais sua filha, Gianna Bryant de 13 anos. Testemunha disse que a aeronave pareceu perder o controle e quase que imediatamente explodiu no ar numa bola de fogo, sem chances de escape ou sobrevivência. 
      O pai de Kobe, Joe Bryant, também tinha sido jogador de basquete, mas Kobe era considerado um dos melhores de todos os tempos com cinco títulos de campeão na NBA, dois olímpicos e com dois números de camisas “aposentadas” num time, a 8 e a 24 no Lakers de Los Angeles (no basquete dos EUA, quando um jogador é muito bom, o número de camisa que ele usava não é usado mais como forma de homenagem). Além disso, sua filha também falecida, era jogadora de basquete, considerada prodígio, promessa de ser grande. 

      Acontecimento muito triste, para o homem e para o profissional, para sua família e para os fãs de basquete em todo o mundo, ele nos faz refletir profundamente na vida (e na morte). O homem vislumbra a história, contempla seus louros, toma posse de suas virtudes, olha para trás e para frente, mede o tempo, e se acha livre, sim, com as melhores das intenções e de forma legítima, baseado em muito trabalho honesto. Contudo, vem a morte e cessa tudo, põe um final nos planos, retira do mundo dos vivos alguém que em seu auge parecia um semi-deus, eterno e glorioso, leva-nos a encarar nossa fragilidade e a inexorável vontade de um ser espiritual maior, eterno, alto, que muitos chamam de Deus. 
      Por mais triste e frustrante que seja um acontecimento assim precisamos aprender com ele algo bom, algo que faça com que sigamos vivendo aqui mais preparados para a vida lá, na eternidade. A vida é uma ilusão? Para nós, sim, alguns dizem que a existência material é só um sonho de Deus, e como sonho não é eterno nem de fato real, um dia se acorda dele e tem-se que enfrentar a realidade, lembrando que o sonho nunca é nosso, mas do divino superior. Assim, vivamos não como donos, mas como quem só tomou coisas emprestadas por um tempo, e quem emprestou não cobra nada por isso a não ser a noção de sabermos que alguém muito maior que nós nos fez esse empréstimo para que aprendêssemos algumas coisas. 
      Se é melhor não darmos à vida encarnada tanta importância, também não é sábio desprezarmos todas as manifestações materiais, a melhor das espiritualidades se prova no equilíbrio. O equilibrado não baseia-se no mundo, não constrói aqui, ainda que o melhor e do melhor jeito, esperando recompensa aqui. Por outro lado o equilibrado também não se liberta dos desejos carnais e vive uma vida humilde e de ajuda ao próximo esperando recompensa na outra vida. O equilibrado vive na matéria, de forma satisfatória e com muito trabalho buscando prosperidade, assim como ama as virtudes espirituais e pratica a caridade, mas sempre sem esperar recompensa, seja no mundo ou na eternidade.
      O equilibrado cumpre seu dever sem esperar recompensa alguma, mas apenas para adorar a Deus, esse é o mistério espiritual mais alto e mais difícil de se entender e muitos passam a vida como religiosos fiéis e ainda assim não entendem isso. Ser livre é estar liberto de tudo, mas isso não significa fazer ou deixar de fazer alguma coisa, mas só não esperar ser honrado, seja pelos homens ou por Deus, seja nessa vida ou na outra, por ter feito algo. Só esse desprendimento conduz à mais eterna paz e à adoração mais pura ao Altíssimo Senhor. Esse aprendizado fará toda a diferença na consciência que levaremos para a eternidade, ele é adquirido por Jesus e no Santo Espírito, com uma vida de fato em comunhão com Deus. 

sexta-feira, fevereiro 21, 2020

Bíblia, o início, não o fim

      “Os propósitos do coração do homem são águas profundas, mas quem tem discernimento os traz à tona.” Provérbios 20.5

         Hoje uma reflexão sobre a chamada do espaço “Como o ar que respiro”, que como já dissemos não é principalmente para estudos bíblicos ou palavras de triunfalismo espiritual, mas de filosofia. Quem acompanha o blog já entendeu isso e é alimentado por essa chamada, quem lê uma postagem aqui e a acha estranha, bem, procure outro espaço, que diga aquilo que você deseja ouvir. Quanto a mim, o Espírito Santo fala e me leva a pensar sobre coisas dos homens, da vida e de Deus, coisas que muitas vezes não começam especificamente num texto bíblico, nas histórias de personagens da Bíblia, e coisas que muitas vezes tenho dificuldade para achar uma passagem bíblica que complete o pensamento (às vezes não é fácil, mas Deus sempre me dá um texto apropriado, ainda que eu não faça um estudo profundo nele, principalmente do contexto histórico).
      Muitos podem criticar isso e usar um ditado “evangeliquês” que diz que alguns leem o texto, até o explicam mas não o aplicam de forma correta, bem, eu acredito que a Bíblia não é o fim, mas o início. Não devemos lê-la e nos limitar às suas aplicações tradicionais muitas vezes ligadas a um contexto social e cultural que não diz respeito à nossa realidade. Nesse aspecto a letra é morta, mas o Espírito Santo é vivo, e é ele quem a própria Bíblia se refere como sendo a palavra de Deus. Não devemos confundir o termo “palavra de Deus” com aquele usado principalmente no Antigo Testamento, esse se refere às leis mosáicas, ao Torá, ao Pentateuco, que constituíam as únicas orientações que a nação de Israel tinha na velha aliança para obedecer a Deus, visto que o Espírito Santo só haveria de permanecer para sempre nos corações dos homens após a obra redentora de Jesus. 
      Assim sou levado, pelo Espírito Santo, a palavra viva de Deus em nós, e como cristão verdadeiro e que ama a Bíblia, a chegar a conclusões como as de várias reflexões deste blog, ainda que não a partir diretamente da Bíblia, pelo menos não superficialmente. Muitos assuntos atuais, e sobre os quais Deus nos quer orientar, não acham textos bíblicos diretos que nos orientem a respeito, não estão na Bíblia, mas ainda assim nos podem ser orientados por Deus através do Espírito Santo. Repito, a letra é morta, porque pode iniciar-se e findar-se num contexto, mas o Espírito Santo é vivo, e esse não se limita ao contexto histórico da Bíblia, esse pode ensinar a todos os homens de todos os tempos, contextualizando Deus e ainda assim não desviando o homem, não de religiões, de tradições ou de outros homens, mas do Deus verdadeiro.
      Quem não tem interesse em que o Espírito Santo, e não a Bíblia em si, seja entendido como a palavra de Deus, são os maus líderes cristãos, começando pelo clero católico, desde sempre, e continuando pelos pastores, protestantes e evangélicos. A Bíblia é uma palavra escrita, algo físico, material, nada pode ser adicionado ou subtraído dela, assim o que as pessoas devem saber através dela pode ser controlado pelos líderes. Contudo, o Espírito Santo não está preso a um livro, a um objeto, mas ele é livre para atuar em todos os corações que o buscam, isso os maus padres e pastores não podem controlar. Quem não pode ser controlado pode pensar “fora da caixinha”, assim pode verificar a verdade da vida dos homens com referências realmente de Deus, isso não interessa a quem quer controlar para manipular, prender, limitar, explorar e usar.
      O texto inicial de Provérbios 20.5 é um dos meus textos favoritos da Bíblia, e ele fala justamente sobre isso, pensar mais profundamente nas coisas para chegar às melhores conclusões. Ele nos mostra que nem tudo é aparente, dito explicitamente, mas muita coisa é escondida, mesmo envolta em mistérios para ser guardada dos tolos, há de se ter sabedoria para conhecer os mistérios, da Terra e dos céus, dos homens e de Deus. Contudo, é sabedoria espiritual no Espírito Santo, não sabedoria humana, seja meramente intelectual ou pura malícia, que é a sabedoria às avessas. Águas profundas ensinam que há de se ter um trabalho para transpor as camadas, mas essas mesmas camadas não são de pedras, mas aquosas, só impedem o olhar físico, não o espiritual. Quando entendemos que a Bíblia deve ser o fundamento, o início de nosso conhecimento espiritual, não o fim, aprendemos a ver abaixo e acima das águas. 

quinta-feira, fevereiro 20, 2020

Mesquinhez humana

      “Rogamo-vos, também, irmãos, que admoesteis os desordeiros, consoleis os de pouco ânimo, sustenteis os fracos, e sejais pacientes para com todos. Vede que ninguém dê a outrem mal por mal, mas segui sempre o bem, tanto uns para com os outros, como para com todos. Regozijai-vos sempre.” I Tessalonicenses 5.14-16

      É triste como a maioria de nós perde boa parte do tempo brigando por bobagens, principalmente nas famílias, entre cônjuges, como arrumamos encrenca por coisas pequenas, eu estou enganado com relação a isso? Sou só eu que erro assim? Acho que não. Mas a verdade é que muitas vezes nos achamos fortes, inteligentes, espirituais, mas ainda assim nos ocupamos mais com mesquinharias que com coisas realmente importantes, ainda que sejam problemas, problemas de fato grandes cuja solução pode fazer bem a muita gente e por mais tempo. 
      Ocorre é que a maioria de nós se desestabiliza facilmente, ainda que se veja diferente, importante, por pouca coisa perde a paz. Se alguém, que consideramos menor, que se ocupa com coisas que para nós são coisas pequenas, se esse alguém nos incomoda com facilidade, com seu modo de ser, de falar, de reagir e agir, então nós não somos tão grandes assim, somos tão pequenos quando aqueles que nos desestabilizam. Se um “inimigo” nos vence é porque tem pelo menos a mesma força que nós, a mesma inteligência, as mesmas habilidades. 
      Essa disposição constante de animosidade pode se tornar um vício, tão frequente que acabamos nos acostumando com ele, nem o percebemos mais. No ceio familiar quem sofre com isso são os filhos, que convivendo com tanta neurose acabam ficando neuróticos também. Essa crítica alheia obsessiva tem várias caras, exigência demasiada de perfeição, baixa auto-confiança, pessimismo exacerbado, enfim, exigir-se demais de nós que acaba fazendo com que exijamos demais dos outros um grau de qualidade tão irreal quanto desnecessário, perfeito só Deus. 
      Seja mental ou espiritual essa disposição cria um clima opressivo, onde se perde o prazer das pequenas alegrias, se esquece da vida simples e suficiente, tudo sempre parece um grande tribunal com um juiz prepotente e frio que vê as pessoas como máquinas frias que devem funcionar sempre perfeitamente, não como seres humanos limitados e falíveis. Como tem gente nessa prisão, que foi criada assim e que por não conseguir se libertar disso cria seus filhos também assim, numa bola de neve ladeira abaixo, crescendo e machucando todos os que acha pelo caminho. 
      Vícios não são fáceis de serem largados, mas isso pode ser feito, com vontade. O primeiro passo é assumir que o problema existe, pedir perdão e tomar diante de nós mesmos, de Deus e das pessoas, uma decisão de mudança. A decisão deve ser em primeiro lugar mental, uma convicção firme de mudança, se ela for verdadeira tocará o nosso coração, os nossos sentimentos e entenderemos que a vida é melhor sem o vício, que ocupar o tempo todo com mesquinhez, brigar por qualquer coisa não é bom, não leva à nada. Se vigiarmos nessa decisão teremos vitória.

quarta-feira, fevereiro 19, 2020

Carentes ou indiferentes?

      “E Jesus respondeu-lhe: O primeiro de todos os mandamentos é: Ouve, Israel, o Senhor nosso Deus é o único Senhor. Amarás, pois, ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento, e de todas as tuas forças; este é o primeiro mandamento. E o segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Não há outro mandamento maior do que estes. Marcos 12.29-31

      Algumas pessoas se apaixonam por nós rápida e demasiadamente, mas não se iluda com elas, rapidamente se apaixonarão demasiadamente também por outros. Outras pessoas nos desprezam sem nos darem a chance de sermos melhores conhecidos, mas não se iluda também com essas, elas desprezam quase que a todos. Nos relacionando com ambos os tipos de pessoas, o problema não está em nós, necessariamente, mas nelas, são elas que são volúveis ou frias, isso não significa que não possamos nos relacionar com elas, mas significa que não devemos levar tais pessoas tão a sério, temos que tomar cuidado e não nos iludirmos com elas. 
      É fácil, contudo, criticar os outros, mas e quanto a nós, somos extremistas assim, gostamos muito facilmente ou nos distanciamos sem critério? Todos temos tendências obsessivas, no extremo sempre há um abrigo mais rápido que no centro, nos faz procurar leis e obedecer sem ter que pensar muito, gostar sempre ou desprezar o tempo todo dá menos trabalho que achar um equilíbrio nos relacionamentos. Mas extremos são sempre falsos, ninguém gosta de todo mundo ou consegue manter isso sempre. Veja que não me refiro a amar, como cristãos devemos amar a todos, e em Deus isso é possível, ainda que não gostemos de todos. 
      Por outro lado, ninguém é assim tão diferente que não consiga achar em quem quer seja um ponto de empatia, algo em comum que permita uma afeição. Esse extremo também conduz à falsidade porque na verdade só é uma zona de conforto para aqueles que se sentem magoados demais e têm medo de gostar de novo de alguém e serem feridos. Carentes ou indiferentes, o que somos? No fundo as duas disposições podem ser experiências de uma mesma pessoa, uma é consequência da outra, quem amou sem equilíbrio acaba magoado e então despreza de forma extrema para não sofrer novamente, mas o problema não está nos outros, não o problema que pode ser resolvido, esse está em nós.
      Todavia, uma situação terrível pode acontecer, os extremos podem atraírem-se, assim quem ama sem razoabilidade acaba se apaixonando por quem despreza sem qualquer pudor, nisso cria-se uma relação sado-masoquista que pode durar muito tempo e fazer sofrer muita gente. Num lado está alguém que por amar qualquer um acaba amando quem não o ama, no outro lado está alguém que por desprezar a todos, acha no que ama sem critério uma relação fácil e que não exige esforço. Em Deus há cura tanto para os carentes, quanto para os indiferentes, em Deus há equilíbrio e libertação de obsessões, porque no conhecimento de Deus nós nos conhecemos melhor e nos conhecendo aprendemos a gostar do que de fato nos faz bem. 
      Escolhas erradas só refletem um auto desconhecimento, quem não se conhece escolherá para si coisas erradas, ou só ilusórias, que até dão momentos de prazer, mas que não resistem ao tempo e à vida. Mas falta de escolha em gente que diz falsamente, “estou bem sozinho e não preciso de ninguém”, também é sinal de ausência de auto conhecimento, já que ninguém (ou raramente) é auto suficiente, pelo menos não sempre. Todos precisamos de alguém e alguém sempre existe para fazer alguém feliz neste mundo, por mais que esse alguém seja “diferente”. O segredo é sempre o mesmo, humildade, para conhecer a Deus, a si mesmo e depois um outro ser humano, também humilde que nos fará de fato felizes. 

terça-feira, fevereiro 18, 2020

Todos precisamos de ajuda

      “Não repreendas o escarnecedor, para que não te odeie; repreende o sábio, e ele te amará.Provérbios 9.8 

      Todos nós precisamos de ajuda, mas nem todos nós podemos receber ajuda num determinado momento. Alguns não podem ser ajudados porque ainda não estão preparados para a ajuda, assim perdemos energia em ajudá-los assim como nos arriscamos a ganhar deles inimizades. Outros passaram do tempo de serem auxiliados, aconselhados, até já foram ajudamos, mas não ouviram os conselhos, assim se insistirmos só perderemos tempo.
      O homem paciente e humilde vigia, espera o melhor momento, e quando recebe de Deus ordem, obedece, prontamente, pois aquele que pode ajudar e não ajuda se faz tão rebelde quanto aquele que ouve o bom conselho e não o segue. Mas se agimos no tempo certo, no tempo de Deus, pois Deus mais que todos quer ajudar as pessoas, se fazemos isso receberemos do ajudado afeto e respeito duradouros, pois ele se faz sábio e seguirá o conselho. 
      Sendo a ajuda do cristão não uma palavra ou um bem dele, mas uma graça de Deus, que ele mesmo recebeu em experiência ou mesmo materialmente do Senhor, o que o filho de Deus pode dar não é dele, é de Deus, ele é apenas um mordomo das riquezas divinas. Assim, ajudar quem não pode ser ajudado, quem ainda precisa passar por disciplina de Deus para aprender certas coisas ou que já passou por essa disciplina e não aprendeu, é gastar desnecessariamente o que se recebeu de Deus, é dar “pérolas aos porcos”. 
      Deus não deve ser “vendido” (usando uma palavra ruim, admito) a qualquer preço, antes sua provisão é cara, ainda que quando oferecida seja gratuita, ela custou a vida de seu filho, Jesus. Assim tenhamos cuidado em às vezes querer ajudar só para nos exibirmos como espirituais, como sábios ou como bem financeiramente, repetindo, vaidade espiritual também é vaidade, e a pior delas pois usa o nome de Deus. 
      Por outro lado, se hoje podemos ajudar, amanhã poderá ser nós quem precisa de ajuda, assim plantemos para colher, mas sempre pedindo orientação de Deus sobre como ser bênção nas vidas das pessoas. Isso não é complicar a caridade, mas temer a Deus, visto que o ditado “fazer bem sem ver a quem” não é assim de todo sábio, o amor só é limitado pela justiça, e a justiça deve ser ungida com amor, para que ambos sejam perfeitos em Deus e úteis ao Senhor. 

segunda-feira, fevereiro 17, 2020

Amigos que sempre teremos...

      “E Jônatas e Davi fizeram aliança; porque Jônatas o amava como à sua própria alma. E Jônatas se despojou da capa que trazia sobre si, e a deu a Davi, como também as suas vestes, até a sua espada, e o seu arco, e o seu cinto.I Samuel 18.3-4

      Muitas vezes, só depois dos anos passarem e das memórias se reanimarem, é que entendemos que tivemos bons momentos com amigos especiais e que não os aproveitamos suficientemente. O tempo tem um efeito colateral positivo nos corações dos homens de bem, ele apaga as coisas ruins e salienta as boas, as ruins que no presente parecem com tons tão fortes ficam transparentes, e as boas ganharão lindas e vivas cores nas paredes de nossas memórias no futuro. Mas isso também nos faz pensar que poucas pessoas são inteiramente más, e mesmo essas parecem más só para os nossos pontos de vista, a maioria tem lados legais e interessantes, essas só necessitam de um pouco mais do nosso trabalho, do nosso amor, amor que nem sempre queremos nos dar ao trabalho de exercer. 
      O conselho sobre isso é aquele, conhecido por todos, mas sempre impossível de vivermos: aproveite o bom momento da melhor maneira possível, ele não existirá de novo. Essa verdade aprendemos com o tempo, mas com o tempo as oportunidades da vida, por vários motivos, apesar de poderem ser escolhidas por nós com mais lucidez, escasseiam-se. Contudo, será que de fato o passado é sempre melhor depois? Nem sei, sei que o filtro dos seres humanos de bom coração permite achar sempre um lado bom nas coisas e pessoas depois que o tempo passa. Assim podemos analisar a vida, aprender e tentar não repetir mais o egoísmo, a injustiça, o mau julgamento, a impaciência, a crueldade, que não mora fora, nos outros ou nos demônios, mas dentro de nós, e que portanto podemos vencer se quisermos. 
      Por que compartilhei o texto inicial? Porque ele fala de uma grande amizade, entre Jônatas e Davi, não vou contar a história inteira, basta lembrar que Jônatas era filho de Saul, que se tornou o principal inimigo de Davi, o rei de Israel que Deus depôs por ter desobedecido ao Senhor e que Davi foi colocado por Deus em seu lugar. O principal que temos de saber dessa história é que a deposição de Saul de seu reinado e a posse de fato de Davi como rei não ocorreu de forma imediata, assim Saul sabia que não era mais rei mas insistia no reinado à medida que perseguia Davi. Esse por sua vez sabia que era o novo rei empossado por Deus, mas que teve que esperar humildemente e sem cometer qualquer atentado contra a vida de Saul, enquanto esse injustamente tentava matá-lo. Davi foi fiel a Deus e a seus princípios, mas Jônatas foi fiel ao amigo. 
      Em toda essa história, desde os momentos iniciais quando Davi era um líder dos exércitos do rei Saul, até a posse real de Davi, a amizade de Jônatas foi sempre constante, isso nos ensina que o verdadeiro e maior amigo o é em meio às guerras, mesmo enquanto os poderosos dizem o contrário, tentam matar aquele que se ama o amigo permanece fiel. Amigo não se é por segundas intenções, não porque é o mais correto politicamente, não porque é bom ser amigo dos famosos e honrados pelos outros, mas ainda que todos digam o contrário de alguém, permanecemos amigos dele, porque o amamos e vemos nele algo que talvez ninguém mais veja. Bem, me lembrei desse texto quando refletia inicialmente sobre os amigos especiais que tivemos e que agora talvez o tempo e a distância nos impeçam de usufruir mais de suas amizades. 

domingo, fevereiro 16, 2020

Liberdade para conhecer a verdade

      “Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo que, segundo a sua grande misericórdia, nos gerou de novo para uma viva esperança, pela ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos, Para uma herança incorruptível, incontaminável, e que não se pode murchar, guardada nos céus para vós, Que mediante a fé estais guardados na virtude de Deus para a salvação, já prestes para se revelar no último tempoI Pedro 1.3-5

      O texto diz que fomos “feitos” de novo, assim algo antigo deixou de existir e algo novo veio à vida, isso mostra a excelência da obra que o Espírito Santo opera em nós pela nossa conversão a Cristo, isso mostra o poder da obra de redenção de Jesus que se encerra com sua ressurreição, nenhum outro fundador de religião fez isso, por isso o diferencial de Cristo como salvador da humanidade. Essa salvação, assim como as honras que advêm dela, são eternas e incorruptíveis, não podem ser alteradas, envelhecidas ou perdidas, o que Deus faz é para sempre. 
      O que foi achado em Cristo não precisa temer se perder, aquele que Deus chama, Deus guarda, ninguém o toma de suas mãos e nunca se perde, aquele que é de Deus tem em si o Espírito Santo, que o guia, que o ensina, que o ilumina, que o liberta, que o consola, que o mantém sob a proteção do altíssimo. Muitas vezes nós não temos ideia da qualidade da aliança que Deus faz conosco, ele é fiel, a nós, mas principalmente a si mesmo, à sua palavra, os abraçados por Deus em Jesus passam a fazer parte dele, assim ele não pode negar a si mesmo, se os chama não os lança fora.

      “Porque todos os que são guiados pelo Espírito de Deus, esses são filhos de Deus. Porque não recebestes o espírito de escravidão, para outra vez estardes em temor, mas recebestes o Espírito de adoção de filhos, pelo qual clamamos: Aba, Pai. O mesmo Espírito testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus.” Romanos 8.14-16 

      Deus é vivo e independente, não é uma criação subjetiva da mente e do coração humano, nisso ele nos guia, privilégio que os ainda não nascidos em Jesus não têm, ainda que também sejam amados por Deus e mesmo que recebam dele alguma orientação. Mas só o de fato convertido ao evangelho possui uma ligação íntima e imutável com Deus pelo seu Espírito e no nome de Jesus. O vivo Espírito Santo clama dentro de nós não por falsos deuses, não por entidades espirituais do mal, nem por anjos, mas pelo Deus único verdadeiro e altíssimo, que testifica com o nosso espírito que somos de fato filhos de Deus.
      Essa segurança nos dá liberdade, a mais verdadeira, profunda e abrangente liberdade, e isso é algo que muitos cristãos não entendem, se entendessem não se colocariam como presas de religião, manipulados por líderes humanos, prisioneiros de tradições. Quem não pode se perder está livre, para ir onde deseja, e quem tem o Espírito Santo é atraído por Deus para ir ao melhor lugar, ao conhecimento do santíssimo e altíssimo. Contudo, como sempre dizemos, liberdade e conhecimento têm seus preços, e Deus sabe que muitos não estão preparados para isso.
      Ah, se os cristãos soubessem, se católicos, protestantes e evangélicos soubessem, o que Deus quer ensinar a seus filhos, os mistérios que ele quer revelar, as verdades eternas sobre o universo, sobre o mundo e sobre o plano espiritual. Infelizmente muitos não querem Deus, ainda que gritem e cantem que o desejam, na verdade só buscam escapismos religiosos e emocionais que os livrem da culpa e do medo. A maioria dos cristãos só toca a superfície daquilo que podem ter no Espírito Santo, por Jesus e de Deus, mas ainda assim, Deus, em sua misericórdia, respeita o livre arbítrio, os limites da fé de cada um de nós.

sábado, fevereiro 15, 2020

Molas, pregos e parafusos

      “Fiz-me como fraco para os fracos, para ganhar os fracos. Fiz-me tudo para todos, para por todos os meios chegar a salvar alguns.I Coríntios 9.22

      O texto inicial não se aplica precisamente a esta reflexão, mas fala de uma característica de Paulo que mesmo que em outras situações é bom termos, essa característica é adaptabilidade. Paulo usava essa característica para a mais nobre das causas, pregar o evangelho e salvar vidas, contudo, o cristão aprende que se adaptar a cada situação de maneira a agir da melhor forma, naquilo que mais agrada a Deus e o amadurece, é sábio. Não devemos ser inflexíveis, nem estarmos acorrentados a um modo de pensar, mudar de opinião não é sinal de fraqueza mas de força, desde que seja o Espírito Santo ensinando-nos coisas mais excelentes, mas vamos à reflexão.
      Molas, quando pressionadas, encurtam-se e depois naturalmente alargam-se, sem invadir o que a pressionou ou aquilo em que elas se apoiam, elas atingem seus extremos mas não invadem nada e no final do processo permanecem as mesmas. Pregos absorvem a força do que os pressionou e invadem o que os apoia, isso é feito de modo direto, num processo mais rápido mas também mais fácil de ser desfeito desde que o que usou de força para pressionar use força semelhante para arrancá-los. Parafusos funcionam semelhantemente aos pregos, mas o ideal é que não sejam batidos mas girados, isso leva mais tempo, mas permite que penetrem aquilo em que estão apoiados e se prendam de maneira mais segura que os pregos, já se forem só batidos funcionam como pregos, mas oferecem mais resistência que os os pregos, desse jeito impróprio poderão ser arrancados mais facilmente mas irão contra suas naturezas. 
     Como dito outras vezes, nenhuma metáfora é perfeita, só as parábolas de Jesus eram. Um princípio hermético diz “tanto em cima quanto embaixo” (ou “assim na terra como no céu”?), isso nos leva a procurar metáforas do mundo espiritual no mundo físico, mas também nos permite achar simbologias das existências humanas no funcionamento de outras coisas, mesmo em objetos inanimados. Assim, podemos interpretar pessoas e suas reações com a vida como por exemplo molas pregos e parafusos. Como nos comportamos diante de situações que temos que enfrentar? Ou, como Deus tem que nos fazer reagir para que interajamos com certas situações de modo mais eficiente? Somos “molas”, “pregos” ou ”parafusos”? 
      Alguns são flexíveis, e em certas situações é necessário que assim sejamos, como molas, absorvermos certos ataques e anulá-los, sem descarregar em inocentes ou em nós mesmos reações negativas daquilo que outros nos fizeram. Mas espiritualmente só podemos ser “molas”, isso é, anular um mal sem desejar vingança, ou ficar magoado, vivendo em Deus, entregando a ele a injustiça que recebemos, perdoando e seguindo em paz, e não tomando para nós um mal que não é nosso. Alguns, todavia, são “molas” na hora errada, usam muitas vezes uma característica natural de não reagir para desprezar as pessoas, a realidade, e serem irresponsáveis, covardes e insensíveis. 
      Alguns são “pregos”, o lado bom disso é que rapidamente tomam uma atitude, obedecem diligentemente, o lado ruim é que podem ser rápidos também para reagirem ao mal, são voláteis e passionais, não pensando muito antes de agir, seja para o bem, seja para o mal. Outros, contudo, são “parafusos”, reagem mas só se forem tratados com jeitinho, isso também tem um lado bom e um lado ruim. O lado bom é que pensam um pouco antes de agir, mas o lado mal é que com a conversa certa podem ser com convencidos a fazerem qualquer coisa, esse são racionais, mais que os “pregos”, mas isso não os faz imunes às más influências, só mais lentos. 
      Isso nos ensina que mesmo qualidades podem virar defeitos se não as administrarmos da maneira correta. O melhor é ser cada coisa na situação mais adequada, o humilde vence suas fraquezas e adquire fortalezas que a princípio não tem, sabe ser “mola”, sabe ser “prego” e sabe ser “parafuso”. Se for melhor recebe o impacto e não reage, se for necessário obedece prontamente e se for preciso pensa antes de tomar uma atitude e faz a melhor escolha. E você, o que tem sido, “mola”, “prego” ou “parafuso”? Tem sido cada um no momento melhor, tem se adaptado, ou pensa que é de um jeito e vai morrer assim? 

sexta-feira, fevereiro 14, 2020

Há de se amadurecer...

      “Nota o homem sincero, e considera o reto, porque o fim desse homem é a paz.Salmos 37.37

      O fim do sincero e reto é a paz, o fim, ainda que comecemos com lutas, com erros, com dor, se somos de fato sinceros do bem, e não só sinceros, e retos em Deus, querendo andar e andando no caminho estreito e direto do Senhor, chegaremos em um bom lugar, não será em vão o passado difícil. Que ponto de chegada é melhor que a paz? Não as riquezas materiais, não a aprovação dos homens, mas a paz com aqueles que amamos e que nos amam de verdade.

      Há de se ter certo envelhecimento nos cantos dos olhos, marcas de expressão na face, um sorriso resumido enquanto se olha para o lado procurando o passado, há de se ter mesmo alguma amargura, um resquício de dor, um cuidado antes de responder, um pensar antes, mas há de se achar paz na vida, sabedoria em tudo e em todos, demonstrando que se viveu e que se amadureceu. 
      Há de se rir menos e chorar menos, pois rir e chorar sempre e exageradamente não é verdade, mas fuga insana da realidade, há de se achar equilíbrio e indulgência, que entende as pessoas e não as inveja ou despreza, há de se ver antes e integralmente antes de medir os outros, e se o fizer será para procurar algo de bom, um ponto de luz às vezes em vidas tão enegrecidas. 
      Há de se ter misericórdia com todos, a mesma que se deseja para si de tantos, há de se ter paciência com as diferenças, respeito com os iguais, pois os semelhantes são os que mais nos incomodam, não os diferentes, por refletirem a queima roupa o que na verdade somos nós, há de se aprender a amar, pelo menos um pouco, no fim da vida, ainda que nunca se tenha sido amado como se queria. 
      Há de se evoluir se buscou-se a limpeza da casa, das roupas, da alma, do Sol, há de se caminhar para o Sol, ainda que se ame a Lua e se faça dela companheira tão fiel e complacente, há de se melhorar com o tempo, não piorar, há de se tornar mais humilde, não dono da verdade, há de se tornar ouvinte, não mestre equivocado que só ensina a si mesmo e ainda assim nunca aprende. 
      Há de se achar em Deus um amigo, não um juiz, de se começar a conhecer os mistérios, escondidos das crianças e dos arrogantes, há de se preferir o silêncio, e não as congregações, a contemplação, e não a encenação, a realidade, não a ilusão, há de se perder o medo da solidão, da desaprovação  humana, há de se achar graça diante do altíssimo e se ver liberto de vícios antigos e egoístas.

quinta-feira, fevereiro 13, 2020

Doença ou espiritualidade? (Íntegra)

      “Pois o nosso conhecimento é incompleto e a nossa profecia é incompleta. Mas, quando vier o que é completo, então o que é incompleto será aniquilado.I Coríntios 13.9-10

      Engana-se quem acha que sabe tudo, mente quem diz saber toda a verdade. Quem sabe muito, só sabe que menos sabe, e que muito ainda há para saber. Em se tratando da verdade, quem sabe um pouco dela, entende que a verdade está na água, não nos sedentos que procuram por ela. Iniciei as reflexões abaixo, confrontando doença mental e sensibilidade espiritual, quando é uma, quando é outra. O assunto levou ao confronto de ciência com teologia, avaliando Bíblia sob aspectos histórico e mítico. 

1. Doença ou espiritualidade?
2. Espiritualidade mal administrada 
3. Medo é perder o controle
4. Parte de algo ou parte de nós?
5. Tudo é questão de fé?
6. Agradar a Deus cura
7. Agradar a homens adoece 

8. Dons ou fantasias? 
9. Frágil mente humana 
10. Ciência purifica a fé
11. Ciência cura a fé 
12. Ciência fortalece a fé
13. Fé é remédio? 
14. Propósito leve eleva-se 
 
15. Culpa, uma deusa
16. Acusação, um vírus 
17. Idolatria adoece
18. Amor cura
19. Paz evidencia cura 
20. Evolução sustentável 
21. Escolha pessoal 

22. Reis, guerras e o fim 
23. Prepare-se para o pior
24. Que Jesus interessa-nos?
25. Por que Jesus interessou à religião?
26. O Jesus que interessa a Deus
27. Fé cega ou ceticismo? 
28. Teológico ou histórico? 

29. Ateísmo, politeísmo… 
30. Mentira sobre Deus 
31. Verdade sobre nós
32. Monstros anacrônicos 
33. Mistérios espirituais
34. Oráculos 
35. A verdade se impõe 

36. Ciência e fé, juntas!
37. Ciência não dá 100% de certeza 
38. Ciência não é só um ponto de vista     
39. História versus novo testamento
40. O Jesus provável 
41. História versus antigo testamento 
42. A Bíblia não precisa ser coesa 

43. Parábola dos elementos 
44. Encanto da mentira  
45. Quem pode entender? 
46. Acordemos para a luz 
47. Escrevamos nossos livros  
48. Mistério do espírito humano 
49. Mistério do Espírito divino 

50. Idolatrias e Espiritismos 
51. No espírito e com o Espírito 
52. Carência mal resolvida adoece
53. Usando ou usado? 
54. Utopia cristã?
55. Tempo 
56. Ninguém precisa saber 

57. Ser feliz no comum 
58. Saber não é viver
59. Errar é preciso, persistir nisso, não  
60. Santifica-os na verdade 
61. Servo ou livre? 
62. Estamos prontos? 
63. As pessoas mudam? 

64. Morte  
65. Tristeza 
66. Depressão 
67. Deus precisa de nós? 
68. Deus reflete-se por nós 
69. Deus espera em nós 
70. Fio, copo, cântaro, roda 

71. O que é pecado? 
72. O que é santidade? 
73. O que será o juízo? 
74. O que é a vida? 
75. Inteligências 
76. Espiritual ou moral?
77. Mágico ou virtuoso?
 
78. Iluminação 
79. Olhos espirituais 
80. Valor da dor 
81. Liberdade, beleza e prazer?  
82. Solidão de quem não quer ver 
83. Definimos o que somos  
84. Seja sal, seja céu 
 
85. O que nunca te disseram 
86. Guerra, sim, soldado, não 
87. Pagamento de dívidas 
88. Querer o que Deus quer 
89. Quem é o louco? 
90. Maluco ou espiritual? 
91. Útil a Deus   
 
92. Conclusão em desconstrução 
 

Escrito entre 20/12/2023 e 21/02/2024
Programado para 13/02/2020, data anterior (dia especial para mim),
postagens individuais programadas entre maio e julho de 2028,
desculpe confusão de datas, foi necessária para
livro ser disponibilizado antes das postagens.
José Osório de Souza

1. Doença ou espiritualidade?

      “Os propósitos do coração humano são como águas profundas, mas quem é inteligente sabe como trazê-los à tona.” Provérbios 20.5

      Doença mental ou sensibilidade espiritual? Dúvida com que muitos se deparam. Como costumo enfatizar, quando tocando no assunto, não sou profissional da área médica, assim, se tiver, se achar que tem ou se conhecer alguém que tenha ou que ache que tenha algum transtorno mental, por favor, procure médico adequado, não deixe de ouvir a ciência. Para iniciar a reflexão, preciso dizer que tenho aprendido muito com quem tem ponto de vista diferente do ponto de vista, que a princípio, é agradável para mim, é, especial tenho aprendido com céticos, psicólogos e historiadores. Não tenha medo de confrontos, se tua busca é por algo importante, é preciso humildade para aprender com todos, principalmente com diferentes. 
      Algo perigoso e que pode potencializar algo ruim é ouvirmos só quem nos agrada no momento, dessa forma, nos acomodarmos numa situação, não nos desafiarmos a mudanças, ou só falsamente nos aprofundarmos, sem mudarmos de fato de ponto de vista, só sabermos mais do mesmo. Dos problemas que o ser humano enfrenta, aqueles que interferem com sua interpretação da realidade, com o que vê, ouvi, sente e pensa, e que não são reações objetivas a eventos da realidade exterior e física, são os mais graves e perigosos. Questões mentais, nascidas dentro de nós, não podem ser verificadas por aparelhos, não podem ser monitoradas na tela do computador. Teremos só a nossa palavra para dizer se são reais ou não. 
      Algo muito importante é buscarmos ajuda exterior, não tentarmos resolver sozinhos, compartilharmos o que pensamos, por mais maluco que possa parecer, ouvirmos opiniões. Obviamente, em se tratando de assuntos espirituais, relacionados a Deus, espíritos, entidades etc, fé está diretamente relacionada. Dessa forma ainda que interpretemos algo como “voz de Deus”, o outro pode interpretar como invenção de nossa cabeça, simplesmente porque não se pode provar cientificamente que Deus existe. Nesse confronto, há uma pergunta que mesmo céticos podem nos fazer, se forem sérios e abertos. Tua interpretação da voz, como sendo de Deus, tem feito bem a você? Como é tua relação com a realidade, trabalho, família, amigos?
      Se pedirmos a opinião de um pastor sobre ouvirmos a voz de Deus, ele dirá que isso é verdade, principalmente se for de linha pentecostal ou carismática. Se pedirmos orientação de um espírita, ele dirá que é a voz de um espírito, e que podemos ter faculdades mediúnicas. Mas se perguntarmos a um psicólogo ateu, e se for mais extremista, poderá dizer simplesmente que é invencionice nossa, que isso faz mal e devemos nos livrar disso. Pode ser difícil discernirmos algo que está dentro de nossa mente, por isso em alguns casos, são os outros que devem tomar iniciativa de ajuda. Isso é delicado, os outros também podem se enganar, exagerarem, não terem as melhores intenções, assim, na tentativa de ajudarem, prejudicarem. 
      Mas no geral, o conselho é: ouça vários pontos de vista e cheque tua vida prática. Vozes que incentivam o mal, a violência, contra os outros e contra você mesmo, não são úteis seja lá qual for o ponto de vista que se use para interpretar o que são tais vozes. Seja fantasia mental, seja profecia de “Deus”, seja voz de “espíritos”, se incentivarem a qualquer espécie de agressão devem ser refutadas, e nesse caso a ciência deve ser ouvida antes, não religiões. Remédios, tratamentos e terapia nos ajudam a entender e controlar tais impulsos. Mesmo sob pontos de vista religiosos, demônio ou esprito inferior que se apossam ou obsidiam, podem ser controlados por força de vontade e perseverança em vida social e afetiva corretas e limpas. 

2. Espiritualidade mal administrada

      “Salva-me, ó Deus, porque as águas me sobem até a alma. Estou atolado num profundo lamaçal, que não dá pé. Entrei em águas profundas, e estou sendo arrastado pela correnteza.” Salmos 69.1-2

      Psicologia pode ajudar, muitas vezes, mais que pastores e orientadores espirituais, para nos conduzir a relações pessoais e sociais sadias. A não ser em caso mais extremo, quando outros precisam intervir, assim como ser necessário uso de internação e medicamento, controle mental fecha e abre porta para muita coisa. Podemos ter nossas crenças no divino e no espiritual, mas com sanidade e equilíbrio, religião deve fazer-nos bem, se a espiritualidade, mesmo a originalmente mais bela e virtuosa, virar obsessão, aqui no sentido psicológico mesmo, deve ser avaliada, distanciada e até deixada. Infelizmente há muita liderança religiosa e espiritualista, que se não for mal intencionada, está despreparada, achando curar, adoece ainda mais. 
      Estou procurando analisar temas sob os mais diversos pontos de vista. Ouvir opiniões dos outros é útil, dar à ciência seu devido valor é de suma importância, mas aprender com escolas religiosas, em representantes dessas, em igrejas, casas, centros e devidos líderes, padres, pastores, médiuns, todos sérios, também pode ser útil, ainda que nesse caso fé seja determinante. Mas se temos alguma sanidade, alguma lucidez, nossa escolha pessoal para tomarmos atitudes que nos levam a vidas felizes e libertas dentro do possível pode ter importância maior. Ocorre que muitos mantêm-se em situações que não estão fazendo-lhes bem, justamente por temerem a opinião de líderes de sua religião, e essa pega pesado em certos casos. 
      Doença mental ou sensibilidade espiritual? Um ponto de vista a respeito pode ser o que admite sensibilidade espiritual, assim divindade e espíritos, mas que não sendo a sensibilidade espiritual usada corretamente, permite influência de espíritos malignos, o que pode levar a doenças mentais. Minha experiência pessoal, que não pode ser usada como regra geral, é que o verdadeiro Deus atraí-nos à clareza, e isso traz-nos paz, cura, libertação. É comum pessoas que passaram uma vida na espiritualidade, seja no cristianismo tradicional, seja nos espiritismos, por exemplo, acabarem céticas, até ateias. Penso que isso tem propósito bom de Deus, é útil e não é o fim, mas um novo e melhor começo para o autoconhecimento. 
      Penso que se admitir cético é melhor, mais honesto, que se manter numa religião e não dar testemunho dela. Penso também que quem teve experiência espiritual, sempre crerá em Deus, mas pode precisar de um tempo para recalibrar a fé. Têm jornadas assim principalmente aqueles que tiveram experiências religiosas além de meros assistentes, espectadores em bancos de templos, mas que se envolveram com ministérios e lideranças, com administração interna de igrejas e denominações. Quanto mais alto, maior a queda, mas quem se refugia nos braços do Altíssimo não permanece caído. O ponto é o que de fato queremos, e decepções confrontam-nos com nossa intenção mais profunda, põem intenção e sinceridade à prova. 
      Penso que muitos evangélicos deveriam conhecer mais outras espiritualidades, que muitos espíritas precisariam conhecer a Jesus como único e suficiente salvador, penso que ateus poderiam crer e que crentes deveriam ser mais céticos, tudo para se alcançar equilíbrio. Como digo tanto aqui, a jornada é individual, as escolhas são pessoais, com Deus no coração, mas com a ciência na mente, para que o espírito evolua e nossa vida na Terra seja saudável, útil, libertada. Não nos façamos escravos de homens, e religiões são construções humanas, mas tenhamos coragem de duvidar até da noção que temos de Deus. Eis um paradoxo: só se chega a Deus duvidando de Deus. Acima de tudo cheque causa e efeito, plantio e colheita. 

3. Medo é perder o controle

      “Das profundezas clamo a ti, Senhor. Escuta, Senhor, a minha voz; estejam alertas os teus ouvidos às minhas súplicas.” Salmos 130.1-2

     Doença mental ou sensibilidade espiritual mal administrada? Religiões podem curar doenças, mas religiosidades podem se tornar doenças. Nós, individualmente, devemos ter sanidade suficiente para discernirmos quando algo que parece bom, que os outros dizem que é bom, que inicialmente foi bom para nós, não é ou não é mais. Isso é difícil, leva-nos a confrontar, não só os outros, mas a nós mesmos e a Deus. Somos seres relativos, não absolutos, existimos sobre bases que recebemos dos outros e que nós mesmos construímos através de escolhas. Se certas referências são tiradas de nós, nos sentimos sem chão, perdidos, e com muito medo de nos tornarmos aquilo que não queremos ser, e que achamos que é errado. 
      Nosso medo é de perdermos o controle, caos é o que mais amedronta. Gostamos de religiões porque elas põem ordem no caos, estabelecem hierarquias, colocam-nos num lugar no universo, de forma cartesiana. Nessa posição sabemos de onde viemos, quem somos, para onde iremos. Mas ainda melhor, temos apoio de pares, outros concordam conosco, nos incentivam a ser como eles são, aplaudem quando somos seus semelhantes. Entretanto, até que ponto essa ordem é sadia? Para muitos é, vício em religião é melhor que vício em cocaína, mas não é para todos. Descobrirmos nossos limites, e acima de tudo, a felicidade viável e útil para nós como indivíduos, não como coletivo, é desafio maior de sermos humanos. 
      Às vezes perder o controle é única escolha, e após o susto inicial se descobrirá que não se despenca no caos, mas que se é libertado da gaiola e torna-se livre para voar no universo. Isso, repito, não é para todos, muitos na verdade não querem sair da gaiola, assim não estão preparados para voar fora das referências das grades. Entretanto, os que estão preparados e de fato querem sempre trazem liberdade na mente, voam livremente, ainda que limitados por formação intelectual, condição financeira, informação de escola religiosa. Liberdade é espiritual, antes de ser emocional ou física. Discernir entre mania psicológica e capacidade psíquica não é fácil, nem rápido, mas o humilde e que ama o bem conseguirá no seu tempo.
      O certo é que não podemos brincar ou menosprezar esse questionamento. Céticos não zombem disso, e esses podem ser os mais doentes, que por reterem medo, não de Deus, mas da ciência e de gente que é importante para eles e que idolatra ciência, mais instalam doenças mentais. Fortes são os mais doentes, mais loucos, justamente porque escondem mais doenças e loucuras para poderem viver em sociedade e serem mais produtivos. Um dia, contudo, a casa pode cair, quem trabalha mais que pode, viverá menos que precisa. Fracos, não os que se entregam à fraqueza, mas os que a assumem com honestidade e lutam com humildade para superá-la, são em longo prazo, os mais fortes e úteis, quem tiver olhos, verá e temerá. 
      Dê-se ao direito de se dar um tempo, de se afastar, de descansar. Homens valorizam assiduidade física, fidelidade vista, mas Deus avalia o interior. Muitas vezes, para nos mantermos em Deus, teremos que nos afastar dos homens. Não somos máquinas, nem deuses, humildade para admitir nossa humanidade limitada, é vitória sobre a vaidade de aparentar para homens que somos fortes. Covardes vivem mais, honestos vivem mais ainda, mas sinceros do bem vivem para sempre. Não basta ser sincero, tem que ser do bem, isso leva boa intenção a realizar-se em boas obras. Se tua mente não estiver sadia, você terá tua principal ferramenta de contato espiritual danificada. Cuide da mente tanto quanto deve cuidar do corpo. 

4. Parte de algo ou parte de nós?

      “Ora, este Senhor é o Espírito; e onde está o Espírito do Senhor, aí há liberdade.” II Coríntios 3.17

      Para nos tornarmos parte de algo, ou tomarmos algo para fazer parte de nós? Quando damos à religião a autoridade divina, quando pensamos que Bíblia é palavra irrefutável de Deus, elegemos cristianismo, igreja católica ou/e igrejas protestantes ou evangélicas, assim como o cânone bíblico, como algo fora de nós, imutável, poderoso, que sabe o que é certo e errado para nossas vidas, e que estabelece a melhor forma de vivermos no presente na Terra e no futuro no céu. Assim, nos vemos apenas como um grão de areia que escolhe voltar à praia, ganhando identidade, propósito, proteção. Mas há uma outra ótica, tomarmos as rédeas da existência, vivenciarmos livre arbítrio na plenitude, fazermos escolhas e construirmos a verdade. 
      Construir uma verdade pessoal não significa negar, não totalmente pelo menos, igrejas cristãs e Bíblia, muito menos significa negar a verdade de Deus. Entretanto, fazer essa construção é admitir que seres humanos são particulares, distintos, nos limites e nos objetivos, emocional, intelectual, moral e espiritualmente. Ainda que religiões queiram nivelar todos às suas referências de moralidade e espiritualidade, Deus não faz isso, mas só entendem isso os que separam Deus de religiões. Os que têm esse entendimento, que ouso chamar de esclarecimento (iluminação), acham a liberdade que o verdadeiro Deus dá as suas criaturas, e podem, assim, serem mais que filhos de Deus, serem seus amigos íntimos. 
      O estudo científico de história ensina que só conseguimos enxergar melhor os fatos quando nos colocamos fora e acima deles. Se estamos envolvidos emocionalmente seremos parciais, assim, com óticas limitadas do fato. O único que pode ter visão imparcial de tudo é Deus, pois está acima de tudo, mas é o Deus real, não aquele “Deus” engessado por religiosidade ou espiritualidade específica. Ver os universos físico e espiritual, a realidade e o ser humano, sob o ponto de vista católico, nos fará católicos, não necessariamente amigos de Deus, ainda que Deus não faça acepção de pessoas e esteja sempre pronto para ser amigo de todos. Mas pôr-se distante e escolher o que anexaremos em nós, é libertar-se de mentiras. 
      Há mentiras em religiões e textos sagrados (refletiremos a respeito mais à frente). Ainda assim, por fé, achamos, com a melhor das intenções, verdades e provamos bênçãos. Fé, ferramenta indispensável para acesso a Deus e ao plano espiritual, também é instrumento para gerar verdades pessoais através de fantasias mentais. Verdade pessoal é verdade? Pode ser, mas não precisa ser, principalmente com relação à nossa conexão com o divino. Voltando à afirmação do início, mesmo quem acha que só é parte de algo maior e fora de si, só está tomando algo para fazer parte de si, dessa forma, construindo sua verdade, não crendo cegamente em verdade absoluta. O que tem haver esta reflexão com o tema “doença ou espiritualidade”? 
      Manter a sanidade é manter-se no controle, vício é tudo aquilo que nos controla e que não temos controle. Possessão ou obsessão demoníaca é controle sobre nós, mas talvez não seja algo externo entrando em nós e dominando-nos. Pode ser só a manifestação descontrolada de algo que sempre esteve dentro de nós, e que a civilidade, as regras sociais, o padrão moral familiar, enfim, nossa força de vontade, manteve sob controle. Por esse ponto de vista podemos entender a chamada possessão maligna como transtorno mental. O ideal é estarmos sempre no controle e termos muito cuidado para não alugarmos nosso direito de pensar aos outros. Deus é espírito, o espírito é livre, o Deus verdadeiro nos chama à liberdade espiritual. 

5. Tudo é questão de fé?

      “Ora, a fé é a certeza de coisas que se esperam, a convicção de fatos que não se veem. Pois, pela fé, os antigos obtiveram bom testemunho. Pela fé, entendemos que o universo foi formado pela palavra de Deus, de maneira que o visível veio a existir das coisas que não são visíveis.” Hebreus 11.1-3

      Somos o que podemos ser, cremos no que queremos crer. Somos o que cremos? Uns acham que o objeto da fé é fixo e imutável, outros acham que os objetos aumentam conforme aumenta a fé, mas na verdade é nossa razoabilidade, ou falta dela, que qualifica nossa fé. Fé não precisa ter tamanho, mas qualidade. Isso não significa que quem muito crê não alcance grandes coisas, mas isso pode ser só placebo para ativar força de vontade e trabalho humano. Muitas vezes ação direta de Deus pouco tem a ver com fé que alcança o que crê, ainda que Deus administre tudo e que nada seja dado ou retirado dos seres sem sua permissão. Muitos, que creem só em si mesmos, são mais bem sucedidos que muitos que creem no divino.
      Refletindo sobre o que é doença mental e o que é sensibilidade espiritual, fé é tema relevante. Quanto mais estudo ciência séria, principalmente as que estudam textos considerados sagrados, Jesus de Nazaré, seus discípulos, Paulo, assim como as “histórias” do antigo testamento, mais percebo a importância da fé na trajetória da humanidade nos últimos vinte séculos. As pessoas acomodam-se ao que ouvem nos púlpitos, teólogos cristãos, que teoricamente verificam as escrituras com olhar crítico, se sabem a verdade, não admitem, e inventam desculpas para que as mentiras tenham propósito pela providência divina. Como tanto dizemos aqui, o cânone bíblico é construção de uma antiga ortodoxia cristã, não é verdade científica. 
      Para refutarmos negação de verdade que cremos, criamos uma mentira, se ciência refuta a palavra que chamamos de Deus, aliamos ciência ao diabo, na visão maniqueísta de tantos cristãos, o grande opositor de Deus. Deus não tem opositor, não à sua altura, diabo é negação de Deus, não da religião e da Bíblia. Mas tudo é questão de fé, mesmo ciência, em suas últimas instâncias, baseia-se em conceitos que ainda não foram provados, crê-se neles como probabilidade maior. O processo científico, contudo, veio para ficar, negá-lo não funciona mais, à medida que o tempo passar será mais conhecido e creditado. O que será da fé quando entendermos que o Jesus filho de Deus que salvou o mundo é na verdade, em grande parte, mito? 
      Argumento muito usado para defender a infalibilidade da palavra escrita, é a presença do próprio Deus orientando e inspirando aqueles que de alguma forma registraram, copiaram, mantiveram e selecionaram os textos que compõem o cânone. Mas isso também é questão de fé, mais provável é o que sempre ocorre com documentos históricos, serem manipulados, subtraídos, adicionados e interpolados, conforme conveniências de líderes e poderosos. Certo é que tradição oral, passagem de conhecimento por fala, era mais usada que palavra escrita, principalmente por uma maioria dos primeiros séculos, que não sabia escrever e ler. Na tradição oral ocorre o mesmo que acontece na brincadeira infantil “telefone sem fio”. 
      É a partir do protestantismo que palavra escrita passa a ter relevância, catolicismo sempre considerou tradição mais importante, assim, fez mudanças nos textos sagrados, conforme intenção de líderes vigentes. Nenhum texto do novo testamento foi escrito por gente que teve contado direto com Jesus, muitos provavelmente só foram escritos a partir do terceiro século e muitos aliando a eles autores fictícios. Tem certeza que Mateus escreveu grande parte do evangelho que leva seu nome, baseado em experiências em primeira mão com o Cristo? Há controvérsias. O objetivo aqui não é destruir a fé de alguém, mas deixar claro que fé não é ciência. Deus contudo, usa crentes e cientistas, abençoa todos com o mesmo amor.

6. Agradar a Deus cura

      “Como são grandes, Senhor, as tuas obras! Os teus pensamentos, que profundos! O tolo não compreende, e o insensato não percebe isto: ainda que os ímpios brotem como a erva, e floresçam todos os que praticam a iniquidade, serão destruídos para sempre.” Salmos 92.5-7

      Se tudo em nossa relação com o divino e o plano espiritual depende de fé, pessoal e exercida por vontade e escolhas próprias, não reclamemos com os outros, com as religiões, mesmo com Deus, se formos decepcionados. Há quem venda e há quem compre, quem vende a ninguém obriga a comprar. Mas o erro pode não ser comprar brócolis, mas só comprar esse alimento e achar que ele vai substituir os outros. Sadio é comprar um pouco de brócolis num lugar, um pouco de tomate em outro, um pouco de batata em outro, e um pouco de carne num último lugar. Se na saúde física é preciso equilíbrio, também na saúde espiritual. Contudo, o ser humano é intrinsecamente extremista, ou adora churrasco ou torna-se vegano radical.
      Espiritualidade genuína não adoece, nenhuma área do ser humano, eu penso assim, então, por que há tantos malucos nas religiões? E adiciono, há malucos também no ateísmo, muitos, motivados por ódio a teístas. Para ser ateu também é preciso fé extrema, que Deus não existe. Adoecemos quando perdemos o controle, quem vende seu direito de raciocinar e criticar aos outros, sujeita-se aos outros. Pais nos orientam, ou deveriam nos orientar, com amor e zelo, para aprendermos a ser felizes e independentes. Mas com excessão de muitos pais, todo o resto, escolas, empresas, instituições religiosas, mesmo clubes, associações filantrópicas, e muitos no plano espiritual, nos controlam, ou tentam de alguma forma nos controlar. 
      “Eu creio, ando por fé, minha fé me guia, fé é tudo para mim”, respeito quem pensa assim, mas há de se ter cuidado com isso, é esse tipo de pensamento levado ao extremo que adoece a muitos. Se fé é combustível para mover nossa máquina mental em direção ao espiritual, muitas vezes seria melhor deixarmos o veículo estacionado na garagem, descansando. Às vezes é mais sadio sermos mais materiais que espirituais, e isso não significa sermos carnais, no sentido do novo testamento, amorais ou ateus. Significa olharmos a realidade física, a natureza, as matas, os ares, os mares, animais, pássaros e peixes, e relaxarmos. Estudar ciência, acatá-la, priorizar ecologia e sustentabilidade, sermos objetivos no físico. 
      Muitas vezes olhar o oceano ou uma floresta descansará mais que rezas, orações, louvores e jejuns. Doença ou espiritualidade? Cura! Espiritualidade genuína cura, contempla tudo e todos, físico e espiritual, todas as religiosidades, todos o divinos. Não, evangélico, isso não fará com que você se perca, mas ajudará você a se achar, em algo muito maior e muito mais maravilhoso que o “deuzinho” que os homens têm ensinado a você nos templos. Demorei muito tempo em minha vida com igrejas protestantes e pentecostais, para perceber que todas as denominações cristãs, incluindo a católica e evangélicas ditas tradicionais como batista e presbiteriana, são seitas em relação à vontade mais alta de Deus para mim pelo seu Santo Espírito.
      Já arroguei me achar melhor que os outros por ser convertido, já arroguei me achar melhor que os outros por ser batista, já arroguei me achar melhor que os outros por ter sido batizado com o Espírito Santo. Já arroguei me achar melhor que os outros por ter todas as experiências anteriores, enquanto que os outros ficaram presos por décadas numa mesma igreja ou numa mesma denominação. Hoje sei que sou só um ser arrogante e limitado com um estreito e único ponto de vista, mas mais que isso, que não preciso ser nada além disso, desde que exerça isso com humildade, santidade e amor. Sou só um coletor de uvas, de cores e sabores diversos, juntando tudo no cálix de meu espírito e produzindo meu próprio e singular vinho. 

7. Agradar a homens adoece

      “Por acaso eu procuro, agora, o favor das pessoas ou o favor de Deus? Ou procuro agradar pessoas? Se ainda estivesse procurando agradar pessoas, eu não seria servo de Cristo. Mas informo a vocês, irmãos, que o evangelho por mim anunciado não é mensagem humana, porque eu não o recebi de ser humano algum, nem me foi ensinado, mas eu o recebi mediante revelação de Jesus Cristo.” Gálatas 1.10-12

      Agradar a Deus cura, agradar a homens, adoece. Por mais que pareça impossível agradar a Deus, não é, aliás, é bem mais simples que pensamos, para Deus menos é mais. Já agradar aos homens pode parecer fácil, mas não é, eles sempre exigem mais, para escravizar-nos e satisfazê-los em suas vaidades. Libertar-se da carência de agradar a homens, assim, parar de tentar agradar suas referências de certo e errado, pode ser libertação mais difícil que se prova. Falo constantemente desse tema aqui, sim, porque eu ainda tenho, mas tive muito mais, tal carência. Contudo, a verdade é uma só: os outros e suas relevâncias diminuem, à medida que nós crescemos, mas mais importante que crescermos é Deus crescer dentro de nós em verdade.
      Uns vivem uma vida tendo na mente as figuras de pais e irmãos, dizendo-lhes como viverem, o que escolherem, como serem felizes. Ainda que falecidos, fantasmas seguem assombrando outros, e fantasmas podem ser mais poderosos que vivos, ganham autoridade da morte, tememos desagradar os mortos, pelo mistério que construímos sobre a morte. Por isso há tanta gente pesada, doente emocionalmente, sobrecarregando seus corpos e seus dias com esforços desnecessários, que só têm a utilidade de diminuir o tempo e a qualidade da vida e de glorificar demônios. Por que tantos vivendo para agradar outros seres humanos? Por que é mais fácil, mais objetivo, não exige esforço de busca, de fé, de avaliar e selecionar. 
      Ídolos facilitam a vida, mas ídolos construídos pelos outros facilitam mais. Deus é misterioso, e que maravilhosa é a aventura para conhecer o misterioso. Religiões ofertam o “Deus” revelado, conhecido, não pelos leigos, mas pelos sacerdotes, pelos líderes, pela tradição conservadora. Enquanto quisermos, não a Deus, mas as fórmulas prontas para acharmos Deus, rezas, feitiços, mantras, seremos discípulos de homens, agradando a homens. O caminho rumo à verdade mais alta do verdadeiro Deus dá trabalho, é solitário, mas é pessoal, somos nós que decidimos, que nos movemos, que descansamos, que cremos, que entendemos, que escolhemos. Esse caminho cura, entrega paz que permanece, não adoece, liberta, não escraviza. 
      Mais importante que achar um Deus que salva, é achar um Deus que cura. Muitos, para ganharem salvação espiritual, seja isso lá o que for, perdem sanidade mental, e louco pode adequadamente viver em sociedade e ser produtivo. Mas enlouquece quem tenta se salvar agradando a homens, religiões são humanas. Quem Deus de fato salva é curado. Doença ou espiritualidade? Ser verdadeira e plenamente curado exige esforço, de focar o trajeto para Deus, não para homens. Isso só acontece quando, à medida que fomos sendo decepcionados por homens, e eles sempre nos decepcionam, sejam nas relações afetivas, sejam nas religiosas, fortalecermos nossa fé, nos firmarmos e continuarmos rumo ao único e genuíno Deus. 
       Se decepção é forte o suficiente para barrar nossa jornada espiritual, é porque nossa jornada nunca foi para Deus, mas só para agradar a homens. Quem foca em Deus é focado por Deus (quem olha o mal é olhado pelo mal). Assim, o trabalho espiritual é sempre a quatro mãos, não queremos a Deus só porque somos bons e nos esforçamos, mas porque Deus nos atrai a ele, nós simplesmente respondemos a essa atração. A iniciativa é sempre de Deus. Parar de querer agradar a homens, um trabalho inútil, é simplesmente ouvir a voz mais interior que fala e seguir em direção a ela. Parece simples, mas repito, exige coragem e fé, trabalho árduo e solitário. Doente ou espiritual? Nós escolhemos, melhor ser espiritual. 

8. Dons ou fantasias?

      “Ora, a pessoa natural não aceita as coisas do Espírito de Deus, porque lhe são loucura. E ela não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente. Porém a pessoa espiritual julga todas as coisas, mas ela não é julgada por ninguém. Pois quem conheceu a mente do Senhor, para que o possa instruir? Nós, porém, temos a mente de Cristo.” I Coríntios 2.14-16

      Não podemos seguir nesta reflexão sobre doença mental e sensibilidade espiritual, sem pensarmos em dons espirituais. Se fé é preciso para aceitarmos Bíblia como palavra de Deus, mesmo com todas as manipulações, adições, interpolações e subtrações que a ortodoxia cristã fez nela, não seria diferente para interpretarmos impressões mentais e emocionais como contato com o plano espiritual. Dom espiritual é algo subjetivo, nasce na mente humana, não são os olhos físicos que veem anjos e demônios, não são os ouvidos físicos que ouvem orientação de Deus, tudo acontece na cabeça do homem. Até milagres físicos para serem entendidos como intervenção divina, não como eventos explicáveis pela ciência, é preciso fé.
      Podemos verificar diferenças entre imaginar algo e ter uma influência externa e espiritual para ver algo. O êxtase que se sente quando em contato com o Espírito Santo, sentimento agradável e forte, assim como no outro extremo, ira, sensações desagradáveis e agressivas, voluptuosidade, que se experimentam quando em contato com espíritos malignos, são critérios para identificar se algo é criação mental interna ou influência espiritual externa. Mas isso ainda é fé, a mente humana pode ser criativa, tanto em ideias quanto em sensações, assim como até pode receber influência espiritual, mas entender que é do bem, quando é do mal, ou vice-versa. Pois isso catolicismo e protestantismo retiraram dons espirituais de suas práticas. 
      Se aproximar-se de Deus se dá com passos de fé, aproximar-se intimamente de Deus exige ainda mais fé. Por outro lado, se vida com Deus é interação de nosso mundo mental com o mundo espiritual, influenciando nossa relação com o mundo material, vida íntima com Deus, que é a experiência com dons espirituais, pede uma interação ainda mais profunda de nossa mente com a mente de Deus. Sempre que abrimos nossa mente para outros controles, que não seja razão guiada pela ciência, nos expomos tanto ao plano espiritual quanto a fragilidades mentais. A chave, como sempre, está no equilíbrio, não extremarmos numa área, confrontarmos todas as áreas e priorizarmos saúde e interação produtiva com a realidade.
      O melhor critério está em pelos seus frutos os conhecereis (Mateus 7.16-20). Estamos no mundo para interagir objetivamente com seres humanos. Pouco vale a fé, se for para termos contemplações interiores que nos afastam da realidade. Mas ainda menos valem pretensos dons, por mais poderosos que pareçam, se não gerarem em nós humildade, santidade e amor para servirmos os outros. Se “chamada profética” afasta o ser do evangelho prático, melhor largar tal “chamada”, reavaliar a vida e recomeçar. Fugas e escapismos são sempre alguma espécie de medo e covardia, isso nunca nos faz felizes e úteis. Doença mental ou sensibilidade espiritual? É a prática de vida saudável, no espírito, na mente e no corpo, que responderá. 
      Jornada espiritual solitária pode ser útil, mas pode ser perigosa. É bom nos permitirmos escolhas e estilos de vida sem escandalizarmos igrejeiros e novatos, sem hipocrisia e incoerência, dizendo-nos de uma igreja e não obedecendo o que tal igreja orienta. Mas é preciso saber, se precisamos nos afastar para crescer, ou para fugir de algo que não queremos viver porque não queremos crescer. Cresçamos tudo que pudermos dentro de religiões, tudo mesmo! Depois, com oração e aprovação de Deus, nos afastemos, se for o caso, cientes que isolamento expoem-nos a confusões mentais, por nos distanciar de referências externas. Sábio é focarmos em Deus, mas abertos a pontos de vista dos outros, tendo muito cuidado com a saúde. 

9. Frágil mente humana

      “Portanto nós também, pois que estamos rodeados de uma tão grande nuvem de testemunhas, deixemos todo o embaraço, e o pecado que tão de perto nos rodeia, e corramos com paciência a carreira que nos está proposta, olhando para Jesus, autor e consumador da fé, o qual, pelo gozo que lhe estava proposto, suportou a cruz, desprezando a afronta, e assentou-se à destra do trono de Deus.” Hebreus 12.1-2

      Quem converte-se ao protestantismo não apaga da memória a religião anterior, pode até tentar esquecer-se de doutrinas e costumes, mas os princípios seguem com ele. Quem viu relevância em ritos, santos e oferendas para ter vitória sobre inimigos, verá relevância no antigo testamento. Ateus e cientificistas convertidos trazem para a fé um pensar mais crítico, mas serão mais atraídos pela objetividade da palavra escrita e menos pela subjetividade dos dons espirituais. Espíritas terão mais facilidade com os dons. Não estou generalizando nada, há muitas variáveis, também não estou normalizando Deus e o plano espiritual. Refiro-me a seres humanos baseados em seus conhecimentos acumulados, escolhas e interesses pessoais. 
      Na mente humana, conhecimento não é substituitivo, é acumulativo. Significa que nada jogamos fora, como na internet, o que cai em nossa mente, fica, ainda que alterado. Mas não é porque é memória que é verdade, nem o que vivemos em primeira mão, se lembrado, tempos depois, nos entregará informações fidedignas. Nós misturamos memórias passadas com óticas presentes, com emoções e conhecimentos atuais, assim, quem conta um conto, sempre acumula um ponto. Isso pode nos ajudar a entender porque tradição oral, mesmo de experiências com o sagrado, não é verdade pura. Ainda que seja conhecimento religioso e de um Deus verdadeiro, ele é mistura de verdades, mentiras, conveniências, passado e presente. 
      Há algo importante nesse mecanismo mental de construção de informação, temos a tendência de registrar e manter o que faz sentido para nós. Mas mais, temos a tendência de concluir o que faz sentido para nós, manipulamos a verdade a nosso favor. Em nossa história somos sempre os bonzinhos, e ainda que temporariamente vítimas, vencedores no final. Não somos confiáveis, não na maior parte do tempo e na maioria das coisas que afirmamos serem verdades. Se nossa mente é frágil para entender, reter e manter informações, por que não seriam as mentes dos que construíram a Bíblia? Eram seres humanos como nós. Sabendo disso e com comprovações históricas e arqueológicas podemos entender melhor as coisas.
      Por exemplo, foram os judeus após o exílio babilônico, não um Israel com doze tribos, que escreveram o Pentateuco para defenderem interesses de seu tempo. Moisés não escreveu, pelo menos não todo, ainda que o texto relate histórias de seu tempo. Diante disso, deveríamos ser mais humildes, ou pelo menos mais cuidadosos. Cópias manuais eram necessárias num tempo em que não havia imprensa, para produzir mecanicamente cópias sempre fiéis às originais. Mas ainda que escribas israelitas fossem bem cuidadosos em copiar textos sagrados, mais que aqueles que faziam cópias de textos do novo testamento, a fonte original já estava comprometida, principalmente porque eram histórias antigas relembradas e manipuladas. 
      Aceitar os defeitos, mentiras e manipulações de religiões, textos sagrados e de muito que o cristianismo diz sobre Israel antigo, sobre Jesus e sobre o final do mundo, não nega Deus, purifica-o mais em nós. Essa aceitação entrega ao ser humano a responsabilidade de escolher e viver espiritualidade, ele tem recursos para isso, principalmente no século XXI, com ciência séria disponível a todos na internet. Mas toda essa crítica, contudo, me deixa com um intrigante questionamento, diante de um delicioso mistério. Por que, mesmo que o cristianismo tenha se desviado tanto, ainda falamos hoje, vinte séculos depois, de Jesus, por que sua encarnação nos tocou tanto? Deus não precisa de religiões, nós, só do verdadeiro Jesus. 

10. Ciência purifica a fé

      “Guia-me na tua verdade e ensina-me, pois tu és o Deus da minha salvação, em quem eu espero todo o dia.” Salmos 25.5

      Ciência, elemento purificador da fé. Conhecimento, elemento fortalecedor da espiritualidade. Perguntar se é doença mental ou sensibilidade espiritual, é confrontar fé com ciência, é submetermos nossas crenças, nossas experiências religiosas, nossas referências de Deus e do plano espiritual, com evidências trazidas por avaliações científicas sérias. Queridos e queridas, temos o direito de crer no que quisermos, e não há dúvidas que a fé tem feito bem a muitas pessoas, se é só pela disposição mental que entrega, ou pelas relações sociais que permite, não importa, mas que faz bem, faz. Contudo, a mente humana é complexa e influenciável, passível de ser conduzida a achar que são reais, coisas que só existem dentro dela. 
      Algo primordial é separar ciência séria de pseudo-ciencia. Informação histórica, para ser tida como evidência científica, precisa passar pelo crivo de provas, obtidas por estudo histórico, paleontológico, dentro e fora de laboratórios, submetidas a repetitivos processos de revisão dentro de academias reconhecidas. Quando se diz que algo não é provado pela ciência, se diz, pelo menos, que a probabilidade maior é que algo não tenha sido real. Mas ciência séria também não afirma coisas que ainda não foram cem por cento comprovadas, nessa situação segue aberta a novos e mais profundos estudos e averiguações, que talvez só sejam possíveis no futuro. É certo que muita coisa nunca saberemos se de fato é verdade.
      Sobre cristianismo algo precisa ficar claro, teologia não é ciência, saber teologia não é ser científico. Outro princípio é importante, a Bíblia não pode ser comprovada pela própria Bíblia, não é porque está no antigo testamento e foi cumprido no novo testamento que prova que seja verdade. Bíblia não são relatos com rigidez científica feitos por homens em seus tempos, que após registrados permaneceram intocáveis. Além de terem sido escritos tempos depois do pretensamente ocorrido, sujeitos às alterações que ocorrem na tradição oral, receberam interpolações e seleções conforme intenções de escritores e copistas de outros tempos, sujeitos a acontecimentos históricos de seus tempos, que interferiram na ótica do passado. 
      O que a Bíblia relata, por exemplo, como criação do mundo e do homem, Noé e a arca, Abraão, Moisés e a origem da nação de Israel, tem mais a ver com noções e intenções do judeu pós exílio babilônico, que com a verdade sobre fatos ocorridos ao pé da letra no tempo da criação do mundo e do homem, de Noé e da arca, de Abraão, de Moisés e da origem da nação de Israel. O mesmo ocorre no novo testamento, evangelhos, cartas e apocalipse, podem refletir mais noções e intenções da liderança católica do século IV, que fatos ocorridos no século I, nas vidas de Jesus, Paulo, João e outros. O que muitos consideram hoje relevâncias da teologia, não foram relevâncias do Jesus histórico (se puder, assista o vídeo deste link). 
      Temos a tendência de nos acomodarmos, principalmente na fé, onde tudo é tão subjetivo. Precisamos nos fazer uma pergunta: queremos de fato saber a verdade, em primeira mão, por escolhas próprias, ou queremos comprar verdades dos outros, sermos apoiados pelos outros e fazermos parte de algo maior, tradicional, conservador? Deitar-se em mentirosas zonas de conforto vicia, vício sempre precisa de novas mentiras para manter-se consumindo prazer. Não é fácil libertar-se de qualquer vício, religião é vício poderoso, afinal, envolve fé, Deus, eternidade. Quem receber ciência como luz, terá a fé aprimorada, se aproximará mais do Deus genuíno, mas isso se tiver coragem de aceitar a mentira e viver a verdade. 

11. Ciência cura a fé

      “Bem-aventurado é aquele que põe no Senhor a sua confiança e não se volta para os arrogantes, nem para os que seguem a mentira.” Salmos 40.4

      Esforcei-me em conhecer a verdade sobre Deus e o plano espiritual. Li textos, conheci ritos, desvendei mistérios, entendi feitiços. Atolei-me na Bíblia, estudei cada contexto histórico, ambiente geográfico e geopolítico, revivi línguas mortas. Maratonei histórias dos personagens que construíram a nação de Israel, cada patriarca, cada juiz, cada rei, cada profeta, cada cronista, cada poeta. Testei seus acertos, me vi em seus erros, comi a palavra que era doce na boca e amarga no estômago, querendo saciar minha alma. Então, superei o maior de todos os medos, o de provar do fruto da árvore do conhecimento, hoje sabemos, chama-se ciência, não magia ou alquimia. Purifiquei minha fé com o fogo de Prometeu, não fui expulso do Éden. 
      O que importa para quem tem fé em Deus é: personagens bíblicos são totalmente mitos, invenções de homens de tempos posteriores aos que a Bíblia parece dizer que viveram tais personagens? Não, nem historiadores científicos e céticos concordam com a  de muitos ateus e inimigos de religiões, e é preciso fé para ser ateu e crer que Deus e muitos personagens sagrados não existiram. Se não se pode provar cientificamente que existiram, também não se pode provar que não existiram, seja Deus, Moisés ou Jesus. Houve em algum momento personagens reais sobre os quais possíveis mitos foram criados! Moisés s Jesus nunca existiram? Não, mas a Bíblia contém mitologia sobre os personagens históricos Moisés e Jesus. 
      Isso importa para Deus ouvir e atender à humanidade? Não. Se importasse seres humanos de tempos onde não havia ciência séria para separar fato de mito, não seriam cuidados pelo Deus que tudo sabe. Muita coisa é mentira no sentido científico, mas é verdade no sentido de revelar quem tem sido o ser humano na história. Para o estudo científico, importa não o que muitos textos dizem, mas o que não dizem, o que parece ter sido retirado deles, como aquilo que foi interpolado tempos depois e com estilo literário diferente daquele do autor original. O olhar melhor da Bíblia mostrará as relevâncias de religiões, sacerdotes, nações, imperadores e outros líderes políticos, assim de homens, não necessariamente de Deus, esse nada escreveu.
      Se há algo que a ciência tem feito, é curar a humanidade, deixar a vida mais confortável e duradoura. No passado seres humanos morriam cedo e muitas vezes de formas terríveis. Anestesia, antibióticos, vacinas, próteses, cirurgias feitas com pequenos aparelhos, assim menos invasivas e doloridas, tudo isso tem medicado e recuperado as pessoas. Mas a ciência também pode curar a fé, e creiam, essa ainda está doente. Em pleno século XXI temos muita informação na internet, com acesso fácil e gratuito. Sim, há muita mentira, muito pseudo-ciência e fake news, no meio protestante há muitos, até bem graduados em certas áreas, mas mais teólogos que cientistas, prestando desserviço à lucidez, mantendo a fé enferma. 
      A maioria não está preparada para a verdade, ainda que essa chame todos com amor. Muitos dizem, “ciência tenta matar Deus, destruir a fé, é do diabo”. Quem pensa assim, crê num “Deus” pequeno e fraco, o “Deus” de religiões, não o genuíno, grande e forte. Se há mitologia (se puder, assista vídeos deste link) em culturas grega, escandinava, indiana, africana, japonesa, por que não na judaica? Ciência aprimora a caneca, não muda a água. O rio segue vivo e puro, eficiente para matar a sede. Cabe-nos aperfeiçoar e limpar a ferramenta usada para colher a água. Quem usa caneca suja até bebe água, mas misturada com 

12. Ciência fortalece a fé

      “Quando me dediquei a conhecer a sabedoria e a ver o trabalho que há sobre a terra — pois nem de dia nem de noite se consegue conciliar o sono —, contemplei toda a obra de Deus e vi que o ser humano não pode compreender a obra que se faz debaixo do sol; por mais que se esforce para a descobrir, não a entenderá; e, ainda que o sábio diga que conseguirá conhecê-la, nem por isso a poderá achar.” Eclesiastes 8.16-17

      Fé, relevância máxima, principalmente em igrejas protestantes de linha pentecostal. Muitos graduam sua espiritualidade pela constância da fé e tamanho de seu objeto, é forte à medida que é inabalável e acredita em algo grande, que pode fazer o impossível, principalmente no plano material. Mas será que isso é fé de qualidade ou fé enferma, proveniente de algum transtorno mental? Ver em nós uma fé absoluta e perfeita é ver-nos como seres absolutos e perfeitos, dessa forma impedir-nos de crescer e melhorar. Deus não muda, mas nós temos que mudar, assim como nossa fé. Isso não é perder a fé, é purifica-la, curá-la, fortalecê-la. Fortalecimento de virtude, não se faz do mesmo jeito que se faz fortalecimento do corpo. 
      Se o corpo torna-se mais forte à medida que se acrescenta a ele massa muscular, com exercícios e ingestão de suplementos, espírito fortalece-se com perda. A perda não é de Deus, mas do ego humano, esse pode construir na cabeça do homem poderosos ídolos mentais, nos quais o ser acredita achando que é o próprio Deus. Ter coragem de confrontar a própria fé é ter coragem de enfraquecer-se e exaltar Deus. Contudo, quem admite erros, se dá ao direito de mudar de opinião, assume as rédeas de sua jornada, escolhe no que crer e não crê só porque religião diz que é no que se deve crer. Eis mais um maravilhoso antagonismo do verdadeiro evangelho do Cristo, diminuir para aumentar, enfraquecer para fortalecer. 
      Ter fé forte não é não admitir mudá-la, mas é ter a coragem de modifica-la, para aproximar-se mais de uma fé mais pura, com as intenções melhores, as morais, mais que as materiais, e num objeto mais digno, o genuíno Deus, não o “Deus” de religiões. Se perguntarmos a muitos evangélicos se eles têm fé usarão o texto de Mateus 17.20 para justificarem a importância de fé que dispara e faz acontecer eventos materiais. Poucos querem fé para serem mais humildes, mais santos, mais amorosos, poucos na verdade exercem uma fé mais poderosa. Mesmo muitos desses, creem porque usam interpretações ao pé da letra de textos bíblicos como bases para suas crenças. Poucos têm coragem de aceitarem a ciência como dom de Deus. 
      Há padres e pastores pregando um Cristo que não conhecem, mas mesmo que não se tenha entrado numa sala com um banquete, mostrar a porta da sala pode levar outros a entrarem e se fartarem com o banquete. Muitos têm uma ideia fictícia do banquete, creem em sua existência, mas nunca o provaram. Há cientistas, esses em mais quantidade, já que possuem dúvida como princípio, graduados e pós-graduados em boas universidade, que fazem pesquisa séria e comprovada por pares igualmente idôneos, que são ateus. Não é por isso que não usaremos seus conhecimentos científicos para purificar, curar e fortalecer nossa fé, aliás, como cristãos temos a obrigação de praticar a humildade para sermos alunos, não mestres. 
      Só sei que nada sei. Tal afirmação contrapõe-se ao princípio de vida de tantos cristãos, que acham que porque creem na Bíblia sabem tudo. A revolução que o pensamento científico fez, não foi a certeza, foi a dúvida, certeza a Igreja Católica já dava ao ser humano. Baseado em Gênesis, por exemplo, o cristão sabia em quanto tempo o planeta Terra, a natureza, os animais e o homem tinham sido criados (há cronologias bíblicas na internet, que muitos leem como verdade científica). Um cristianismo equivocado adoeceu a fé da humanidade por séculos, vendendo certezas, punindo quem duvidasse delas, e impedindo a ciência, que se escondeu por vezes em ocultismo ordens secretas, não de anular a fé, mas de aperfeiçoa-la. 

13. Fé é remédio

      “Ao ver as multidões, Jesus subiu ao monte. Ele se assentou e os seus discípulos se aproximaram dele. Então ele passou a ensiná-los. As bem-aventuranças Jesus disse:…” Mateus 5.1-2

      Os versículos acima introduzem o quinto capítulo do evangelho de Mateus, o texto central e mais importante da Bíblia, sob meu ponto de vista. Ele pode conduzir o ser humano ao Altíssimo, como nenhum outro ensino religioso faz. O sermão das bem-aventuranças é suficiente para aceitarmos que um Jesus existiu e ensinou algo especial. Queremos creditar tantas coisas, bastaria-nos viver Mateus 5

      Há fortes evidências históricas de que Jesus era analfabeto. O texto que o mostra escrevendo (João 8.3-11) pode ter sido uma adição tardia feita ao texto original, e sobre o texto que o mostra lendo (Lucas 4.16-20), não se tem comprovação arqueológica até o momento de que havia sinagoga em Nazaré (se puder assista vídeo neste link para mais informações). Mas se Jesus tenha sido iletrado, como era a maioria em sua época e no seu contexto, não era medíocre, senão não estaríamos falando dele hoje, vinte séculos depois. Ele existiu e de algum jeito foi especial a ensinar o caminho para Deus. Contudo, muitos hoje, bem educados, são burros, o que emburrece, não é falta de informação, mas arrogância, algo que cristão não deveria ter. 
      Arrogância é uma das piores armadilhas, todos podem cair nela à medida que se achem melhores que os outros. Contudo, aqueles com alguma formação intelectual, e no meio protestante e evangélico são aqueles com “faculdade” teológica, ou com alguma formação autodidática no tema, são os que podem ser mais arrogantes. São à medida que aliam pseudo ciência a seus conhecimentos e deixam de ouvir historiadores sérios que de fato praticam ciência. “Mas muitos cientistas são ateus?”, alegam teólogos. E daí? Você deixa de fazer tratamento de canal com um dentista só porque ele é ateu? Mas muitos dentistas frequentam igrejas e aprendem com religiosos sobre fé, não porque esses ensinem ciência. É preciso separar as coisas. 
      Que fique claro, cada um acredite no que quiser, mas deveríamos ser minimamente científicos, não para crer só no que tem comprovação ciência, isso seria exigir demais da humanidade atual. O mínimo é, como dizemos aqui, confrontarmos o que cremos com bons frutos que permanecem no tempo, gerados pela fé. Fé que nos deixa mais doentes ou que só gera paixão, portanto, uma falsa e passageira noção de bem estar, não é útil, pode até ser pior que ser cético, só doentia obsessão. Ideal seria limparmos todo engano de nossos objetos de fé, casar com coragem e equilíbrio ciência e fé, o que pode ser fisicamente comprovado e aquela misteriosa essência humana que chama-nos a uma experiência de comunhão com o incognoscível divino. 
      Pessoas adoecem, mas não se curam por vários motivos. Umas não procuram ajuda médica, outras não tomam remédios indicados e outras tomam remédios errados, ou indicados por médicos equivocados, e não é porque é médico que se é adequado. Vimos isso na pandemia da Covid, gente vendo teoria de conspiração nos remédios indicados por profissionais sérios, e outras pessoas usando medicação inadequada, como a Cloroquina. Com religiosidade ocorre algo semelhante. Dizer que o ser humano não tem espírito e que Deus não existe pode ser só negar a doença, ainda que não haja provas de que esses existam, não há que não existam. Há uma doença precisando de cura, ela é espiritual e tratada com remédio acessado por fé. 
      Fé é acesso para o remédio ou é o próprio remédio? Há quem diga que nada é sem fé, outros dizem que nada são sem Deus, mas outros dizem que são o que são por Maomé, por Buda, por Iemanjá, e aí vai. Outros, entretanto, dizem que são o que são por causa da ciência séria. Há fés e remédios vendidos nas mais diversas farmácias do mundo, para gostos e preferências variados. Mas há muita gente levando fórmula pronta e pedindo manipulação de remédio exclusivo, não seguindo orientação profissional, só fé pessoal, ainda que em placebo, ou pior, em mistura sem comprovação adequada. O que adoece ou mantém doente? Para vendedor de droga importa manter viciado como tal, para que esse siga dando-lhe lucro. 

14. Propósito leve eleva-se

      “Convém que ele cresça e que eu diminua. Quem vem das alturas certamente está acima de todos; quem vem da terra é terreno e fala da terra. Quem veio do céu está acima de todos” João 3.30-31

      Propósito, ninguém vive sem um. Buscamos propósito nas mais diferentes coisas, nos prazeres físicos, em sexo, em amigos, em inimigos, em intelectualidade, no estudo, na arte, na música, em nada, mas também, e isso é só mais um item na lista, na espiritualidade, com efeito, em religiões.Viver sem propósito é ver-se no caos, e esse, mesmo que não seja discernido racionalmente, é sentido. Sentir pode importar mais que saber. É incrível como seres humanos diferentes elegem para si propósitos de vida diferentes. Para muitos é ser rico, para outros é ser famoso, para outros, contudo, é ser aprovado por grupos, nesse item religião é eficiente. Religião dita regras extremas do ser, certo e errado, céu e inferno, difícil resistir à ela.
      O que é melhor que ser aprovado por um divino que tem um grupo que o aprova e que nos aprova? Nisso as coisas se confundem, se misturam, divino com grupo tradicional e conservador, indivíduo com coletividade. Ter um divino reconhecido por uma religião antiga e popular é propósito que funciona, afinal, tem funcionado para muitos e há muito tempo. Mas que propósito é melhor, agradar a Deus ou a homens, ser reconhecido por religião ou por Deus? Quem pode viver sem propósito, quem pode viver sem o divino, quem pode viver sem Deus como propósito? Propósito é de fato intenção sincera do bem ou só obsessão para dar sentido à carência, insegurança e ignorância? E se o propósito for não ter propósito?
      Serei bem pessoal agora, talvez isso possa ajudar quem lê este texto, ao menos para não sentir-se só em seus pensamentos. Tenho uma vida de diálogo com Deus muito constante, mesmo quando estive em ambientes indignos, fazendo coisas não tão dignas, às vezes com a consciência alterada, pensei em Deus, agradeci, pedi proteção. Isso preenche minha mente de forma poderosa, por isso, considerar a não existência de Deus e do plano espiritual, cogitar que tudo isso seja só fantasia de minha cabeça, me lança num caos, faz com que me sinta vazio de maneira muito dolorida, falta-me o ar que respiro. Sem Deus minha existência não faz sentido, não vejo razão para praticar Mateus 5 diante de tanta maldade do mundo. 
      Tenho uma característica, e busco com afinco não me achar melhor por isso, ainda que arrogância tantas vezes me alcance, não me acomodo a pontos de vista dos outros. Não me taxe de incrédulo, rebelde ou desviado, sou só alguém com coragem de pensar com inteligência. A avaliação negativa que faço de catolicismo e protestantismo não é infundada, quem estuda um pouco de história saberá de frutos ruins e más intenções de líderes dessas religiões pelos séculos, ainda que um Jesus especial tenha existido. Tenho levado ciência ainda mais a sério nos últimos tempos, e pasmem, isso não matou minha fé, nem diminuiu as experiências que tenho com o espiritual. Meu propósito de vida só tem elevado-se, só sobe o que está leve. 
      Quanto maior o propósito, maior o ser, mas quanto mais alto o propósito, mais alto o divino do ser. Viver bem é elevar o principal propósito de vida, acima de matéria, intelecto, necessidades imediatas, homens, pares, ideologias, religiões. Temos elevado o propósito ou conservado o original, por medo dos religiosos? Ao menos temos mantido o inicial, ou desistido, por mágoa do que não conseguimos viver? Talvez não seja o caminho em que se anda, mas o destino para o qual se olha, se for para Deus, o vemos maravilhosamente mais e mais distante. Isso não desanima, ensina sobre nós, quão pequenos somos por sermos tão egoístas e vaidosos. Que Deus cresça, nós diminuamos, eis propósito superior e durável. 

15. Culpa, uma deusa

      “Concede-me somente duas coisas, ó Deus, e assim não me esconderei de ti: tira a tua mão de cima de mim, e não me amedronte o teu terror. Interpela-me, e eu responderei; ou deixa-me falar, e tu responderás. Quantas culpas e pecados tenho eu? Mostra-me a minha transgressão e o meu pecado.” Jó 13.20-23

      Usar fé sem checar seus frutos, isolar-se e afastar-se das referências dos outros, querer agradar a homens, não a Deus, viciar-se em religião como zona de conforto, podem ser motivos que nos levem a adoecermos mentalmente, ainda que equivocadamente nos achemos com dons diferenciados, espirituais. Mas há algo que atormenta todos os homens e pode leva-los a usar o divino e o plano espiritual de forma doentia: culpa. Culpa não é só dor sofrida, é algo guardado, cuidado, protegido, usado, idolatrado, como uma deusa. Ela pode estar tão amalgamada à nossa personalidade que constrói nossa identidade, nos impulsiona a viver e a morrer, a amar e a odiar, a servir e a manipular. Culpa é energia para viver. 
      Religião não só é usada para aplacar culpa, mas é geradora de nova culpa, culpa por não obedecer a religião. Culpa e religião se alimentam, possuem relação parasitária em duas vias. Uma fortalece a outra à medida que o ser enfraquece-se por uma delas. Que fique claro, culpa tem um propósito útil. É sistema de alarme que soa quando desobedecemos regras morais ou éticas, pessoais ou sociais. O ponto é como resolvemos a culpa, ou, se religião, que muitos buscam praticar, é a melhor solução para ela. Tratamento psicoterápico pode ter melhor resultado, para administrarmos adequadamente a culpa, que prática religiosa, ainda que psicologia também deva ser utilizada com cuidado (há quem a considere pseudociência). 
      Se medo nasce da sensação de perda de controle, pode temer-se o diabo por crer que ele afasta de Deus, assim de religião e de controle. O conceito diabo mudou na história da humanidade à medida que mudaram maldade e medo humanos. Na antiguidade não se tinha controle sobre enfermidades físicas, assim, deuses, não necessariamente diabos, mas entidades espirituais poderosas, eram responsáveis por trazem moléstias aos homens. Não eram maus quando adoeciam inimigos, assim eram úteis mesmo no desagradável que provocavam. Na verdade, na antiguidade, deuses não eram bons ou maus, só responsáveis por algo que os homens desconheciam as causas, como forças da natureza e doenças (se puder, assista vídeo deste link). 
      Na idade média construiu-se a figura do diabo que mixava o deus grego Pan ao Satanás bíblico, esse escravizava seres humanos aos pecados morais, numa religião mais evangelizada. Atualmente, após as transformações sociais dos anos 1960, diabo está muito ligado à liberação de prazer físico, motivo que leva muitos a inverterem os conceitos “Deus” e diabo, vendo naquele que o cristianismo diz ser bom, um limitador e punidor, e no que tradicionalmente é mau, um libertador e recompensador. Negar a culpa é tão prejudicial quanto adorá-la, ainda que ateus e opositores do Deus cristão digam que negar a culpa seja saudável. Vivemos momento quando culpa perde o glamour, mesmo nos que frequentam templos cristãos.
      Muitos estão mais interessados em exercer fé para obterem prosperidade material, que perdão para aplacar culpa. Enfraquecendo-se a culpa, enfraquecem-se denominações cristãs, por isso tem estado tão em moda, no Brasil ao menos, religiosidades afroespíritas e outras, com menos rigor de costumes (aqui não há nenhuma juízo de valor ou generalização). A mensagem principal do cristianismo é fé no Cristo para se ter perdão de Deus e lugar no céu, portanto, único e eficiente remédio para a culpa. Mas será que cura para culpa, o efeito, é cura para o pecado, a causa? Será que religiões cristãs estão curando o ser humano ou só tornando sua vida suportável ao efeito da doença? Ou pior, vendendo placebo com preço de remédio caro?

16. Acusação, um vírus

      “Ao que às escondidas calunia o próximo, a esse destruirei; o que tem olhar arrogante e coração orgulhoso, não o suportarei. Os meus olhos procurarão os fiéis da terra, para que morem comigo; o que anda em reto caminho, esse me servirá.” Salmos 101.5-6

      Focar no próprio interior de forma exagerada, ainda que pretendendo usar ponto de vista espiritual, pode adoecer. Quem só olha para si pode achar-se a mais sofredora das vítimas e mais digno de direitos, assim até com direito de fazer vítimas. Mas visão exterior exagerada, mesmo que sob ótica religiosa, assim, pretensamente espiritual, também adoece. Viver comparando os outros, procurando neles, não qualidades, mas defeitos, para que os nossos defeitos sejam minimizados, desconsiderados, torna-nos juízes, não como Deus é, se é que ele é juiz, como o diabo é. Não somos Deus, também não somos os pais, os chefes, os pastores ou os psicólogos de muitos, e ainda que sejamos, podemos exercer isso do jeito melhor, com amor.
      Quem não quer se curar tentará deixar os outros enfermos, admitir bondade nos outros, para muitos, é admitir que pode ser bom, mas não é porque não quer, não por culpa dos outros. Acusado acusa, tristeza odeia solidão, o amargo não buscará consolo dos doces, mas tentará usar sua amargura para deixar os outros amargos. Se o bom tem a companhia de Deus, dessa forma atrai os bons para si, o mau atrai espíritos malignos, assim, não tem companhia de seres humanos, sejam bons, sejam maus, só tem do diabo. Parece extremo esse raciocínio? Mas é real e bem sério. O que tem isso a ver com o tema “doença mental e sensibilidade espiritual”? Quem acusa exerce forte energia espiritual, que com efeito pode enlouquecê-lo.
      Enlouquecer é perder a noção da realidade. Quando irados, invejando, desejando o que não é nosso, ou mesmo o que é, mas de forma exacerbada, ficamos surdos e cegos, assim perdemos a noção da realidade. Muitos, achando-se sensores eleitos pelo divino, usando textos sagrados, práticas religiosas, comunicação com o espírito, nada mais são que doentes mentais. Se não inicia-se em amor puro e não termina em paz sustentável, por mais que pareça religioso, moral, espiritual, não faz bem. Estar sadio não é só vigiar na qualidade de própria vida, mas vigiar para não julgar a qualidade de vida dos outros. Só Deus sabe no que cada ser esforça-se para ser seu melhor, ainda que esse melhor não esteja em nossa referência de melhor. 
      Não é porque sentimos que é verdade. Vemos o que queremos ver. Se sentimos, vemos, assim, vemos muita coisa que é só mentira fantasiosa de nossas mentes. Quer ver mais? Leia mais, estude mais, aprenda mais, saiba mais. Isso não garantirá a você saber a verdade mais alta, mas diminuirá o número de mentiras em que você crê achando que é verdade. Seres em desconstrução, é o que somos, duvidando de “Deus” para conhecer mais a Deus. Quem fecha, morre, quem conclui, desaprende. Desafio é manter-se aberto e aprendendo, assim, amar e ter paz. Contudo, quem encerra aprendizado achando que a paz que o que aprendeu é suficiente, vê a paz escorrer entre os dedos como areia, não pode amar, só julga e condena.
      Jesus era tão humano que parecia divino, contudo, os que querem ser divinos tornam-se desumanos. Querer ser “Deus” é se achar no direito de avaliar outros humanos com referências próprias. Isso implica numa falsa premissa do que é Deus, um juiz. Deus a ninguém julga, apenas dá a referência do que é certo. Somos julgados pelas próprias consciências, e condenados por desobedecermos aquilo que achamos que Deus pede de nós. Será que o absoluto Deus pede algo além do amor? Achamos que pede santidade, mas santidade é efeito, não causa, de quem ama a um santíssimo Deus e por amor quer agradá-lo. Quem ama alarga-se para conter mais misericórdia e generosidade, assim expulsa o vírus acusador e não adoece.

17. Idolatria adoece

      “— Não tenha outros deuses diante de mim. — Não faça para você imagem de escultura, nem semelhança alguma do que há em cima no céu, nem embaixo na terra, nem nas águas debaixo da terra. Não adore essas coisas, nem preste culto a elas, porque eu, o Senhor, seu Deus, sou Deus zeloso, que visito a iniquidade dos pais nos filhos até a terceira e quarta geração daqueles que me odeiam, mas faço misericórdia até mil gerações daqueles que me amam e guardam os meus mandamentos.” Êxodo 20.3-6

      Muitos cristãos condenam afroespíritas como idólatras, quando esses se comunicam com ancestrais africanos, indígenas e brasileiros, sem fazer aqui juízo de valor com relação a esses. Protestantes condenam católicos como idólatras, quando esses focam em santos para se comunicarem com Deus. Mas o que de fato é idolatria? O cristianismo primitivo até o estabelecimento da Igreja Católica teve dois objetivos. O primeiro foi ensinar que fé no Cristo tem mais valor que as obras da religião de Moisés. O segundo foi superar o panteão do paganismo greco-romano pelo monoteísmo da tradição judaica-cristã. Será que foram alcançados tais objetivos? Ou, arriscando-me a você discordar, será que isso de fato importa para Deus?
      Ídolo é tudo aquilo que é maior e mais alto que Deus no interior do ser humano. Maridos de algumas mulheres são ídolos para elas. Artistas são ídolos para muitos jovens. Times de futebol são ídolos para muitas pessoas. Contudo, uma ideia sobre Deus, construída com princípios bíblicos, dogmas, doutrinas, teologias cristãs, pode ser ídolo para muitos evangélicos. Deus dá assim tanta importância para isso? Não, abençoa por amor, aproxima-se mesmo do ignorante, não espera perfeição para salvar. Mas a presunção, de quem se considera melhor que os outros, pode ser pior que idolatrias, que muitas vezes são só reforços para que o ser foque a fé e busque a Deus, não é o ideal, mas é o possível para muitos mesmo no século XXI.
      Há boa sinceridade no humilde, ainda que lhe falte conhecimento, há soberba em muitos eruditos, abarrotados de conhecimento. Não tenha outros deuses diante de mim, se entendermos isso não seremos escravos de maus religiosos e não teremos medo de seguir jornadas pessoais para conhecermos o Altíssimo. Também não temeremos poderosos deste mundo, que têm poder sobre o dinheiro, não sobre nós. Toda religião, em alguma instância, fabrica e vende algum tipo de ídolo, ainda que nem todos estejam preparados para conhecer a verdade mais alta de Deus e sejam cuidados nelas. Sofrer de forma exagerada é idolatria, ídolo mantém-se “vivo” em nós pelo medo. Deus ajuda-nos em sua bondade e liberta-nos de todo medo. 
      Idolatria pode ser um dos cárceres mais difíceis de sermos libertados, acorrentam-se a ela tanto crentes quanto descrentes. Ciência pode ser ídolo poderoso, domina a mente, ainda que barre contato com o mundo espiritual. Talvez o mais correto seja dizer ainda que tente barrar, espíritos enganadores podem falar, serem ouvidos e acatados, dando para a pessoa a impressão que é só sua própria mente dialogando com ela. Contato espiritual não pode ser barrado, quem nele não crê dirá a si mesmo que é só coisa de sua cabeça. Isso pode adoecer gravemente, tanto quanto adoece crença extremada em ídolo, achando-se ser esse o próprio Deus. (Diz-se que uma artimanha poderosa do diabo é convencer-nos que ele não existe). 
      Idolatria em alguma instância sempre adoece a mente, não é a espiritualidade mais alta que conduz à prática moral elevada. Só o Espírito do Altíssimo Deus de fato liberta, cura, entrega paz e ensina-nos usar adequadamente a ciência. Deus nunca foi, é ou será contra a ciência séria, ainda que pelo livre arbítrio muitos cientistas tentem se convencer que ele não existe. Por outro lado, muitos que demonizam ciência, que veem teoria de conspiração da marca da besta em chip contido em vacina, recebem de Deus atenção e cuidado, não façamos com esses o que eles fazem com muitos. Deus salva sãos e enfermos, mas são os sãos que têm o dever de, em amor e humildade, e muitas vezes em paciente silêncio, cuidar dos enfermos. 

18. Amor cura

      “Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver amor, serei como o bronze que soa ou como o címbalo que retine. Ainda que eu tenha o dom de profetizar e conheça todos os mistérios e toda a ciência; ainda que eu tenha tamanha fé, a ponto de transportar montes, se não tiver amor, nada serei. E ainda que eu distribua todos os meus bens entre os pobres e ainda que entregue o meu próprio corpo para ser queimado, se não tiver amor, isso de nada me adiantará.” I Coríntios 13.1-3

      Amor se vive. De amor se fala? Sim, senão não existiria tanta arte, tanta poesia, tantos livros, filmes, tantas peças teatrais. Ele é tão importante que às vezes o encenamos, fingimos tê-lo hoje ou vivido um dia. Viver é arriscar-se a amar, e amor inicia-se na experiência de intimidade maior com outro ser, com atração física, com sexo. Entretanto, a verdadeira paixão não preocupa-se com referências de estética exterior dos outros. Amantes veem beleza em quem pode passar desapercebido por outros, sem graça, sem atrativos. O verdadeiro amor prova êxtases sexual diferenciado e único, mas ele é mais que corpos unindo partes eróticas, tocando, sendo tocado. Amor verdadeiro é durável e de alma, transcende matéria e este mundo. 
      Do que vale a vida neste planetinha se não amarmos? Se não errarmos amando? Se é que amor em alguma instância é erro. Mas quem ama conhece-se e aos outros, liberta-se da família que o criou, que o construiu, e se reconstrói, expande olhos, ouvidos, coração e espírito. Ninguém nasce sabendo amar, ainda que tenho sido amado e do jeito certo por quem o criou, precisa aventurar-se a amar. O que de fato é espiritualidade? O que a evidencia de forma mais clara diante dos homens, útil diante da eternidade, satisfatória, não para as ilusões da matéria, mas para o que identifica nossa essência, nosso espírito? Amor. A história de Jesus é um romance de paixão de Deus pelo ser, é amor, eis o mistério do evangelho. 
      Muitos cristãos consideram tal ênfase uma desculpa que promíscuos inventam para viverem prazeres físicos sem limites e com aprovação de Deus. Isso de fato existe, não negamos, mas quem aproxima-se de Deus em amor e por amor, desejará agradar aquele que ama, dessa forma buscará com todas as forças ser santo, como santo é aquele que o ama. Amor alto e puro compartilha entre amantes, ser humano e Deus, suas identidades, de dois forma-se um, e isso só pode ser agradável e pleno se houver mudança para agradar o outro. Deus já mostrou mudança quando enviou Jesus, não se tornou pecador, mas limitou-se à estrutura de pecador por amor. Cabe-nos agora retribuir esse amor mudando-nos à semelhança de Deus. 
      Se espiritualidade mais alta é amor, e amor inteligente, não qualquer espécie de submissão por medo ou de violência para controle, nela há cura. Quem ama de verdade não adoece, não moral e espiritualmente, o que pode ajudar muito na saúde física e mental. Doença mental ou sensibilidade espiritual? Paulo ensina com clareza em I Coríntios 13, e muitos adoecem mentalmente, ainda que provando poderosos e genuínos dons espirituais, porque não amam. Cure e será curado, ame e será amado, dê para receber. Tudo implica em trabalho, não para acumular dinheiro e bens para agradar os outros, ainda que possamos ter vidas materiais dignas com trabalho honesto. Deus pede de nós prioridade num trabalho neste mundo, amar. 
      Muitos estão ocupados em separar salvos e perdidos, em fazer adeptos as suas religiões que consideram donas da verdade, e não amam. Praticam caridade, mas com aqueles que se abaixam para eles. Amar é trabalho pesado, não para mudar o outro, não para fazê-lo a nossa imagem, mas para mudar a nós para que amemos ainda que o outro não mude. Como digo aqui, Deus não pede que usemos amor como álibi para permanecermos em relação abusiva, não me refiro a isso, refiro-me, por exemplo, a homoafetivos e afroespíritas menosprezados por tantos cristãos. Poderemos nos surpreender ao chegarmos na eternidade e vermos que Deus não medirá espiritualidade por frequência em igreja, mas só por puro amor praticado. 

19. Paz evidencia cura

      “Eis que eu trarei a ela saúde e cura, e os sararei, e lhes manifestarei abundância de paz e de verdade.” Jeremias 33.6

      Doença ou espiritualidade? Até bons frutos externos, incluindo trabalho de caridade, podem enganar os outros, assim não beneficiar quem faz, ainda que úteis a Deus para abençoar os outros. Mas o que nossa religiosidade faz dentro de nós? Quem somos com a espiritualidade que alegamos ter? Temos paz? Se há algo que o curado tem é paz, ainda que tenha passado por longo período na disciplina de Deus, ainda que tenha perdido muita coisa, bens, saúde, tempo, amigos, no final de um tempo na insistente rebeldia de fazer escolhas ruins, ainda que tenha conseguido fazer boas escolhas, pelo menos na maior parte das vezes, e por isso Deus o tenha provado de forma extrema. No final temos que estar em verdadeira, pura e profunda paz. 
      A virtude mais confrontada em nós é a paz, por quanto tempo a retemos, o que abrimos mão para tê-la e o que não abrimos mão para mantê-la. A ira nos tenta a perder a paz, cada vez que alguém rouba direito que pensamos ter. A inveja nos tenta a perder a paz, cada vez que alguém é algo que queremos ser. O latrocínio nos tenta a perder a paz, cada vez que alguém exibe algo que queremos usufruir ilegitimamente. Quem tem sempre é tentado a perder, em última instância não se perde posição, bem, afeto, mas paz. O segredo é assumirmos em paz que de nada somos donos, tudo é de Deus que nos faz mordomos temporários do que ele possui. A única coisa que Deus permite-nos ter, que pode ser nossa, é paz, essa pode ser para sempre. 
      Entretanto, como temos dificuldade para segurar a paz, como facilmente nos esquecemos que Deus se agrada de nós e não acusa, depois que experimentamos perdão e não somos mais acusados por nós mesmos. Somos tratados, medicados, curados, mas logo que saímos do hospital bebemos água suja e outra vez nos contaminamos. Mas de novo Deus nos chama e nos cura, incansável em amar. Paz é poderosa, protege da angústia que leva à fuga nos prazeres físicos, passageiros e descontrolados. Mas paz é delicada, precisa ser, para ser leve e ocupar todos os cantinhos de nossa alma. Por isso, basta um instante de ceticismo e nos esquecemos dela, então, dando lugar à angústia. Só o manso e humilde retém a paz e segue limpo e livre. 
      Se diabo e o mal mudaram conforme mudou o ser humano, também mudou a ideia que se tem de Deus, e consequentemente da paz que ele pode dar. Uma vida tranquila para o ser humano do tempo de Davi, não era para o ser humano do tempo de Jesus, como não era para o católico da idade média, assim como não era para o protestante do século XVI. A diferença não tinha como causa religião, mas a vida material, em como se obtinha alimento, residência, em como se comercializava bens, em como se relacionava com reis e sacerdotes, em como conviviam com guerras e escravidão, meios que nações antigas usavam para crescer e enriquecer. Tais questões materiais construíam religião usada para se vivenciar virtudes morais. 
      O papel de mulheres, crianças, jovens na sociedade, conceitos de família e vida privada, tudo isso se modificou com estudo científico sério desatrelado de magia. Deus é sempre o mesmo, mas o ser humano mudou, assim como aquilo que pede a Deus para ter paz. Davi queria vitória sobre inimigos, católico medieval submetia-se a clero e nobreza para proteger-se do diabo e do inferno. Já na sociedade atual, liberdade e igualdade são agenda, ainda que o materialismo imperante instrumentalize fé para se obter prosperidade física. Anacronismo adoece, tentarmos viver hoje com referências antigas de paz. Temos buscado paz que funciona para nós? Ou só fingimos ter paz numa religiosidade ultrapassada? 

20. Evolução sustentável

      “Por isso, deixando os princípios elementares da doutrina de Cristo, avancemos para o que é perfeito, não lançando de novo a base do arrependimento de obras mortas e da fé em Deus, o ensino de batismos e da imposição de mãos, da ressurreição dos mortos e do juízo eterno.” Hebreus 6.1-2

      Não se iludam, experiência com Deus não se avalia no início dela, mas no final de longo processo. Muitos batem no peito dizendo, a decisão de fé que tomei na juventude mantenho até hoje, sou fiel à igreja, à doutrina, à crença em que comecei minha jornada com Deus. Será que de fato isso é sintoma de vida com Deus? De vida com religião, talvez, com Deus, não. Em primeiro lugar Deus não se revela por completo e em profundidade a nenhuma religião, ainda que o cristianismo, por pregar o Cristo, tenha vantagens. Infelizmente, é justamente o cristianismo que mais possui seitas, desvios, manipulações humanas. Não se falsifica alumínio, pouco valor tem o original, quanto mais a falsificação, falsifica-se ouro. 
      Caminhar com Deus é ser confrontado com a verdade, sobre nós, sobre os homens, sobre as religiões, sobre Deus. Confronto, pede fortalecimento, para resistir, mas mudança, quando se tem humildade para assumir que algo não pode ser confrontado, mas evitado. Mentem os que dizem que seguem numa religião porque ela é perfeita, enganam-se os que seguem em uma, mesma sabendo que ela é imperfeita. Acovardam-se os que tornam-se céticos e desviam-se, não de religião, mas de Deus, quando é a religião que se desviou de Deus. Deus nos chama à evolução sustentável, seu Espírito nos atrai e capacita para isso. Evolução espiritual é possível, mas é justamente a religião que pode barrar nossa jornada nela. 
      Após constatarmos erros e defeitos de religiões é que somos confrontados com quem realmente somos. Escolhemos ser melhores por medo do que religiões dizem, ou porque dentro de nós há algo que podemos nem entender o que é, mas que ama o bem mais que qualquer outra coisa, que qualquer medo? Cuidado, mentira sempre tem pernas curtas, não são sustentáveis, se nos baseamos nelas, um dia descobrimos que são frágeis castelos de areia. Após tal constatação, o que ficará de pé de nossa jornada de espiritualidade, da religião que professávamos com orgulho? A escolha é nossa para seguirmos bons e até o fim, religião pode ajudar-nos e no início, mas o que é determinante é nossa decisão pessoal, por fé e trabalho racional.
      Tem muita gente viciada em religiosidade, gosta de protocolos e liturgias, sente-se protegida neles, e para muita gente de fato é melhor esse vício que outros. Mas será que essa gente se assume, é feliz em tudo que pode ser, ou só usa isso para fugir de verdade pessoal, limitando felicidade e utilidade? Na há dúvida que religiões, principalmente as poderosas e tradicionais, com templos centenários e suntuosos, repletos de ícones místicos, são excelentes refúgios para mentes, que não querendo pensar, alugam o direito de pensar a outros, e pior, ao invés de ganharem aluguel por isso, pagam aluguel. Quem somos? Cegos? Ou somos sãos, que não precisam de intervenção milagrosa, só de vontade própria para abrir os olhos e enxergar? 
      Religião tem mantido nossos olhos abertos ou tem fechado nossos olhos? Temos experimentado evolução constante, ou desistimos, porque a religião nos decepcionou ou não nos forneceu mais meios de evoluir? De fato conquistamos uma vida, onde, pelo menos na maior parte tempo, conseguimos ser santos, humildes e amorosos? Quando nos convertemos à espiritualidade, nossos olhos espirituais são curados, de cegos passamos a ver. Contudo, a religião pode nos impedir de ver, não por nos tornar cegos, isso ela não pode fazer, mas por nos levar a fechar os olhos. Nesse ponto, uma reiniciação pode ser necessária, agora não será mais Deus se revelando, isso ele já fez, mas nós, tomando a iniciativa de escolher ver mais dele.

21. Escolha pessoal

      “Então ele me disse: — Não tenha medo, Daniel, porque as suas palavras foram ouvidas, desde o primeiro dia em que você dispôs o coração a compreender e a se humilhar na presença do seu Deus. Foi por causa dessas suas palavras que eu vim.” Daniel 10.12 (amo esse versículo)

      Não há limites para o sofrimento, também não há para a criatividade de muitos para inventarem soluções para esse sofrimento. Constelação familiar (se puder, assista o vídeo do link) é um exemplo, algo em moda atualmente, ainda que seja invenção já de algum tempo. A pergunta que devemos nos fazer quando envolvidos com alguma espécie de ideologia, terapia ou religião, é: isso está me fazendo bem, isso me tornou melhor? No início pode até ser bom, seres humanos são apaixonáveis e paixão sempre traz algo de bom. Entretanto, se com o tempo perdemos a crítica, buscamos álibis para nos mantermos em zonas de conforto, que são o apoio que grupos sociais dão, ainda que estejamos infelizes, algo está errado. 
      Precisamos ter coragem para reagir, e nisso está, principalmente, coragem para discordarmos de pessoas que consideramos importantes. Muitos têm relevância em nossas vidas por serem parte da identidade pessoal que construímos, dos critérios que usamos para verificar certo e errado, assim, para nos convencer sobre o que é bom e o que é ruim para nós, ainda que só na teoria. Contudo, muitos têm importância para nós porque os pusemos como arautos do Deus verdadeiro em nossas vidas, assim buscamos seus conselhos, dependemos emocionalmente de suas visões de mundo, tomamos decisões mais difíceis só após ouvi-los. Se agimos assim, onde isso tem nos levado, tem nos feito bem? Sejamos honestos na resposta.
      Somos nós que escolhemos crer ou não crer, somos nós que escolhemos uma escola religiosa ou outra, somos nós que escolhemos Jesus, um santo, um exu, Krishna, Buda, Ala, cientificismo... Não podemos nos sentir obrigados por religião ou por ciência, por doutrinas ou homens, nem Deus nos obriga acreditar nele. A escolha é pessoal, e antes de tudo, compromisso que temos conosco, com mais ninguém. Isso não vai mudar com o tempo, sempre dependeremos de fé para vermos a vida sob os pontos de vista Deus e plano espiritual, assim como obedecermos a esse Deus sobre o ponto de vista do entendimento que escolhemos ter dele. Isso nos conduz à responsabilidade individual, assim nos amadurece, nos fortalece. 
      Muitas vezes seremos questionados por nossa própria consciência, influenciada por gente diferente com diferentes experiências com ou sem Deus, se nossa fé é num Deus real, ou se é só fantasia de nossa cabeça. Quem é crítico e lúcido, ao menos, terá essa “tentação”. Cabe-nos escolher e ficarmos firmes, baseados nos bons frutos e na paz que provamos da escolha até o momento. Escolha é pessoal e por fé, permanência nela depende de critério racional, que confronta plantação com colheita. Se confusão mental ocorrer, não se desespere, acalme-se, pense bem e escolha. Seremos “tentados” assim até o fim, isso tem bom propósito, proteger-nos de mentiras dos outros e nossas, e as nossas podem ser as mais difíceis de superarmos.
      Por mais informações que ciência séria nos forneça sobre Bíblia e religião, separando Cristo mito do Jesus histórico, algo ocorre com aqueles que exercem fé. Ouvem dentro de si uma voz, que lhes mostra esperança, ainda que o racional esteja lotado de conhecimento científico. Quando a dor aperta é que a fé exalta-se e torna-se resposta maior. Céticos vão chamar crentes de esquizofrênicos, doentes mentais que experimentam alucinações e delírios como sintomas psicóticos de enfermidade. Isso existe, não sejamos céticos como os ateus, por isso devemos estar constantemente verificando plantio e colheita de bons frutos e que permanecem. Seja como for, espiritualidade sempre será por fé, e se possível, com alguma razão. 

22. Reis, guerras e o fim

      “Mas Samuel não gostou desta palavra, quando disseram: "Dê-nos um rei, para que nos governe." Então Samuel orou ao Senhor. E o Senhor disse a Samuel: — Atenda à voz do povo em tudo o que lhe pedem. Porque não foi a você que rejeitaram, mas a mim, para que eu não reine sobre eles.” I Samuel 8.6-7
      “Então Jesus lhe disse: — Coloque a espada de volta no seu lugar, pois todos os que lançam mão da espada à espada perecerão.” Mateus 26.52

      Interessante como as pessoas gostam de imperadores. É certo que a Rússia não experimentou uma revolução francesa que ensinou-a viver com a democracia, mas os métodos que comunismo usou e ditadura de Putin usa para coibir opositores, eram usados por czares. O povo russo, em especial, pelo menos em sua maioria, gosta de imperadores, por isso permite comunismo e ditadura. Mas esse fenômeno também ocorre em outros países com outras culturas. No Brasil há parcela bem grande da população, que pode até ser a maioria, que quer a volta da ditadura militar, ou que pelo menos a prefere à esquerda progressista. Pode até ser por motivos ligados à religião cristã, mas muitos querem um ditador que comande política e religião. 
      Por que isso? É mais fácil escolher por paixão e manter a escolha até à morte, como num casamento. Não é preciso avaliar o funcionamento, escolher de novo, e principalmente, suportar a escolha diferente de quem pensa diferentemente. Muitos no mundo ainda pensam assim, e para verificar isso é só constatar o número, não só de ditadores de fato, mas de outros, que ainda que fantasiados de escolhas democráticas, são ditadores querendo ser reis e colocar parentes no poder após suas mortes. Mesmo o E.U.A., berço da democracia, tem revelado tendência para manter imperador no poder, se dependesse de muitos Trump teria sido presidente até à morte. Imperador é um tipo de ídolo, portanto, algo que se põe no lugar de Deus. 
      Desejo de ser liderado por homem revela desejo de não ser liderado por Deus. Catolicismo já assumiu isso com papas, imperadores de batina. Israel antigo quis um rei, no costume das nações não teocráticas de seu tempo. Mas mesmo na teocracia há reis, só que com títulos de sacerdote ou profeta, Samuel e juízes foram líderes antes de Saul, Davi, Salomão e outros. Nada de errado há em liderança humana neste mundo, o ponto é que o mundo é habitado por pessoas diferentes, com preferências diferentes. Na democracia, a maioria elege líderes, não para liderarem para sempre, a maioria deve ser avaliada a cada período para que outras maiorias elejam seus representantes. Isso não é perfeito, mas é o melhor que temos até o momento. 
      Com que facilidade olhamos para a Terra e tiramos os olhos do céu, principalmente se na Terra há homens dizendo-se representantes oficiais do céu. Mas será que Deus elege representantes? Não, nem a Jesus elegeu. Jesus só veio, viveu e ensinou. Coube a homens, ainda que num primeiro momento sentindo que havia algo diferente em Jesus, se auto-proclamarem representantes oficiais e exclusivos de Deus. Deus em humildade e amor usou mesmo líderes arrogantes e gananciosos, Deus precisa iluminar a humanidade, utiliza o que tem à mão. Deus nos salva apesar do cristianismo, não pelo cristianismo. Deus é sempre paz, reis mantêm-se por guerras, num mundo físico precisam mostrar poder por realizações físicas e estúpidas.
      O final dos tempos, que viram Daniel e João evangelista a seus modos, não será batalha entre o bem e o mal. O mal sempre está vencido, o bem não precisa se auto-afirmar ou destruir opositores. O conflito que haverá no final, não dos tempos, mas só de uma era, é Deus concedendo em sua justiça a realização do desejo dos próprios cristãos. Profetizaram guerra, escolheram um rei humano de guerra, guerra terão. Amigos íntimos de Deus não se envolverão nessa guerra, é coisa do mundo, ainda que muitos cristãos a projetem como do céu. Se muitos conhecessem realmente a Deus saberiam o modo dele trabalhar no ser. Os que amam guerra serão derrotados por ela, não para serem destruídos, mas ensinados em amor e salvos.

23. Prepare-se para o pior

      “E, se o que alguém edifica sobre o fundamento é ouro, prata, pedras preciosas, madeira, feno ou palha, a obra de cada um se tornará manifesta, pois o Dia a demonstrará. Porque será revelada pelo fogo, e o fogo provará qual é a obra de cada um.” I Coríntios 3.12-13

      Eternidade será momento de libertação mental, entretanto, liberdade não significa necessariamente bem estar. No mundo escondemos, camuflamos, falsificamos a mente. Essa grita uma coisa, imprime em nossas emoções uma coisa, mas nos esforçamos para mostrar às pessoas outra coisa em nossos corpos e palavras. Isso sobrecarrega-nos, dá-nos trabalho, e por isso é causa de muita enfermidade, física e emocional. Na eternidade essa mentira terá efeitos imediatos, lá nossa existência será mentalnossas consciências serão nossos corpos, ninguém que foi belo no corpo no mundo e feio no espírito, terá o benefício ardiloso da matéria. Estética do espírito será estética da forma que os outros verão e pela qual nos identificarão. 
      Lutemos por coerência ainda aqui, lutemos pela verdade, ainda aqui, lutemos para sermos bons, assim, belos, aqui, de dentro para fora. Qual a beleza de nossa mente? Parece irrelevância hoje em dia, momento que as pessoas querem ser lindas sempre, que se pudessem usariam filtros digitais, não só na vida virtual, mas na real. Vivemos momento de negação, isso é perigoso, afasta as pessoas da prioridade espiritual, que é eterna, que importará no juízo. A maioria não avalia as pessoas pelo que são por dentro, aliás, a maioria tem perdido a sensibilidade para usar tal critério. Julga-se pelo corpo, por roupa, por carro, por casa, por conta bancária. Isso tudo será queimado na eternidade, ficará a essência, hoje mental, amanhã, o espírito. 
      Mas temos certeza absoluta sobre a vida além? Não, assim, nos preparemos para o pior. O pior é um juízo mais severo sobre verdadeira espiritualidade e virtudes morais mais altas. Se for algo abaixo disso, tudo bem, mas quem se prepara para o pior está pronto para tudo. Pior pode não ser a melhor palavra, a mais apropriada pode ser justamente a oposta, melhor. Preparar-se para o melhor é estar alinhado com um Deus Altíssimo e superior em tudo, que chama todos para a melhor qualidade de vida. Isso é possível ao humilde, santo e amoroso. O ponto é, o que usamos como referência para seguirmos a Deus: nós mesmos, religião ou Deus? Quando digo Deus, me refiro a algo muito maior que o “Deus” das religiões.
      Quem usa a si, poderá cair no extremo do ateísmo, quem usa religião, quando constatar erros de religiosos, não se sentirá na obrigação de ser melhor. Só quem tem Deus como referência, em experiência constante e gradativa de seu conhecimento, visando aperfeiçoamento moral, contemplando não um único, mas diversos pontos religiosos de vista, será livre para ser melhor. Experiência com Deus é pessoal, erra-se e cria-se heresias a partir do momento que generaliza-se e se quer que todos sejam iguais, creiam na mesma coisa, cheguem ao mesmo lugar. Deixo claro aqui minha experiência pessoal com Jesus, que não abro mão dele como exemplo superior de vida na Terra e intermediário máximo entre homens e Deus no céu. 
      Creio em Deus e que muito do que está registrado como ensino de Jesus, seja as melhores referências para que eu seja minha melhor versão. Mas mantenho mente aberta, ciente das referências materiais da ciência e tentando caminhar liberto de ídolos, mitos, superstições e construções religiosas humanas. Estou com a consciência tranquila, não porque não erro, nem porque desisti de acertar, meu trabalho principal é o de evolução moral. Estou em paz comigo e com o que posso crer de Deus, que tenho feito todo o possível para ser bom e útil. Se morrer e descobrir que muito do que eu acreditei sobre Deus e espiritualidade não era verdade, terei sido na Terra o melhor que pude, não haverá frustração, talvez isso seja merecer o céu. 

24. Que Jesus interessa-nos?

      “Porque foi subindo como um renovo diante dele e como raiz de uma terra seca. Não tinha boa aparência nem formosura; olhamos para ele, mas não havia nenhuma beleza que nos agradasse. Era desprezado e o mais rejeitado entre os homens, homem de dores e que sabe o que é padecer. E, como um de quem os homens escondem o rosto, era desprezado, e dele não fizemos caso.” Isaías 53.2-3

      O Jesus real, concreto, histórico, era tão humilde, tão simples, tão humano, ainda que sábio e virtuoso, que não interessou à igreja. Para produzir uma religião para gregos, tiveram que adicionar e subtrair textos do cânone do novo testamento, para criar um Cristo interessante. Isso não nega o Jesus verdadeiro, nem invalida o que ele ensinou de importante, tanto que isso motivou crentes sinceros e líderes manipuladores, e é relevante para nós até hoje. O Jesus que interessava era o Cristo herói, semideus, divino, mais fazedor de milagres físicos que pregador de moralidade diferenciada. Pelo estudo científico da história, o Cristo mito tem sido descascado revelando o Jesus real, esse é eterno e quem deveria interessar a nossa espiritualidade.
      Pergunto-me se muitos soubessem da verdade sobre Jesus se ainda permaneceriam crentes em Deus dando relevância ao evangelho. Talvez, lá dentro do coração de tantos, eles saibam que não estão preparados para verdade, assim preferem manter de pé fantasias para crerem. A pergunta que se deve fazer talvez seja, que Jesus nos interessa? Criamos ídolos conforme nossas necessidades, vontades e estéticas, divino reflete-se no indivíduo, indivíduo no divino, aceitar o divino puro não é fácil, é aceitar a nós mesmos sem filtros. Adorar ídolo é fácil, e ídolo é sempre imagem, não do divino, mas do indivíduo, somos nós mesmos disfarçados de deuses. Deus, espiritualidade, vida eterna, são muito mais simples que achamos. 
      Ninguém gosta de agir certo, ser educado, respeitoso, elegante, ser puro e amoroso, e ainda assim ser julgado como alguém mal intencionado, grosso, malicioso, indelicado. Pense então em Deus, revelando em Jesus uma palavra pura e amorosa, e ainda assim, vendo pouco tempo depois de sua morte, sua vida e suas palavras, distorcidas, manipuladas, vendo palavras que ele não disse serem colocadas em sua boca, coisas que ele não fez sendo aliadas a ele. Só alguém muito especial, muito espiritual, muito puro, resistiria a tanta mentira por mais de dois mil anos, e ainda estaria influenciando de maneira positiva os seres humanos. A maior afronta que Jesus recebeu, não foi a vergonhosa morte de cruz, foi o cristianismo dos homens. 
      Enquanto não formos humildes o suficiente para aprendermos com quem pensa diferentemente de nós, não seremos sábios o suficiente para ensinar os que pensam diferentemente de nós. Ateu é antítese de crente, e como nega Deus, muitos crentes acham-se no direito de combate-los de todo jeito. Ninguém merece ser combatido, nem o diabo, ninguém merece título de inimigo, nem aquele com ideologia política oposta a nossa. Mas se podemos aprender com todos, muito mais com cientistas, e eis um mistério, é só aprendendo com eles que poderemos ensiná-los. Eles limparão nossa fé, e nós, de posse de ferramenta mais objetiva para experimentar o divino, teremos mais chances de testemunhar o Deus verdadeiro para eles. 
      Que Jesus me interessa? Aquele que leva-me a aprender com todos, a ouvir todos, a aperfeiçoar-me conforme as mais abrangentes referências, ainda que tendo Jesus como propósito superior, ver a relevância de cada religião, de cada espiritualidade, da ciência e mesmo de sua ausência. Deus é muito maior que nossa cabeça, que aquilo que cabe da verdade nela, por isso compartilha a verdade mais alta com todos. Sábio é aquele que sai pelos campos como atencioso jardineiro, não colhe todas as rosas da roseira, isso a deixaria vazia e o faria sentir-se depois entediado, colhe uma rosa aqui, uma margarida ali, um crisântemo lá, um copo de leite lá longe, montando rico ramalhete, sabendo que a flor mais bela está no alto, Jesus. 

25. Por que Jesus interessou à religião?

      “Todos nós andávamos desgarrados como ovelhas; cada um se desviava pelo seu próprio caminho, mas o Senhor fez cair sobre ele a iniquidade de todos nós. Ele foi oprimido e humilhado, mas não abriu a boca. Como cordeiro foi levado ao matadouro e, como ovelha muda diante dos seus tosquiadores, ele não abriu a boca.” Isaías 53.6-7

      Entender o passado é entender o ser humano. O ser humano muda, à medida que entedia-se de certos ídolos e quer novos. Não veja ídolos aqui como mentiras, só como algo que se coloca no lugar do divino mais alto dentro do ser. No passado eram espíritos das mais variadas qualidades, os deuses, lidos e reconhecidos conforme o nível intelectual e moral do homem. Ciência foi perseguida, não enquanto Igreja Católica tinha poder e a perseguia, mas enquanto católicos achavam mais interessante adorar clero e reis, assim obedecerem aquilo que esses ditavam-lhes como verdade e “Deus”. Quando o povo cansou-se do conservadorismo, buscou ser progressista, assim clero e reis perderam relevância e a ciência iluminou-o.
      Mudam os ídolos, não seus adoradores, assim para entender o homem do passado, basta entendermos o do presente. O que vemos hoje em igrejas cristãs, monopólio de uma mesma ótica, ou divisão fértil que aumenta as seitas na proporção que aumenta a população mundial? A igreja católica tenta, com todas as forças, manter-se uma, ainda que pelos séculos também tenha sofrido fortes cisões. Mas o católico arrumou um jeito de diferenciar-se como indivíduo, sem deixar de fazer parte do coletivo. Qualquer censo identificará muitos que se dizem oficialmente católicos, mas que se dizem não praticantes, ou então, frequentadores de outras linhas religiosas, como espiritismo, junto de sua frequência em templos católicos. 
      O protestante, se por um lado é mais exclusivista, visto que sua fé objetiva no diabo o conduz a uma maior fidelidade denominacional, por outro lado facilmente se divide. Uma igreja local transforma-se em duas, porque um grupo quer seguir fiel à doutrina original e o outro adquire algumas crenças um pouco diferentes. Temos igrejas evangélicas às pencas, não só porque creem diferentemente umas das outras, mas também porque líderes materialistas e gananciosos querem ser donos exclusivos de casa de show gospel, no que muitas igrejas se transformaram, para terem lucros maiores. Eis novamente ídolos sendo fabricados conforme imagem dos homens, não de Deus, adorados e vendidos conforme o interesse do mercado. 
      Fabrica-se cristos e “Deuses” conforme necessidade de crentes, e isso ocorre deste o dia em que o Jesus histórico morreu. A pergunta que temos que nos fazer não é se vale a pena confiar em cristianismos tão manipulados pelos homens, numa Bíblia que foi construída com seleção de textos convenientes a homens, com subtração e interpolação de textos, sempre olhando o passado pelo olhos políticos e culturais do presente. A pergunta que temos que nos fazer é: o que houve de tão especial no Jesus histórico, homem simples, pobre, analfabeto, sem poderes extraordinários, que nasceu e passou a maior parte de sua vida adulta na zona rural da palestina, em cidades pequenas, entre pares, homens também analfabetos e pobres? 
      Vejo historiadores sérios desconstruindo o Cristo mito, e gostem ou não os crentes, isso é útil. Deus não nos poupará mais da verdade que a ciência de ateus tem para nos mostrar, sábios aceitarão isso, crescerão e seguirão em direção a Deus. Mas algumas coisas me intrigam, à medida que acato a ciência e entendo que teologia cristã não é ciência. Ainda que haja tanto engano, por que não construíram mentiras sobre outros personagens históricos? Por que o calendário ocidental foi mudado para contar a partir de suposto nascimento desse cristo? O que interessou tanto no Jesus real e concreto para que uma religião tão poderosa como a católica fosse estabelecida? Ainda que muitos não tenham entendido, sentiram Jesus e o usaram.

26. O Jesus que interessa a Deus

      “Ele verá o fruto do trabalho de sua alma e ficará satisfeito. O meu Servo, o Justo, com o seu conhecimento justificará a muitos, porque as iniquidades deles levará sobre si. Por isso, eu lhe darei a sua parte com os grandes, e com os poderosos ele repartirá o despojo, pois derramou a sua alma na morte e foi contado com os transgressores. Contudo, levou sobre si o pecado de muitos e pelos transgressores intercedeu.” Isaías 53.11-12

      Será que há uma mão divina, conduzindo a história da humanidade, para entregar ao ser humano o Jesus que interessa a Deus? Temos dificuldade para aceitar que a vida de Jesus e a Bíblia foram manipuladas por líderes religiosos e políticos para criar-se um Cristo mito. Mas vemos manipulações no cristianismo hoje e não nos damos conta delas. Quem vai a uma igreja católica tradicional, ama liturgias, sente-se seguro no conservadorismo secular, dentro de templos de uma denominação antiquíssima e poderosa. Esse não quer avaliar, criticar ou modificar as coisas, só quer aceitar, sentar-se e repetir aquilo que o altar lhe diz. Não há aqui juízo de valor a católicos, como não haverá sobre outros, só constatações. 
      Quem frequenta igrejas protestantes tradicionais como Luterana, Presbiteriana e Batista, satisfaz-se ao ouvir pregadores com devida formação teológica, abrindo várias versões de Bíblia, interpretando as línguas originais das escrituras, achando coesão no cânone bíblico, desvendando mistérios escatológicos, por exemplo, em Daniel e Apocalipse. Esses experimentam um prazer mais intelectual, não é por acaso que grande parte dos membros de denominações assim, ser de classe média ou superior, com menos dificuldades financeiras e com mais formação universitária. Contudo, a maioria dos membros de igrejas pentecostais é gente com dificuldades financeiras, a essa interessa um Cristo que faz milagres e enriquece. 
      Teoricamente o Cristo e a Bíblia são os mesmos, mas cada pregador vende produto adequado a seu mercado, e muitos pregadores, se acharem um mercado mais lucrativo, mudarão o “Jesus” que pregam para lucrarem mais. Hoje temos, por exemplo, igrejas ressuscitando costumes da religião de Moisés, usando vestes do suposto Israel antigo, construindo templos nos moldes do de Salomão. Falta pouco para fazerem de novo sacrifícios de animais. Sempre foi assim, por isso nos enganamos redondamente quando achamos que nossa religião e nossa Bíblia representam a mais pura e completa vontade de Deus para nós. Sim, um Jesus especial e eterno existiu, mas as religiões mudaram conforme aqueles que elas queriam atrair. 
      Jesus histórico, judeu, humano, foi um, o Cristo mito, helenizado, divinizado, foi outro, e foi aquele que os pais da igreja, a ortodoxia dominante e os bispos dos concílios católicos construíram e que permanece registrado e usado hoje na maioria dos cristianismos. Teólogos amam usar o argumento de que apesar das interferências humanas, a mão invisível de Deus conduziu a padronização do cânone e o estabelecimento dos dogmas, mas eles usam isso a favor do que eles creem ser a verdade. Creio numa mão invisível divina administrando a humanidade, principalmente as religiões que são caminhos para a vida espiritual, e mais ainda, o que se ensina sobre Jesus, manifestação máxima do divino, mas eu creio de forma diferente.
      Podem me perguntar: “por que você crê que Deus permitiu um cristianismo e uma Bíblia tão alterados, que entregam à humanidade tantas mentiras sobre Jesus, que Deus de verdade é esse?”. O Deus de verdade é antes um Deus de amor, que suporta mesmo a mentira para cuidar, ainda que limitado pela mentira, mesmo de mentirosos, que inventam mentiras ou que creem nelas. A verdade é que Deus não se importa com muitas coisas que os seres humanos importam-se tanto, pelo menos não sempre. A ciência bate à porta, prova de que Deus entende que já é tempo de limparmos a fé das mentiras, não para deixarmos de crer, mas para crermos com mais pureza e foco. Quem quer Deus, não mentiras, o acha, mesmo entre tanta mentira. 

27. Fé cega ou ceticismo?

      “Dê ouvidos a isto, Jó; pare e pense nas maravilhas de Deus. Será que você sabe como Deus comanda as nuvens e como faz resplandecer o relâmpago da sua nuvem? Será que você sabe algo sobre o equilíbrio das nuvens e sobre as maravilhas daquele que é perfeito em conhecimento?” Jó 37.14-16

      Um texto pode não mostrar fatos históricos verdadeiros, assim não ser factual sobre personagens, lugares e histórias que relata. Contudo, algo sempre nos mostra em verdade, intenções do autor, seus interesses, quem ele quis atingir com seu relato, verdades, não sobre o passado narrado, mas sobre o presente do narrador. Há sempre alguma verdade nos textos, mas na maior parte das vezes nas entrelinhas, isso também ocorre em monumentos, em esculturas, pinturas, peças teatrais, músicas. Isso é conceito básico que historiador científico usa para interpretar qualquer registro, e para essa ótica não há texto sagrado ou não, há documento histórico. Denominar algo de sagrado é campo da fé, da teologia. 
      Ciência nos ensina uma coisa sobre história, há mentira em muita coisa, se não em tudo. Minha fé ensina-me uma coisa, à medida que confronto cristianismo e Bíblia com ciência, Deus não dá à Bíblia e ao cristianismo a importância que muitos dão. Não porque não ame a verdade, mas porque sabe que o ser humano, pelo menos até o momento, não está preparado para ela. “A Bíblia é a palavra de Deus, Igreja Católica é a denominação oficial do Cristo na Terra”, muitos dizem. Por crerem assim, têm medo de discordarem de Bíblia e Igreja, acham que assim estariam do lado de Satanás. Passo importante a se dar em direção à verdade mais alta é duvidar de Bíblia e Igreja, os verem como coisas de homens, não de Deus.
      Ter certeza absoluta de qualquer coisa adoece tanto quanto duvidar de tudo. Sábio é conhecer, avaliar, crer e dar um passo, não oito. Infelizmente muitos de nós são educados religiosamente desde pequenos em teologia, seja católica ou protestante, não em história, assim achamos que as histórias que igrejas e Bíblia contam são fatos comprovados. Isso entrega-nos uma certeza equivocada, damos nove passos para um engano e paramos. Não se achem isentos, céticos, duvidar de tudo também é engano. Ciência duvida muito para avaliar e duvidar menos, no momento atual da humanidade pode dizer o que é mais provável, não o que ocorreu de fato. É salutar saber, é salutar crer, somos seres híbridos, matéria e espírito, corpo e mente. 
      Repito, ainda que pareça que por mais que repitamos isso muitos não querem aceitar, duvidar de religiões e de textos sagrados não é duvidar de Deus, ao contrário, é aproximar-se ainda mais da verdade sobre Deus. Em última instância, o que vai mostrar Deus a você é tua vida de oração e a prática de virtudes morais. Eu escolho crer em Deus, escolho acreditar que ele mostra-me o jeito melhor de viver, e entendo que esse jeito é pela moralidade ensinada pelo evangelho, principalmente no sermão das bem-aventuranças, porque isso tem feito de mim alguém melhor. Assim tenho vencido minhas fraquezas, constituído família, mantido atividade profissional. O que vier depois, na eternidade, será bônus, ainda que seja pouco.
      Muitos ficam de pé, mas para isso destróem a fé, inventam a fé, idolatram a fé, e acham-se fortes por causa disso. Outros, contudo, confrontam o que pensam, o que gostariam de pensar, o que poderia ser mais conveniente de se pensar por ser o que recebe aprovação humana, assim, desconstroem-se para alcançarem e manterem a fé mais pura. Esses enfraquecem-se, humilham-se para que Deus seja forte, e a fé, livre. O ponto é que muitos acham-se melhores, mais espirituais, por fazerem menos, só por confiarem e manterem tradições inventadas. A verdadeira força não está em aumentar, mas em diminuir, para isso é preciso coragem, não para ter fé cega, mas para abrir os olhos e ver o objeto invisível da fé com inteligência.

28. Teológico ou histórico?

      “Deus toma o seu lugar na congregação divina; no meio dos deuses, ele julga.” Salmos 82.1

      Recomendo assistir o vídeo neste link, entrevista da historiadora Juliana Cavalcanti ao professor Jones Mendonça (mais sobre ele aqui). 

      Na passagem acima, no texto original, Deus escreve-se Elohim, termo plural que significa um entre muitos, por isso diz “julga no meio de uma congregação”, de um panteão de deuses. Existiam vários deuses na cultura israelita, “Deus” era um entre esses, depois chamado de Javé, o Elohim que cuidava de Israel (henoteísmo ou monolatria), que Israel cria ser o mais poderoso. Javé só foi tornar-se na crença de Israel, único “Deus”, de toda a Terra, no período pós-exílico. Israel antigo não foi monoteísta em todo o tempo, ainda que versões bíblicas nos levem a pensar que foi, traduzindo nomes de deuses diversos só como Deus. ElAseráElohimJavé e Baal faziam parte do panteão de Canaã, sendo El o “Deus” superior. 
      Muito do antigo testamento, incluindo o pentateuco, não foi escrito no tempo da história relatada pelo texto bíblico. A Bíblia não está na ordem em que foi escrita, mas na ordem que interessou a autores, de tempos tardios, mostrar que foi escrita. Interessou a quem escreveu, fortalecer poderes, ideologias, povo e nação de seu tempo, baseados num passado suposto por ele, assim, passado foi trazido de tradição oral, mas principalmente, foi montado, costurado, para apoiar o presente. Patriarcas, Moisés, conquista de Canaã interessou ao Israel pós-exílico, que durante a reconstrução da nação e do templo, precisava robustecer na mente e no coração do povo a ideia de um Israel com propósito e destino antigos e bem definidos. 
      Muitos de nós foram criados, desde tenra infância, no cristianismo católico, protestante ou evangélico pentecostal, assim, vendo Bíblia e teologia como história, isso não está correto, precisamos separar as coisas. Por isso, sempre que se levanta discussões sobre verdade e intenção de textos bíblicos e religiões, muitos usam teologia para defenderem ideias. Em teologia se crê, crer é direito de todos, mas teologia não é ciência. Israel antiga era politeísta, e aliás, baseado em estudo científico da história, já duvida-se se de fato em algum momento o ser humano deixou de ser. No cristianismo primitivo, o termo espírito diversifica influências espirituais, no catolicismo, santos entregam vários intermediários entre homem e Deus. 
      Você sabia, que pelas pesquisas históricas, não pode-se provar que Abraão e Moisés tenham de fato existido, pelo menos não como a Bíblia os descreve? Também não se tem comprovação histórica, que se existiram, Isaque e Jacó tenham sido descendentes diretos de Abraão. Pelos estudos históricos, Davi pode não ter sido o rei poderoso que a Bíblia descreve, e Jesus não foi sepultado. Crucificação era destino de criminosos do mais baixo nível, não tinham direito à via crúcis, eram erguidos no madeiro bem flagelados, morriam lá e depois seus restos eram comidos por aves de rapina e cães. Por que a Bíblia diz diferente? Porque foi interessante a autores tardios, querendo construir um Jesus diferente, semi-deus helênico.
      Qual o tamanho de tua fé? Você a considera grande por você conseguir resistir a tudo que ciência diz sobre a religião e a Bíblia em que você crê? Ou você sabe que ela é resistente por tê-la confrontado com a verdade científica, ter aceitado que muita coisa que você achou que era fato histórico era só crença teológica, e ainda assim seguiu crendo no Deus verdadeiro, não naquele ensinado por religiões e por muito do que a Bíblia diz? Há fés enormes, mas equivocadas, são convicções pessoais, mas longe de serem aprovadas 100% por Deus, ainda que Deus abençoe mesmo crentes infantis. Há fés menores, humildes, mas puras, assim recebem de Deus o que é preciso para que ele seja exaltado e os humildes, bem cuidados.

29. Ateísmo, politeísmo…

      “Porque, ainda que haja também alguns que se chamem deuses, quer no céu quer na terra (como há muitos deuses e muitos senhores), todavia para nós há um só Deus, o Pai, de quem é tudo e para quem nós vivemos; e um só Senhor, Jesus Cristo, pelo qual são todas as coisas, e nós por ele.” I Coríntios 8.5-6

      Nos primeiros séculos da era comum, o cristianismo surgiu, sob alguns pontos de vista da cultura greco-romana, como ateísmo, isso mesmo, por incrível que pareça. A razão é simples, para uma cultura que tinha uma religiosidade politeísta, crer num único deus era quase não crer em nenhum, e de fato era isso, já que cristãos negavam os deuses do panteão grego-romano. No neo-platonismo dos primeiros séculos via-se o deus cristão como menor, pelo fato de ter criado a matéria, o deus maior, para neo-platonistas, era deus de ideias, puramente espiritual, que não se rebaixava à matéria (veja mais no link). Politeísmo tem vantagens, por exemplo, customiza divindades, entregando deuses conforme gostos e objetivos dos seres humanos. 
      Laicidade do estado é debate recente, nos tempos antigos, estar debaixo de uma autoridade política era estar debaixo dos deuses dessa autoridade, assim, quando cristãos se levantaram contra o panteão greco-romano, se levantaram também contra autoridade política romana. Por outro lado, filósofos gregos dos primeiros séculos, defendendo deuses e ótica espiritual platônica, defendiam a autoridade romana, com efeito, opondo-se a cristãos que se opunham a essa autoridade. Se cristãos foram perseguidos, foram pelo conjunto, mas talvez mais por motivos políticos que religiosos. Foi quando cristãos ganharam posições políticas importantes que o jogo mudou, e à força fizeram prevalecer sua teologia sobre as demais. 
       Intolerância gera perseguição, essa desperta ódio, ódio não muda opinião de diferentes, só entrega mais motivos para que a ótica intolerante seja odiada. Se cristãos acham que pregarem sua verdade como única que salva do inferno é evangelização eficiente, enganam-se, produz inimigos (e medrosos). Inimigos desconsiderarão qualquer ponto positivo do oponente, tomarão posição extrema e oposta, nesse caso, negarão na íntegra o cristianismo. Ódio sempre acaba em ódio. Diante desse raciocínio, perguntamos, será que cristianismos do mundo, não os ensinos do Jesus real, fomentaram o ateísmo? Não podemos afirmar que não havia ateísmo nos tempos antigos, mas ele ganhou força à medida que cristãos impuseram-se. 
      Aproveitando esta reflexão, segue outro ponto interessante. Baseamos nossas crenças num Israel que pode ser utópico. O povo de Israel em sua maioria não sabia ler, e se soubesse não tinha cópias de textos sagrados em casa. Achamos que israelitas estudavam a Bíblia como estudamos hoje, mas eram sacerdotes e reis que tinham mais acesso aos textos, não o povo. Quando o sacerdote erguia um rolo de textos, o objeto tinha mais papel ritualístico que textual, era mais um ícone representando algo, que palavras especificando leis. Mesmo que a Torá orientasse monolatria e não uso de imagens, o povo era politeísta e idólatra, ainda que tendo Javé como ”Deus”. Talvez hoje mais gente siga o antigo testamento que em tempos antigos. 
      Ver cristianismo primitivo quase como ateísmo, e a religião de Israel dos tempos do antigo testamento como politeísta e idólatra, são entendimentos que chocam com aquilo que aprendemos em igrejas cristãs. Somos doutrinados para ler a Bíblia, mas entender o que querem que entendamos, não o que de fato está lá. Nisso nem é preciso algum conhecimento de história bíblica científica, e não a confunda com a história bíblica que a teologia ensina, desejando convencer-nos que é história real. Tenho mais de trinta Bíblias, mas boa parte dessas Bíblias pode ser trocada por uma com tradução mais científica, que não traduz termos sobre viés teológico dessa ou daquela seita cristã, mas simplesmente por termos linguísticos adequados.

30. Mentira sobre Deus

      “E João pregava, dizendo: — Depois de mim vem aquele que é mais poderoso do que eu, do qual não sou digno de, curvando-me, desamarrar as correias das suas sandálias. Eu batizei vocês com água; ele, porém, os batizará com o Espírito Santo.” Marcos 1.7-8

      Houve um Jesus histórico, homem especial, que habitou a região rural da palestina, que impressionou homens de sua época de forma impactante. Os ensinos desse homem foram diferenciados dos da religião judaica vigente. Contudo, o ser humano tende sempre à corrupção e à incredulidade, mesmo sobre verdade mais alta e mais pura desejará adicionar informações para que siga crendo. Adicionou-se Cristo, tradução grega do termo messias, que significa ungido, ao Jesus, mas será que o Jesus real precisa do Cristo? Creio que não, e é o Jesus real que resiste até hoje em espírito, quem tem abençoado a humanidade, apesar de todas as informações mentirosas que os cristianismos adicionaram-lhe. O Jesus de Mateus 5 basta para mim. 
      A não ser que seja texto científico sério, comprovado por academia e pares igualmente sérios, o texto sempre diz mais sobre quem escreve que sobre quem se escreve. Texto revela muito do autor, não só personagem e eventos citados pelo autor, e mesmo em texto científico, cortes revelam o autor, outro autor pode falar do mesmo assunto sob pontos científicos de vista e com cortes diferentes. Por exemplo, o fato é: José, nascido no Paraná, comprou um carro, viajou com ele para São Paulo onde firmou residência, depois viajou de ônibus para Minas Gerais, onde firmou nova residência. Um autor pode escrever, José morou no Paraná, em São Paulo e Minas Gerais, outro autor pode escrever, José andava a pé, de carro e de ônibus. 
      Sendo textos baseados em fatos, ambos os autores disseram verdades, mas cada um fez os cortes que lhes foram convenientes. Mas um terceiro autor pode escrever, José, pobre porque seu pai perdeu os bens da família no jogo, fugiu para outro lugar para não ter que arcar com as dividias do pai. Na nova residência, trabalhou e enriqueceu, mas com problemas de saúde viajou para outro lugar onde estabeleceu nova residência. Há informações nesse autor que outros não citaram, são verdadeiras? Não se pode comprovar, mas isso mostra a relevância do terceiro autor, vida pessoal do personagem, não locais e meios de transporte. Se não há certeza sobre o personagem, há sobre aquilo que autores acharam relevante sobre ele. 
      Se isso ocorre com tantos textos, por que não com os bíblicos? Entretanto, ainda que haja pontos de vista do autor original, também pode não haver pureza, homens escrevem para homens, com intenções num grupo social. Na nossa história fictícia, o primeiro autor podia querer convencer da existência de José, leitores interessados em localizações geográficas, o segundo autor convencer da existência de José, leitores que apreciam meios de locomoção, ambos os autores basearam-se em fatos. Mas o terceiro autor queria vender seu texto a um público que não se agradava só com a verdade, com locais e meios de transporte, assim, ainda que fantasiosas, ele precisou inventar informações sobre a vida pessoal do personagem. 
      Um autor quer vender hoje um texto a um público atual, texto que fale de uma ideia sua, a quem está interessado em comprar essa ideia. Isso é o que move autores, verdades atuais, contudo, o que vai escrever, sobre quem, quando e onde, pode ser mera ficção. Obviamente, a melhor ficção é aquela baseada em alguma verdade, em algum imaginário das pessoas, em alguma tradição, em algo que, ainda que seja do passado, tenha relevância ao leitor atual. Isso é importante aceitar, todo texto é manipulado depois, e ainda que seja história de personagem recente, ou de fato ocorrido há pouco, também há manipulação. Inimigos falarão mal dos que não gostam, escritores das próprias biografias só falarão bem de si mesmos. 

31. Verdade sobre nós

      “Pilatos perguntou: — Então você é rei? Jesus respondeu: — O senhor está dizendo que sou rei. Eu para isso nasci e para isso vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade ouve a minha voz. Pilatos perguntou: — O que é a verdade?” João 18.37-38a

      Será que Jesus de fato foi conduzido a Pilatos? Historiadores dizem que a maior possibilidade é que não, contudo, a passagem acima registra uma das perguntas existenciais mais importantes: que é a verdade? A verdade mais alta descobre-se à medida que busca-se, conhece-se e confronta-se verdades menores. O segredo é não rotular como verdade de Deus as verdades humanas, ainda que falem maravilhosa, teológica e poeticamente de Deus. Pontos de vista diferentes da mesma coisa, isso são as verdades, só quem coloca-se no Espírito e olha sob esse ponto de vista pode começar a conhecer a verdade mais alta. Resta-nos outra pergunta: para quê queremos saber a verdade? Se for só para dominarmos os homens nunca a saberemos.
      Será que Jesus ressuscitou ou nasceu por inseminação do Espírito Santo, não do esposo de Maria, José? São eventos não comprovados pela ciência, espírito, “inseminação espiritual”, ressurreição de mortos, portanto, mesmo que textos teológicos testifiquem, não são considerados como registros históricos pela ciência. Nesse ponto uma escolha nos é dada, confiarmos na ciência ou na teologia, se for na teologia, nessa área tudo depende de fé, não de história, assim tudo é possível, não se pode criticar fé de ninguém. Se aceitarmos história como preponderante no discernimento da verdade, como datação de tempo e espaço, poderemos, não só taxar muitas coisas como mentiras, mas tentarmos entender porque foram dogmatizadas.
      Talvez, a verdade maior que Deus quer nos revelar, não seja sobre ele, isso ainda está muito além de nossas capacidades intelectuais e morais. Talvez Deus esteja simplesmente dizendo, conhece a ti mesmo, afirmação conhecida já pelos clássicos sábios gregos (veja no link). Deus é sábio, como podemos conhecer os outros, e mais ainda, a ele, se não nos conhecemos? Por isso Jesus nada escreveu, nada há que se possa comprovar cientificamente que seja registro dele, da visão que ele tinha sobre ser humano, sobre o mundo, sobre o futuro da humanidade, sobre plano espiritual, sobre Deus. Que bom, não pensem que isso facilitaria nossa vida, complicaria ainda mais. Nosso trabalho, ao menos por enquanto, é nos conhecermos. 
      Se lêssemos a Bíblia, em primeiro lugar para conhecer seres humanos de tempos antigos e diferentes, do israelita do velho testamento, do judeu e do grego do novo testamento, prestando atenção na sociedade de cada época, na organização de países, de governos, de religiões, nos deuses de cada momento, assim como na família, na sexualidade, no sistema de escravidão, conheceríamos mais a nós mesmos. Muita coisa mudou com o tempo, principalmente influenciada por ciência, mas o ser humano tem uma essência que se mantém, ainda que essa tenha dois lados, o negro e o iluminado. Depois de entendermos o ser humano, então, poderemos aprender algo sobre o Deus imutável, sem anacronismos, com menos enganos. 
      Busque a verdade, com todas as tuas forças, mas para dominar você. Quem se domina, não para ser deus, mas para ser servo, é atraído por Deus. Verdade é luz, luz revela tudo, acertos e erros, boas e más intenções, virtudes e vaidades. Quem quiser saber de si e mostrar aos outros de si só acertos, boas intenções e vaidades, não terá coragem de se colocar na luz. Ainda que pense e tente convencer os outros que é iluminado, ficará em trevas, portanto, na mentira. Mas saber e mostrar o lado ruim, que não é fazer coisas ruins e não ter vergonha disso, é assumir-se imperfeito com vontade de melhorar. Verdade sempre consola, ainda que doa no início, mas se a mentira deixa-nos sós, a verdade nos acompanha até a eternidade.

32. Monstros anacrônicos

      “Então Paulo, levantando-se no meio do Areópago, disse: — Senhores atenienses! Percebo que em tudo vocês são bastante religiosos, porque, andando pela cidade e observando os objetos de culto que vocês têm, encontrei também um altar no qual aparece a seguinte inscrição: "Ao Deus Desconhecido". Pois esse que vocês adoram sem conhecer é precisamente aquele que eu lhes anuncio.” Atos 17.22-23

      Anacronismo, muleta que tantos usam para apoiar suas crenças, interpretação equivocada de fatos ou de registros já distorcidos na origem, nesse caso dobrando o engano. Vemos o que queremos ver, nossa mente possui um dispositivo de arredondamento, digamos assim, que conclui o total baseada em informações registradas anteriormente, adicionando pedaços novos a partes antigas. Somos doutores Frankensteins, montando monstros que fazem sentido para nós, que conseguem interagir com a realidade, pelo menos no mínimo necessário, que para nós não são monstros. Vemos nossas criações mentais como deuses do Olimpo, belos, perfeitos, mas são só colchas de retalhos, com nada parecem-se no todo, a não ser conosco. 
      Como estudantes de Bíblia, nos acostumamos a identificarmo-nos com personagens bíblicos, isso reforça nossa identidade, alia-lhe virtudes (e defeitos). “Fui escolhido como Jacó, meu irmão é como Esaú, trocou sua honra por algo menor, sou apressado, mas líder, como Pedro, passei tempo no deserto, como Moisés, Deus me honrou em Babilônia, como a Daniel”, por aí vai. Mas o lado mais prejudicial da visão anacrônica da Bíblia é ver o “Deus” do passado como o atual, não disse Deus, mas “Deus”, não o Deus verdadeiro, mas a visão que homens do passado tinham dele. Muitos baseiam-se para isso na imutabilidade de Deus, mas como se seres de qualquer tempo, conhecessem de fato o Deus Altíssimo e imutável. 
      “Deus dos exércitos luta por mim”, e não numa ótica espiritual, de seres de luz contra as trevas, mas mais como narrativa de um “Deus” beligerante, que física e explicitamente destrói inimigos. O simples fato de ver a existência sob a ótica maniqueísta, bem contra o mal, nós contra eles, Deus contra o diabo, já é anacronismo. Jesus superou essa ótica com o evangelho que ama inimigos e que oferece salvação a todos, portanto, não há amigos e inimigos eternos, só seres com livre arbítrio. Se bibliolatria é ídolo terrível, anacronismos são seus pés, preconceitos, suas mãos, intolerâncias, seus ouvidos, arrogância, sua boca. Não pode haver amor num monstro assim, só violência e condenação. Um deus assim não cura, adoece. 
      Interessante que muitos batem no peito dizendo-se bons cristãos, espirituais, portadores de fé poderosa e inabalável, mas na verdade só creem se são apoiados por tradição inventada humana. Não percebem que na verdade não têm fé pura, só crendices em invencionices humanas, assim mentiras, se essas bases forem tiradas deles, não terão forças para crerem. A melhor fé é aquela que filtra as crenças com avaliação histórica, que crê conhecendo e respeitando ciência, que a exerce e conhece mais o Deus verdadeiro, reto e alto, assim, que pode ser de fato curado pela alta espiritualidade, não adoecido pela baixa. Em Deus há um ser equilibrado, moralmente belo, resistente à mentira, que pode enfrentar eternidade sem medo. 
      “Há só uma religião verdadeira, todos devem estar debaixo dela, senão estão condenados”. Será que isso interessa a Deus? Não até o momento, não com as religiões que muitos exercem no momento. É interessante como a ideologia política de direita apoiada por tantos cristãos, é contra o globalismo, diz que isso colabora com o anticristo. Contudo, querem o universalismo de sua religião, assim há muitos evangélicos desejando uma nova igreja católica, não com o papa na liderança, mas com seus pastores. Não seria esse universalismo da intolerância, não o globalismo progressiva da igualdade, terra propícia para anticristos? Quem vê diabo em Deus, será enganado pelo deus que crê e que na verdade é diabo. 

33. Mistérios espirituais

      “Verdadeiramente tu és um Deus que se esconde, ó Deus de Israel, ó Salvador.” 
Isaías 45.15
      “O vento sopra onde quer, você ouve o barulho que ele faz, mas não sabe de onde ele vem, nem para onde vai; assim é todo o que é nascido do Espírito.” 
João 3.8
      “conservando o mistério da fé com a consciência limpa.” 
I Timóteo 3.9

      Deus é misterioso, o espírito é, assim como a ferramenta para experimentar mistérios, a fé. (Quando uso palavra em itálico, refiro-me a conceito espiritual ou menos óbvio, além do significado ortográfico ou teológico). Não quero complicar para aliar pseudo profundidade, há de fato o oculto em Deus, no espírito e na fé, algo que razão e ciência não podem mensurar, algo que religiões não podem engessar. É assim e é preciso que seja assim, para nos atrair sempre para mais, senão nos acomodaríamos às mentes e aos egos humanos, tão aquém do Deus Espírito. Se as pessoas soubessem e assumissem isso não ficariam dormindo em religiões, mas seguiriam na jornada espiritual, adentrando na maior aventura do ser, conhecer a Deus. 
      Mistério é algo que não pode ser dogmatizado, apreendido, não é curso, como de tantas escolas, onde inicia-se, recebe-se informação, se forma e se acha, às vezes sem mesmo ter feito doutorado, doutor. Na verdade, final de ciclo espiritual, é graduação que deve ensinar-nos que sabemos menos que quando a iniciamos, não mais, que ainda há muito a saber. É escada em que novo degrau cai sobre o anterior, fazendo com que o caminhante se entenda mais ignorante, não mais elevado, ainda que mais puro e humilde, vendo Deus, mais Altíssimo. Desconfie dos que dizem ter certezas, esses sabem pouco ou nada sobre Deus, acham-se mestres. Aprenda com quem sabe o que vive, vive o que sabe, e, calado, dá um passo por vez. 
       “Mas, como está escrito: "Nem olhos viram, nem ouvidos ouviram, nem jamais penetrou em coração humano o que Deus tem preparado para aqueles que o amam." Deus, porém, revelou isso a nós por meio do Espírito. Porque o Espírito sonda todas as coisas, até mesmo as profundezas de Deus.” (I Coríntios 2.9-10). Misterioso e maravilhoso é o conhecimento que Deus revela a seus amigos íntimos, e conhecer a Deus é experimentar vida eterna. Ciência e teologia não podem entregar o que o Deus verdadeiro dá, os que se moverem pelo caminho do espírito, acharão o mistério mais alto e guardarão para si. Tantos presos em gaiolas, religiosas e intelectuais, não experimentam a liberdade de voar nas asas de fogo do Espírito. 
      Mistério, o mais sábio a se fazer com ele é dizer que existe, que quem quiser e estiver preparado o conhecerá, não se pode revelá-lo. Só Deus pode revelar um mistério a alguém, é algo entre Deus e o ser, mistério não será coletivo, universal, será individual, especial. Podemos dizer uma coisa, quem conhece um mistério percebe quão pequenas são as religiões, quão enganada pode estar mesmo ciência séria. Mistério alimenta a alma como nada mais, cura de dentro para fora, explica questões não entendidas, perguntas nunca feitas, ainda que fossem sentidas e deixassem um vazio na alma. Não podemos obrigar ou convencer alguém a crer, e em se tratando de crer sem o véu da religião, é experiência ainda mais pessoal e misteriosa.
      O engano que a ciência séria comete é achar que conhecimento é remédio para todas as doenças, não para a enfermidade espiritual. Ciência é filtro para limpar a água, aperfeiçoar o remédio, construir a recipiente que colhe a água, fornecer métodos para achar a medicação, mas ela é ferramenta, não é a própria água ou o remédio em si. Quem focar só na água e no remédio pode acabar usando água poluída ou remédio ineficiente, quem focar só na ferramenta e no método, acabará com recipiente e critérios perfeitos, mas vazios, inúteis. Aperfeiçoemos a mente, cuidemos do copo, mas tenhamos coragem de ter experiências espirituais pela fé, para acessarmos os mistérios de Deus, que estão no término de jornadas pessoais. 

34. Oráculos

      “Se alguém fala, fale de acordo com os oráculos de Deus; se alguém serve, faça-o na força que Deus lhe dá, para que, em todas as coisas, Deus seja glorificado, por meio de Jesus Cristo, a quem pertence a glória e o domínio para todo o sempre. Amém!” I Pedro 4.11

      Amamos ouvir oráculos, usando o termo aqui de forma mais genérica. Quando abrimos a Bíblia de forma aleatória e pomos o dedo num versículo, é um oráculo que procuramos. Também vamos a igrejas ou assistimos vídeos de pregadores querendo ouvir oráculos. Muitos gostam de ler horóscopos, outro tipo de oráculo. Mas o que mais representa verdadeiros oráculos são pessoas com vidência ou palavra profética, possuidoras de sensibilidade espiritual. Jogadores de búzios, mães e pais de santo são oráculos, assim como médiuns kardecistas. Evangélicos pentecostais exercendo dons do Espírito também são. Aqui não estou fazendo juízo de valor, dizendo que um oráculo é do bem, do mal, genuíno ou charlatão. 
      Oráculo de Delfos com suas sacerdotisas, as Pítias, era famoso na Grécia antiga, multidões iam até à cidade de Delfos à procura de orientação. O encanto que sentimos na adivinhação, no conhecimento de mistério, do futuro, do desconhecido, é parte da sede intrínseca a todos os seres humanos, por uma presença espiritual, invisível, intocável, não necessariamente saciada com o Espírito do Altíssimo. Ateus, me perdoem, mas vocês também têm essa sede, só não admitem, eu respeito isso. O ponto não é a sede, mas como a saciamos, oráculos são viciantes, podem ser manipuladores, e há pessoas que os procuram por toda parte, indiscriminadamente, sem escrúpulos de frequentarem tendas ciganas ou missas. 
      Numa das passagens mais polêmicas da Bíblia, Saul, após consultar o Senhor e não ter resposta, nem por sonhos, nem por Urim, nem por profetas, procurou a médium de En-Dor, pela qual, diz o texto bíblico, o “espírito de Samuel” lhe falou. Sem entrarmos em estudo técnico da passagem (já refletimos a respeito na postagem deste link), algo ao menos fica claro, a prática de mediunidade existe há muito tempo e o povo de Israel a usava, mais que protestantes querem admitir hoje. Evangélicos demonizam genericamente religiosidade espírita, mas não aceitam que na prática, o uso que pentecostais fazem de dons espirituais não se diferencia de muitas comunicações que kardecistas realizam com o plano espiritual. 
      Dos mistérios que nos atraem, vida além é dos maiores, assim, oráculos são buscados com frequência para obter-se informação pelos e sobre mortos. Saul queria orientação de Samuel, não da médium, essa, conforme ele cria, era só meio para ele falar com Samuel. Se ouvirmos alguém que se diz conhecedor de mistérios nos encanta, mais ainda nos atrai ouvirmos orientação de alguém que amamos e confiamos, ainda esteja morto. Talvez comunicar-se com morto atraia mais que com quem está vivo. Contudo, podemos querer ouvir os mortos por saudade, por remorso, por não termos aceitado adequadamente a passagem de alguém e desejarmos doentiamente saber se o falecido em sua condição atual está bem. 
      Na postagem deste link refletimos sobre o que a teologia protestante pensa sobre necromancia, não só recrimina, não crê que seja possível, classificando supostas comunicações com mortos, de qualquer espécie, como imposturas de demônios. Doença mental ou sensibilidade espiritual? Se for sensibilidade, é do Espírito Santo ou de outro espírito? Busca insensata de oráculos adoece mente e espírito, e mais, pode entregar nossa autonomia mental a outros. Algo é certo na tradição judaica-cristã, proíbe necromancia porque é perigosa, há muitas variáveis nela, que não há na experiência com o Santo Espírito. O fato é que amamos oráculos, exige menos fé, devíamos, contudo, aprender a buscar melhor a Deus. 

35. A verdade se impõe

      “Os que forem sábios resplandecerão como o fulgor do firmamento, e os que conduzirem muitos à justiça brilharão como as estrelas, sempre e eternamente. Quanto a você, Daniel, encerre as palavras e sele o livro, até o tempo do fim. Muitos correrão de um lado para outro, e o saber se multiplicará.” Daniel 12.3-4

      Iniciei essa série de reflexões direcionado à pergunta “espiritualidade ou doença mental?”, acabei me atendo a outras questões, “mito ou histórico?”, “teologia ou ciência?”, ou ainda, “ídolo ou Deus?”. Não fugi do assunto, não tanto, mas pensei em coisas que nos adoecem nos cristianismos, para limitar-me às religiões que tenho afinidade. Algo precisa ficar claro, doença mental encampa uma extensão de quadros psicológicos, de desconfortos menores, passando por transtornos de humor e personalidade, até doenças mais sérias, que não só fazem sofrer o indivíduo, às vezes solitariamente, como seus próximos, a ponto de pôr em risco até a sociedade. Simples doente pode tornar-se criminoso, tratando-se de problemas mentais.
      Supondo que crer que uma mentira seja verdade já é alguma dificuldade emocional, principalmente quando trata-se de área relevante como religião, há muita gente vivenciando algum equívoco mental em igrejas. Não é todo mundo que é doido de pedra, existe bastante uma divisão de percepção de realidade, e não confundamos isso com esquizofrenia. Muitos administram, com certa naturalidade, principalmente aqueles com mais formação intelectual, o que é campo da fé e o que é da ciência. Sabem que a Bíblia não é uma coleção de textos com descrições ao pé da letra, mas baseiam a fé na Bíblia como se de fato fosse história. Pode parecer estranho, mas isso cabe na complexa mente humana, contudo, não deixa de ser ruim.
      Essa experiência não é antiga, em relação à história da humanidade. Antes da aceitação da ciência popularizar-se, religião ditava fé e “ciência”. Mas muitos ainda hoje, em pleno século XXI, principalmente os criados em igrejas evangélicas, acostumaram-se a pensar que textos bíblicos não são mitologia, como são as mitologias egípcia, grega, indiana, africana, oriental, nórdica, britânica, mas são relatos reais. Creem que a ordem em que os livros estão dispostos na Bíblia, é a ordem dos fatos que relatam, assim como a ordem em que foram escritos. Há muitas “cronologias” bíblicas datando criação do mundo e do homem, e acontecimentos da “história” de Israel e da igreja, que muitos acham serem informações científicas.
      Principalmente a civilização ocidental, que depois evangelizou o resto do mundo, recebeu Jesus pelos cristianismos, mas também foi convencida a crer em muitas mentiras, com a ameaça de inferno e do diabo, caso não aceitasse isso. Deus, em seu amor paciente, recebeu e recebe equivocados e iluminados, crentes na religião e na ciência. Se Deus desse às verdades dos homens a importância que eles dão, estaríamos sós no universo. Mas até quando insistiremos na infância? Já podemos ter mentes amadurecidas, não somos mais católicos medievais, temos ciência de preconceitos e intolerâncias, entendemos que igualdade de direitos é para todos, se ainda não praticamos isso de forma plena, já sabemos que esse é o ideal a ser vivido. 
      Nestes últimos tempos tenho estudado bastante história de Israel e de Jesus. Durante muito tempo estudei teologia achando que era história, li comentários bíblicos dos mais diferentes autores, mas eles não eram e não são cientistas, apenas apologetas defendendo que Bíblia são fatos ao pé da letra. É difícil acordar para isso, temos medo de estarmos desviando-nos do caminho, de estarmos ouvindo o diabo, indo para o inferno. Mas acordar é preciso, a verdade se impõe, não é trazida pela ciência, essa apenas entrega marcações de tempo e espaço e provas arqueológicas. Quem traz a verdade é o Espírito de Deus, acordados estaremos vivos espiritualmente e com mentes sadias, esclarecendo-nos pela ciência e temendo a Deus. 

36. Ciência e fé, juntas!
 
      “O semblante alegre do rei significa vida, e a sua bondade é como chuva fora de época. Quanto melhor é adquirir a sabedoria do que o ouro! E mais excelente é adquirir o entendimento do que a prata!Provérbios 16.15-16

      Ciência mostra que muita coisa que cremos como verdade intocável não é verdade. Isso, como muitos ateus dizem, é motivo para não crermos? Para não acreditarmos em Deus? Para não fazermos parte de religiões cristãs e não lermos a Bíblia? Não. Mas é motivo para que tenhamos uma fé mais inteligente, para que nos aproximemos mais do Deus verdadeiro, não de ídolos e “Deuses” dos cristianismos. Podemos instalar disposições doentes em nossas mentes, não experiências espirituais genuínas, quando não temos bom senso para separar verdade de mentira. Em se tratando de Deus e plano espiritual, fé sempre será necessária, contudo, purifiquemos essa fé pela ciência, para nos mantermos sadios e próximos de Deus.
      Entendamos algo: só pela fé não chegamos ao Deus mais elevado, ainda que cheguemos em algum ponto do plano espiritual, mas só pela ciência também não chegamos à verdade sobre espiritualidade, ainda que conheçamos muitos dos enganos que há no que se diz sobre espiritualidade. Assim, eis maravilhoso paradoxo, entre fé e ciência, céu e Terra, Deus invisível e ser humano físico. O desafio espiritual mais elevado não é praticar religiosidade até últimas consequências. O desafio intelectual mais alto não é estudar e confiar na ciência acima de tudo. O desafio tem dois lados, espiritual e intelectual, que Deus nos faz para caminharmos de maneira sadia, conhecendo ambos os lados seriamente, e sendo moralmente virtuosos.  
      Jesus, não só nada escreveu, como não pediu que algo fosse escrito sobre ele, ou então, encarnou num tempo em que tradição oral, informação passada boca a boca, tinha mais relevância que registro escrito. Essas informações que a ciência nos traz, nos diz muita coisa, sobre o Jesus real, sobre o ser humano do tempo do Jesus real, sobre aqueles que registraram palavras e atos atribuídos a Jesus depois, assim como sobre a maneira de agir de Deus. Se Deus quisesse uma palavra escrita como sua palavra inalterável e crível, revelando toda sua vontade à humanidade, teria feito diferente, teria vindo no século XXI, com, não só imprensa desenvolvida, como com internet estabelecida para divulgar informações com eficiência. 
      A fé sempre acha uma resposta, ainda que indo na contramão da ciência. Crentes podem responder ao problema acima dizendo que o ser humano não tinha capacidade científica para registrar a palavra de Deus, mas Deus, sendo todo-poderoso, pôde manter uma palavra inalterável e fidedigna pelo seu Espírito, por ações milagrosas. Para esse argumento não existe contra-argumento, é por fé, e pode-se crer no que se desejar. A ciência séria não tem necessariamente o propósito de negar a fé, mas de buscar provas materiais, em tempo e espaço, de personagens e acontecimentos. Que utilidade tem, então, ciência para o crente? Medir o “tamanho” de sua fé, até onde ela acredita ainda que não haja comprovação científica das coisas. 
      Até onde podemos crer sem consentimento científico? Até onde isso nos levar a sermos seres humanos sadios, não doentes, até o ponto onde a prática moral da espiritualidade que temos pela fé, der bons frutos, sendo esses em mais quantidade e de duração maior que os frutos ruins. O ser humano só é plenamente sadio quando há equilíbrio entre sua saúde física, sua saúde mental, suas interações sociais e profissionais, sua vida moral, seu estudo intelectual e suas experiências espirituais. Eu creio que um Deus Altíssimo, além de religiões, dos cristianismos e da ciência, conduza o ser humano para esse equilíbrio de saúde, não para qualquer espécie de engano ou enfermidade. O céu mais alto será espaço de vida, paz e luz. 

37. Ciência não dá 100% de certeza

      “pois nós não podemos deixar de falar das coisas que vimos e ouvimos.” Atos 4.20 

      Se mantermos dois pés no chão, ficamos seguros, mas parados, não nos movemos. Andar é sincronizar os pés, um apoiando o corpo, o outro erguendo-se e tocando o chão num novo ponto. Correr sem cuidado, entretanto, pode levar à queda, à medida que ambos os pés deixam de apoiar o corpo. Isso diz algum coisa sobre duas áreas humanas, a racional e a espiritual, uma apoia-se na matéria, a outra usa a fé. A matéria sabe e pode conhecer muito pela ciência, mas o espírito crê, ainda que não saiba. Curiosidade científica é um tipo de fé, que levanta uma hipótese, ainda sem comprovação, e trabalha para provar ou não a existência material de algo. Seja como for, se a ciência nos mantém, é a fé que nos move. 
      Ciência não dá tudo e sempre como 100% certo, muitas vezes só indica o que tem mais probabilidade de ser real. Quem pode dar algo como 100% verdadeiro é a fé, mas será que isso é vantagem, é bom, indica saúde, ou é algo doentio? Penso que se Deus quisesse que tivéssemos 100% de certeza sobre algumas coisas, não faria com que o plano espiritual, a encarnados no mundo físico, fosse acessado só por fé. Por outro lado, ele permite a ciência no plano material, para dar as certezas necessárias aos humanos. Contudo, aceitarmos que fé muitas vezes é necessária, não é usá-la sempre e com total certeza. Há coisas que temos que fazer, há coisas que temos que saber, há coisas que precisamos crer, há coisas que nunca saberemos. 
      Um erro que o maniqueísmo cristão conduz, é tratar experiências extraordinárias que cristãos provam, como verdades provenientes legitimamente de Deus, enquanto trata experiências místicas de outras religiosidades, como dos espiritismos, como magia no sentido negativo, mentiroso, diabólico. Como em outras leituras que cristianismos fazem daquilo que está fora deles, se colocam como proprietários exclusivos do sobrenatural e do milagroso, considerando o resto maldade ou genérico embuste. Monoteísmo ou monolatria? Um só considera a existência de Deus, outro considera outros deuses, mas o seu “Deus” como melhor. Deus é um só, mas o “Deus” de muitos cristãos é só monolatria. 
      Mas talvez pior que demonizar os outros é endeusar-nos, assim, só vermos qualidades e obediências a Deus em nós e defeitos e desobediências a Deus nos outros. Fomos convencidos, sem nos darmos conta, a ler a Bíblia com filtros, nem é adição ou subtração, está lá, mas nós passamos os olhos e não vemos. Somos ajudados nesse filtro pelos tradutores protestantes e católicos, por exemplo, do novo testamento, que usam sinônimos do original grego, que nos impedem de ler a verdade. Há superstições, feitiços, objetos de sorte de azar, sem falar na crença e comunicação com espíritos no antigo e no novo testamento (se possível, assista vídeo neste link). Igreja católica nega ambiente mágico, mas ele existe na Bíblia. 
      A princípio, tudo que hoje é chamado milagre, que é sobrenatural, que na língua original do novo testamento era denominado evento mágico, já que não havia a diferenciação que catolicismo estabeleceu entre ação de Deus e misticismo do diabo, ciência desconsidera. Nascimento por “inseminação espiritual” de Jesus, virgindade perpétua de Maria, curas e expulsão de demônios, ressurreição de Jesus, e com efeito a interação dele ressuscitado com vivos, ciência não aceita. Além disso, o que não se tem prova ou que se tem prova que foi atribuído tardiamente a Jesus, portanto que ele não fez e não falou, que foi construção teológica, também não é considerado, ainda que esteja na Bíblia, dogmatizado por religião. 

38. Ciência não é só um ponto de vista

      “Porque andamos por fé e não pelo que vemos.II Coríntios 5.7

      Discordar de conhecimento científico, não é criticar um ponto de vista, é dizer que uma metodologia, um método científico, está incorreto, ou que através dele chegou-se a um engano. Pode não ser 100% provável, mas sendo científico será o mais provável, pelo menos até que se encontre provas científicas melhores ou diferentes. “Mas a Bíblia não diz assim”, alegam muitos, bem, pode não dizer, mas afirmar-se que ela é palavra verdadeira é um erro, ainda que possa conter palavra de Deus. Por outro lado, muitos tendem interpretar a Bíblia de acordo com suas crenças, assim, entenderem uma coisa em textos que claramente dizem outra coisa. Não brigue com a ciência, nem demonize-a, ela só busca verdade material.
      Como na arqueologia, onde estuda-se a terra escavando as camadas, um texto antigo não é uma coisa só, são camadas sobrepostas de muitos textos. Isso não ocorre só com textos sagrados, outros textos antigos, filosóficos, históricos, até de matemática, também são assim, eram vivos no sentido que não eram estáticos, não foram escritos uma vez por alguém, no caso dos bíblicos inspirado por Deus, e permanceram imutáveis, sofreram transformações, subtrações, adições. Não temamos verificar enganos nos textos bíblicos, não é a palavra pura do Deus verdadeiro que estamos confrontando, é a construção teológica humana, ainda que falando sobre Deus e podendo conter algum resquício de experiência real com Deus.  
      Confrontando textos bíblicos com ciência, não há nas histórias de Israel e igreja, homogeneidade que cristianismos mostram que havia, montando e traduzindo a Bíblia, seguem exemplos. Houve duas nações, não uma, em grande parte do tempo relatado no antigo testamento, Judá, ao sul com capital em Jerusalém, e demais tribos ao norte, Israel, com capital em Samaria. Personagens do Pentateuco eram tradições diferentes de regiões diferentes, ligados como família por interesses de Judá após exílio babilônico. Já nos primeiros séculos, havia vários grupos cristãos, com teologias distintas, há seitas desde sempre. Maria, a mãe de Jesus dos evangelhos, é personagem inventado, nem seu nome tem comprovação (mais no link).
      Talvez a leitura cristã mais importante a ser desconstruída, quando baseada só em teologia, seja a escatológica, principalmente o Apocalipse de João o evangelista. O que mais destoa, em relação ao Jesus de por exemplo Mateus 5, é a característica de vingador do “Jesus” que João diz que vai voltar. Historiadores são categóricos em afirmar, Joao não escreveu suas visões para o futuro, mas aos cristãos de seu tempo, oprimidos pelo império romano. Texto escatológico mais antigo é das cartas de Paulo, João vai aprofundar essa teologia, que pouco tem a ver com o Jesus histórico, que tem muito a ver com o messias judaico, beligerante senhor dos exércitos. Apocalipse já ocorreu, esse messias não voltará (mais no link). 
      Para a ciência não existe canônico e apócrifo, tudo é literatura, documento histórico pelo qual pode-se obter informações. O conceito apócrifo interessou e interessa a ortodoxias cristãs vigentes para pregarem seus enquadramentos teológicos, assim taxando uns textos de verdadeiros e de Deus e outros de falsos e do diabo, eis novamente o maniqueísmo em ação. Uma dica aos que creem num Deus maior que o “Deus” dos cristianismos, dois apócrifos que valem a pena, Livro de Enoque, que obviamente não foi escrito pelo Enoque de Gênesis, e o Evangelho de Tomé, atribuído ao apóstolo, ambos com conotações mais mágicas. O Evangelho de Tomé aprofunda certos ensinos aliados a Jesus de forma bem interessante, gosto dele.

39. História versus novo testamento

      “conhecerão a verdade, e a verdade os libertará.” João 8.32

      O que diz o estudo histórico científico sobre os textos do novo testamento:
  • os livros não estão na ordem em que foram escritos, por exemplo, cartas atribuídas a Paulo são mais antigas que evangelhos 
  • a ordem cronológica em que estão os livros no novo testamento são intenção teológica de líderes anteriores  
  • muitos registros não foram escritos por testemunhas diretas dos fatos
  • muitas autorias são atribuições teológicas, não são de fato autores dos textos aqueles que levam seus nomes
  • os livros não são textos integralmente escritos pela mesma pessoa, nem no mesmo tempo
  • não havia preocupação com direito autoral na época, por isso o autor de Apocalipse faz a exortação no final, sabia que adição e subtração de textos
  • copistas adicionavam comentários ao texto original que estavam copiando, que com o tempo tornavam-se parte do original 
  • algumas cartas atribuídas a Paulo são agrupamentos de bilhetes que foram escritos até a destinatários diferentes 
  • o que de fato Paulo escreveu: I e II Coríntios, Filemom, Filipenses, Gálatas, I Tessalonicenses e Romanos (mais no link)
  • percebe-se interpolações nos textos pelo estudo do estilo literário e pessoal do(s) autor(es) 
  • foram encontradas cópias diferentes de livros, a passagem da mulher adúltera em João 8, por exemplo, não existe em cópias mais antigas 
  • a escatologia do Apocalipse atribuído a João refere-se a acontecimentos e intenções da época do autor, não de um futuro distante 
  • originalmente, evangelhos eram transcrições de informações orais sobre palavras relevantes de Jesus
  • evangelhos tomaram viés de biografia do Cristo depois que as primeiras informações sobre Jesus foram registradas 
  • árvore genealógica de Jesus, seu nascimento pelo Espírito, milagres, relevância da crucificação, ressurreição, são teologia, não história
  • Atos não é um livro histórico, escrito provavelmente no século II não por testemunhas oculares do relatado
  • Atos é um livro no estilo literário épico, mostrando personagens como Pedro e Paulo como heróis 
  • a Bíblia não foi escrita para ser Bíblia, como coleção de livros, foram escritos textos independentes 
      Você pode crer que as afirmações acima são mentiras. Você pode crer que são verdades, mas estão debaixo da mão de Deus e são úteis. Você pode crer que são verdades, que novo testamento é construção humana e a verdade de Deus não concorda com ele, mas ainda assim você crê em Deus. Na verdade você pode crer em qualquer coisa, ou pode descrer de tudo, isso é livre arbítrio teu. Contudo, crer ou não crer, é indiferente para que um estudo histórico científico ache a verdade sobre os textos bíblicos, e para que Deus exista, somos nós que devemos achar o equilíbrio entre isso, sabendo o que tem comprovação histórica, o que é teologia, o que queremos crer e o que não queremos crer. O ideal é não misturarmos as coisas. 
      Minha proposta nesta série de reflexões, que ouso chamar de livro, não é trazer informações técnicas, seja de historiador ou de psicólogo. Estou apenas compartilhando meu trajeto de aprendizado, que nos últimos tempos tem sido no estudo de historiadores sérios, não de teólogos, sobre bíblia hebraica (velho testamento) e segundo (ou novo) testamento. Assim, perdoem-me se não uso metodologia científica quando faço provocações e não listo citações ou não detalho mais. Para melhor aprofundamento sobre muito que falei aqui, recomendo assistir vídeos de canais de divulgação científica no Youtube, seguem links no final. Sei que pode ser difícil para muitos, mas tentem ouvir ciência séria, deem uma chance a ela.

Daniel Gontijo : doutor em neurociência, professor de psicologia
André Chevitarese : doutor, história, orientador em pós-graduações (novo testamento)
Juliana Cavalcanti : doutora (história comparada, novo testamento), em especial vídeos com:
Jonathan Matthies : professor de história, teólogo protestante (antigo testamento) 

40. O Jesus provável
 
      “E, quando Jesus entrou em Jerusalém, toda a cidade se alvoroçou. E perguntavam: — Quem é este? E as multidões respondiam: — Este é o profeta Jesus, de Nazaré da Galileia!” Mateus 21.10-11

      Como seria o Jesus real mais provável, baseado em averiguação histórica, arqueologia e na ciência, não em teologia, religião e fé?

      Houve um homem chamado Jesus, que nasceu provavelmente uns quatro anos antes da era comum, ou quatro anos antes do ano zero d.C., na cidade de Nazaré, não em Belém. Era camponês, possivelmente analfabeto, peregrinou nas cidades do interior da Palestina. Não podemos dizer quem foram seus pais, assim, muito menos sabemos sua genealogia e se foi descendente de Davi. Genealogias eram informações de nobres e sacerdotes, Jesus não vinha dessas classes. Ele não fez milagres, mas pregou uma palavra diferenciada que tocou muita gente. Por algum motivo, talvez político, foi crucificado, mas seu corpo acabou ali na cruz, não foi enterrado, não ressuscitou, nem apareceu depois de morto aos vivos. 
      Sobreviveu a palavra diferenciada de Jesus nas mentes dos que a ouviram diretamente de sua boa, mas algo ocorria, à medida que essa palavra era compartilhada, tocava outras pessoas de forma distinta das palavras que religiões, filosofias, oráculos e outras teologias da época ensinavam. Alguns se tornaram pregadores dessa palavra, uns permaneceram em cidades e criaram comunidades que estudavam a palavra, outros saíram como pregadores itinerantes espalhando a palavra. Alguns registraram em pergaminhos e papiros o que ouviram de Jesus em primeira mão ou de outros. Pessoas diferentes entenderam palavras diferentes e escreveram palavras de acordo com o que achavam interessante, como ocorre em tradição oral. 
      Esses registros não eram biografias, nem eram os evangelhos que temos hoje, não listavam eventos em ordem histórica, eram só parte dos ensinos de Jesus. Sobreviveram nas mentes ensinos relevantes, ou que se tornaram relevantes para as pessoas. Em pouco tempo a palavra diferenciada de Jesus falou a um número significativo de pessoas, assim comunidades cresceram, gerando necessidade de administração delas e de padronização de suas doutrinas. Como sempre ocorre com o ser humano, com a popularidade vem a sede de poder, dessa forma alguns tomaram para si a liderança, assim como direito de normalizar ensinos, mais de acordo com suas visões sobre o ensino de Jesus que de fato obedecendo o ensino original de Jesus.
      A palavra original do Jesus histórico sobreviveu aos primeiros séculos, mas sobre ela fundaram seitas, intenções foram adicionadas a agrupamentos de comunidades e a registros escritos, nisso o Espírito puro de Deus do Jesus original misturou-se com agendas de homens da época. O cristianismo já nasceu desviado, negando o Jesus histórico, adicionando o título de Cristo, construindo o personagem de semi-deus grego, filho de mulher com divindade, idolatrando tal mulher e conectando pai adotivo ao rei Davi. Nisso mixa-se judaísmo com helenismo, monoteísmo com politeísmo pagão, daí até o quarto século foi só questão de tempo para que uma seita mais poderosa, apoiada pelo imperador, se impusesse como cristianismo oficial. 
      Arrisco-me a ficar mal com todos, com cristãos que creem que teologia é história, mas também com ateus, que creem que o Jesus histórico não teve relevância, foi só usado por homens para criar-se religiões manipuladoras. Eu aceito o que a ciência diz como o mais provável sobre o Jesus histórico, mas não posso deixar de constatar que houve algo nesse Jesus de especial, que ainda que de forma desviada da verdade mais alta pelos homens, influencia a humanidade até hoje. Trevas expandem-se e se retraem, a luz é sempre a mesma, houve luz no Jesus provável, é isso que o genuíno Espírito Santo nos lembra sempre. Jesus não fica menor, se passarmos a Bíblia pelo crivo da história, fica maior, ao menos ao que aceita a verdade.

41. História versus antigo testamento

      “Guia-me na tua verdade e ensina-me, pois tu és o Deus da minha salvação, em quem eu espero todo o dia.” Salmos 25.5

      O que concluímos, sendo ensinados em religiões cristãs e aceitando teologia como história, é que com relação ao antigo testamento, à medida que as coisas foram ocorrendo na história real de Judá e Israel, alguém registrou por escrito em papiro ou pergaminho o que viu ou soube. Dessa forma ocorreram os eventos de Gênesis, as vidas de Adão, Noé, Abraão, Jacó, e alguém, quase que em tempo real, escreveu. Depois José, Moisés, Josué, entraram, viveram, saíram do Egito, então, o povo chegou à Canaã, e alguém, no caso Moisés, seguiu registrando pela escrita. Achamos que foi assim com o pentateuco, escrito quase que no tempo em que eventos e personagens históricos reais existiram, de forma fidedigna e biográfica.
       Pensamos pelos cristianismos, que sendo escritos quase que em tempo real, livros do cânone bíblico foram sendo acrescentados, na ordem que temos em nossa Bíblia hoje. O mesmo ocorreu com eventos e personagens do tempo de juízes e reis, incluindo os livros poéticos atribuídos a Davi e Salomão, foram escritos por juízes e reis mais ou menos no tempo em que as coisas aconteciam, sendo, novos livros, acrescentados em ordem após o pentateuco. Nesse entendimento, que temos pelas igrejas, que nem precisa ser enfatizado pois aceitamos sem raciocinar, veio o tempo do cativeiro, assim os profetas, que por sua vez registraram de próprio punho suas vidas, e acrescentaram seus livros aos rolos sagrados já existentes. 
      Nessa ótica assume-se que já havia escrita desenvolvida, que personagens bíblicos sabiam escrever, que escreviam respeitando os fatos, e que outros, após eles, guardaram seus escritos, e ainda que fazendo cópias a mão, nada subtraíram ou adicionam dos textos originais. Dentro de igrejas protestantes, evangélicas, pentecostais, neopentecostais etc, lemos antigo testamento, do Éden ao cativeiro, como fato, entendemos criação em seis dias como em tempo real, assim não aceitamos teoria da evolução, mas cremos que o ser humano surgiu pronto, como é hoje, que Deus o criou do pó da terra. Cremos na família dos patriarcas, na família de Davi, nos profetas, como gente real. Damos à Bíblia o valor de um livro qualquer de história.
      Lendo Bíblia como verdade histórica, acabamos achando que são fatos e personagens reais o que é criação feita por certos interesses. Quem reuniu, reescreveu e alterou o antigo testamento, tinha a agenda de criar um Israel no seu presente manipulando o Israel passado. Por outro lado, pela Bíblia temos a visão de lideranças, não do povo. Por um estudo científico da história, entendemos que a Bíblia não é a história de um Israel fechado, mas de cultura e religião de uma nação influenciadas por culturas e religiões de outras nações. Ainda que autores enfatizem monoteísmo, o povo seguia politeísta, cativos e ex-cativos sendo influenciados pelos costumes de Babilônia e Pérsia, como foi o cristianismo pela sociedade greco-romana. 
      Se escrevermos um romance, ainda que baseado em pessoas e fatos reais, será que quem ler, daqui a um tempo, terá uma visão correta da realidade atual? Não, escrevemos sobre nossas preferências, e ainda que com algum cuidado, falamos bem de quem gostamos, mal de quem desgostamos. Há julgamento, pontos de vista, mesmo enganos em nossas interpretações da realidade. Por que achamos que foi diferente com textos bíblicos, num tempo que escrita não era comum, cópias não eram à máquina, não havia critério científico e normas legais sobre o que devia ser verdade ou não ser plágio? Dizer que a mão de Deus guiou na verdade seria argumento suficiente? Não é assim que Deus trabalha ou que precisa trabalhar com o ser humano. 

42. A Bíblia não precisa ser coesa

      “Envia a tua luz e a tua verdade, para que me guiem e me levem ao teu santo monte e aos teus tabernáculos.” Salmos 43.3

      Com o novo testamento nos enganamos quando achamos que os livros foram escritos na ordem em que se acham na Bíblia, e pelos autores pelos quais os livros recebem os nomes, evangelho de tal pessoa, carta de tal pessoa etc. Erramos achando que Atos é biografia de Paulo, quando é texto para reforçar agenda de ortodoxia predominante posterior. O engano torna-se maior quando cremos em coesão bíblica, que o que foi dito no antigo testamento cumpriu-se no novo, aliando tudo a um único autor, o Espírito de Deus. Coesão bíblica é reforçada por teólogos atuais, que tendo que achar verdade absoluta em toda a Bíblia, precisam afirmar harmonia nos textos, como se o ser humano não mudasse em milênios de história.
      Exemplo de coesão bíblia forçada, é entender o Satanás do livro se Jó como o diabo que pensamos nos tempos atuais. O Satanás de Jó é uma espécie de promotor público de Deus, não tem a função de torturar ou de enganar, mas de testar e informar Deus sobre os resultados. Foi de posse desses resultados que Deus aplicou um teste a Jó. A intenção de Deus não foi empobrecer, punir, fazer sofrer, mas perfeiçoar alguém que já era correto. Deus não aplica o teste de Jó a qualquer um, a maioria não está preparada para ter o que Jó tinha e ser o que era antes do teste, muito menos para ser testado como foi. Deus não utilizou um anjo para o trabalho, mas um ser chamado Satanás, que só recebeu a conotação do diabo atual tempos depois. 
      O diabo do novo testamento, por sua vez, foi criado por ortodoxias cristãs dominantes após a morte Jesus, mas muito mais pela Igreja Católica medieval. Hoje lemos Jó e Apocalipse e vemos coesão, mas isso é só nossa mente catequizada por cristianismos forçando uma harmonia. O ser humano que recebeu pela primeira vez a “história” de Jó era um, “história” que já podia ser em parte mitologia. O ser humano que recebeu, por tradição oral, essa história tempos depois e a registrou, já com mudanças e com o seu ponto de vista, era outro. Mas o próprio Jó, se existiu de fato, era ser humano diferente dos cristãos dos primeiros séculos, todos com visões distintas de diabo. O Espírito de Deus é coeso, a Bíblia não precisa ser. 
      Antigo testamento, ou bíblia hebraica, foi parte reunido de textos antigos, parte escrito depois sobre o passado, parte alterado de tudo isso, e isso nos tempos pós cativeiro babilônico, ênfases foram dadas conforme intenções de homens dessa época. Abraão, Jacó, Moisés, Samuel, Davi, profetas, foram registrados conforme agendas de homens reconstruindo um Israel após o exílio. Essa linearidade histórica dentro de um mundo protegido de influências externas, é romance, não é história. Quem crê na Bíblia como fatos ao pé da letra, crê que um romance seja real, como se acreditasse que Luke Skywalker, Han Solo, princesa Leia e Darth Vader fossem pessoas que de fato existiram há muito tempo atrás em algum lugar. 
      Conhecimento de história real não é para deixarmos de crer e nos tornarmos ateus, mas para crermos em Deus, ainda que sabendo que há muita mentira em religiões e textos sagrados. Filtre tua fé, aperfeiçoe teu entendimento sobre Deus, liberte-se dos enganos dos homens, cure tua espiritualidade. Após esta série de reflexões sobre doença ou espiritualidade, teologia ou história, seguirei compartilhando versículos bíblicos e experiências práticas com Deus, seguirei crendo que a Bíblia é um livro especial, ainda que saiba que não é história ao pé da letra, mas teologia, seja judaica, grega, romana ou alemã. O Deus que me guia, me cura e me ilumina, é vivo e espiritual, muito além de tradições e agendas religiosas humanas. 

43. Parábola dos elementos

      “Eu, porém, lhes digo: amem os seus inimigos e orem pelos que perseguem vocês, para demonstrarem que são filhos do Pai de vocês, que está nos céus. Porque ele faz o seu sol nascer sobre maus e bons e vir chuvas sobre justos e injustos.” Mateus 5.44-45

      Numa tarde de primavera, os quatro elementos se reuniram para uma conversa. O fogo disse à água, você é muito tolerante, permite que qualquer um a toque, que a colha, às vezes com mãos ou com objetos sujos. Eu não, se me tocarem sem cuidado, sem devido respeito, eu queimo. Sábio é quem me usa, mas a uma certa distância. O vento disse ao fogo, não estou nem aí, quando quero, sopro mansamente, quando não, sopro com violência, levando tudo que está a minha frente, ninguém me vê mesmo, posso fazer o que quiser. A terra reagiu aos três, a mim cabe o silêncio, sou pisada, espalhada, calor e frio tornam-me deserto, ainda assim acolho as sementes, protejo-as, as alimento e as torno belas flores e árvores frutíferas. 
      A que Deus assemelha-se? Às vezes ao fogo, se não respeitarmos as regras do universo, que ele mesmo criou, reagirá com dor. Às vezes ao vento, é misterioso, devemos temê-lo sempre, não sabemos o que é necessário ao universo fazer em determinado momento. Às vezes à terra, resiliente, vítima que sofre calada, trabalha no tempo e em silêncio, mas que é sensível à ação dos outros elementos, prova viva de que tudo que se planta, se colhe, que a toda ação, há uma reação proporcional, que para cada causa há um feito. Mas e a água, que na conversa acima não se manifestou? Ela é tolerante, permite que maus e bons a usem, apaga o fogo, adapta-se ao vento, vivifica a terra. Deus pode assemelhar-se muito a ela em certos momentos.
      Deus derrama água de seu Espírito pelas religiões, pelos cristianismos, sem acepção. Em seu amor, não importa-se se vão colher a água os bem ou os mal intencionados, os limpos ou os sujos. Ainda que a água original venha do céu e seja limpa, suja-se ao primeiro e mero contato com o chão, mesmo o mais bem intencionado e que se ache limpo entre os seres humanos, a polui, de alguma maneira. Ainda assim Deus faz chover, sobre puros e impuros, ele sabe que todos precisam da água. Nos rios, águas são recolhidas das chuvas e das fontes, ali permanecem, mansas, alimentando peixes que alimentam as pessoas, sendo caminhos para os homens nos barcos. Água não pede atestado de moralidade para permitir ser usada. 
      Um Jesus pura água celestial veio ao mundo. Religiões mudaram a água, a coloriram, sujaram, adicionaram a ela sabores artificiais, até álcool, para que o líquido original fosse interessante a pessoas de tempos e lugares diferentes. Mas lá no meio de toda essa química, ainda há água, e ela é tão poderosa que cumpre seu papel, ainda que restringida pelo que lhe foi adicionado, de saciar o ser humano. A água continua sendo derramada, o que for sábio, a colherá da fonte original, não de intermediários, ainda que tenha iniciado sua jornada tomando água misturada, se for sensível, obediente e corajoso, buscará água pura e a achará, só ela cura e não adoece. Quem procura de verdade sempre acha, água, cura, Jesus. 
      O fogo da ciência purifica nossa fé, o vento do espírito eleva nossa fé, as provações da Terra aperfeiçoam nossa fé, a água da verdade fortalece nossa fé. Deus é perfeito, acha-o quem admite-se imperfeito e não teme a imperfeição das religiões, mesmo das mais tradicionais, conservadoras e poderosas. Eu creio no poder da água de Deus, por isso, ainda que saiba de tantas manipulações na Bíblia, confio em muitos textos dela como consolo e orientação de Deus, creio que Deus tem usado e ainda usará a Bíblia por muito tempo. Apesar de experiências profundas e novas com Deus, de ter perdido o medo de outras espiritualidades, amo a Bíblia, me trouxe até aqui em paz, ainda que seja só fantasia em que quero crer.

44. Encanto da mentira
 
      “Jesus respondeu: — Eu sou o caminho, a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim.” João 14.6

      Confrontando religião com ciência, Bíblia com história, uma pergunta vem à mente: será que gostamos de ser enganados? Preferimos a mentira à verdade? Muitas vezes nem é por maldade ou por alguma conveniência egoísta, é por limite mesmo. “Arredondamos” muitas informações, tiramos uma média e registramos aquilo que é mais fácil, ou mais agradável para entendermos, depois, quando relembramos, são pedaços das memórias pinçados e misturados a novas informações. Não somos reais, somos fantasiosos, ou melhor, fantásticos, e o tempo todo, mais artísticos que científicos. Deus entende isso, respeita isso, mas também usa isso, ainda que nos confronte com verdades que não estão escondidas, mas bem na nossa cara. 
      Intriga-me como um ser tão simples e puro como Jesus, pôde perder o sabor, pouco tempo após morrer e sua palavra passear solitária pela Terra. Não foram milênios, nem séculos, mas talvez algumas décadas bastaram, para que a água limpa e fresca do Altíssimo, precisasse ser misturada a outros elementos, para interessar a seres humanos, que na verdade só precisam de água limpa e fresca do Altíssimo para saciarem sede espiritual. Você não acredita nisso? Basta olhar para as igrejas atuais, principalmente as evangélicas que têm mais liberdade para mudar e se adaptar. Pastores precisam inventar a cada semana culto diferente, uma campanha nova, trazer pregador ou cantor de fora para que ovelhas mantenham-se nos templos. 
      Poucos querem o Jesus real, a maioria quer o Cristo inventado, poucos querem o sermão da montanha, a maioria quer milagres e escatologia, poucos querem a realidade, a maioria quer fantasia. Fazem do púlpito, tela de cinema, dos altares, palcos de shows, dos templos, casas de espetáculos. Falo bastante aqui de surpresas que poderemos ter quando nosso espírito abrir os olhos na eternidade após a morte do corpo, mas a principal surpresa poderá ser a simplicidade que o plano espiritual de luz mais alta tem. Castelos de ouros, ruas de pedras preciosas, isso foi imaginação de homens antigos, que tinham como referência de riqueza e nobreza os excessos luxuosos de reis. A realidade é espiritual, não necessita de complicações. 
      Meus queridos e minhas queridas, acordemos, como é hoje foi antes, a ciência evoluiu, mas a essência humana pouco mudou. Infelizmente o que fazemos hoje com mais conhecimento de liberdade e igualdade, de justiça e respeito, enquanto temos a existência material mais facilitada pela ciência, é corromper a verdade do alto. Se antes o ser humano era ignorante e limitado, hoje segue sendo assim, ainda que com tantas possibilidades de conhecimento e tecnologia. Parece que a maioria de nós só deixou o juízo mais duro, adquiriu mais saber, mas não praticando isso trouxe para si mais cobranças. Algo precisa ocorrer para que o ser humano pare de celebrar a mentira, e viva a verdade que já lhe foi entregue no Jesus de Nazaré.
      Crianças não estão preparadas para saberem verdades, por isso as educamos com fábulas, ou ainda que sejam verdades, só superficiais. Saber a verdade espiritual não tem como pré-requisito conhecimento intelectual, mas prática moral, isso muitos não entendem. Não sabemos mais de Deus estudando mais teologia ou história, mas vivendo de fato a melhor teoria, isso nos capacita para conhecer espiritualidade mais elevada. Há doutores em teologia e em história que ainda são crianças morais, assim acham saber muito e não sabem. Cristianismos desviaram-se desde o início, não por não terem à disposição a verdade, mas por não praticarem essa verdade, assim crianças têm encantado-se com mentiras, afastando-se de Deus.

45. Quem pode entender?

      “Jesus, porém, disse: — Também vocês ainda não entenderam?” Mateus 15.16

      Falo mais de cristãos protestantes, tradicionais e pentecostais, pois foi no meio deles que convivi por quase cinquenta anos. Algo que muitos desses pensam, é que sabem a verdade sobre Deus mais que outros, mais até que católicos, isso atrai-lhes desafetos de outros religiosos e de ateus, como nenhum outro atrai. Para não ser injusto, talvez a linha fundamentalista muçulmana, que usa terrorismo em nome de suas crenças, seja mais impopular, e aqui não vai juízo de valor, só constatação de fato. Há bons e maus seres humanos em todas as religiões e mesmo no ceticismo. Mas eu conheço os protestantes, ainda que sejam educados no mundo, muitos deles bem formados academicamente, muitos são religiosamente arrogantes.
      Nem vou entrar muito no contexto do versículo acima, mas Jesus ensinava que o que entra pela boca desce para o estômago e depois é eliminado, mas o que sai da boca vem do coração, é isso que contamina a pessoa, do coração procede o mal, não o comer sem lavar as mãos, conforme reclamavam os fariseus (Mateus 15.17-20). Jesus andava com os discípulos, e ainda assim não entendiam a espiritualidade mais alta, creio que só entenderam quando o Espírito Santo desceu sobre eles. E nós, que arrogamos certezas, que nos achamos, ainda que de forma calada, melhores entendedores e praticantes do evangelho que outros, será que de fato entendemos a mensagem principal do Jesus verdadeiro que nos chega pelo seu Espírito?
      Mas reflitamos no tema, não só considerando entendimento religioso coletivo, que pode ser zona de conforto para orgulhosos. Deus fala a cada um de forma específica, o que fala para você não fala para mim, o que te mostra como caminho de iluminação não é o mesmo caminho que mostra-me, simplesmente porque somos todos diferentes, com missões, vocações, provações distintas. Será que estamos entendendo a vontade de Deus para nossa vida, ou estamos acomodados nas chamadas dos outros, que pastores e igrejas pregam de forma indiscriminada a rebanhos? Muitos amam ser manada, perderem-se no meio dela, enquanto julgam e condenam os que também são manadas de homens, ainda que fora de religiões.
      Com mais de sessenta anos surpreendo-me vendo gente sendo entrevistada no meio de multidão assistindo show de música, que eufórica satisfação. Talvez seja minha idade, mas a ideia de estar apertado no meio da massa, sufocado, suado, encharcado de cerveja e outras coisas, ouvindo som absurdamente alto, e nos dias atuais, de música ruim, isso para mim é o inferno. Sou de uma geração roqueira, até hoje amo rock progressivo, mas para me achar em mim, não me perder nos outros. Ser humano acomoda-se em ser manada, isso é mais fácil, sem individualidade, uniformizado no meio do coletivo, religião sacia tal desejo. Deus nos atrai a uma experiência alta e pessoal de espiritualidade, o melhor prova-se só e com calma.
      A maioria das pessoas passa a vida em igrejas, ouvindo sobre Deus, falando dele, orando, cantando, decorando Bíblia, mas não entende e não pratica espiritualidade. Exerce apenas escambo com religião, troca fé, remorso, medo, dízimo, por perdão, aprovação, salvação. Veneram sacerdotes, não se conectam intimamente a Deus pelo seu Espírito. Penso que no instante que acordarmos na eternidade, após falência do corpo, haverá um trabalho, o tempo e o sofrimento dele dependerão da qualidade da espiritualidade que levamos do mundo, construída muito em igrejas. Muitos passarão algum tempo livrando-se de vestes, joias e maquiagens, até entenderem que Deus só está interessando neles, nus de toda religiosidade humana. 

46. Acordemos para a luz

      “Porque vocês todos são filhos da luz e filhos do dia; nós não somos da noite, nem das trevas. Assim, pois, não durmamos como os demais; pelo contrário, vigiemos e sejamos sóbrios.” I Tessalonicenses 5.5-6

      A verdade impõe-se ao humilde. O arrogante, contudo, até a ouvirá batendo na porta, mas não dará atenção. Verdade só precisa dela para ser eterna, mentira precisa sempre de uma nova mentira para durar até o dia seguinte. A luz não faz acepção de pessoas, ilumina sobre todos. Os que amam o bem, ainda que sofram inicialmente, já que luz sempre incomoda os que viveram em trevas, virão para ela, pagando preços necessários. Esses viverão de olhos cerrados a princípio, só por fé, até praticarem virtudes e acostumarem-se à luz. Mas depois, purificados pelas virtudes, poderão ver a face da espiritualidade mais alta, que arrogantes não veem, e por isso inventam mentiras sobre espiritualidade e sobre o Deus que desconhecem. 
      Tenho trabalhado minha espiritualidade, em primeiro lugar procurando praticar humildade, santidade e amor, em segundo lugar confrontando meus sagrados com ciência, de forma a ser o menos possível surpreendido na eternidade. Quem acostuma-se à luz, responderá sim quando por ela for atraído após a morte, quem não, correrá para o lado de fora dos edifícios celestiais da verdade, então, criminosos não arrependidos e religiosos hipócritas, verão que interiormente não eram tão diferentes. Mas há infantis em igrejas que estarão nos palácios da verdade, ainda que tímidos e com olhos meio fechados, foi achada boa sinceridade neles e a luz achou lugar para ficar, ainda que esses não tenham consciência racional disso. 
      Amor não tem tempo, justiça tem, luz não tem limites, livre arbítrio limita. A história da humanidade é trajeto de maturação do espírito, tempo suficiente para que todos achem a verdade e direcionem-se para a luz. Escritores ou supostos escritores bíblicos, principalmente das tradições inventadas do novo testamento, deixaram registradas ideias de um fim dos tempos, de um juízo. Há limites no que está escrito no chamado sagrado, quem é tratado como autor provavelmente não foi, histórias registradas não são reais, são narrativas tardias conforme interesses tardios. Ainda assim, creio que Deus por sua misericórdia, deixou que ficasse na Bíblia relevâncias suficientes para guiar em amor os que estão em trevas à sua luz. 
      Religiosos arrogantes são os que mais serão enganados no final dos tempos, farão as batalhas que tanto temem e que mantêm vivas em suas equivocadas teologias, agendas de ódio e separação. Mas esse conflitoé necessário, arrogante só entende quando é deixado livre, ao menos por um tempo, para fazer as coisas do seu jeito, erguendo ídolo e caminhando pela Terra achando-se dono da verdade. Todo direito será dado, mas só se manterá de pé aquele conquistado no Espírito do Altíssimo. Humildes, calem-se no juízo, não tomem lados, não zombem de zombadores, não sintam-se vingados diante de vingativos, temam e tremam, juízo é momento de dor. É noite no final de um longo dia da humanidade, depois um novo e melhor dia nascerá.
      O ser humano sempre usou religião para crer no mais fácil, que não exige raciocínio, oração, escolha pessoal, isso é sempre baseado em algo superficial ou enganoso. O que ocorrerá no final dos tempos é Deus pondo à prova a verdade do ser humano, principalmente dos que se dizem cristãos. “Não creem nisso? Então vejam as últimas consequências disso”. Cuidado com o que cremos, isso sempre acontece, é lei do universo, contudo, as consequências podem não ser aquelas que desejávamos. Creio que em Jesus fomos confrontados com uma nova e mais alta referência de espiritualidade, mas em quase dois mil anos, os seres humanos insistiram no Javé senhor dos exércitos da Bíblia hebraica, pois bem, isso querem, isso terão. 

47. Escrevamos nossos livros

      “Vi um grande trono branco e aquele que está sentado nele. A terra e o céu fugiram da presença dele, e não se achou lugar para eles. Vi também os mortos, os grandes e os pequenos, que estavam em pé diante do trono. Então foram abertos livros. Ainda outro livro, o Livro da Vida, foi aberto. E os mortos foram julgados, segundo as suas obras, conforme o que estava escrito nos livros.” Apocalipse 20.11-12

      Serão abertos os livros e seremos avaliados por eles. Os livros não são textos cósmicos armazenados em alguma gigantesca biblioteca divina, cada um de nós traz em si mesmo um livro gravado. Deus abrirá nossos corações e são eles que serão revelados e pelos quais seremos julgados. Não gosto do termo juízo, remetemos-nos ao conceito tradicional que separa salvos e condenados em situações irremediáveis e sem fim, mas isso fica por conta da fé de cada um. Enfim, ninguém pode adulterar, perder ou trocar os livros, nós mesmos os guardamos, e com muito cuidado. Se os aceitamos com humildade, expomo-los à luz para que sejam atualizados com o bem, senão, escondemo-los para que ninguém saiba a verdade sobre nós. 
      Você sabe que teu espírito é um livro eterno de informações sobre tua verdade pessoal? Se sabe, já o leu? Lê-se o espiritual com sentidos espirituais, desenvolvidos com provas e aprovações espirituais. Se leu, você aceitou e passou a melhorar naquilo que a verdade mostrou como sendo coisas ruins a teu respeito? Ou até leu, entendeu, mas não gostou e não concordou com o que leu, não achou nas religiões ferramentas úteis para aperfeiçoar teu espírito e seguir escrevendo teu livro com informações que de fato te levem ao Deus Altíssimo? Muitos se convertem ao evangelho, recebem certa iluminação do Espírito Santo, até iniciam um novo capítulo no livro, mas desistem quando percebem que isso exigirá deles trabalho moral. 
      O livro começa como diagnóstico que o médico divino faz de nossa situação, listando enfermidades e orientando tratamento. Muitos têm um livro com dez páginas, descrevendo trajetória espiritual ascendente, mas têm noventa páginas em branco. Quando se leem acham-se prontos, curados, mas desprezam tudo que não fizeram de bom. Outros leem seus livros internos e verificam cinco páginas escritas de dez, contam uma história difícil, que se iniciou muito ruim, mas que no final ascendeu à espiritualidade alta. Esses temem, porque só metade do livro está preenchida, temem pelo que não sabem, mas que creem, assim seguem trabalhando. Quem trabalhou mais, o que preencheu dez páginas ou que preencheu cinco? 
      Ninguém é referência de ninguém, cada um tem suas capacidades, suas dificuldades, seus limites e seus alvos. Só Deus e o indivíduo sabem do livro e das medidas de cada um. O que escreveu dez páginas preencheu só 10% de seu livro, o que escreveu cinco, preencheu 50%. Mas o que alcançou porcentagem maior não deve envaidecer-se por isso, nem o que preencheu mais páginas deve acomodar-se nisso. Todos devem seguir trabalhando moralmente, e aqui não me refiro necessariamente a trabalho físico, para alcançarem seus alvos. Infelizmente a pressa, a vaidade e a preguiça que acha sentido maior da existência neste mundo, não no plano espiritual, levam muitos a situações duradouras de enfermidade moral.
      Pode parecer para um que o outro esforça-se menos que ele. Pode parecer para o outro que o primeiro esforça-se mais que ele. Se não houver humildade em Deus um se exaltará e o outro será envergonhado. Mas o que faz mais ajude o que faz menos, o que faz menos, ore pelo que faz mais, mas todos façam tudo que podem e para Deus, não para homens. Não fazemos ideia de como a humanidade na Terra seria equilibrada, de como não haveria pobres tratados como escravos, nem ricos achando-se deuses, se todos obedecessem o equilíbrio que o universo orienta. Tal equilíbrio foi manifestado em Jesus. Todos podemos ter livros belos e singulares que serão lidos com alegria na eternidade pelo autor de todas as almas. 

48. Mistério do espírito humano

      “E aquele que sonda os corações sabe qual é a mente do Espírito, porque intercede pelos santos de acordo com a vontade de Deus.” Romanos 8.27

      Não tenho dúvida que essas reflexões confrontando fé e ciência, teologia e história, mito e fato, não são devidamente entendidas por muitos. Acompanho canais de divulgação científica de história bíblica, há dois tipos de reações a eles. Crentes demonizam conhecimento que tais canais divulgam, dizem que é diabólico, negação de texto sagrado. Ateus, por sua vez, usam conhecimento para reforçar seu ceticismo, e muitos são ateus não por convicção pura, se é que isso é possível, mas por ódio, não só contra religiões em geral, mas especialmente contra cristãos. Pudera, evangélicos dispensam tanto tempo e energia monopolizando verdade e eternidade, ao invés de viverem o amor, que acabam conquistando mais desafetos que outros. 
      Cada vez que oro a Deus ou que leio um texto bíblico, e sou consolado, e Deus pode ser bem exato e rápido para nos entregar, seja diretamente pelo seu Espírito, seja por um versículo da Bíblia, uma palavra que transforma nossa angústia em paz, bem, sempre que provo isso tenho mais convicção que existe um mistério que escapa à ciência. Mas esse mistério, a profundidade, a realidade, a maravilha dele, também escapa a muitos crentes, que acham que confrontar sua fé com ciência enfraquece suas crenças. Já aprendi e assim pude abrir mão de muitas coisas, posição social em igreja liderando ministério e aparecendo em púlpito, mesmo frequência em templos e nome em lista de membros, mas não abro mão de vida de oração. 
      Não devo generalizar minha prática de vida com Deus para todos, nem me achar melhor, ou pior, pelo ponto em que cheguei. Como já disse aqui, cada um fique onde tem tido uma vida de paz e vitória com Deus, seja qual for a denominação cristã ou outra religião em que estiver. Entretanto, posso testemunhar que é bom tirar toda a maquiagem da cara, despir-se de todo excesso, e apresentar-se nu diante de Deus, só com limpos e alvos trajes espirituais, perdoem-me metáforas. Na eternidade, após falecimento de nossos corpos físicos, seremos assim, despidos do desnecessário. Muitos se verão vestidos espiritualmente, outros, contudo, se verão nus, esses se sentirão envergonhados diante da luz do Altíssimo e fugirão para as trevas. 
      Ciência não tem me tornado cético, nem me desviado, tem me levado para mais perto de Deus. Uns acham que precisa estar, o homem, de terno e gravata, a mulher, de saia e véu, para cultuar-se a Deus. Outros acham que pode-se estar de bermuda e chinelos, mas com a mente educada teologicamente, com profundo conhecimento bíblico. Uns pensam que palavra de Deus não se prepara com estudo, se recebe no púlpito pelo Espírito, outros creem que quanto mais preparo intelectual anterior, mais eficiente é a palavra pregada. Quem está mais certo? Dependendo da boa sinceridade, todos podem estar corretos, mas por outro lado, todos podem ser apenas seres vaidosos e arrogantes, achando-se melhores religiosos que os outros. 
      O mistério que escapa a muitos é o espírito. No silêncio e no escuro da sala de nossa casa, no início da madrugada, quando família dorme e televisão está desligada, nosso espírito procura o Espírito de Deus, e de forma simultânea, o Espírito de Deus procura o nosso. Quem tiver paciência, humildade e fé, falará a verdade e ouvirá a verdade, se fará conhecido e conhecerá, tornar-se-á um com Deus. Nesse momento, explicações científicas e dogmas religiosos ficam pequenos, nós, menores ainda, e Deus, magnificamente grandioso. Meus queridos, estudo muito, tenho a mente aberta, não sou escravo de homens e religiões, mas creio em Deus e o provo, misteriosamente, isso é o que entrega propósito e felicidade à minha existência. 

49. Mistério do Espírito divino

      “Porque a palavra de Deus é viva e eficaz, e mais cortante do que qualquer espada de dois gumes, e penetra até o ponto de dividir alma e espírito, juntas e medulas, e é apta para julgar os pensamentos e propósitos do coração. E não há criatura que não seja manifesta na sua presença; pelo contrário, todas as coisas estão descobertas e expostas aos olhos daquele a quem temos de prestar contas.” Hebreus 4.12-13

      Desculpe-me insistir nesse tema, mas seria injusto com Deus finalizar essa série de reflexões, sem defender aquele que não precisa de defesa, ou melhor, ser justo e demonstrar gratidão a Deus. Deus existe, ama o ser humano, toma iniciativa para abençoá-lo e não necessita de qualquer reforço ideológico para existir, amar e abençoar! Experiências com Deus registradas na Bíblia, sendo de fatos reais, adicionadas depois, sendo defesas teológicas sob interesse tardio de políticos ou religiosos, no tempo do antigo e do novo testamento, de alguma forma misteriosa Deus usa para nos abençoar ainda hoje, e penso que usará ainda por muito tempo. Eu provo tanto isso, que há quase dezoito anos posto versículos bíblicos aqui. 
      Confesso que minha ótica da Bíblia tem mudado, quando leio uma passagem passo-a pelo filtro da ciência, por verificação histórica, assim, não tomo como fato ao pé da letra. Outro filtro que passo é tentar não ser anacrônico, não trazer para mim a ideia de Deus e de vida com Deus que tinham seres humanos do tempo do Israel antigo ou dos primeiros séculos do cristianismo. Termos como Deus vingou, Deus se arrependeu, Deus destrói meus inimigos, juízo eterno, assim como milagres e eventos sobrenaturais de alguma espécie, eu “filtro”. Já disse aqui que seres humanos que não entendem o que são milagres, pedem a um Deus que não precisa realizar milagres, que realize milagres, eu sou um desses em muitos momentos. 
      Parece incoerente? Mas isso só evidencia a multiplicidade de seres que coexistem num único ser, eu. Sentimos, racionalizamos, cremos, fazemos, muitas vezes de formas diferentes, mas isso funciona para nós, seres moralmente imperfeitos, temporalmente lineares, intelectualmente desinformados, fisicamente finitos. E Deus com isso? Deus sorri, e entendamos certo esse sorriso, não é de zombaria ou desprezo, é semelhante ao sorriso que expressamos quando vemos um bebê brincando. O Deus da graça não considera nossos limites, simplesmente nos abençoa. Tem sido assim desde que o ser humano buscou a Deus e pediu sua ajuda, seja na cultura judaica, grega ou qualquer outra, em lugares e tempos diferentes deste planeta. 
      Se o espírito humano, que tem sede de Deus, escapa a muitos, o Espírito de Deus, que deseja saciar a sede humana, também escapa. Não sei o número de metáforas que já usei aqui para simbolizar religiões e ferramentas humanas para recolher, guardar e transportar a água espiritual, outra metáfora da presença de Deus. Variam ferramentas, nas mais imperfeitas e até sujas, às mais adequadas e limpas, mas a água segue saciando o sedento, limitada apenas pelas ferramentas humanas. Ateus, aprendo com vocês, aceito verificações científicas como conhecimento da verdade entregue por Deus, mas não tirem Deus da equação, se vocês possuem uma ferramenta mais adequada, não a deixem vazia, inútil, colham do Espírito de Deus. 
      Religiões, todas elas, se obedecidas cegamente, como lista de doutrinas, adoece de alguma maneira mente e espírito. Por mais bem intencionada que seja a religião em sua origem, e por outro lado, por mais sincero e esforçado que seja o religioso, sempre deverá haver bom senso, crítica e escolha do ser humano, pondo religião abaixo dele, e acima, só o Espírito de Deus. É preciso orar, ter amizade com Deus, pensar com ele, para saber quando desobedecer religião, ou pelo menos não levá-la tão a sério. O que é religião? É comunhão do espírito humano com o Espírito divino conhecendo o espiritual pela fé e dando frutos práticos de obras de virtudes morais. O que passar disso é invenção humana, e como tal, pode adoecer, não curar. 
     
50. Idolatrias e Espiritismos
 
      “Deus é Espírito, e é necessário que os seus adoradores o adorem em espírito e em verdade.” João 4.24

      Temos ideia errada sobre como exercia-se religiosidade no passado, as grandes linhas de espiritualidade sempre existiram, ainda que com nomes e em religiões diferentes. Sempre existiram espiritismos, no sentido de feiticeiros, sacerdotisas, médiuns ou humanos com dons especiais, receberem informações de influências espirituais exteriores. Pode-se chamar tais influências de entidades, deuses, gênios, espíritos, ou Espírito Santo e demônios, mas funcionam de maneira semelhante. A mente de certos homens e mulheres são super excitadas de modo a alcançarem um estado de êxtase, onde o ser é controlado por algo fora deles, bem, essa pelo menos é a leitura que fazemos como religiosos, não como cientistas ateus.
      Sempre existiu idolatria, se bem que muitos cristãos ainda hoje, não entendem o que é idolatria, e isso, nem baseados na Bíblia, mas numa interpretação forçada dela. Num sentido mais genérico, ídolo é tudo que dentro de nós toma o lugar de Deus. A fabricação de um objeto que exteriorize essa imagem mental não é obrigatória, se há na cabeça, é ídolo. Contudo, dar formas físicas ao ídolo traz vantagens, agrupa pessoas em torno de ídolo comum, valoriza espaços, assim os ministérios religiosos que dão manutenção no espaço. Mas a principal vantagem é que ídolo material facilita o foco da fé, só mentalizar exige mais que simplesmente olhar e crer. Mas há algo por trás dos ídolos que muitos cristãos ainda não entendem.
      O senso comum do cristão protestante conhece dois tipos de ídolos. O primeiro são aqueles ícones muitas vezes enormes, construídos de pedras e metais preciosos, representando deuses dos tempos antigos. O segundo são as imagens e pinturas dos santos católicos, que o evangélico teima em pôr no mesmo nível dos deuses das nações inimigas de Israel do antigo testamento. Ambos os tipos são só objetos para focar a fé. Podem conduzir o ser humano ao Deus verdadeiro? Sim, Deus olha coração, não forma da fé. Mas santo católico é uma imagem mais simples e objetiva, ainda que cada santo tenha características singulares e possa, de acordo com a fé de seus devotos, fazer atuações sobrenaturais em assuntos diferentes. 
      Ídolos dos tempos antigos não são só representações de animais, assim, quando eram adorados não eram necessariamente os animais representados que recebiam culto. Sim, também há celebração objetiva de animais, como no hinduísmo, mas mesmo nesse há razão espiritual profunda para tal. Mas nos desenhos e imagens dos egípcios, por exemplo, a forma de um deus misturando animais, como a Esfinge ou o Anúbis, é a codificação de significados místicos diferentes num único ser. Não são animais que são adorados, mas os significados espirituais, de potestades espirituais, que são evocados. Isso também existe na tradição judaica-cristã, antropomorficamente Deus é visto como velho e barbudo ancião de branco num trono. 
      Mas há representações de animais ligadas, não ao diabo, mas a Deus na Bíblia, como os seres nas visões de Ezequiel e de João em Apocalipse. Eu creio que de algum tempo para cá, a humanidade chegou num ponto, auxiliada em grande parte pelo pensamento científico, de poder ver a Deus e aprender sobre o plano espiritual de forma mais objetiva, mas não era assim antigamente, e ainda não é para muitos. Animais são metáforas de características morais e espirituais, por isso Deus ainda nos fala por visões e por sonhos usando simbologias, não a realidade do plano espiritual. Na história da humanidade mudaram sensibilidade e inteligência humanas, mas suas necessidades espirituais assim como o Deus que as sacia, permanecem. 

51. No espírito e com o Espírito

      “Vocês não sabem que são santuário de Deus e que o Espírito de Deus habita em vocês?” I Coríntios 3.16

      Muitos podem considerar desnecessária uma reflexão sobre espiritismos e idolatrias, e muitos por acharem tais temais irrelevantes. Pensam assim os que têm experiência intelectual com cristianismo, e há muitos tentando o que considero impossível, terem ótica “científica” da teologia. Entenda certo, não estou dizendo ótica científica da Bíblia e do cristianismo, mas da teologia, assim, não negam as interpretações teológicas da nação de Israel e do Cristo, mas tentam ser mais “técnicos” com elas. Esses se tornam adoradores de um ídolo, a Bíblia que eles têm em mãos, construída pela teologia. Mas ainda que sejam textos traduzidos com termos melhores, só usam teologia de forma mais prolixa para defenderem teologia.
      Leigos ouvem discursos desses apologetas, repletos de citações bíblicas e de supostas constatações “históricas”, e sentem-se fortalecidos na fé. Contudo, só seguem olhando a superfície com lupas, o invés de escavarem fundo e verem a olhos nus a verdade simples. O principal engano que a bibliolatria leva, e dela são presas, não pentecostais ignorantes e com fé na fé para serem prósperos materialmente, mas pseudo intelectuais do protestantismo tradicional, é, não a morte, o Espírito não se mata, mas o esfriamento de experiência espiritual no meio cristão. Interessante que muitos teólogos chegam à verdade científica sobre a Bíblia pelo estudo, mas a deixam na faculdade, dizem que o povo não está preparado para ela em igrejas. 
      Até que ponto isso é bom? Ainda que de fato muitos não estejam preparados, seguirão assim enquanto não forem acordados. O preço do conhecimento é caro, é caminho sem volta, podemos destruir ou anular muitas coisas na vida, não uma ideia, não o conhecimento. Uma vez que se saiba muda-se a maneira de pensar e sentir a existência e o universo, de dentro para fora. O mundo, as pessoas, nós mesmos, as religiões, Deus, não serão mais os mesmos. Mas muda também a maneira como as pessoas nos veem, umas nos valorizarão mais, diante da verdade que revelamos, mas outras, por temerem a verdade, por verem que mostra-lhes algo que não querem ser, que não mantém o status que possuem, nos repelirão como hereges. 
      A razão é que muitos não querem uma experiência religiosa no espírito e com o Espírito de Deus, acham isso subjetivo demais, fé demais para exercer-se, mesmo algum tipo de transtorno mental, como ensina psiquiatria e ciência. Num mundo atual, onde mídia e ciência se colocam como os novos sacerdotes da verdade, ensinando o caminho para liberdade, beleza e prazer, teme-se o que pede jornada solitária e interior, afinal, ninguém vê e muitos não valorizam o que não é aparente e de acordo com a moda. Só a visão espiritual de religiosidade nos permitirá entender a necessidade do ser humano em fabricar ídolos e em experimentar espiritismos, e ouso aqui colocar dons espirituais cristãos como um tipo de espiritismo. 
      Muitos conhecem o mar, olhando-o da praia. Sentados em terra firme, utilizam dos mais variados instrumentos, caros, sofisticados, científicos, assim, achando-se especialistas no tema, escrevem livros e muitos encantam-se com seus ensinamentos. Contudo, tais “especialistas” nunca pegaram um barco, e sozinhos, puseram-se a remar sobre as águas, não sentiram a instabilidade da superfície aquosa, também não foram além do horizonte que podiam ver através de instrumentos quando estavam na praia. Mas eis a verdade mais alta, Deus nos convida, não só para navegarmos sobre a água, nem para andarmos sobre ela, mas para sermos parte dela. O Espírito de Deus convida nosso espírito para ser um com ele, para sempre. 

52. Carência mal resolvida adoece
 
      “Por acaso eu procuro, agora, o favor das pessoas ou o favor de Deus? Ou procuro agradar pessoas? Se ainda estivesse procurando agradar pessoas, eu não seria servo de Cristo.” Gálatas 1.10

      Transtornos mentais graves existem em pessoas em duas disposições opostas, imoral e moral. Ou as pessoas são egoístas, priorizando seus prazeres, ainda que machucando os outros, ou são obsessivamente moralistas, achando-se mais santas e mais próximas do divino que as outras. São depravadas ou alienadas, de maneiras extremas, mas para estabelecerem visão de mundo são todas prepotentes, umas vendo-se como ferramentas de Satanás, outras como instrumentos de Deus. Querer ter o que pertence aos outros ou ser o que os outros são, de maneira desonesta, leva a crimes e taras. Se achar numa posição privilegiada e dada por Deus, ou ser o próprio Deus, é insanidade. Não confundamos o extremo moral com santidade genuína. 
      Criação familiar violenta, que infringe ainda na infância abuso, opressão, tristeza, produz pessoas carentes. Carência precisa ser resolvida do jeito correto, senão seguirá exigindo alguma solução, ainda que errada. Gente desprezada desejará atenção, mas gente muito desprezada exigirá atenção, se não de maneira explicitamente truculenta, por meios equivocados, falsificados. Esses meios podem recorrer a muitas coisas para obterem atenção, o problema é que o jeito errado nunca se satisfaz, deixa a pessoa obcecada, pede sempre mais. Em política, por exemplo, pode escalar a hierarquia, de vereador a presidente, passando por prefeito, senador, governador, não como efeito natural de dom legítimo, só como carência por atenção. 
      O meio religioso, contudo, principalmente o evangélico, pode ser mais eficiente que o político para geração de obcecados por atenção, e pior ainda quando os dois meios se misturam. Se achar-se salvador da pátria ganha atenção das pessoas, mais ainda achar-se profeta de Deus, principalmente se anunciar fim dos tempos. Como há gente em igrejas, seja na liderança, na palavra ou na música, não desempenhando chamada legítima, mas só querendo reconhecimento e aplauso. Se a pessoa tiver algum carisma, dom de oratória, talento musical, o engano será mais danoso, para quem quer mandar e aos mandados, e como há gente, carente não de ser obedecida, mas de ser liderada, desejosa de pai ou mãe que não teve.
      Há um critério fácil para sabermos até onde somos carentes de aprovação humana, nossa dependência emocional de redes sociais. Quem seríamos sem Facebook, Instagram, X, Whatsapp? Estaríamos em paz ou nos faltaria algo importante para definir para nós mesmos quem somos e o que fazemos? Palanque, palco, púlpito, muitos não vivem sem eles. Como Deus tem ficado pequeno dentro das pessoas nestes tempos de Internet, sua aprovação vale menos que o número de likes de uma postagem ou de inscrições num canal. Há profissões que pedem divulgação na Internet, não nego isso, onde popularidade relaciona-se a lucro, nada de errado há nisso, nesse caso pode não haver algo doentio, ainda assim Internet não deve ser ídolo. 
      Em nossa visão míope, vemos uma curva, onde os maus estão no início e os bons no fim, não é assim quando o que leva alguém a subir na curva é vaidade e necessidade doentia de reconhecimento. Na curva de Deus, embaixo estão os que tentam viver sem ele, indiferente se os efeitos de suas ações são maus ou aparentemente bons. Diabo não há necessariamente no mal, mas na ausência do bem. Há gente fazendo caridade, sendo útil a Deus para abençoar os outros, mas não abençoando a si mesma, pois faz o bem para exaltar seu ego, não a Deus, ainda que faça como religiosa, usando textos bíblicos no discurso. Há doentes perigosos disfarçados de santos, impondo sua vontade, prejudicando mais que a si mesmos, igrejas. 

53. Usando ou usado?
 
      “Sacrifício agradável a Deus é o espírito quebrantado; coração quebrantado e contrito, não o desprezarás, ó Deus.” Salmos 51.17

       É triste constatar isso, mas como podemos querer usar o nome de Deus, a religião, o cristianismo, a Bíblia, ao invés de servirmos o Senhor e sermos usados por ele. Como músico profissional, que sei alguma coisa porque toco há mais de cinquenta anos, não porque tenha algum talento superior, ainda que ame o que faço, entendi que os que mais me criticam são justamente os que menos sabem sobre meu ofício. Já fui elogiado por músico muito superior a mim, esse procura o lado bom de alguém, e sabe, que como ele, só está ganhando a vida com um trabalho esforçado e honesto. Na espiritualidade ocorre algo semelhante, quem não conhece a Deus com profundidade, é quem mais usa seu nome, já quem conhece, pouco fala. 
      Cristianismos criaram a teologia da evangelização, convencer o maior número de pessoas sobre eles, sendo isso, para eles, qualidade religiosa. Será que o Jesus real pretendia isso, criar uma religião rica e poderosa que dominasse o mundo? Creio que não. Por outro lado, muitos evangélicos dizem respeitar a Bíblia, segui-la, assim, interpretam o mandamento de Moisés em Êxodo 20.7 como sendo blasfêmia que só os não evangélicos cometem, não percebem que quando usam o nome de Deus para justificar ações e crenças injustas e sem amor, usam o nome do Senhor em vão. Será que quem “usa” Deus não comete pecado pior que quem não crê nele? Quem tenta “usar” Deus na verdade considera-se deus, dono exclusivo de algo. 
      Queremos fazer e falar tantas coisas, para mostrarmos a religiosos que somos religiosos, mas Deus pede pouco. Quando Deus quer que façamos algo ele fala, o maduro ouvirá a voz do Espírito de Deus na primeira vez que chamar, e responderá, eis-me aqui. Faça, mas só quando e o que Deus mandar, fale, mas só quando é o que Deus pedir. Viva em humildade constante e a mansidão te habitará, nela poderá discernir a mansa voz do Altíssimo dizendo-lhe exatamente o que tem que fazer e dizer. Não joguemos sobre nossos ombros obras inúteis, que só servem para nos cansar e exaltar nossos egos. Ser usado por Deus é na maior parte das vezes ser luz moral, luz não faz barulho para iluminar, ainda assim faz diferença, eis um mistério. 
      Não fazemos ideia do quanto Deus nos usa, quando humildemente vigiamos moralmente e trabalhamos no mundo. O evangelismo mais eficiente, Deus faz, não nós, através de bocas fechadas e corações mansos. Ensina Efésios 6.12nossa luta não é contra o sangue e a carne, mas contra forças espirituais do mal. Basta nosso espírito limpo e pronto para refletir o Espírito Santo no ambiente em que estamos, para fazermos calar espíritos malignos que podem influenciar pessoas desconectadas de Deus e exaltando seus egos. O que digo, digo a mim, cale-se, se quer ser útil a Deus. Não tente usar Deus, ainda que bem intencionado, mesmo porque isso é impossível, e como Deus cuida de quem obedece-lhe agradavelmente. 
      Estamos “usando” Deus ou sendo usados por ele? O exemplo de Jesus fala mais alto, o ser que mais foi usado por Deus calou até à morte. Estamos preparados para o cristianismo genuíno ou só queremos os falsos cristianismos, que fizeram de Jesus um super herói grego? Responderemos essa pergunta quando dissermos qual é nossa agenda como cristão. É estabelecer um reino de “Deus” no mundo, mandando no estado e calando outras religiões, sendo prósperos materialmente como os míticos patriarcas hebraicos? Ou é calar e deixar Deus brilhar? Usar cansa, adoece, enlouquece, é trabalho de soldado que submete pela violência. Ser usado não é fácil, mas o humilde amigo de Deus achará forças para sê-lo até o final. 

54. Utopia cristã?
 
      “Ela nos educa para que, renegadas a impiedade e as paixões mundanas, vivamos neste mundo de forma sensata, justa e piedosa, aguardando a bendita esperança e a manifestação da glória do nosso grande Deus e Salvador Jesus Cristo.” Tito 2.12-13

      “E perseveravam na doutrina dos apóstolos e na comunhão, no partir do pão e nas orações. Em cada alma havia temor; e muitos prodígios e sinais eram feitos por meio dos apóstolos. Todos os que criam estavam juntos e tinham tudo em comum. Vendiam as suas propriedades e bens, distribuindo o produto entre todos, à medida que alguém tinha necessidade. Diariamente perseveravam unânimes no templo, partiam pão de casa em casa e tomavam as suas refeições com alegria e singeleza de coração, louvando a Deus e contando com a simpatia de todo o povo. Enquanto isso, o Senhor lhes acrescentava, dia a dia, os que iam sendo salvos.” Atos 2.42-47

      Lembro-me que no início de minha conversão nos anos 1970, a passagem acima de Atos era colocada como ideal de vida cristã, talvez só sintoma do momento social da época, da contracultura, dos hippies, de cooperativas isoladas, buscando uma ótica cristã do que ocorria no mundo secular. Se de fato existiu o descrito em Atos, e se existiu, por quanto tempo persistiu, não podemos afirmar. Atos, como outros textos bíblicos, é construção teológica tardia, escrito para defender interesses de ortodoxia predominante, décadas e até séculos após a origem real do cristianismo. A conclusão lúcida que podemos fazer da passagem é que ela é mera utopia humana, pouco valor tem para o propósito de Deus em aperfeiçoar o ser humano. 
      Todo isolamento é doentio, ilusório, igreja católica criou conventos, monastérios, seminários, sob esse equívoco. Crescemos com os pés bem firmes no mundo real, sendo parte dele, não fora dele. Reino de Deus haverá na eternidade, não há no mundo, aqui é reino do homem, isso é autorizado por Deus. O autor da carta a Tito é mais realista, vivamos neste mundo de forma sensata, justa e piedosa. Paulo exorta os que pensavam que a vinda de Jesus seria naqueles dias, “não se deixem demover facilmente de seu modo de pensar”, “dando a entender que o Dia do Senhor já chegou” (II Tessalonicenses 2.2). Crença em final dos tempos próximo sempre aliena as pessoas, deixa-as propensas a isolarem-se em comunidades religiosas. 
      Bolhas, é termo usado atualmente para identificar grupos sociais que se reúnem, não necessariamente fisicamente, mas muitas vezes só virtualmente, em redes sociais, grupos de Whatsapp, Telegram etc. O grande engodo da bolha e que quem está nela ouve só o que quer ouvir, o que gosta de ouvir, alimenta-se e alimenta pares, sem crítica, mas manipulando informações para defenderem sua visão de mundo. Dessa forma, membros de bolhas têm a equivocada impressão que o que ouvem é a verdade e essa é creditada pela maioria. Igrejas evangélicas, de maneira geral, são bolhas, muitos pautam-se no que é dito em seus púlpitos para estabelecerem verdades sobre muitas coisas, principalmente sobre família e sexualidade. 
      Isso não significa que quem de fato conhece mais da verdade que os outros, cientistas sérios, ou mesmos outros seres humanos, com outras afinidades, como artistas e profissionais de várias áreas, não busquem o confortável refúgio de bolhas. Elas não são necessariamente erradas, contanto que se tome o cuidado de não achar que elas são o mundo. Verdade difícil, mas início para se chegar a outras verdades, é que precisamos ter a coragem de nos confrontarmos com quem pensa diferentemente de nós. Isso não é para entrarmos em discussões inúteis, obtermos algum prazer doentio na polêmica, sendo soldados de algum exército para termos sentido de vida e identidade, é só para conhecermos o mundo diverso de Deus.
      Quem quiser aprender sobre aquele que mais discorda de si, vença a vaidade de dar a última palavra, não tenha a pretenção de mudar a opinião de alguém, aprenda a ouvir, e conheça, não o que as pessoas dizem, mas o que elas são. Entramos em bolhas que nos representam, ideologias e bandeiras são só reforços para nossas almas carentes de aprovação. Elas são prejudiciais quando são para mantermos mentiras vivas, não sobre religião, política, economia, mas sobre nós. São prejudiciais quando são muros em castelos, não pontes em cidades abertas. Infelizmente, nos últimos tempos vivemos momento de bolhas, de crença equivocada no final dos tempos, na contramão do amor de Deus que inclui e abraça, não fecha. 

55. Tempo
 
      “Quem guarda o mandamento não experimenta nenhum mal; e o coração do sábio conhece o tempo e o modo certo de agir. Porque há um tempo e um modo para todo propósito; porque é grande o mal que pesa sobre o ser humano. Ninguém sabe o que vai acontecer. Pois quem poderá lhe dizer o que vai acontecer? Não há ninguém que tenha domínio sobre o espírito para o reter; nem tampouco quem tenha poder sobre o dia da morte. Não há como escapar desse combate, e a maldade não poderá livrar os que a praticam.” Eclesiastes 8.5-8

      Não entendemos o tempo, não gostamos do tempo, não aceitamos o tempo. Não entendemos como Deus usa o tempo, não gostamos como o tempo nos usa, não aceitamos o que o tempo cobra. Achamos que começar bem e manter-se igual é estabilidade, quando pode ser comodismo, covardia, até falsidade, julgamos pela aparência no tempo, não pela mudança que o tempo faz dentro do ser. Achamos que começar mal destinará alguém ao mal, quando dentro do ser o tempo pode produzir tremendas transformações para o bem. Descremos que o mau possa mudar com o tempo, usamos a nós como referência do bem e não cremos que existam seres melhores que nós, principalmente se começaram piores que nós há tempos atrás. 
      Queremos viver mil anos num minuto e um minuto em mil anos, adiantamos ou atrasamos nosso relógio como se isso alterasse o relógio cósmico. Pensamos que um Deus eterno, onipresente, onipotente, superior em todas as virtudes faz mágica em suas criaturas, torna-as perfeitas numa decisão, assim, se alguém não é perfeito é porque disse não a Deus. Contudo, não aceitamos que um Deus sem limites e sem tempo também é ilimitado em amor e paciência, assim entrega às suas criaturas todo o tempo dos universos para virem a ele. Deus não tem pressa. Na pressa, chegamos à certa idade, olhamos para trás, nos vemos e aos outros como perdedores, que não aproveitaram o tempo e perderam a única chance que tinham. 
      Cristianismos negaram o tempo, porque não podiam esperar por ele, tinham que colher neste mundo glória de homens. Assim, há uma chance de salvação, um batismo legítimo, uma igreja com monopólio da verdade, uma hierarquia que lidera cristãos, uma representante oficial de Deus, um destino eterno, ou céu ou inferno, um inimigo de Deus, o diabo. Quem experimenta o Espírito de Deus entende diferente pois prova a eternidade, vê a importância deste mundo e da encarnação de espíritos eternos, acha humildade, assim prova paciência e consegue amar. Quem ama espera, não teme o tempo. Morrer é se ver sem tempo, mas mesmo o que morre no corpo é eterno, se aceita o Deus de amor que sempre tem tempo para dar.
      Sem amor somos ansiosos, não para que haja tempo para que sirvamos o bem, mas para que sejamos servidos pelos que consideramos maus. Não damos tempo, vendemos e cobramos, assim morremos e matamos antes do tempo. Morremos corroídos de ansiedade, matamos obcecados pelo orgulho. Olhamos o mundo e concluímos, não há mais tempo para a humanidade, que venha o final dos tempos, sem amor desejamos juízo e condenação. Quem é pobre, pensamos, será sempre assim e não é responsabilidade nossa, quem é diferente dos padrões da tradição judaica-cristã é diabólico, será torturado no inferno e isso não é problema nosso. Falamos em salvação, mas não damos tempo para as pessoas salvarem-se. 
      O que adoece a tantos atualmente é a má administração do tempo, criamos cristianismo errado para satisfazer nossa necessidade doentia de dominar o tempo. Preferimos crer que trabalhar, mas preferimos trabalhar por muito tempo que depender de Deus, somos ociosos com fé na fé e escravos de trabalhos inúteis desligados do Senhor de todos os tempos. Avaliamos a nós e aos outros de maneira errada, não achamos a humildade nos outros porque não a cultivamos em nós, somos rápidos para julgar, lerdos para perdoar, confiamos no mau, desprezamos o bom. Mantemos visões distorcidas dos seres humanos porque nos achamos senhores do tempo, quando na verdade ninguém sabe quanto tempo tem neste mundo. 

      “Eu vi coisas que vocês, humanos, nem iriam acreditar. Naves de ataque pegando fogo na constelação de Órion. Vi Raios-C resplandecendo no escuro perto do Portão de Tannhäuser. Todos esses momentos ficarão perdidos no tempo, como lágrimas na chuva. Hora de morrer.” 

Filme “Blade Runner”, Ridley Scott, 1982

56. Ninguém precisa saber

      “Bem-aventurados os limpos de coração, porque verão a Deus.” Mateus 5.8

      Outro ponto que podemos levantar para respondermos se uma experiência é religiosidade ou doença, é a necessidade que como religiosos muitas vezes temos de convencer os outros a pensarem como nós. Quem acha água no deserto, por amor, desejará mostrar o caminho da água aos outros, isso podemos entender. Por outro lado, há várias orientações no novo testamento sobre evangelizar o mundo, levar a salvação do Cristo ao maior número possível de pessoas. Mas há um limite entre compartilhar por que se quer o bem do outro, e convencer o outro para se sentir mais seguro naquilo que se pensa. Amor ou insegurança, eis a questão? Um é espiritualidade, a outra é algum problema emocional a ser resolvido, talvez até fora de religião. 
      Os mesmos que são obcecados para trazerem correligionários às suas crenças, são os que odeiam aqueles que se afastam delas, se há intenções erradas não pode haver amor. Outro aspecto é que as pessoas amam estar na moda, não porque uma roupa ou um sapato lhes agradem, mas porque sabem que muitos estão usando. O ser humano gosta de sentir-se exclusivo e parte de um grupo de poder, isso ao mesmo tempo, assim para ser único tenta ser igual. Alguns até preferem fazer parte de grupos pequenos, mas a maioria prefere religiões tradicionais, grandes, poderosas, isso faz com que sinta-se protegida e aprovada por muitas pessoas. Ainda assim, muitos querem mais, convencer todo mundo a ser como eles.
      Insatisfação mal resolvida sempre precisa de mais, para manter-se mal resolvida por mais um tempo. Mas será que isso é experiência real com o Deus verdadeiro e espiritual? Ainda que Deus veja a necessidade de todos e a todos abençoe, estejam onde e como o estiverem, quem de fato se permite provar o Espírito de Deus não precisa de reforços, de ter inúmeros semelhantes aprovando-lhes e comungando a sua crença. Você que lê este texto pode achar que isso não tem a ver contigo, mas te faço uma pergunta, você consegue viver tuas crenças, praticar tua religiosidade, sem a necessidade de querer convencer outros a serem iguais a você? Eu faço essa pergunta a mim e confesso, é difícil falar menos e praticar mais.
      Comigo já foi muito pior, e eu achava álibi para isso no evangelismo, que pastores insistiam que se devia fazer como prova de  fé. Alguns líderes até eram sinceros, mas outros só queriam mais dizimistas. Seja como for, libertei-me disso, e justamente quando vivo espiritualidade que tem me proporcionado curas emocionais e prática de virtudes como nunca antes tive. A verdade é que ninguém precisa saber em quem você crê e como crê, só precisa ver obras de humildade, santidade e amor em teu dia a dia, principalmente em teus ambientes profissional e familiar. Quando vencemos insegurança de querer provar aos outros que somos religiosos, é quando de fato vivenciamos espiritualidade alta, são coisas mutuamente exclusivas.
      A Bíblia diz que o Espírito tem ciúmes de nós (Tiago 4.5), bem, Deus na verdade não tem ciúmes, mais certo seria dizer que luz e trevas não coexistem, assim, se amamos o mundo, servimos os homens e estamos ocupados em nos mostrar para os outros, não podemos amar a Deus, servi-lo e testemunhar dele. Corações sujos, mentes ocupadas, corpos atarefados demais, principalmente com trabalhos religiosos, veem tudo, menos o Espírito do Altíssimo. É preciso silêncio para ouvir o manso, é preciso calma para sentir o tranquilo, é preciso solidão para estar plenamente acompanhado de Deus e de seus servos de luz. Ninguém precisa saber, basta que Deus veja que somos limpos, então, veremos sua glória e viveremos eternamente.

57. Ser feliz no comum
 
      “Aí eu disse a mim mesmo: "O que acontece com o tolo acontece comigo também; de que adianta, então, ser sábio?" Então eu disse a mim mesmo que também isso era vaidade. Pois nem o sábio nem o tolo serão lembrados para sempre; pois, passados alguns dias, tudo cai no esquecimento. Ah! O sábio morre do mesmo modo que o tolo! Por isso perdi o gosto pela vida, pois me foi pesado demais o trabalho que se faz debaixo do sol. Sim, tudo é vaidade e correr atrás do vento.” Eclesiastes 2.15-17

      Quando se é jovem tudo é novidade, tudo tem um gosto forte e diferente, tudo é fora do comum. Os tons vermelho e amarelo saltam, mas à medida que envelhecemos tudo acinzenta-se, até que vire tons entre preto e branco. Ah, se entendêssemos o propósito de Deus em nos encarnar por um tempo. Se entendêssemos a importância de expor-se espíritos eternos à temporariedade, à ilusão, à morte da matéria. Como o inferior pode ensinar o superior, como o finito pode ensinar o infinito, como a morte pode ensinar a vida. O espírito não se rende, clama dentro de nós pela eternidade, mas ele deve adquirir virtudes morais para ter direito à eternidade, resignar-se ao tempo e ao espaço para ser livre no cosmos. 
      Não é o espaço que nos prende no tempo, espíritos eternos podem escravizar-se a espaços limitados, por medo, por mágoa, por volúpia, é assim com demônios. É o tempo que nos prende no espaço, sem tempo temos que nos limitar ao microcosmo, nosso espaço individual, nosso corpo físico. Frustração é desejar algo, mas não poder ter, é esperar muito e receber menos, é confiar antes e não ser apoiado depois. Espírito frustra-se na matéria, espíritos arrogantes frustram-se mais, humildes, menos, mas todos frustram-se. Dentre as várias conquistas morais que fazemos na matéria, superar frustração é só uma delas, mas que se não for experimentada pode levar a perda de conquistas mais antigas, que demoramos a ter. 
      Vou citar um exemplo. Muitos de nós foram criados com fantasias, nossos pais basearam-se em ficção, de livros e filmes, assim como em moralidade religiosa antiquada, dessa forma crescemos achando que família, filhos, homem e mulher, devam ser de um jeito, devem começar e acabar como nas histórias clássicas contadas por hollywood. A vida não é filme antigo, e ainda que referências de certo e errado devamos aprender e ensinar, muito do que nos ensinaram e que muitos ainda ensinam a filhos, não é o melhor de Deus. Na teimosia de fazer valer referências equivocadas, muitos fazem outros sofrerem, como homoafetivos, que podem ser o órfão e a viúva, tão citados no antigo testamento, de nosso tempo. 
      Citei o exemplo para mostrar como não sabemos viver a realidade da matéria, ela pode ser utópica, ainda que baseada em tradição judaica-cristã. Por isso nos frustramos, por isso sofremos e fazemos sofrer, na insistência de tentar aplicar uma ótica errada de espiritualidade à vida material. Não somos os super-heróis dos filmes, também não vivemos realidades sempre com trilha sonora envolvente no fundo, muitas vezes passaremos momentos de extrema frustração e em silêncio, achando que nada faz sentido, que a existência é vazia e sem propósito. Mas o propósito acha-se justamente nisso, em sermos confrontados com a falta de propósito, administrarmos isso com amor e humildade, acharmos paz e segurarmos santidade. 
      O grande desafio, principalmente no final da vida, é sermos felizes no comum, estarmos satisfeitos na simplicidade, aceitando o que somos, não o que os outros querem que sejamos, que acham que podemos ser. Quem se vê assim, vê os outros também do melhor jeito, não adoece e não faz adoecer. Mas quem não buscou perdão, não foi perdoado, não perdoou e afastou-se de Deus. Dificilmente conseguiremos manter relacionamentos afetivos mais próximos e felizes, pode chamar isso de casamentos, se não nos conhecermos, nos aceitarmos e construirmos reputações reais com isso. Se o espírito busca solidão para conhecer a Deus, a alma pode sofrer só, sem amigos, acompanhada só do que amou, seu próprio ego. 

58. Saber não é viver
 
      “Então o Senhor Deus disse: — Eis que o homem se tornou como um de nós, conhecedor do bem e do mal. É preciso impedir que estenda a mão, tome também da árvore da vida, coma e viva eternamente. Por isso o Senhor Deus o lançou fora do jardim do Éden, para cultivar a terra da qual havia sido tomado.” Gênesis 3.22-23

      O mistério por trás da maravilhosa metáfora bíblica acima é simples. Antes de iniciarmos, sim, é uma metáfora, crentes e ateus, mas revela conhecimento eterno e útil a todos. Pelo espírito e no Espírito temos acesso a entendimentos profundos do plano espiritual, isso é o que simboliza provar do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal. A narrativa biblica enfatiza desobediência que existe na pressa, o fruto não é um problema, nem o provar dele, mas fazer isso no tempo errado, antes de se estar preparado é o grande problema. Há duas coisas a se considerar. Uma sobre o ponto de vista divino, nada ocorre sem autorização de Deus, se o fruto foi provado é porque houve propósito divino, não foi por algum descuido do Senhor.
      A outra coisa é sobre o ponto de vista humano, sempre temos escolha e Deus nos permite escolher errado mesmo coisas que terão implicâncias muito sérias. Desobediência traz sofrimento, viver na Terra é essencialmente sobreviver na dor. Pessoalmente penso que o ser humano estava destinado a cometer o pecado original, que não foi erro dos pais da humanidade num tempo antigo, que trouxe consequências coletivas, isso não seria justo. O erro é individual, de todos os seres, cada um em seu tempo. Saber da verdade espiritual antes de ser moralizado, gerou civilizações, encarnações humanas, o processo de espírito na matéria que Deus utiliza para evoluir o ser. (Isso presume existência espiritual antes da física).
      Se não tivéssemos provado o fruto não seríamos imagens de Deus, seríamos semelhantes a animais irracionais, ainda que com ferramentas físicas e intelectuais superiores às desses. O ponto é que como esse direito foi adquirido fora do melhor tempo, gerou em nós um conflito, sabermos e não podermos viver. Saber não basta para viver-se eternamente, precisamos trabalhar moralmente para sermos aperfeiçoados e conquistarmos esse direito. Viver no mundo é viver fora do Éden, esforçando-se muito no corpo, isso é o meio de evoluirmos o espírito. Muitos não têm a humildade de assumirem-se expulsos da liberdade, acham-se donos da cela, assim passam muito tempo erráticos. (Isso não seria o inferno, e aqui no plano físico?)
      Conhecimento do bem e do mal, que não é só capacidade moral para escolher certo, é responsabilidade para sentir-se culpa quando se escolhe errado, por isso a metáfora diz que o casal mítico envergonhou-se de estar nu e se escondeu, isso gerou conhecimento intelectual. Por isso a cultura helênica construiu o mito do Prometeu, que roubou fogo dos deuses e o deu ao homem, fogo simboliza conhecimento. O conhecimento adquirido no tempo errado, era justamente o meio que o ser humano precisava para sobreviver, pela própria conta, não com ajuda mais direta de Deus, na condição de expulso do jardim do Éden no planeta. Perfeita a providência divina, quando o erro é grande, as ferramentas para sobreviver-se a ele também são.
      A história da humanidade, vidas de tantos e tantos seres humanos no tempo, experiências emocionais, artísticas, científicas, religiosas, espirituais, pisando terra, desertos e florestas, escalando montes, os mais altos possíveis, submergindo nas regiões abissais dos mares, mas também olhando o espaço, estudando as estrelas, tocando a Lua, não, isso não foi só porque Deus descuidou e o ser humano provou do fruto da árvore do conhecimento. Há maravilhoso propósito divino nisso, Deus se alegra com as realizações humanas, ainda que chore com os que sofrem opressão, pobreza, fome, guerras e tanta injustiça. Saber não é viver, hoje sabemos ainda mais, mas vivemos? Infelizmente não, seguimos provando frutos proibidos. 

59. Errar é preciso, persistir nisso, não
 
      “E o Senhor Deus ordenou ao homem: — De toda árvore do jardim você pode comer livremente, mas da árvore do conhecimento do bem e do mal você não deve comer; porque, no dia em que dela comer, você certamente morrerá.” Gênesis 2.16-17

      Como teria sido o desenvolvimento da humanidade sem o pecado original? Podemos concluir pelo texto bíblico, que antes do fruto da árvore do conhecimento ser provado, o homem não morria. Entendemos que após prova-lo o homem passou a morrer, mas que se provasse o fruto da árvore da vida, a outra árvore, não morreria. Se os textos referem-se à morte física, moral ou espiritual, não sabemos, mas penso, que para a cultura do tempo do povo que registrou tais textos, podia referir-se à morte física. Eu penso que hoje podemos entender melhor os primeiros capítulos de Gênesis, que entendiam seres humanos do passado, mesmo de há dois séculos atrás, mas também penso que entenderemos melhor daqui a alguns séculos. 
      Conjecturas, é isso que é esta reflexão, mas penso que pode entregar-nos entendimentos interessantes. O primeiro ponto é entender pecado original, não como um acontecimento passado que influenciou as vidas de todos os seres humanos da história, ainda que em algum momento alguém tenha errado primeiro. Mas tal erro todos cometemos, assim, de alguma maneira, Deus confronta todos nós com árvores do conhecimento do bem e do mal para que façamos uma escolha. Escolhemos saber o que podemos saber, ou arrogamos saber antes do tempo o que não estamos preparados para saber? Isso tem a ver com conhecer a Deus e obedecê-lo, em entrar no céu pela porta, e não, tentar arrombar a janela para ver o proibido. 
      É difícil falar em proibido atualmente, Caetano Veloso já dizia nos anos 1960, é proibido proibir. Curiosidade é o que move evolução humana, custe o que custar. Diz-se também que fazer o proibido é mais prazeroso. Não penso que isso seja a princípio ruim, instiga o ser humano a aprender, contanto que, vendo que o que provou não lhe trouxe bons frutos, não torne a provar. Mas aí entramos em facetas estranhas da psiquê humana, que acha prazer no grotesco, no aterrorizante, no que até certo ponto causa dor. Se pecado original individual é inevitável, entendemos que Deus nos fez inicialmente errados, para pecar? Não, só nos fez ignorantes, aprendemos à medida que erramos e acertamos, árvore do conhecimento é teste. 
      Um teste inicial, que talvez nem seja feito neste mundo, mas antes de virmos para ele, teste em que todos somos reprovados na primeira vez. Isso fica por conta da fé de cada um, como disse acima, estamos fazendo conjecturas. Não se pode devolver conhecimento, uma vez que o sabemos, possui-nos para sempre. O que podemos fazer é tratá-lo com respeito, com humildade, com silêncio. Aí está uma grande prova do ser humano, saber, mas não achar-se semelhante a Deus por isso, e se há um Lucifer, esse é o ser que sabe muito e que por isso pensa que não precisa do Deus altíssimo. Somos provados à medida que sabemos, ignorante por escolha, por covardia, seguirá nos mesmos e inúteis pecados, mas também não evoluirá. 
      Mais profundos conhecimentos trazem maiores responsabilidades, mas também escolhas mais difíceis, com efeito, pecados mais sérios, que envolvem não só o indivíduo, mas círculos de influência, como num esquema de pirâmide. Quem mais sabe deve mais temer a Deus e acatá-lo, senão, de servo humilde se tornará destruidor de mundos. Como teria sido o desenvolvimento da humanidade sem o pecado original? Não teria havido, haveria crianças brincando no jardim. Muitos se escondem em cristianismos para fugirem do mundo, do pecado, de si mesmos, da maravilhosa jornada de evolução. Como não há o melhor de Deus nisso, tais jardins ficam entregues a jardineiros diabólicos. Errar é preciso, é útil, persistir no erro, não é! 

60. Santifica-os na verdade
 
      “Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade.” João 17.17

      O versículo acima entrega três ensinos, conectados de forma simples e profunda, como só a sabedoria mais elevada consegue. Em poucas palavras, muito se diz com pouco, começando com santidade. Depois de fé, santidade é a virtude mais popular, é senso comum cristão pensar que ser cristão é ser santo. Por isso as doutrinas mais ensinadas nos cristianismos são listas morais, não ditando o que se deve fazer, mas o que não se deve fazer. Ser humilde e amoroso é menos importante que não fumar, não consumir bebidas alcoólicas, não se prostituir. Na verdade, cristianismos sem Jesus começam pelos efeitos, esquecendo-se das causas. Quem ama não trai, assim é santo porque quer ser santo como santo é aquele que ama. 
      O que o versículo quer dizer com santifica-os na verdade? A purificação profunda não vem de meras crenças religiosas, de motivações supersticiosas, essas podem até encantar, despertarem paixão, mas não contêm o Santo Espírito, a verdade, assim não capacitam para uma santidade permanente e útil. O versículo não diz santifica-os no catolicismo, no protestantismo, em Maria, em algum cristianismo construído por homens, mas na verdade. Nesse ponto é preciso cuidado, religiões, todas elas, se dizem mais donas da verdade divina que as outras. Verdade não é coletiva, é pessoal e buscada em Deus, assim não é imposta ao outro, mas vivida individualmente e com sabedoria, só ela consegue exercer prática de real santidade. 
      Você já achou a palavra de Deus para você? Ou segue tentando praticar palavra coletiva, pois precisa de aprovação coletiva? Podemos até começar nossa jornada com Deus em religião, ensinados pelo coletivo, isso é útil, crianças precisam da ajuda dos outros. Mas chega um momento que a palavra que o outro recebeu, que é eficiente para ele, não é mais eficiente para nós. Esse é momento de segundo nascimento, ou de iniciação mais elevada, chame como preferir, nele o caminho é solitário e é primordial libertação de aprovação religiosa alheia. Muitos param aí, mudam de igreja, buscando não palavra nova, mas só a antiga, que um dia os agradou, assim ouvem homens, não Deus. Sem verdade pessoal não há santidade.
      Santidade sustentável, temos? Nossa limpeza moral resiste à realidade, ao cotidiano de trabalho secular, à competitividade, às falsidades, à inveja, às injustiças de patrões, ao apetite sexual, à malícia, ao mundo sem Deus? Muitas vezes temos momentos maravilhosos de oração, provamos a presença do Espírito de forma poderosa, mas o efeito emocional de tal experiência não chega ao final do dia. Basta entrarmos no ambiente de trabalho que santidade escorre pelo ralo, nos achamos só mais um no mundo, igual, sem identidade cristã. Vigilância se aprende no tempo, saber é fácil, viver o que se sabe, não. Graças a Deus que nos atrai à sua presença para pedirmos perdão e recomeçarmos o caminho santo, todos os dias.
      Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade, aí está o segredo. Queremos ser santos ou já nos habituamos com certos pecados? Deus é santíssimo, pode até abençoar à distância, mas deverá haver santidade para haver amizade íntima, só o amigo íntimo tem proteção e sustento melhores do Senhor. Queremos a verdade ou amamos teorias de conspiração, pseudo ciência e teologias inventadas por homens? Algumas coisas podem ajudar-nos no início, mas não nos conduzirão em paz e honra até o final. Queremos a palavra de Deus ou só a palavra dos homens? Muitos não experimentam o Espírito porque não querem perder controle mental da vida, mas Deus a ninguém invade, só em seu Espírito somos de fato livres. 

61. Servo ou livre?
 
      “Sirvam de boa vontade, como se estivessem trabalhando para o Senhor e não para pessoas, sabendo que cada um, se fizer alguma coisa boa, receberá isso outra vez do Senhor, seja servo, seja livre.” Efésios 6.7-8

      O autor da carta aos efésios referia-se a servos como escravos, livres como os outros. Não farei agora aprofundamento, mas o sistema de escravidão daquela época não era o mesmo que houve no mundo atual nos últimos séculos, de europeus usando violentamente mão de obra africana forçada. A reflexão desta vez é sobre um questionamento: quem hoje é livre? Empregados de maneira geral trocam tempo e esforço por dinheiro, muitas vezes não de forma justa, assim podem sentir-se escravos, não livres, sem esse escambo não sobrevivem. Patrões, por sua vez, que pagam empregados, podem sentir-se livres, principalmente os ricos, que parando de empresariar podem viver dignamente só com rendas acumuladas ou herdadas. 
      O ponto é que para Deus e sua avaliação espiritual não importa, ou importa menos que achamos. Temos que nos esforçar para prosperarmos materialmente, mas é sábio aceitarmos que certas coisas não mudam, principalmente as que dependem de características originais nossas. Podemos ser professores de história bem sucedidos, úteis e felizes, se isso de fato reflete nossa melhor capacidade, mas dificilmente ganharemos o que ganha um neurocirurgião, sendo esse útil e feliz ou não, e muitos são só bem sucedidos. Nossa recompensa será de acordo com nossa evolução moral, não física, são virtudes adquiridas e mantidas por mais tempo, que nos definirão na eternidade como do céu ou do inferno, não nosso dinheiro.
     Podemos, como servos, nos sentirmos mais livres que aqueles que podem parar de trabalhar e viverem de rendas. Há ricos escravisados, ao vício do poder, à vaidade de exibir a pares que usufruem coisas mais caras que esses. Mas há servos de fato, cujos corações desejam só riqueza neste mundo, assim são tão escravos quanto os muito ricos que podem ser livres. Não é dinheiro que liberta, nem mais, nem menos, mas amizade com Deus, ainda que muito dinheiro possa mais atrapalhar que ajudar, por isso Jesus adverte sobre ricos dificilmente entrarem no reino de Deus. Bom é entendermos que limites não são punições, mas proteções contra nós mesmos, e oportunidade de confiarmos em Deus. Liberdade é estar em paz. 
      Se fizer alguma coisa boa, receberá isso outra vez do Senhor, a primeira parte do versículo oito deixa algo claro, há justa recompensa para o bem. Não nos sintamos vítimas, se somos empregados que ganham pouco, assim no direito de fazermos só o mínimo e sem amor. Também não nos sintamos poderosos, se somos patrões que dão empregos para muitos, dessa forma no direito de fazermos exigências e sem amor. Todos seremos provados naquilo que somos e recebemos, não para sermos ricos um dia, repito, mas para sermos espirituais. Há recompensa divina, e se o pobre tem a obrigação de ser humilde, visto depender dos outros, o rico tem a escolha. Mas o que é mais fácil, ser obrigado a fazer ou fazer por escolha? 
      Depende do nosso orgulho, orgulho não sabe obedecer, nem mandar, mas o sábio faz tudo para Deus, não para homens, como orienta o versículo sete. Fazer para Deus não é mais fácil, não é simplesmente dizer a si mesmo, “que importa o que o outro diga, Deus me conhece, sabe que estou no meu limite”. Não, para Deus se faz o melhor sempre, se faz com amor, sem revolta, sem prepotência, sem indolência ou pressa. Para Deus se faz, não só com esforço físico e competência intelectual, mas no Espírito, com excelência moral. Esse é o trabalho que achará recompensa no futuro, esse é o que Deus procura em nós hoje, e sendo verificado ganhará do Senhor, ainda no mundo, dignidade. Fazer para Deus cura, não adoece. 

62. Estamos prontos?
 
      “As dores de parto virão, mas ele é filho insensato; porque será tempo de nascer, mas ele não estará no lugar por onde deve vir ao mundo.” Versão Nova Almeida Atualizada 
      “Chegam-lhe dores como as da mulher em trabalho de parto, mas ele não é uma criança inteligente; quando chega a hora, não sai do ventre que abrigou.” Versão NVI 
Oseias 13.13

      A palavra de Oseias 13 é revelação de punição para aqueles que se afastaram de Deus, sem entrar em estudo bíblico mais profundo a respeito, chamou-me a atenção o versículo treze. A metáfora do neném que está para nascer e não está na posição melhor na barriga da mãe, leva-nos a refletir sobre várias coisas. Gravidez é um período positivo, a saúde da mulher fica fortalecida, física e emocionalmente, afinal, uma vive por duas. Uma nova vida virá ao mundo, mulher e pai, dentro de um casamento que deveria ser o normal, estão esperançosos, o universo lhes dará um de seus milagres, operado de forma natural, um ser que será o resumo do amor entre dois seres, com características herdadas que prolongarão duas vidas. 
      Perdoem-me antiquada poesia, bom seria que fosse assim com todas as gestações. Enquanto gravidez dura em média nove meses, o parto é questão de horas, e esse não é agradável. Parece que a nova vida não quer independência, deseja seguir sendo parte de quem a protege, a alimenta, a ama. Mas o ciclo da vida deve seguir, a dificuldade do parto é proteção, para que o novo ser não deixe seu local de “fabricação” antes do tempo. É por isso que aborto, além de ser criminalmente errado, é intervenção dolorida, para mãe e para filho, no corpo e na alma. Depois de algum sofrimento, o bebê nasce, a mãe está realizada, cumpriu a primeira fase na geração de uma nova vida, outras fases se iniciarão agora, segue a vida para ambos. 
      Passamos nove meses nos preparando para nascer, depois podemos passar noventa anos nos preparando para morrer. Se a vida pode ser ilusões, realizações, paixões, realidade, prazeres e dores, com noites entre dias, e a cada dia, um novo nascer de Sol, que sempre traz esperança que as coisas sejam diferentes, melhores, a morte é também intervenção dolorida nisso tudo. Se o nascimento é rápido, a morte pode não ser, muitos passam meses, até anos, administrados por cuidadores, médicos, remédios, internações, às vezes sofrendo muito, até que o corpo físico devolva ao universo o espírito, aquele que demorou nove meses para se acostumar à matéria. Agora o ciclo da vida transcende a matéria, galga plano espiritual e eterno. 
      Se não estávamos prontos para nascer, muitas vezes não estamos para morrer, mas há algo comum em ambos, momentos finais e inescapáveis de muita dor. O bebê pode estar numa posição mais adequada na barriga da mãe, se não estiver, médicos deverão interceder e fazer um parto que adapte-se a essa situação, o bebê não tem responsabilidade nisso. Mas para morrer podemos nos preparar, temos muito tempo para isso. Estamos prontos para morrer? Quem está não quer morrer, antes deseja ser útil principalmente aos que amam e que o amam, no maior tempo possível. Por outro lado, aprontar-se para a morte é não amar tanto essa vida, é priorizar a vida que terá depois da morte do corpo. Vida eterna é construída de antagonismos. 
      A versão NVI usa termos interessantes, criança inteligente. Podem não serem adequados ao parto físico, mas adequam-se à simbologia, somos crianças inteligentes para morrer? Acha espiritualidade quem mantém, não ignorância e irresponsabilidade de criança, mas simplicidade e pureza dela. Temos que nos manter crianças até o final, nesse sentido, infelizmente muitos envelhecem errado, não são sábios, só velhos maliciosos e rancorosos. Além de criança, é preciso ser inteligente, colocar-se na melhor posição para renascer na eternidade. A melhor posição é a humilde, essa posição só seguramos após a morte quando a vivemos de forma efetiva no mundo. Na eternidade daremos a luz a quem de fato somos, prontos ou não.

63. As pessoas mudam?
 
      “Jesus respondeu: — Em verdade, em verdade lhe digo: quem não nascer da água e do Espírito não pode entrar no Reino de Deus. O que é nascido da carne é carne, e o que é nascido do Espírito é espírito. Não fique admirado por eu dizer: "Vocês precisam nascer de novo."” João 3.5-7

      As pessoas mudam? Muitos dizem que não, muitos cristãos não mudam, ainda que praticando cultura social de suas igrejas. Jesus disse que só entra no reino de Deus os que nascem de novo, isso implica em abrangente transformação, que inicia-se do zero. Um detalhe sobre a passagem acima, nascimento da água não é o batismo, mas nascimento no corpo físico, tanto que no versículo seguinte o autor reafirma o dito, relacionando água e espírito a carne e espírito. Já na antiguidade acreditava-se que a vida originara-se na água, ainda que cristianismos tentem forçar a interpretação de água como batismo, para convenientemente aliarem legitimidade oficial de cristão ao batismo que eles entregam, no bebê ou no novo convertido. 
      Nossa evolução espiritual precisa de encarnação e salvação, uma é experiência no mundo, a outra, em Deus. Não basta estarmos no mundo e sermos aprovados pelos seus valores, como era o caso de Nicodemos de João 3, príncipe entre fariseus, é preciso ter experiência espiritual diferenciada que mude nossa visão de tudo. O Nicodemos da passagem a princípio não queria mudar, muitos que se membram a igrejas cristãs apropriam-se até de certas mudanças radicais, como parar de fumar, beber menos, acertar casamento, e isso justamente para serem batizados e receberem direito do nome na lista oficial de membros. Contudo, se de fato experimentam mudança interior sustentável, não só o que aparece para homens, é outra questão. 
      Erro causa desconforto, ninguém é feliz errando, entretanto, mudar para não errar também dói. Quando somos egoístas, magoamos as pessoas, mas deixarmos de sermos egoístas é conviver com egoísmo alheio sem proteção egoísta. Receber um tapa numa face e dar a outra face para receber outro tapa, pode doer, em quem não experimenta tal resignação em Deus. Deus não pede que sejamos vítimas passivas, não para sempre, mas muito menos que como seus filhos nos achemos soldados de um “senhor dos exércitos” que nos lidera numa guerra para destruirmos quem nos agride. Dar a outra face é só o primeiro passo, depois disso, em grande parte das vezes, Deus nos orienta a nos afastarmos sábia e silenciosamente do agressor. 
      Reagir como amigo de Deus, com temor ao Senhor, em amor e mansidão, pede de nós abrir mão do orgulho, que não dá a última palavra em discussão, que entrega o agressor nas mãos de Deus e confia que o Senhor, do seu jeito e no seu tempo, realiza justiça. Contudo, muitos não querem reagir assim, não querem mudar sua natureza humana, assim ou tornam-se agressores, ou falsos cristãos, que usam uma ótica distorcida de Deus, baseada na visão que israelitas tinham de Javé nos tempos do antigo testamento, para reagirem com violência, mas ainda posando de cristãos para cristãos também equivocados. Enfatizo, a palavra aqui não é para não cristãos ou ateus que não querem mudar, é para cristãos infantis e orgulhosos. 
      Mais que qualquer outra virtude, mudança pede humildade que confia em Deus. Eu disse mais que outra virtude porque muitos podem ser aparentemente santos, civilizadamente justos, socialmente éticos, mas ainda assim terem corações orgulhosos e que de fato não mudaram, ainda que vivendo por décadas dentro de templos protestantes. Você mudou ou só manteve aquela referência de não pecar que tinha no início de sua jornada cristã? O certo sempre é certo, Deus é sempre Deus, mas nos confrontarmos com a prática do certo dói, nos põe cara a cara com nossa verdade, o que somos e o que de fato queremos ser. Muitos, mas muitos mesmo, desistem, ainda que parecendo religiosos corretos nunca nasceram de novo. 

64. Morte

      “A boa fama é melhor do que um bom perfume, e o dia da morte é melhor do que o dia do nascimento. Melhor é ir à casa onde há luto do que ir à casa onde há banquete, pois naquela se vê o fim de todas as pessoas; e que os vivos o tomem em consideração.” “Melhor é o fim das coisas do que o seu princípio; a paciência é melhor do que a arrogância.“ Eclesiastes 7.1-2, 8

      Morremos todos os dias, quando nos decepcionamos com as pessoas, quando decepcionamos as pessoas, quando sonhos mostram ser ilusões. Morrem dentro de nós pessoas que não dão-nos aquilo que precisamos, e não precisamos de muita coisa, de coisas vaidosas, egoístas, só queremos um pouco de paciência com nossas fraquezas, com nossos limites, com nossas dores. Muitos acham que já sofrem o suficiente, que nós somos parte de suas dores, assim, quando pedimos ajuda não dão e acham-se corretos nisso. Morremos dentro de alguns que carregam cemitérios internos desde muito tempo, foram criados com violência, com displicência, assim matam tudo dentro deles para poderem sobreviver e suportarem a dor. 
      Num mundo atual, onde vida neste plano parece ser tão celebrada, onde as pessoas fazem regimes alimentares, frequentam academias, utilizam todo tipo de intervenção cirúrgica para construírem estética externa do corpo que a moda diz que é a mais bonita, com liberdade e legalidade para usufruírem sexo e bebida alcoólica sem culpa e sem limite, nunca a morte foi tão sentida. Sentida, mas negada, sofrida, mas escondida, temida, mas atrasada o máximo possível. Gente aparentando tanta beleza, satisfação, tanta alegria, juventude, mas se olharmos seus olhos vemos almas mortas, tristes, vazias, assombradas, gritando por socorro. Cada dia negando a morte, se morre ainda mais, por fora, por dentro, no corpo, no espírito.
     Cristianismos sempre trataram a morte com superficialidade, dois lugares extremos por uma única escolha de fé numa igreja. Católicos temem pelos que não são batizados, evangélicos condenam os que adoram santos, pentecostais menosprezam os que não são batizados no Espírito Santo, protestantes desprezam os que não conhecem Bíblia, todos colocam segredos nos cadeados das portas para o céu, quando na verdade a porta do céu só tem um segredo, amor. Assim, para cristãos, morte é fuga, mas acaba sendo caminho fácil, tanto que catolicismo já chegou a vender lugar no céu. Mas evangélicos não fazem o mesmo quando cobram dízimos? Igrejas são mantidas materialmente por tementes à morte, não a Deus. 
      Muitos seres humanos preferem delegar o entendimento sobre a morte à religião, assim, o que a igreja diz, eles aceitam. Não percebem que quando deixam outros dizerem-lhes como devem morrer, deixam dizer-lhes também como devem viver. Cada dor, cada doença, cada medo, cada terror, cada desconhecido que experimentamos, nos leva a entender como a vida é frágil, joga na nossa cara a vulnerabilidade de nossas existências neste mundo. Fica pior quando entendemos que qualquer tipo de consolo e esperança só pode ser alcançado por fé. Morte e fé são conceitos intrinsecamente conectados. Se não morrêssemos no corpo, não precisaríamos de fé, ciência bastaria para vivermos aqui para sempre. Morte é deus poderoso. 
      Escolhemos a vida quando paramos de armazenar morte na alma. Quando não geramos rancor pela escolha errada do outro, quando paramos de nos culpar por erros que não queremos mais cometer, quando mantemos um semblante leve e feliz, indiferente do coração pesado e acusador que o outro segure, quando amamos todos e perdoamos com facilidade, escolhemos vida, não mortes pequenas, doloridas e repetitivas. Escapar da morte não é melhorar saúde e estética do corpo, ainda que isso seja efeito natural de quem é saudável e bonito por dentro. Viver eternamente é ter pés firmes no chão, mas os olhos espirituais focados no alto, sabendo que existir aqui é preciso, mas que a morte é só passagem para a existência verdadeira. 

65. Tristeza

      “Melhor é a mágoa do que o riso, porque com a tristeza do rosto se melhora o coração. O coração dos sábios está na casa do luto, mas o dos insensatos, na casa da alegria.” Eclesiastes 7.3-4

      Não aceitarmos a realidade é sério motivo para mantermos tristeza maior que precisa ser. Acharmos que se as coisas mudarem, se as pessoas mudarem, seremos felizes, mas não é assim que funciona. Tristeza há, indiferente do que haja do lado de fora, tristeza é interior. As coisas, as pessoas não precisam mudar, basta que nós mudemos e por dentro. Tristeza é como vinho, novo é forte e barato, mas envelhecido enfraquece-se e torna-se caro, não é mais dor para torturar, só lembrança de erros. Memória de erro e de sua consequência nos aperfeiçoa, nos protege de novos erros, nos faz crescer, por isso a solução não é negar a tristeza ou fugir dela, aplacando-a com paixão e vícios, mas manter um pouco dela bem guardado em nós. 
      Não se deve não ser triste, não se pode ser sempre alegre, basta um pouco de tristeza. Por muito tempo procurei em igrejas o clímax emocional que sentia nas coisas da carne, assim, ainda que numa experiência com louvor, com dons espirituais, com a palavra, o que eu queria era paixão, bem, paixão sempre acaba. Não é o mundo espiritual que muda, é nossa mente. Deus nunca acusa, somos nós que nos sentimos acusados. Por outro lado, muitos livram-se da culpa, mas usam a liberdade mental decorrente para viverem sem temor a Deus, para dominarem pessoas e as usarem em seus caprichos e prazeres. Amadurecer é adquirir a liberdade de não se sentir culpado, mas ainda assim temer a Deus e vigiar em qualidade moral. 
      Em geral tristeza que fica pode ser efeito de problema não devidamente resolvido. Contudo, às vezes, ainda que com vida acertada, com problema entregue nas mãos de Deus e até com resposta recebida pela fé, há tristeza insistindo em ficar. Tornamos a orar, mas a resposta de Deus é a mesma, e nem estou falando de casos em que a resposta seja não. Ainda que com retorno positivo do Senhor, a tristeza pode permanecer. Tristeza sem solução, solucionada está, o maduro seguirá em frente mesmo entristecido. Isso pode ser bem difícil, mas pode nos amadurecer ainda mais, abrir, ainda que com a força da dor, espaço dentro de nós, não para reter tristeza, mas fé e paz. Lúcidos seguram uma tristeza leve que os confronta com a realidade. 
      Somos mais fortes que achamos que somos, Deus sabe disso mais que nós. Na perseverança achamos capacidades que não achávamos que tínhamos, o mundo não acaba, um anjo não precisa aparecer em nossa frente, não morremos, nem precisamos sair fazendo loucuras para experimentarmos emoção forte que dê sentido à vida e prazer aos sentidos. A vida é bem mais simples que achamos, não precisa de complicação e luxo para ser boa, podemos descobrir isso antes do fim, quando corpo enfraquece-se e paixões esfriam-se. Mas calma, o fim melhor não é insípido, inodoro e incolor, é iluminado, aos pacientes e crédulos, que não desistiram ao serem confrontados com desilusões, mas conheceram a si, a Deus e retiveram humildade. 
      Doença ou espiritualidade foi a pergunta que iniciou-nos nesta série de reflexões, talvez outra pergunta que nos leve a respostas semelhantes seja que preços pagamos para nos livrarmos da tristeza. O jeito certo cura o espírito, assim não adoece corpo e mente. Não adianta trocarmos vícios físicos por vícios religiosos, pagarmos culpas emocionais com sacrifícios religiosos, muito menos supostos privilégios espirituais com dízimos e mão de obra não remunerada em igreja. Isso só gera mais doença, meios ineficazes para aplacar-se tristeza, isso não é espiritualidade. A maior doença do ser na Terra não tem cura, é a morte, aceitá-la do jeito certo é o que entrega-nos a menor tristeza possível no mundo, o que não for isso, é vã ilusão. 

66. Depressão

      “Pois estou prestes a tropeçar; a minha dor está sempre diante de mim. Confesso a minha iniquidade; suporto tristeza por causa do meu pecado. Mas os meus inimigos são vigorosos e fortes, e são muitos os que sem motivo me odeiam. Aqueles que pagam o mal pelo bem são meus adversários, porque eu sigo o que é bom. Não me desampares, Senhor; Deus meu, não te ausentes de mim. Apressa-te em socorrer-me, Senhor, salvação minha.” Salmos 38.17-22

      As pessoas não querem ficar tristes, não sabem ficar tristes, não aprendem com a tristeza, por isso adoecem corpo e mente e não curam o espírito. A cura não está na negação, ou não anulação a todo custo, e como há gente diagnosticada em quadro depressivo (e aqui não há qualquer desrespeito com a enfermidade depressão). Tristeza profunda é verdade, exagero de medicina que vende doença para vender remédio, ou administração equivocada de dor? Tristeza é útil, freia instintos, não para nos deitarmos nela e ficarmos, para acharmos humildade por ela. Nascemos para morrer, isso gera tristeza, é na construção da vida eterna sobre isso, que tristeza torna-se saudade da vida que teremos na eternidade e que ainda não conhecemos. 
      Vou contar meu testemunho pessoal com depressão, espero que isso ajude alguns. Não sou médico, se alguém tiver ou achar que tem tal questão, procure um profissional da área médica, insisto, ninguém use os textos deste espaço como orientação psicológica ou psiquiátrica. Experimentei quadro depressivo bem sério, no momento que a crise me alcançou eu tinha dificuldades para lembrar o próprio nome, me movimentava com muito esforço, falava pouco, vivi triste catatonia. Cheguei a esse ponto aos cinquenta anos, efeito de uma vida represando tristeza e não resolvendo-a do jeito certo. Depressão, quando de fato é real, se cura com descanso, na companhia de gente que te ama e sob tratamento médico e uso de remédios. 
      Mas não tem jeito, quando nos alcança, tudo para, só o tempo para que voltemos à normalidade. O segredo é não deixá-la nos alcançar. Depois da crise renasci, mas porque resolvi depois as causas afetivas, aquilo que com mais força conduziu-me à crise. As causas da depressão não são uma coisa só, mas um conjunto de coisas, contudo, nem medicina responde com clareza a respeito. Podem ser limites físicos, químicos, por acidente, congênitos, podem ser traumas emocionais, podem ser jeito errado do ser administrar realidade, causado ou não pelos motivos anteriores. Enfim, aprendi que na humildade há cura para muita coisa, ainda que siga com medicação que terei que usar sempre, venci a tristeza da minha vida. 
      Antes da crise eu sofria exageradamente, não há mente que resista a isso. Sentia-me incompreendido, muito só, errava muito, magoava pessoas, mas minha dor era tão grande que me via como vítima, com motivos para fazer o que fazia. Tudo era verdade, tudo era mentira. Era verdade que eu tinha sido vítima de agressores, mas era verdade que fazia vítimas com minhas agressões, era mentira minha dor ser a maior do mundo, era mentira a dor dos outros ser mais legítima que a minha. Um critério para saber que você não é maluco, mas que só passou por uma crise, é constatar que consegue ser equilibrado, vendo a realidade e aceitando-a, não achando-se o único esquisitão, mas entendendo que os outros também têm esquisitices
      Mas o que nos ajuda de forma efetiva para que nos mantenhamos curados, após a medicina ter feito sua parte insubstituível, é equilíbrio espiritual, é então, e só então, que conexão equilibrada com Deus, não necessariamente com religião, nos cura de vez, e repito, ainda mantendo medicação e seguindo orientação médica! O Deus que cura é o que não acusa-nos, ainda que nos leve a assumir responsabilidade pelos nossos erros, e que nos fortaleça para amar e perdoar os que erraram conosco. Desconectar-nos dos erros dos outros e nossos, assim, do passado, olhando para a frente e construindo um novo eu, na companhia de gente de bem que nos ama, é remédio que Deus dá, se persistirmos em humildade, santidade e amor. 

67. Deus precisa de nós?
 
      “Quem é este que obscurece os meus planos com palavras sem conhecimento? Cinja os lombos como homem, pois eu lhe farei perguntas, e você me responderá. Onde você estava, quando eu lancei os fundamentos da terra? Responda, se você tem entendimento.” Jó 38.2-4

      Deus precisa de nós? O senso comum cristão responde taxativamente que não. Quando vislumbramos as grandezas de Deus, físicas, morais, espirituais, sua onipotência em força, inteligência e virtudes, e sua primazia como ser incriado e eterno, que segue atraindo suas criaturas, dando-lhes propósito, administrando universos físico e espiritual para que a criação seja tratada com justiça, ainda que sendo misericordioso e entregando o bem mesmo ao que faz o mal, não podemos entender que esse divino precise de nós, seres humanos e seja lá quem forem, na Terra e no céu. Deus não precisa de nós, concluímos, nós, sim, dependemos sempre e urgentemente dele, principalmente de seu amor paciente e sempre em ação.
      Quando crianças dependemos de adultos, principalmente de pais ou daqueles que nos criam como tais. O tempo passa, nós crescemos, amadurecemos, enquanto isso os que nos criaram, envelheceram, tornaram-se frágeis, e muitos, com debilidade mental além da física, tornaram-se tão dependentes de filhos adultos como os adultos foram deles quando crianças. Há um mistério nessa verdade do plano físico, metáfora do plano espiritual. Nós podemos evoluir, e ainda que Deus não involua, nunca perca integridade, compartilha trabalho e responsabilidade, isso revela propósito generoso e desprovido de orgulho, de quem não só cuida, mas ensina a cuidar, de quem serve e permite ser servido. Deus chama a todos para estarem nele.
      A chamada não é para estarmos abaixo, acima dele, ou com ele, mas nele. Isso é mais que compartilhar posição, é compartilhar o próprio corpo, o objetivo último de Deus é sermos um nele. Isso não é possível na matéria, nela dois corpos não ocupam o mesmo espaço, diz a física. Contudo, mesmo encarnados neste mundo podemos nos conectar intimamente com Deus, pela mente no Espírito, aqui o meio de interação é a mente, lá seremos consciência livre. Em profunda oração podemos expandir nossa consciência de forma que não saberemos mais onde acabamos, onde o Espírito de Deus inicia-se. No plano espiritual, libertos de corpos físicos, a interação poderá ser bem mais plena, se ou quando estivermos preparados para isso. 
      Se, pela doutrina cristã tradicional, que acredita que após a morte haverá inferno ou céu eternos, assim interação íntima só se o ser estiver salvo. Quando, por outras religiosidades, quem pensam que quando preparados todos chegarão ao céu, portanto, não haverá inferno eterno. Fica por conta de tua fé, crer de um jeito ou de outro. Deus se dá a quem entrega-se a ele, se aproxima de quem aproxima-se dele, precisa de quem dele precisa. Deus precisa de nós! Agora como afirmação. Mas como assim? Mesmo o cristianismo protestante acredita na necessidade de evangelização mundial feita pelos seres humanos, para que Deus encerre a jornada expiatória do ser na Terra. Deus não usa anjos para levar salvação, usa humanos. 
      Mesmo numa ótica cristã tradicional, aceitar que Deus precisa de nós, que não basta crermos que ele faz tudo, mas que devemos fazer nossa parte, leva-nos a assumir responsabilidade pela Terra e pela humanidade. Se Deus é bom, por que tantos sofrem? Céticos respondem que é porque Deus é mau, muitos ateus creem em Deus, só não creem que ele seja bom ou que devam temê-lo. Mas cristãos infantis dirão que isso é coisa de Deus, que não se pode entender ou mudar. Não que muitos cristãos não façam caridade, até fazem, mas pensando ajudar os outros em suas dívidas, não para quitarem dívidas próprias, acomodam-se à crença de que o problema não é deles, afinal já estão salvos pela fé. Acontece que o problema é nosso! 

68. Deus reflete-se por nós
 
      “— Então o Rei dirá aos que estiverem à sua direita: "Venham, benditos de meu Pai! Venham herdar o Reino que está preparado para vocês desde a fundação do mundo. Porque tive fome, e vocês me deram de comer; tive sede, e vocês me deram de beber; eu era forasteiro, e vocês me hospedaram; eu estava nu, e vocês me vestiram; enfermo, e me visitaram; preso, e foram me ver."
      — Então os justos perguntarão: "Quando foi que vimos o senhor com fome e lhe demos de comer? Ou com sede e lhe demos de beber? E quando foi que vimos o senhor como forasteiro e o hospedamos? Ou nu e o vestimos? E quando foi que vimos o senhor enfermo ou preso e fomos visitá-lo?"
      — O Rei, respondendo, lhes dirá: "Em verdade lhes digo que, sempre que o fizeram a um destes meus pequeninos irmãos, foi a mim que o fizeram."” 
Mateus 25.34-40

      Na prática, teologia protestante não dá a obras muita relevância, não para a salvação, para essa basta fé. Somos salvos pela fé, creem muitos, fé até precisa manifestar virtudes em ações, mas não há um imperativo para se ajudar o próximo, principalmente se o próximo decide pela fé que não quer ser salvo, conforme conceito protestante de salvação. O termo protestante que uso, relaciona-se tecnicamente à teologia protestante, diferenciando da católica e comum a muitas igrejas evangélicas, pentecostais, neopentecostais atuais. Mas tentemos ir além dessa teologia, respondendo ao tema “Deus precisa de nós”. Já refletimos a respeito sob alguns pontos de vista, onipotência divina, evangelismo etc, há, porém, algo mais profundo.
      Deus só manifesta sua luz no mundo quando encontra num determinado território físico um espelholimpo que reflete sua luz nas trevas. Se não houver um santo, um justo, um crente, um amigo de Deus num lugar, dessa forma, um espelho, ainda assim Deus amará a todos, mas será limitado pelos seres que amam as trevas para abençoar de forma eficiente os que querem vir à luz. Onde há espelho, há anjos de Deus trabalhando mais eficientemente, é claro que em sua justiça Deus não permite que não haja algum espelho em meio onde seu amor precisa agir de forma mais próxima. Mas todos nós, de algum jeito, assim como seres espirituais, de luz ou não, cooperam para que a mecânica dos universos funcione com justiça. 
      Quando você ora solitariamente à noite na sala de sua casa, você pode ser espelho que reflete a luz de Deus, não só para aqueles pelos quais ora citando seus nomes, mas para a área física em que você se encontra. Tua casa, tua vizinhança, tua rua, teu barro, tua cidade, e por aí vai, podem estar sendo de alguma forma abençoados por Deus. A variação da abrangência de ressonância espiritual do reflexo do espelho que você é, está relacionada à tua maturidade espiritual, à seriedade de tua vigilância moral, à tua chamada no plano de Deus. Assim podermos influenciar vidas de uma família ou até de uma nação, e entendamos uma coisa, aqueles com influência espiritual mais abrangente podem ser os mais discretos na sociedade. 
      Não pense que muitos pastores que aparecem na mídia, que lideram denominações cristãs poderosas, que influenciam líderes políticos, que exibem-se autoritários e carismáticos em vídeos na internet, sejam os mais espirituais, os mais usados por Deus, podem ser só cântaros vazios fazendo muito barulho. Influência espiritual se faz com capacidades e ferramentas espirituais, seja para o bem, seja para o mal. Não tema os falastrões, tema os calados. Deus trabalha em silêncio e usa os silenciosos. O mundo espiritual se fortalece com o nosso fortalecimento. Deus fica mais poderoso quando somos bons. Deus não aumenta de tamanho, mas devolvemos a ele o direito de usar o que sempre é dele, nosso espírito, quando agimos certo e por fé. 
      O que nos toca na passagem bíblica acima é que os que agiram certo não sabiam que estavam agindo, porque não faziam para receberem alguma coisa, faziam porque era o certo a se fazer. O que eles faziam? Ajudavam os que realmente precisam de ajuda. Não basta fazer, tem que fazer com humildade e aos humildes, humildes são mais que pessoas melhores, estão no Espírito de Jesus, assim, ajudarmos pessoas certas é ajudar a Deus. Jesus chama pequeninos, humildes, de seus irmãos, quanta humildade a dele, quanta generosidade conosco, será que a merecemos? Deus não trabalha pelos amigos, trabalha em seus amigos, manifesta-se através deles, de novo um Deus tão maior chamando os pequenos para serem um nele. 

69. Deus espera em nós
 
      “Quanto a vocês, a unção que receberam dele permanece em vocês, e não precisam que alguém os ensine. Mas, como a unção dele os ensina a respeito de todas as coisas, e é verdadeira, e não é falsa, permaneçam nele, como também ela ensinou a vocês.” I João 2.27

      A maior prova de amor e humildade que Deus deu, foi nos criar e nos entregar para evolução com liberdade de escolha. Seríamos capazes de criar um filho com o melhor que temos, e depois permitir-lhe escolher caminho que negasse aquilo que somos e que lhe demos de melhor? Ficaríamos amargurados, ou o negaríamos, tiraríamos dele direito de qualquer herança, diríamos à sociedade que ele não é mais nosso filho. Mas Deus deu-nos livre arbítrio, assistiu enquanto nos distanciávamos, ainda assim seguiu amando-nos, enviando mensageiros, dos quais o maior é Jesus, para nos aconselhar, não conforme seu melhor, mas conforme estávamos preparados para ouvir, sempre aguardando nossa volta, fazermos a escolha certa. 
      O mais maravilhoso é que na verdade Deus não espera por nós, como uma divindade distante, quase inacessível, como muitas religiões, incluindo cristãs, tentam mostrar que Deus é. Deus espera em nós. Deus está sempre dentro de nós, ainda que muitas vezes calado, assistindo nossas decepções, nossas desilusões, nossos descaminhos, nossas desesperanças. Não podemos dizer que Deus sofre com isso, em Deus não há imperfeição, fraqueza, trevas. Pode haver no Altíssimo um desconforto, que muitos cristãos não estão preparados para saber, manifestado em seres de luz que cuidam de nós e nos cercam o tempo todo. Quando desagradamos o melhor de Deus, guardado silenciosamente dentro de nós, anjos choram por nós.
      Há um fio (Eclesiastes 12.6-7) ligando nosso espírito a Deus e nos puxando às regiões espirituais mais altas. Encarnados no mundo, esse fio de prata é só uma salvaguarda, lembrando-nos que não estamos sozinhos, sem propósito, perdidos, aliás, ninguém está de fato perdido, ainda que pense que está. É só no plano espiritual, após a morte do corpo, que poderemos ser puxados para mais perto do melhor de Deus, se assim quisermos, através desse fio. Deus aguarda ansiosamente que estejamos no seu melhor, não só nas suas mãos, mas em sua mente. A chamada é para estarmos nele, não só com ele. (Amigo evangélico que lê esta reflexão, sei que não está acostumado com alguns entendimentos, mas ore a Deus a respeito).
      No mundo podemos ter uma vaga ideia da interação espiritual coletiva mais alta. Quando estamos em culto, onde a palavra parece envolver a todos, hipnotizar a todos, quando estamos num período de louvor, onde parece que não são indivíduos cantando, mas o louvor cantando o coletivo, em uníssono, mas mesmo em experiências mais mundanas, quando assistimos show de música ou filme, que agrega toda a plateia em manifestações emocionais sincronizadas de susto, riso, dor, nessas experiências parece que indivíduos somem, há só um corpo sentindo a mesma coisa. Há algo perigoso que pode ser usado por manipuladores nessa interação, mas não é a tendência que é errada, só uma das maneiras dela ser saciada que pode ser.
      A tendência é que ansiamos por Deus, Deus anseia por nós, triste quem nega isso. Não creio que haja ateus, só teimosos tentando negar uma dependência que não querem ter por orgulho. Dependência de Deus não é fraqueza, é constatação de algo imutável, eterno, essencial. Reconheço que religiões têm falhado em conduzirem o ser humano ao melhor de Deus, mas o humilde achará Deus mesmo por limitadas religiões. O arrogante, contudo, não achará a luz nem ao meio-dia dia, debaixo de Sol a pino, antes fechará os olhos e negará o óbvio. Trevas não são exteriores, são interiores, se há fora é porque há muitos entrevados reunidos por simpatia. Estejamos em Deus e iluminemos o mais que pudermos, Deus espera-nos em nós. 

70.  Fio, copo, cântaro, roda
 
      “Lembre-se do seu Criador, antes que se rompa o fio de prata, e se despedace o copo de ouro, e se quebre o cântaro junto à fonte, e se desfaça a roda junto ao poço, e o pó volte à terra, de onde veio, e o espírito volte a Deus, que o deu.” Eclesiastes 12.6-7 

      Na passagem acima, atribuída a Salomão, podemos compreender quatro simbologias sobre mistérios espirituais. Salomão é conhecido fora do cristianismo como sábio exotérico, se isso é verdade poderia haver intenção em usar tais simbologias assim. Usei alguns desses termos nas últimas três reflexões sobre “Deus precisa de nós”, mas nos aprofundaremos mais neles. Seria o fio de prata a conexão espiritual que prende nosso corpo físico ao nosso espírito, e esse a Deus? Ao mesmo tempo que segura o corpo, afasta da plenitude de Deus, e se for rompido morremos. Muitos creem que durante o sono esse fio fica mais flexível, permitindo que o espírito dê escapadelas e mova-se além do local onde repousa corpo físico. 
      Ao menor sinal de despertar do corpo nosso espírito retorna, assim, sono é o que mais aproxima-se da morte, enquanto estamos vivos no corpo, ainda que por algum embaralhamento permitido por Deus não nos lembremos exatamente do que nosso espírito fez e para onde foi, por isso lembranças de sonhos são tão confusas. Conjecturas à parte, e isso, de novo digo, fica por conta da fé de cada um, parece claro que o autor de Eclesiastes liga o rompimento desse fio à morte, quando diz na passagem, pó volte à terra, espírito volte a Deus. A passagem é exortação para que vivamos em comunhão com Deus, não como se ele e seu juízo não existissem, a vida aqui é só um sonho passageiro mantido por frágil fio de prata
      Eu entendo fio de prata como um raio de luz, muito fino, mas extremamente luminoso. Quando nos enfraquecemos, quando olhamos para baixo, quando nos perdemos em prazeres errados ou excessivos do corpo, quando não amamos e somos arrogantes, tiramos os olhos desse fio, que não deixa de existir, mas que não interage com Deus com mais intimidade. Deus em seu amor sempre nos puxa ao alto, iluminando esse fio, fortalecendo-nos, mostrando-nos os objetivos mais nobres da existência. Se o fio é espiritual, copocântaro e roda são materiais, por isso o autor diz que serão inutilizados quando o fio de prata romper-se. Viver na matéria é administrar o copo de ouro, nosso corpo físico, ser feliz é ter o copo cheio. 
      O autor mostra toda uma mecânica, a roda move a água do fundo do poço, o cântaro enche-se de água para transportá-la, o copo recebe a água que será tomada. Isso nos ensina algumas coisas. Podemos encher o copo com coisas diferentes, mas só água limpa e fresca será mais eficiente para saciar a sede. Podemos tentar alegrar o espírito com coisas diferentes, mas só a presença de Deus sacia nossa sede espiritual eterna. Religiões são cântaros, lugares onde se recebe, se armazena e se compartilha a água, infelizmente muitos cântaros estão vazios, só fazendo barulho, ou então, cheios de líquidos estranhos, que não são o Espírito de Deus. Cântaros precisam ser mantidos limpos e serem oferecidos gratuitamente aos seres. 
      Muitos copos estão vazios porque os cântaros estão vazios porque muitos não querem se dar ao trabalho de movimentar a roda. Mover a roda é buscar a Deus, e neste mundo água espiritual está em regiões profundas para que fique protegida. Na verdade até há água na superfície, mas está em lugares especiais, que só os que querem e se preparam acham. Água mata a sede, mas experimentada de forma inadequada pode afogar. Cântaros diferentes são cheios em poços e por rodas diferentes, a água é a mesma. Certo é que um dia tudo se quebra, fica o ser e a água. Na eternidade poderemos ser cercados e cheios de água, sem perigo, seremos um em Deus. Deus estará em nós, nós nele, em toda a plenitude. 

71. O que é pecado?

       “Todo aquele que permanece nele não vive pecando; todo aquele que vive pecando não o viu, nem o conheceu. I João 3.6

      “Em hebraico chatá, em grego hamartáno, significam "errar", no sentido de errar ou não atingir um alvo, ideal ou padrão, em latim, o termo é vertido por peccátu” (fonte). De forma geral, o cristão pensa pecado como desobediência de regra moral de determinada denominação religiosa, assim até entende que o que é pecado para o católico pode não ser para o batista, o que é pecado para o membro da Congregação Cristã no Brasil pode não ser para o assembleiano, por aí vai. Seja como for, o cristão vê pecado muito mais como violação de norma de organização religiosa humana, que desagrado a Deus, mas como crendo que religião e Bíblia são vontades diretas de Deus, conclui que pecar contra igreja é pecar contra Deus. 
      O ponto é que pecado acaba sendo algo muito mais material, exterior, social, que puramente espiritual. Se há pecado basta um culto assistido para que sejam aplacados remorsos, assim, com que facilidade se “recebe” perdão e se peca de novo, num loop que esfria o espírito e mantém o ser longe do Espírito de Deus. Muitos estão tão convencidos que estão perdoados que acham forças para pregar, cantar, trabalhar nos templos, mas como o acerto foi com os homens, não com Deus, a força que usam para desempenharem tais obras é só humana. Infelizmente, os que mais são escravos desse engano são líderes, pastores, ministros de louvor, que de um jeito ou de outro precisam desempenhar tarefas semanalmente em igrejas. 
      Não sei se originalmente o termo foi bem entendido, se logo na origem, quando os primeiros textos bíblicos foram escritos e o termo foi usado, se já havia a compreensão correta do que é pecado, portanto, a escolha adequada do termo. Romanos 14.23 diz que tudo o que não provém de fé é pecado, mas o contexto desse texto bíblico refere-se a comer ou não certos alimentos, que pecado não é comer ou deixar de comer, mas fazer algo na dúvida se agrada ou não a Deus, assim, sem fé. Há gente fazendo um monte de coisas com fé e ainda assim está pecando. A verdade é uma, podemos enganar os homens, as religiões, mas não nossos corações, ou nossa consciência (I João 3.20), ela avisa-nos quando pecamos e sente-se mal. 
      Não é o padre, o pastor, o missionário, o papa ou a Bíblia que dizem que pecamos, é nosso homem interior, ele sente-se machucado, sujo, quando desagradamos a Deus. Pode-se chamar esse homem interior de alma, coração, mente, mas é aquela parte mais íntima que nos conecta com Deus. Quando pecamos, nosso espírito perde a capacidade de se ligar ao Espírito de Deus. Deus ainda nos ama, não se afasta, ainda que limitado na ação por escolha errada nossa, mas estamos momentaneamente incapacitados de sentir a presença mais próxima de Deus. É certo que podemos nos sentir confusos, não por estarmos em pecado direto, nesse caso o erro é a própria dúvida. Contudo, quando estamos em pecado a dúvida domina-nos.
      Não é só questão de sentir ou pensar, isso pode ser relativo, uns são mais sensíveis que outros. Há algo real, experimentado pela matéria como efeito, mas que tem causa no espírito, que desconecta-se quando desagradamos a Deus. Pecado de fato não é desobedecer homens ou religião, mas o Espírito de Deus. Mas muitos, que sinceramente veem igreja e Bíblia como Deus, podem estar em pecado quando desobedecem homens, todo que faz aliança com homem peca quando quebra tal aliança, assim também desagrada a Deus. Contudo, os maduros, que vivem espiritualidade só para Deus, que respeitam, mas não se põem debaixo de homens, adquirem a fina sintonia de saber quando desagradam a Deus, ainda que não aos homens. 

72. O que é santidade?

       “"Alegremo-nos, exultemos e demos-lhe a glória, porque chegou a hora das bodas do Cordeiro, e a noiva dele já se preparou. A ela foi permitido vestir-se de linho finíssimo, resplandecente e puro." Porque o linho finíssimo são os atos de justiça dos santos. Apocalipse 19.7-8

      Se pecado é, antes de tudo, desagradar a Deus, não necessariamente a homens e religião, ser santo é agradar a Deus, ainda que não a homens e religião. “Santo (do termo latino sanctu, "estabelecido segundo a lei", "que se tornou sagrado") é tudo aquilo que é sagrado, ou seja, que está conforme os preceitos religiosos e a divindade” “A palavra "santo" no hebraico, tem por sentido o ato de "cortar", em grego "separar- separado", "diferenciar- diferenciado". O contexto indica que o crente em Jesus deve levar uma vida separada, diferenciada do atual modelo de vida da cultura vigente. Sua vida deve mostrar diferença quanto aos costumes desta sociedade secularista, e adotar os mesmos procedimentos que Cristo.” (fonte). 
      Acima, duas definições de santo, uma católica, a outra, protestante. O catolicismo tem uma definição mais sagrada, entendendo sagrado como algo estabelecido pela liderança religiosa. Essa definição torna o estado de santidade distante, por isso os chamados santos pelo catolicismo são seres humanos especiais, que devem passar por critérios rígidos para terem, depois de mortos, a posição de santo, e como tal, poder de interceder pelos crentes na Terra diante de Deus. A definição protestante está mais relacionada à ideia dos israelitas no antigo testamento, assim mais humana, mais viável, por ela todo ser humano devidamente limpo moralmente é um santo. Protestantismo não elege santos no céu com capacidade de intercessão. 
      Cabe aqui uma reflexão. Sagrado e divino podem não ser a mesma coisa. Sagrado é algo que as pessoas elegem, sagram como especial, não é de baixo para cima, é horizontal. Divino já é relação de baixo para cima, assim vertical, o material visando o espiritual. Mas o que é sagrado para um, não é para o outro, o que é divino para um, não é para o outro. Por outro lado, nem todo sagrado é de Deus, ainda que seja divino não recebe retorno do Altíssimo. Há muitos chamando de divino outros deuses, entidades, espíritos, não o Deus verdadeiro. Há muitos elegendo como sagrado, objetos, animais, mesmo seres humanos. Ideal seria que nosso sagrado fosse o Senhor e só ele, assim nosso divino seria o mais alto e verdadeiro Deus.
      Temos dificuldades para viver o propósito melhor da santidade, sermos divinos, não só sagrados, agradarmos a Deus, não a homens. Da obsessão de querer agradar homens, nasce, não santidade real, mas negação do pecado para que se aparente santidade. Santidade torna-se vaidade, gente entrega autoridade à gente que considera santa, assim, muitos querem aparentar, com segundas intenções, serem santos. Hipocrisia é filha da vaidade, querer aparecer a todo custo gera mentira. Só conhecemos a vontade mais alta de Deus libertando-nos de religião como verdade direta de Deus. Só conseguimos ser santos vivendo essa vontade, isso não só entrega-nos genuína limpeza moral, mas também liberdade para vivermos em paz.
      Só o verdadeiramente santo é livre, ser santo não é não fazer um monte de coisas, mas fazer muita coisa sem ter que dar satisfação à religião e aos homens. Presos em igrejas, geralmente pensamos o contrário, que santidade é não fazer muitas coisas, vendo homens como juízes que vigiam nossa santidade e podem nos punir caso não sejamos santos. Quando paramos de nos ocupar com religião, e amamos de fato a Deus, temos uma relação direta com o Espírito do Altíssimo, sem intermediários. Nisso entendemos a santidade que Deus pede de nós e pode nos proporcionar. Isso não significa parar de frequentar igreja, mas significa não fazer aliança como membro de igreja, para não precisar dar à igreja satisfação pelas nossas vidas. 

73. O que será o juízo?
 
      “Mas o Senhor permanece no seu trono eternamente, trono que erigiu para julgar. Ele mesmo julga o mundo com justiça; julgará os povos com retidão. O Senhor é também alto refúgio para o oprimido, refúgio nas horas de angústia. Em ti, pois, confiam os que conhecem o teu nome, porque tu, Senhor, não desamparas os que te buscam.” Salmos 9.7-10

      As duas últimas reflexões, o que é pecado e o que é santidade, nos conduzem naturalmente a está, o que será o juízo. Não me preocupei em fazer listas de sins e de nãos, isso é o que as religiões mais fazem, desde os dez mandamentos israelitas. Penso que listas, ou melhor, leis, são burras, e como a própria Bíblia diz, “a letra mata, mas o Espírito vivifica” (II Coríntios 3.6b). Diz também, “e é evidente que, pela lei, ninguém é justificado diante de Deus, porque "o justo viverá pela fé", ora, a lei não procede de fé, mas "aquele que observar os seus preceitos por eles viverá"” (Gálatas 3.11-12). Assim, fé nos conduz a algo mais alto que o simples acatar a leis morais. Haverá um juízo? O que ele nos cobrará, obediência a leis, fé ou obras? 
      Interessante como relação com Deus foi entendida de um jeito, depois elevada para outro jeito, e depois aparentemente retornada ao primeiro jeito. Israelitas criam que obras os conduziam a Deus e faziam deles merecedores de ajuda divina. Escritores do novo testamento, e muito a reforma protestante, enfatizaram a importância da fé, elevando-a sobre as obras. Era conceito que judeus pareciam não entender nos primeiros séculos, por isso Paulo instou tanto na relevância de fé sobre obras. Mas Tiago 2 volta a colocar obras sob holofotes, contudo, se entendermos no Espírito Santo, veremos que não é retorno à mentalidade religiosa israelita antiga, mas upgrade à relevância da fé. Obras importam mais quando são efeitos de fé genuína. 
      Só obras não salvam, ainda que Deus use boas obras, mesmo do que faz sem as melhores intenções, para abençoar os outros. Só fé não amadure, ainda que inicie o ser no caminho a Deus. Fé que gera obras persistentes, eis o processo que salva, entendendo salvar como conectar o ser a Deus. O que é salvação? É livrar-se do inferno no juízo? Também, mas não é algo que se receba instantaneamente só por acreditar, muitas vezes só como evocação mágica. Há mais magia no cristianismo que muitos acham que há, e nesse aspecto magia é tentar obter favores espirituais só por obediência a ritos sagrados. Nenhuma fé ou magia livram de juízo com veredito culpado, só obras perseverantes de virtudes morais no mundo absolvem. 
      Não pense tanto em salvação, creia em Deus e viva hoje como salvo. Quem pensa demais em salvação, pensa demais em juízo e pensa demais no inferno, não no céu. Viver é crer e trabalhar, uma coisa seguindo a outra. Só crer aliena, só trabalhar mata. Quem crê e não trabalha, vive um mundo de ilusão, quem trabalha e não crê, vive sozinho, amargo, gerando riqueza e glória só neste mundo. O juízo será tua mente ou tua consciência confrontada com a luz de Deus, você será seu juiz, seu advogado, seu promotor, sua testemunha. Se foi humilde no mundo, achará humildade na eternidade, não para ser um príncipe no céu, mas para ser útil à luz de Deus, para o qual você irá sem medo e sem culpa, ainda que sereno e humilde.  
      Salvação é absoluta? Inferno é infinito? Céu é final? Fica por conta de tua fé. Eu creio em salvação gradativa, em inferno eterno enquanto dura, em céu sempre mais alto. Não acredito que encarnados neste planetinha de um universo desconhecido e imenso em todas as dimensões, principalmente na quinta, tenhamos condição de entender o que acontecerá no juízo, e se nós hoje não temos, muito menos tinham os escritores da Bíblia. Não sofra tanto com erros passados, viva certo hoje para construir para o futuro um passado bom. Deus te ama, não te julga, aproxime-se dele que ele te ajudará a agradá-lo, a ser melhor. Não acomode-se ao pecado, nem busque consolo em vaidade e egoísmo, teu destino é salvação eterna. 

74. O que é a vida?
 
      “Todas as palavras da minha boca são justas; não há nelas nenhuma coisa torta, nem perversa. Todas são retas para os que têm compreensão e justas, para os que acham o conhecimento. Aceitem o meu ensino, em vez da prata, e o conhecimento, em lugar do ouro escolhido. Porque a sabedoria é melhor do que as joias, e tudo o que se possa desejar não se compara com ela.” Provérbios 8.8-11

      Qual o sentido da vida? Há sentido na vida? Precisa haver? O que é a vida? Muitos veem só o sentido imediato, físico, instintivo, manter o corpo funcionando, com algumas roupas e com um teto para dormir. Interessante que não são só pobres que veem a existência de forma mais primitiva, ricos também podem ver, ainda que comam alimentos mais caros, bebam bebidas mais raras, vistam-se com roupas mais luxuosas, morem em residências maiores e construídas com materiais mais sofisticados. A diferença entre muitos pobres e muitos milionários não é a prioridade, só a quantia de dinheiro que usam para satisfazer a prioridade. Pior que certos pobres, são ricos pobres, que não evoluíram com as facilidades que receberam. 
      Há gente com vergonha de andar de moto, e não de carro, mas há quem tenha vergonha de andar com carro do ano anterior, e não com carro do ano atual. Tudo é vaidade, só muda a quantia de dinheiro para satisfazê-la, nisso muitos são semelhantes, vivendo o mesmo equívoco, com prioridade errada na vida, assim, entendendo mal a vida. O problema está na falta de grana ou na vergonha? Ter o que se pode pagar com trabalho honesto deveria ser mais importante que vaidade. Usar para ajudar os outros, o que se ganha a mais, que aquilo que é suficiente para se ter uma vida digna, e mesmo com algum luxo, deveria ser virtude mais importante que a obsessão de ter que exibir-se sempre mais rico. O ponto é: o que importa? 
      A vida é para cada um aquilo que cada um tem como prioridade. Se é ser rico, a vida será isso, ter e mostrar que se tem bens materiais. O que sempre me chama mais atenção é incoerência de muitas pessoas que estão dentro de templos cristãos, que ainda que estudem Bíblia, que louvem a Deus, que defendam moralidade conservadora, são materialistas, assim, usam religião e fé, não para aproximarem-se se Deus, mas para serem proeminentes no mundo. É nesse ponto da reflexão que olho para religiosidades não cristãs, para espiritualidades orientais, mesmo para afro-espiritismos, e vejo mais coerência que nos cristianismos. Talvez o pior não seja não ver a vida do melhor jeito, mas ver de um jeito e mentir a respeito, não assumir. 
      Deus sempre fala, Deus sempre mostra ao ser aquilo que é a vida, o que é melhor, seja de um jeito ou de outro, por religião, na falta dela, pela ciência, pelos homens, pelos espíritos. Deus não deixa de amar, atrair e iluminar ninguém, e fala a cada um de acordo com o que cada um pode ouvir e com efeito, praticar. A pergunta é: acatamos a voz do Senhor? Deus é educado, se falar algumas vezes, e às vezes fala só uma vez, e não for atendido, se calará, aguardará humilde e pacientemente que queiram ouvi-lo. Mas muitos ouvem, não gostam do que ouviram, acham que perderão demais se acatarem a sabedoria, e assim seguem, inventando teologias, apoiando ideologias, postando-se como cristãos, mas sendo só rebeldes com Deus. 
      A vida para muitos é inventar e obedecer uma mentira. Para esses, assumirem a verdade na eternidade será mais difícil. Na humildade sempre se descobre e se põe em prática a melhor vontade de Deus para a vida aqui. O humilde acha alegria na verdade, ainda que tenha que abrir mão de muita coisa por ela. Viver é oportunidade para se aproximar da luz mais alta de Deus, não é fugir para os cantos escuros, acomodar-se à beira do caminho e dormir, mas manter-se desperto e seguir em frente. Quando se segue para Deus, a luz fica mais forte, mais conhecemos a nós, aos outros, a Deus, exercemos com os outros a misericórdia que recebemos de Deus. Viver aqui é habituar-se com a vida de lá, carimbar passaporte para a viagem final.

75. Inteligências

      “Não se fatigue para ficar rico; não aplique nisso a sua inteligência. Você quer pôr os seus olhos naquilo que não é nada? Porque certamente a riqueza criará asas, como a águia que voa pelos céus.” Provérbios 23.4-5

      Você se considera uma pessoa inteligente? Usa inteligência para viver bem? Há várias definições para inteligência, o dicionário de Psicologia (Associação Psicológica Americana, 2010, p. 521), define como “capacidade de extrair informações, aprender com a experiência, adaptar-se ao ambiente, compreender e utilizar corretamente o pensamento e a razão”. Outra definição diz “conjunto de todas as faculdades intelectuais, memória, imaginação, juízo, raciocínio, abstração e concepção”. Usamos com frequência o termo inteligência, dizendo que tal pessoa é inteligente, outra, nem tanto, mas não existe só um tipo de inteligência. Vou refletir sobre cinco tipos, inteligência física, intelectual, emocional, espiritual, moral. 
      Não sou médico, psicólogo, biólogo ou antropólogo, aqui farei uma reflexão filosófica livre sobre o tema. Como seres humanos (homo sapiens), quando amadurecemos fisicamente, saímos de infância e adolescência e passamos para a fase adulta, temos inteligência física para sobrevivermos no mundo material. Sabemos que temos necessidade de comer, beber, fazer higiene, dormir, ter relacionamento sexual, enfim, dar manutenção à máquina que nos leva pela Terra. Deficientes intelectuais, emocionais ou físicos, podem não ter essa inteligência básica ou terem dificuldades motoras para exercê-la, assim, necessitarem do acompanhamento de outros pessoas para os auxiliarem em manutenção física diária.
      Pesquisa liderada pelo psicólogo Howard Gardner na década de 1980 (detalhes em fonte, recomendo leitura), identificou sete tipos de inteligência, depois foram acrescentados mais dois: lógico-matemática, linguística, musical, espacial, corporal-cinestésica, intrapessoal, interpessoal, naturalista e existencial. Poderíamos limitar-nos a essa lista, são inteligências que ultrapassam acúmulo de conhecimento intelectual, interferem nas relações do indivíduo consigo e com os outros. Tais inteligências são natas, se houver identificação delas a tempo, a pessoa poderá educar-se e formar-se em áreas que desenvolvam e usem esse potencial natural, tornando-se mais satisfeita socialmente, e mais produtiva em atividades remuneradas. 
      Inteligência emocional é “capacidade de reconhecer e avaliar os seus próprios sentimentos e os dos outros, assim como a capacidade de lidar com eles” (fonte). Chamarei de inteligência emocional a capacidade de administrar corretamente respeito, afeto e paz, assim, áreas afetivas. Ainda que alguns tenham mais facilidade para usar essa inteligência, todos devem trabalhar para desenvolvê-la. Quem se respeita, trata os outros com benignidade e mantém-se sereno, pode lidar consigo e com os outros de forma mais eficiente, quem sabe se comandar, comanda bem os outros. Podemos ter alta inteligência intelectual, termos muito conhecimento acumulado, mas sem inteligência emocional sermos socialmente inúteis. 
      Inteligência espiritual é interação com o plano espiritual. Bruxos, feiticeiros, médiuns, mães de santo, outros religiosos e mesmo cristãos carismáticos usando dons espirituais, podem ter inteligência espiritual. Hoje em dia temos muito material, que antigamente por medo da Igreja Católica ficava escondido em ordens secretas, disponível em livros e na internet. Mesmo que não pratiquemos, podemos saber. Aqui não faço juízo de valor de qualquer espiritualismo, mas algo precisa ser bem entendido: ser espiritual não é ser moral. No cristianismo nos acostumamos a chamar de espiritual alguém moralmente bom, como oposição a alguém carnal, assim, mal, mas ter inteligência espiritual não é necessariamente ter inteligência moral. 

76. Espiritual ou moral?

      “Jesus respondeu: — Eu não disse a você que, se cresse, veria a glória de Deus?” João 11.40

      Não aliar espiritualidade à moralidade pode ser armadilha perigosa, por um simples motivo, o que define espiritualidade alta, sob o ponto de vista de Deus, é qualidade moral. É nesse engano que muitos ocultistas e magos opõem-se ao cristianismo, não por não crerem em Deus, mas por não aceitarem Deus como vencedor, e que se precise adora-lo e obedecê-lo. Entenda certo, nem todo ocultista, esotérico, mago, necromante e outros, é satanista no sentido de se rebelar contra Deus e achar que legiões espirituais não obedientes à vontade mais alta de Deus possam prevalecer. O assunto é mais complexo que muitos cristãos acham, mas a relação é direta, sem Deus não há moralidade, ainda que haja muita inteligência espiritual.
      Tudo e todos, nos universos físico e espiritual, obedecem a Deus nos mínimos detalhes. Contudo, pelo livre arbítrio, muito contribuem para o plano mais alto de Deus, ainda que no presente vivam em rebeldia a Deus, sendo maus e sujos, não bons e santos. O plano espiritual não é fechado como cristianismos tentam convencer seus adeptos pela história, livre arbítrio é mais abrangente que achamos. Certo é que o plano espiritual pode se perigoso e enganoso, isso justifica, e até é usado por Deus, cristianismos proibirem com dogmas e inferno muitos acessos ao plano espiritual. Mas algo precisa ser dito, enquanto o plano espiritual da luz é simples, o das trevas é, não só complexo, complicado, pode exigir mais fé e esforço que o da luz. 
      Por que rituais mágicos fazem tantas exigências, pentagrama desenhado no chão, numa determinada posição geográfica, posicionando os elementos em cada ponta, num determinado mês, dia, hora, usando objetos com cores e de materiais específicos, e até com perfumes de determinadas flagrâncias, invocando ou evocando com palavras certas, fazendo sacrifício de animais e até humano? É certo que tudo isso depende de com quem se quer comunicar e o que se deseja receber. Mas seria pela vaidade dos seres sendo contactados, que querem adoração e gostam de agrados nos detalhes? Há mútua alimentação energética entre planos, tanto para o mal, quanto para o bem, quando se exerce fé, pompa reforça a fé, eis o mistério. 
      Vou além da teologia cristã, esteja à vontade para aceitar ou não. O plano espiritual não é estático, ele envelhece e renova-se, muitos entendimentos que temos hoje, tanto do céu conforme o protestantismo, e de modos de agir de espiritualidades que equivocadamente chamamos genericamente de satanismo, são antigos. Foram construídos conforme nível social, cultural, moral e espiritual de sociedades antigas. Do mesmo jeito que conservadorismo cristão não pode abraçar a sociedade atual em sua integralidade para o bem, satanismos tradicionais talvez nem sejam mais eficientes hoje para o mal. Havia complexidade no culto dos israelitas do tempo do antigo testamento, como havia em cultos a outros deuses, ou a demônios.
      Ainda hoje certos judaísmos imolam animais, mesmo assim muitos são convencidos em igrejas cristãs que sacrifício de animais de religiões de matriz africana é coisa do capeta. A verdade é que muitas pessoas não têm inteligência espiritual, usam o que lhes é conveniente, que aprendem dentro das religiões que é certo, demonizam o que há em outras religiões, não conhecem de fato o plano espiritual e Deus. Espiritismo kardecista tem uma visão espiritual mais clean, digamos assim, não alia poder a ritos, objetos, feitiços e sacrifícios, é espiritualismo com moralidade cristã. Mas isso é para quem crê que mediunidade é só extensão de dons espirituais cristãos, que há reencarnação e que inferno não é infinito. Você que decide. 

77. Mágico ou virtuoso?

      “— Bem-aventurados os limpos de coração, porque verão a Deus.” Mateus 5.8

      Acima, um versículo simples, com poucas palavras, mas que diz muito sobre a relação entre moral e espiritual. Limpos morais veem o espiritual mais alto. Dentro da série doença ou espiritualidade, pensei sobre inteligências nas duas reflexões anteriores, nesta e na próxima, o ponto principal foi diferenciar inteligência espiritual da moral. Nisso, entendimento equivocado que leva a ver muitos como inteligentes espirituais, pode ser só uso de referências antigas de operação do plano espiritual e conexão desse com o plano material, tanto no cristianismo, quanto em magia e ocultismo. A tempo, diabo pode ser, ainda que nem sempre, só nome que damos àquilo que desconhecemos, tememos ou que foge ao nosso controle. 
      Interessante que as práticas espirituais que manifestam efeitos mais visíveis e comprováveis pela ciência, sejam justamente as que se conectam com espíritos mais inferiores, ou demônios, conforme se queira chamar. Há uma lei em magia e espiritualidade, e novamente vou além da teologia protestante, esteja à vontade para crer ou não, evolução espiritual se faz da matéria para o espírito, do mundo para o céu. Não existe poder da mente, o que pode haver é conexão de seres encarnados com o plano espiritual. Se for com espíritos altos, de luz, que o cristianismo chama de Espírito Santo, Jesus, Deus, o retorno será orientação moral do nível das palavras de Jesus, além de receber diretamente de Deus proteção contra todo o mal. 
      Deus não tem como prioridade movimentar objetos, flutuar pessoas, materializar coisas, muito menos prejudicar quem quer que seja, isso é matéria demais, inútil para conduzir o ser à prática de virtudes morais para a vida eterna. Entretanto, se o contato for com outros espíritos, aí pode haver troca de favores. Demônios se fortalecem com devoção que outros lhes dão, fé e adoração alimentam, nessa capacitação eles geram energias que produzem efeitos mágicos. Quando assistimos filmes como da série Harry Potter, que parecem tão meigos, com crianças tão puras, e vemos poderosas manifestações mágicas no mundo físico, não contam para nós que para isso ser possível é preciso uma troca suja e violenta com espíritos malignos. 
      Há inteligência espiritual, mas não há inteligência moral em manifestações mágicas, salvo excessões. A manifestação espiritual mais poderosa é a do Espírito Santo purificando o espírito humano. Quem busca essa espiritualidade tem inteligência moral, antes mesmo de ter a espiritual. Se não buscarmos religião para sermos moralmente melhores, poderemos até experimentar espiritualidade, e nesse caso religiões não cristãs são mais eficazes, contudo, não exerceremos inteligência moral. Se há uma ênfase na palavra do Jesus real, que ficou e mudou o mundo, é inteligência moral, que limpa o coração e permite a mais elevada espiritualidade, ver a Deus. Podemos ter experiências mais maravilhosas que os magos sendo morais.
      Afroespiritismo está em moda, e repito, não faço aqui qualquer juízo de valor. Penso que é justa essa relevância, mais uma dívida paga a um povo que tanto sofreu com escravidão. Contudo, há um lado ruim nessa agenda justa, não podemos tecer qualquer crítica a ela que seremos taxados de censores. Cada ser tem direito de ter a religião que quer, ou de não ter. Não é porque não é cristã que é demoníaca, aliás, há gente má e boa em todas as religiões e mesmo entre ateus. Por outro lado, magia seduz, principalmente vestida de cultura que nos representa, que não faz as exigências de costumes e moralidade que fazem os cristianismos. O que queremos ser, mágicos ou virtuosos? Frutos evidenciam o que é melhor, inteligentes escolhem certo. 

78. Iluminação

      “Pois em ti está a fonte da vida; na tua luz, vemos a luz.” Salmos 36.9

      Tenho experimentado uma iluminação gradativa, a passagem de um degrau para o outro às vezes leva anos. Entenda iluminação como um entendimento claro de tudo, de si, dos outros, de Deus, do mundo, dos espíritos, da vida e da morte. Algo é incontestável nessa experiência, à medida que cresço em conhecimento espiritual, aperfeiçoo-me na prática de virtudes morais e vice-versa. Não sou melhor que ninguém, mas não abro mão de um critério de avaliação para saber se minha experiência é com a luz, é fantasia mental ou é engano das trevas, bons frutos que permanecem. Se pareço repetitivo, perdoe-me, mas isso precisa ser dito e dito de novo. Tenho sido esclarecido à medida que me aproximo da luz de Deus.
      Minhas primeiras mudanças significativas de vida, que me trouxeram cura e libertação de doenças e vícios mais aparentes, começaram com escolhas práticas de realidade, principalmente nas áreas profissional e afetiva. Tive que ter coragem de escolher e pagar os preços, principalmente o preço de jornada solitária, e ainda que frequentando igreja, sem exigir que cristãos entendessem minhas escolhas. Mas quando isso estava acertado, outras mudanças, curas de feridas antigas e mais escondidas, vieram através de oração e vigilância moral. Orar para mim é como o ar que respiro,  não vivo sem. Como é bom aprender a orar, ficar à vontade na presença de Deus, com olhos e ouvidos espirituais bem abertos, e boca bem fechada. 
      Quer ver a glória de Deus, o que há na luz mais alta? Primeiro consagre-se, sem segundas intenções, não para estar apto para conhecer mistérios espirituais, só tenha na consagração um fim em si mesmo. Depois consagre-se ainda mais, quando você esquecer-se que só os limpos de coração verão a Deus, mas estiver limpo, poderá ver. Então, comece a orar depois que acabar de orar, sim, só conseguimos manter olhos e ouvidos espirituais abertos, quando conseguimos fechar a boca. Isso só ocorre com toda ansiedade largada, com culpas esquecidas, com mágoa e medo evaporados pela unção do Santo Espírito. Permaneça calado, mas em espírito, sentirá que mente e coração transbordam de louvor ainda que estejam quietos. 
      O caminho foi dado, o que vier depois é fé, tempo e bons frutos que permanecem. O que você poderá ouvir e ver não será imaginação, criação mental, mas algo que gravadores e câmeras não podem captar, ainda que seja claro. Quando é experiência espiritual, repito, não criação mental, dias depois ainda sentirá o que sentiu durante a experiência, e mais, anos depois. Mas não será só um bom sentimento, será uma força, como nunca sentiu, para querer e ser virtuoso, não mágico. Quantos vídeos vejo no Youtube de gente dizendo que fez viagem astral, que viu e ouviu espíritos, que recebeu profecias sobre fim dos tempos. Quem de fato tem experiência espiritual elevada, cala, com muito temor e respeito, e muda para sempre. 
      É espiritualmente inteligente aquele que se limpa para agradar a Deus, que vê a Deus porque agradou-lhe, então, fortalece-se para ser mais limpo, e com efeito pode ver Deus ainda mais. Propósito firme, boa intenção, esforço prático, eis o trabalho. O ser humano só será plenamente inteligente, aceitando mesmo a ciência de ateus como verdade de Deus, entendendo mesmo cristianismos de homens como enganos do mundo, na luz do Altíssimo. Ver a Deus são termos genéricos para experiência que abre-se à medida que a experimentamos ano após ano. Não é coisa de leitura de alguns livros, de assistir alguns vídeos, de alguma experiência emocional diferenciada, leva tempo, assim, quanto antes começar, melhor, depende de você. 

79. Olhos espirituais

      “Lâmpada para os meus pés é a tua palavra, é luz para os meus caminhos.” Salmos 119.105

      Como somos cegos, lemos ensinos de Jesus, ainda assim não vemos as coisas corretamente. Olhamos com os olhos do mundo, da matéria, não do espírito. O que cristãos chamam de igreja, é só o império romano com batina e terno, centuriões disfarçados de sacerdotes e pastores querendo dominar o planeta. Aceitamos como religião de Deus, que salva, que entrega a verdade, agendas de homens querendo controlar homens. Negar que o ser humano tem uma necessidade intrínseca do espiritual é orgulho, ateus e muitos cientistas tentam, mas não convencem nem a si mesmos. Quem sabe o que se passa na cabeça das pessoas, que elas não contam? Céticos são só orgulhosos com conhecimento chamando crédulos de ignorantes. 
      Por outro lado, por falta de conhecimento, muitos creem naquilo que os poderes desse mundo mandam-lhes que crer. Têm visão equivocada da espiritualidade, projetam no céu o funcionamento do mundo. Se no mundo poderosos impõem-se pela força, o diabo é o mal impondo-se pela força, e Deus, ainda que o bem, também impondo-se pela força. Se se crê que se não obedece-se a Deus, ele condena ao inferno, como não ver Deus, por esse ponto de vista, como ser prepotente? Olhos espirituais fechados, fantasiando o universo como campo de batalha, entre quem nos ensinaram que é o mal sem fim, e alguém que nos convenceram que é o bem, mas que condena ao inferno sem fim. Nós ficamos no meio, escravos de um ou do outro. 
      Hoje, quando vejo tantos títulos de filmes e séries, disponíveis nos canais de streaming, principalmente nos temas de ficção-científica, terror, realidade paralela, me surpreendo, não mais com os efeitos especiais, realistas à perfeição, mas com a imaginação humana. O que antes era literatura, ficando as imagens por conta da mente do leitor, hoje diretores tornam realidade bem à nossa frente, na tela de televisores, computadores, tabletes e celulares. A ferramenta usamos na arte, mas não entendemos que ela nos foi dada para acessarmos o plano espiritual. Nada que artistas criam é fantasia da mente humana, tudo tem origem espiritual, e poderia ser meio para um elevado fim espiritual se as pessoas se conhecessem por inteiras. 
      Não sei se você que lê este texto entende a relevância dele, mas eu o escrevo por necessidade, como mais uma tentativa de convencer aqueles que não podem ser convencidos por textos, ninguém pode. Quem nos convence somos nós, checando teoria com prática. Religiões são estalagens à beira do caminho, tentando nos convencer a parar antes de seguirmos para lucrarem com nossa estadia. Quando acordamos, a vida passou e a lugar algum chegamos. Religiões são sombras, e algumas pior, trevas mesmo, a luz está no alto e só pode ser reconhecida pelos olhos humildes e santos de nossos homens interiores. Religião é coisa deste mundo, ainda que fundada por homens que em algum momento vislumbraram a luz do Altíssimo. 
      O versículo inicial não refere-se à Bíblia, ainda que a Bíblia possa conter palavras de Deus. A palavra de Deus, direta, pessoal, viva, recebemos em oração pela voz do Espírito Santo. É ela que nos faz ver tudo com olhos espirituais. Leia a Bíblia, ainda é o texto sagrado mais lindo da humanidade, aprouve a Deus em seus propósitos misteriosos revelar-se, pelo menos em parte, pela história do povo judeu, isso não negamos. Mas não idolatre a Bíblia, nem se feche nela, ela é começo, não fim. O Espírito Santo é começo, meio e fim. Cristianismos nos cegaram, amarrando nossos olhos a púlpitos e teologias, fechando-os ao Espírito. É tempo de despertar e enxergar. A luz de Deus está acesa, basta nos limparmos e olharmos para ela. 

80. Valor da dor

      “E quem não toma a sua cruz, e não segue após mim, não é digno de mim. Quem achar a sua vida perdê-la-á; e quem perder a sua vida, por amor de mim, acha-la-á.” Mateus 10.38-39

      Jesus foi confrontado por quase três anos, com mentiras, afrontas, perseguições de líderes religiosos judeus. No tempo que foi provado até seu limite havia sofrimento, mas havia escape, havia algum prazer na vida, na companhia de amigos, em andar pela Terra. Contudo, no final, a prova foi além do limite, foram tortura, feridas, derramar de sangue, dor insuportável. Parece desumano? Mas houve propósito nisso. Há sofrimentos que podemos nos livrar, mas há outros que temos que sofrer, humilhação extrema e até o fim. Calma, ninguém é ou precisa ser provado como foi o Cristo, pelo menos não todos, mas Deus poderá nos confrontar com sofrimentos sem saída, em que a única coisa a se fazer é ser humilde e suportar até o fim. 
      Na dor certa há valor que evolui nosso espírito diferenciadamente. Mas não é qualquer dor que tem propósito, precisamos buscar a Deus para sabermos se somos confrontados com sofrimento que devemos fugir. Jesus não se entregou aos inimigos sem resistir, evitou Jerusalém e os fariseus o quanto pode. A dor que tem valor é a aprovada por Deus e suportada em obediência a ele, com humildade, santidade e amor. Mas sofrimento excedido tem recompensa, por ele pagamos dívidas e damos testemunho da luz às trevas. Jesus pagou dívida de muitos, crê o cristianismo, e mostrou ao diabo que o mal se confronta com o bem, ódio com amor, assim legitimou o juízo da eternidade, ensinando que a luz vence com armas da luz. 
      Não querer sofrer ou sofrer do jeito errado pode adoecer mais que sofrer legitimamente. Na negação e no masoquismo há dois sofrimentos, do corpo e do emocional, recebemos dor de enfermidade ou do mundo externo, e também do nosso mundo interno. Muitos nem estão doentes e sofrem, outros sofrem além do necessário com o que não tem solução, e terá que ser administrado com remédios e paciência. Viver é sofrer, quem amadurece um pouco entende isso, percebe que a existência aqui não é só usufruir prazer e descansar. Mas se isso acontece na área física, em nossa sobrevivência material neste mundo, há ainda mais sofrimento na evolução do espírito, na aquisição e manutenção de virtudes morais para a eternidade.
      O motivo que leva muitos a não querer o sofrimento necessário, é não mudar de atitude moral diante de confrontos com as outras pessoas e a realidade. Se temos a tendência de nos irarmos, podemos preferir explodir de vez em quando, que nos dominarmos com humildade. Se sentimos que alguém não gosta de nós e não trata-nos com respeito, preferimos pagar na mesma moeda, ao invés de amar, perdoar e abençoar. Se somos ansiosos e comemos demais, preferimos comer muito, que achar solução médica e devocional para glutonaria. Pecar é mais fácil, sofre-se menos, mas evitar o bom sofrimento, conduz à morte e afasta-nos da vida eterna, constrói inferno dentro de nós, não o céu. A questão não é sofrer, mas sofrer com objetivo. 
      Sofre-se dedicando-se aos estudos, mas passa-se em vestibular de faculdade melhor e merece-se melhor emprego. Sofre-se economizando dinheiro, mas compra-se a vista e não se paga juros. Sofre-se guardando-se sexualmente, mas valoriza-se muito mais a experiência sexual com alguém que vale a pena. Sofre-se calando-se e mantendo-se sereno, mas Deus entrega proteção especial aos que dependem dele e não saem fazendo justiça com as próprias mãos. É preciso sofrer muito do jeito certo neste mundo, mas por isso recebe-se carinho de Deus, companhia de anjos, conhecimento dos mistérios do universo, se é livrado de artimanhas dos maus. Aceitemos humildemente, dor certa é necessária, mas há valor alto e eterno nela. 

81. Solidão de quem não quer ver

      “O servo do homem de Deus levantou-se bem cedo e, ao sair, eis que tropas, cavalos e carros de guerra haviam cercado a cidade. Então o moço disse a Eliseu: — Ai, meu senhor! Que faremos? Ele respondeu: — Não tenha medo, porque são mais os que estão conosco do que os que estão com eles. E Eliseu orou e disse: — Senhor, peço-te que abras os olhos dele para que veja. O Senhor abriu os olhos do moço, e ele viu que o monte estava cheio de cavalos e carros de fogo, ao redor de Eliseu.” II Reis 6.15-17

      Solidão por não se ter parceiro íntimo, para compartilhar afeto e sexo. Solidão por se estar teoricamente casado, mas ainda assim sentir-se só. Solidão, ainda que se esteja bem casado, amado e acompanhado, por sentir-se sozinho diante de certos questionamentos, de certos dilemas, de certas lembranças e ansiedades. Solidão emocional, solidão física, solidão espiritual, solidão por se levantar uma bandeira, entender que ela é relevante, mas não ter companheiros para se compartilhar conhecimentos tão magníficos. Solidão por falta de companhia de semelhantes, mas também de espíritos, mesmo de Deus. Qual a solidão que mais pega para nós? Qual a que mais dói? Para qual damos mais importância? Existir é perceber-se solitário.
      Confesso, sou um ser carente de companhia, ainda que ame a solidão, gosto por saber que é escolha e temporária. Quando minha casa está vazia da alegria imensa que minha esposa e minhas filhas espalham, como perfumes de flores singulares, posso orar a Deus com mais liberdade. Oração é vida para mim, pela sua misericórdia Deus tem atraído-me a orar todas as noites. Mas aí não é solidão, ao contrário, é desfrutar da mais excelente das companhias, o Espírito de Deus. Se não sou cristão, nunca deixarei de ser teísta, a simples imaginação da não existência de um espírito superior em virtudes e próximo a mim, me deixa sem ar. Eu preciso de Deus como o ar que respiro, não vivo sem ele, por isso o nome deste espaço virtual. 
      Dentre as várias tentações que provo, uma é a dúvida se Deus existe ou se é só imaginação de minha mente carente e covarde. Muitos dizem isso de crentes, que não sabem caminhar pelas próprias pernas, que são doentes dependentes de muletas, que temem diabo e inferno, assim, religiões, por isso preferem crer em fantasias. Algo é certo em céticos, são solitários, ainda que tenham companhia de pares, falta-lhes, por escolha interior, o consolo do único que pode nos responder na necessidade interna, inexplicável e eterna de propósito existencial. Falta-lhes o consolo, não a presença, Deus está em todos, mesmo que seja negado na razão e na emoção. Eu escolho crer, estar perto de um Deus de amor e paz que mostra-me sempre a luz. 
      Solidão é olhar e nada ver, não vê quem é cego ou quem fecha os olhos ainda que não seja cego. O mais maravilhoso é invisível, misterioso, não pode ser aprisionado ou medido, ainda que possa ser percebido pelo simples e humilde. Deus não deixa ninguém só, assim, não adoeçamos desse mal, sejamos curado pela presença magnífica de um Deus que é o fogo que queima e não consome. Profeta é sempre solitário, mas sejamos profetas, não malucos, no Espírito do Evangelho, amando, orando, esperando e calando, não julgando, condenando, apressando-se e gritando. Bom é olhar o invisível e achar consolo, abraço, e quando nos achamos sozinhos pode ser o momento em que mais estamos acompanhados, de Deus e de seus anjos. 
      Infelizmente, muitos são infectados por religião e adoecem para fugirem de solidão. Mas se nosso “Deus” tem o tamanho de uma religião ele é ídolo, se só sentimos a companhia espiritual dentro de templos repletos de pessoas, qual o tamanho do “Deus” em que cremos? Podemos frequentar igrejas, podemos ler a Bíblia, mas o que deve liderar nossa comunhão com Deus é uma experiência puramente espiritual, direta com Deus, sem intermediários, sem mentiras, sem doença. O Deus real é livre e o único que pode nos conduzir à liberdade, não para sermos escravos da carne, mas santos. Que maravilhosa companhia temos numa pura experiência com o Deus Espírito, cura nossas vidas, nos faz parte do Altíssimo, não solitários. 

82. Liberdade, beleza e prazer?

      “Porque tudo o que há no mundo — os desejos da carne, os desejos dos olhos e a soberba da vida — não procede do Pai, mas procede do mundo. Ora, o mundo passa, bem como os seus desejos; mas aquele que faz a vontade de Deus permanece para sempre.” I João 2.16-17

      Liberdade, beleza e prazer, objetivos de muitos nos dias atuais. Mas são mais que propósitos, são obsessões, à medida que se deseja isso a qualquer custo. Ninguém quer ter compromisso, não ser belo de acordo com as referências da moda e abrir mão de muitos prazeres. Hedonismo voltou com toda força, desde a revolução de contracultura dos anos 1960. Isso é útil ao universo, que sobrevive no equilíbrio, ou buscando-o, o ser humano foi reprimido demais, escravizado demais, punido demais, na velha ordem do catolicismo cristão. Infelizmente, a tendência intrínseca do homem ao extremismo, leva-o a perder o equilíbrio, sair de um polo e ir para o outro. Viveremos um tempo nesse outro extremo, mas só um tempo. 
      Muitos querem ser livres, o que é liberdade? Poder fazer o que der na teia, dizem. Mas fazer tudo é liberdade ou vício? Só é livre quem exerce escolha, assim seleciona-se entre várias opções e escolhe-se o que se acha melhor. O que é melhor? Muitos dizem, o que eu gosto, o que eu penso que é. Aí pode-se negar moralidade, civilidade, sociedade, sem falar em orientação familiar e religiosa. Mas nem sempre pais e religião estão certos, sabem o que é melhor para o ser. Isso está correto, então, entramos no campo da fé e da espiritualidade. Só Deus sabe o que é melhor para cada ser, não o Deus dos outros, mas aquele experimentado por escolha pessoal. Para isso é preciso coragem para viver jornada espiritual individual. 
      Mas cuidado, ter um “Deus” que só aprova o que gostamos não é relacionar-se com o Deus verdadeiro, mas com um ídolo, e ídolos são sempre criados à semelhança do ser que o adora. Conclusão teológica: liberdade é conhecer e seguir em direção a Deus, assim, evoluindo moralmente, nessa evolução não faremos tudo, mas só o que de fato nos faz bem e constrói em nós a vida eterna. Muitos querem ser belos, mas que beleza, a pessoal ou a dos outros? Muitos não querem ser belos, querem aprovação de grupos, assim serem parecidos com os outros. Isso é eleger os outros como ídolos, se ídolo semelhante a si é ruim, semelhante aos outros é pior. A mídia tem sido o andor de ídolos de beleza física na via sacra da internet. 
      Sem filosofarmos mais sobre esse item, só Deus pode nos fazer belos, ele permite que sejamos livres, nos assumamos e gostemos do que somos, indiferente de como estejamos. A agenda progressiva têm levantado bandeira semelhante, ela é útil ao equilíbrio das coisas, mas quando não há Deus, há alguma espécie de ídolo, de manipulação humana. O último item das obsessões é o prazer, muitos foram privados dele por séculos. Mulheres foram tratadas como objetos, africanos como escravos, homossexuais como doentes e promíscuos. Até algumas gerações, prazer era pecado, hoje os jovens têm mais liberdade, menos culpa e mais prazer. Mas até prazer exigido o tempo todo não é prazer, é doença, exagero sempre adoece. 
      O ser humano precisa do sim, mas também do não, é na administração disso que corpo, mente e espírito mantêm-se saudáveis. Meu testemunho pessoal é que tenho provado prazer superior, durável e profundo em conhecer a Deus espiritualmente e obedecê-lo. Esse prazer tem satisfeito-me de tal forma, que outros prazeres ficam menores e desnecessários. Isso não me tornou alienado e doido, minha relação afetiva com colegas e parentes, e mais íntima com minha esposa, ficaram melhores, livres de mágoas e obsessões. Liberdade, beleza e prazer, mundo não pode dar, religiões não dão, Deus dá. Isso dá trabalho, não entregar-se aos instintos passageiros da carne e deixar-se atrair pela essência espiritual eterna, mas vale a pena. 

83. Definimos o que somos

      “Em qualquer tempo em que eu temer, confiarei em ti. Em Deus louvarei a sua palavra, em Deus pus a minha confiança; não temerei o que me possa fazer a carne.” Salmos 56.3-4

      Somos dominados por insegurança quando nos enganamos sobre quem nos define. Errarmos diante dos outros pode nos levar a crer que a opinião negativa que os outros possam passar a ter de nós, após assistirem nosso erro, é importante, assim, nos sentimos inseguros porque achamos que diminuímos só porque os outros nos viram fracos. Quem nos define somos nós e Deus, mais ninguém. Ainda que erremos e os outros mudem de opinião sobre nós, isso não importa, mesmo porque pode ter sido só um momento. Mas mesmo que os outros nos julguem mal para sempre por um tempo de nossas vidas em que erramos, nós podemos redefinir quem queremos ser e sermos para sempre. Não precisamos impressionar ninguém.
       Mas quem importa impressionarmos, o mundo ou a nós? Nosso desejo de impressionar as pessoas é inversamente proporcional à nossa auto-confiança. Querer impressionar não é sinal de segurança, mas de insegurança, o seguro não faz questão de aparecer. Vivermos de acordo com a melhor vontade de Deus é impressionarmos nossos espíritos com virtudes, com serenidade, com afeto, com benignidade, com bondade, com paciência, com generosidade. Na eternidade estaremos libertados de corpos e mentes físicos, assim muitos limites já terão ficado no pó da terra. Terá liberdade aquilo que impressionamos em nosso espírito por mais tempo, se luz, seremos elevados para a luz de Deus sem dificuldades e depressa.
      Entretanto, quem viveu neste mundo para impressionar os homens, estará impregnado de vaidade, egoísmo, medo, conveniências, pesado terá dificuldades para subir para a luz de Deus, assim poderá passar algum tempo infernado. Eu sofro com um antagonismo pessoal, sinto de Deus que devo me acalmar, me calar, não depender de aprovação humana, ser leve e discreto. Contudo, minha profissão é vaso de altar, ou de palco, sou posto mesmo sem desejar à vista de muitos enquanto trabalho ao piano. Há quem não me conhece e não quer me conhecer, no mundo e em templos, mas que julga-me como quem gosta de se exibir, porém não se pode exercer música escondido, ainda que eu preferisse ser invisível muitas vezes…
      Se céu é espírito livre, inferno é matéria tentando existir em plano espiritual. Isso é possível se for matéria que estiver impressionada no homem interior, não o espiritual. Eis um mistério, em infernos haverá viciados ainda procurando bebidas e drogas, adúlteros ainda desejando a lascívia dos corpos, invejosos ainda odiando aqueles que acham serem melhores que eles. Mas também haverá idólatras procurando ídolos que tando adoraram no mundo, espiritualistas buscando conexão espiritual com espíritos que se intermediavam por eles e os guiavam. Poderá haver católicos procurando padres em catedrais, evangélicos tentando achar pastores em igrejas, assim como haverá outros religiosos buscando seus ícones sagrados. 
      Religião, qualquer uma, não condena, mas necessariamente também não salva, depende de como o ser humano a usa para relacionar-se com Deus e se aperfeiçoar. Também haverá ateus no inferno, tentando se convencer que o nada, em que diziam crer, não deve fazer sofrer, mas que ainda assim se sentirão atormentados, o espírito que negaram no mundo não poderá fugir da luz. Mas também haverá religiosos de todo tipo como supostos céticos subindo ao céu, houve luz suficiente em seus homens interiores para os livrar de infernos. Não nos preocupemos com os limites do corpo, não nos definem, sumirão com a matéria, define-nos o bem moral que por mais tempo perseveramos em impressionar em nossos eternos espíritos. 

84. Seja sal, seja céu

      “— O sal é certamente bom; mas, se o sal se tornar insípido, como lhe restaurar o sabor? Não presta mais nem para a terra nem para o monte de estrume; lançam-no fora. Quem tem ouvidos para ouvir, ouça.
      “O sal é bom, mas se ele perder o sabor, como restaurá-lo? Não serve nem para o solo nem para adubo; é jogado fora. Aquele que tem ouvidos para ouvir, ouça.” (NVI)
Lucas 14.34-35

      “Quem tem ouvidos para ouvir, ouça”, essa sentença geralmente indica algum mistério contido no texto, um entendimento que vai além do óbvio. O que é o inferno, se não lugar para onde vai sal que perde o sabor? Pensamos em inferno como punição para o mau, mas quem sofre mais, quem sempre foi mau ou quem um dia foi bom e tornou-se mau? Ambos sofrem, mas o que um dia conheceu a luz e fugiu para as trevas sabe a diferença, sabe que não existe só trevas, sabe que há algo melhor que ele rejeitou. Inferno é lugar para rebeldes, para quem, por orgulho, preferiu afastar-se do melhor de Deus para sua vida. Não é lugar que Deus põe alguém, mas disposição interior que se mantém insistentemente dentro de ser.
      Em nossa arrogante presunção elegemos ao inferno criminosos, viciados, gente violenta, promíscua, também reservamos lugar para inimigos pessoais, gente que nos despreza, nos magoa, mesmo para quem tem posicionamento político diferente do nosso. Na maior parte das vezes nos enganamos sobre quem irá ao inferno. A verdade é que todos experimentaremos infernos, a pergunta é: por quanto tempo? Pensemos um pouco fora da caixa da teologia protestante, será que alguém está preparado o suficiente para acordarapós a passagem em plena e profunda paz? Indiferente se cremos ou não em inferno infinito e em instantâneo merecimento de céu, sábio é nos prepararmos para não sermos infernos nem por um instante.
      Inferno é fazer o mal e machucar as pessoas. Inferno é sentir culpa pelo mal feito, e ainda assim, tornar a fazer o mal. Inferno é receber perdão pelo mal cometido, mas sentir-se vazio, se achando só um tolo que vive de pecar e pedir perdão. Inferno é o tédio de aceitar a mediocridade de uma vida inútil. Inferno é ver-se caneca furada, que por mais que tenha sede, nunca acha água suficiente na caneca. Inferno é envelhecer e não achar mais satisfação, nem na ilusão, nem nos prazeres temporários do corpo. Inferno é pensar em ser melhor e não conseguir nem querer ser, é perder o propósito, esquecer o sentido, afastar-se do Sol, deitar-se nas trevas, exausto, ainda assim, não conseguir ter um bom sono. Inferno é ter que viver neste mundo. 
      Mas não sejamos injustos com o universo. Céu é ver o esboço da filha pelo ultrassom na barriga da amada. Céu é assistir a estreia da filha no planeta, ouvir seu choro. Céu é sentir o cheiro da eternidade na casa, num bebê que há pouco mais de nove meses era projeto de amor na mente divina. Céu é testemunhar as primeiras palavras, os primeiros passos, a risada gostosa da criança que começa a querer caminhar para o mundo. Céu é acompanhar os primeiros dias escolares, as aulas de natação, de inglês, de dança. Céu é saber que a filha foi aprovada no vestibular e que o trabalho que você e esposa tiveram até então começou a dar frutos. Céu é ter uma companheira que te acompanhou até este momento com amor, sem desistir de você. 
      O que vivermos verdadeiramente por mais tempo é o que ficará em nossas almas. A verdade vencerá sob a luz de Deus. Mantenha o sal saboroso, se ele perder o sabor pode ser recuperado, com humildade e trabalho, sempre. Estamos aqui para recuperar o sal, não desista quando ele perder suas propriedades. Deus não cria infernos, somos nós que os criamos em nós. Que mal cristianismos têm feito, construindo infernos nas mentes humanas, julgando, condenando, afastando, combatendo, desistindo do sal sem sabor. Jesus não é isso, Deus não está nisso, Deus é o que faz teu sal saboroso. Insista em perdoar e ser perdoado, em amar mesmo sem ser amado, em dominar ira e inveja, em ser limpo e agradável. Seja sal, seja céu, esteja salvo. 

85. O que nunca te disseram

      “Continuei olhando, até que foram postos uns tronos, e o Ancião de Dias se assentou. Sua roupa era branca como a neve, e os cabelos da cabeça eram como a lã pura. O seu trono eram chamas de fogo, e as rodas do trono eram fogo ardente. Um rio de fogo manava e saía de diante dele. Milhares de milhares o serviam, e milhões de milhões estavam diante dele. Foi instalada a sessão do tribunal e foram abertos os livros.” Daniel 7.9-10

      Se achar vídeos no Youtube com títulos começando com as frases “o que nunca te disseram sobre”, “a verdade escondida por trás de”, “vai se surpreender se souber que”, não perca tempo vendo, é enganação. Tais vídeos podem até conter informações legítimas, mas a intenção não é das melhores. Verdade espiritual não pode ser usada para vaidade, quem procura novidade porque não aceita o que já está revelado para si, só quer álibi para manter-se rebelde, não achará Deus, só artimanhas malignas. Estudo histórico científico pode revelar muitas coisas que você não sabe sobre a Bíblia, mas esse conhecimento deve aproxima-lo mais do verdadeiro Deus, não afastá-lo. Só tem um caminho para a verdade, humildade, santidade e amor.
      O que nunca te disseram foi aquilo você não está preparado para saber, isso não são espiritualistas sensacionalistas que te dirão, mas Deus, quando você estiver preparado para saber. Mas por outro lado, o que você mais precisa saber, o Espírito de Deus tem dito a você desde sua infância, por meio de seus pais, professores, amigos, mesmo de seus inimigos, em igrejas, pela ciência, pela mídia. O universo muitas vezes grita para nós e não entendemos, ou entendemos e não aceitamos, por não ser o que queremos ouvir. O que não te dizem é que o amor é eterno, o pecado é passagem, não estadia, dor e tristeza são escolhas, só falta de fé e humildade, e que céu fácil e inferno infinito não existem, existe você, aprendendo a ser feliz. 
      A verdade escondida por trás de muitas coisas não é a verdade, verdade não se esconde pois nada teme. A verdade é simples pois a vida é simples, se alguém te enganou, foi você, projetando em ideologias e religiões o que você é por dentro. A verdade escondida é a verdade por trás da verdade. Mesmo a primeira verdade, ainda que não seja mentira, é só uma oportunidade para você pensar se quer mesmo saber a verdade mais alta. O mal complica a verdade, Deus nos proteje dela, ainda que a desejemos com todas as forças, e sintamos, ainda que não saibamos, que só ela pode saciar-nos. A verdade escondida é que não queremos a verdade, preferimos ser elaboradamente enganados por aqueles que deixamos pensar por nós. 
      Vai se surpreender se souber que a verdade sempre esteve na tua mão, ou melhor, na tua mente, e você a procurava nas mentes dos outros. Como um Deus de amor e de luz colocaria o ser humano no planeta Terra, para ser provado e aprovado, privando-o de muitos conhecimentos espirituais que só são apreendidos por fé, não pela ciência, privação que ocorre por segurança, sem ter instalado no próprio ser a chave dos mistérios? Se não entender e aceitar neste mundo, você vai se surpreender na eternidade, quando tiver que aceitar, pois não haverá outra verdade na luz, que de Deus viemos e para Deus precisamos retornar. A maturação espiritual não está no ser só, ainda que só o ser possa se definir, mas em ser parte de Deus. 
      O que nunca te disseram, a verdade escondida, o que vai te surpreender, é que Deus é terrível, não por ser mau, mas por ser santo. Santidade do Altíssimo é fogo consumidor. Deus inicia nosso processo de purificação pondo-nos bem longe de sua mente, se estivéssemos perto seríamos consumidos, não pelo que somos, mas pela posição moral em que estamos, de pecadores egoístas e vaidosos. Longe da mente, que a Bíblia define como trono de Deus, não longe de mãospés coração, providências e amor do Senhor. (Pés e mãos do Senhor são seus servos de luz, eis um mistério). Nesse processo não se pula degrau, e é o que se tenta fazer consumindo sensacionalismo espiritualista, nele deve-se ser paciente para trabalhar e elevar-se. 

86. Guerra, sim, soldado, não

      “Eu, porém, lhes digo: Não resistam ao perverso. Se alguém lhe der um tapa na face direita, ofereça-lhe também a face esquerda. Se alguém quer processar você e tirar-lhe a túnica, deixe que leve também a capa. Se alguém obrigar você a andar uma milha, vá com ele duas.” Mateus 5.39-41

      “Ordem dada, ordem cumprida”, são termos militares, e muitos, principalmente cristãos de direita política, acham nesses termos o modo de operar de Deus. Pode ser modo do diabo, de Deus não é. O mal opera com constrangimento, prepotência, amedrontamento, e com punição em caso de desobediência. Deus não manda, ficando em posição distante e deixando o que obedece sozinho na tarefa. Deus compartilha sua presença, assim quando entendemos que algo é vontade dele e escolhemos fazê-la, Deus vai conosco porque está em nós. Não somos nós que fazemos em nome de Deus, é Deus quem faz em nós. Deus é todo luz, sempre amor, plena paz, nele não há guerra, destruição ou terror. Deus é amigo, não líder militar.
      Muitos batem no peito dizendo: “sou fiel nos cultos, não falto, trabalho na igreja, sigo orientações do meu pastor, assim, obedeço a Deus”. Ninguém tenha dúvida que aquilo que o ser humano faz com boa sinceridade, com esforço, glorificando a Deus, Deus aceita e recompensa. Cristãos não se enganem, os que fazem tudo isso em religiões não protestantes ou evangélicas, seja na católica e mesmo em não cristãs, Deus também aceita e recompensa. Mas será que muitas obediências são retornos a ordens diretas de Deus? Não. Muitos são soldados de homens, amigos de Deus, Deus não faz vassalos, busca amigos. Como há escravizados, soldados oprimidos em igrejas, por aqueles que consideram seus capitães generais
      Muitos cristãos leem a existência neste mundo interpretando o presente de acordo com a sociedade do homem israelita do tempo do antigo testamento, mas ainda que existir aqui seja sobreviver em campo de batalha, o maravilhoso antagonismo que o evangelho de Jesus ensina é que não devemos nos portar como soldados. Estar num campo de batalha sem ser soldado, eis o desafio. Como repetidas vezes dissemos aqui, se há um inimigo, não é o diabo, os descrentes, a ideologia política progressista da esquerda, meu inimigo sou eu, interior, não exterior. Jesus real mostrou isso, enfrentava opositores, soldados violentos da religião conservadora judia de sua época, mas não lutava com eles, não nos termos deles, e assim foi até ser morto.
      Somos desafiados o tempo todo pelo mal a reagirmos, e muitos, não conseguindo praticar a mansidão do Santo Espírito, e querendo manter título de cristão, usam equivocadamente Bíblia como álibi para reação. Desse desvio nascem guerras, Israel contra palestinos, cristãos contra anticristo, direita política contra esquerda, salvos contra perdidos. Nesse desvio, humanidade é conduzida a um final, não do mundo, mas de uma fase, quando falsos cristianismos, não o não cristianismo, terão práticas e ideologias testadas ao limite. Quem perderá não é o ateu, o satanista, esses já perderam, quem perderá é o cristão infantil e beligerante que insiste no “cristianismo” sem amor, sem santidade, sem humildade, assim, sem o Jesus real.
      “Não clamará, não gritará, nem fará ouvir na praça a sua voz, não esmagará a cana quebrada, nem apagará o pavio que fumega”, Isaías 42.2-3b, uma das passagens mais poéticas da Bíblia. Ah, se tantos evangélicos, principalmente aqueles que querem fazer adeptos às suas religiões aos berros, com estupidez, achando que é força humana que convence e cura, se esses lessem e entendessem esse texto, mas olham e não veem. Aquele que é enviado por Deus, seja Isaías, Jesus ou um de nós, não precisa gritar, exibir-se em púlpito, também trata com cuidado quem já está envergonhado pelos próprios erros, que assiste sua chama eterna quase apagar-se. Será que somos amigos do amor de Deus, ou só brutos soldados impondam-se? 

87. Pagamento de dívidas

      “Não paguem a ninguém mal por mal; procurem fazer o bem diante de todos. Se possível, no que depender de vocês, vivam em paz com todas as pessoas.” Romanos 12.17-18

      Para haver avaliação deve haver prática de escolhas, ainda que Deus avalie pelo coração. Injusto pode esconder injustiça, mas Deus só dará verídico final quando injustiça for exteriorizada. Deus nos confronta para que saibamos quem somos, ele já sabe, e sabendo nós, não argumentemos que somos condenados injustamente na avaliação. Contudo, o que mais evidencia injustiça é injusto cometendo injustiça contra justo. Quem faz dívidas será cobrado. Para que tal cobrança seja feita, alguém tem que injustamente sofrer, assim Deus nos usa não só para abençoarmos o justo, mas para evidenciarmos injustiça do injusto. Isso não é sermos injustiçados, é sermos provados para crescermos. Quem sofre como justo paga dívidas. 
      Sermos injustiçados é oportunidade para pagarmos dívidas, que fizemos quando fomos injustos com outros, ou com os mesmos que são injustos conosco hoje. Há propósito na injustiça. Tem uma afirmação que precisa ser feita, mas que pode ser mal entendida: sofremos porque merecemos. Vitimistas usarão isso para seguirem oprimidos e como tais com direito de acusar o opressor, não assumindo opressões que eles também cometem. É preciso ter certa maturidade para aceitar que se sofre porque se merece, não para permanecer-se no sofrimento, mas para se passar por ele e não sofrer mais. Isso é base do evangelho, Jesus ensinou que se alguém bate numa face, ofereça a outra. Isso não é masoquismo. Sofremos do jeito certo? 
      Se não devemos sofrer como vítimas ou por algum estranho prazer masoquista, também não podemos reagir a certos sofrimentos do jeito errado. Fazer isso é jogar fora oportunidade que o justo universo nos dá para pagarmos dívidas a tempo, isso é, neste mundo. A religião cristã tenta achar equilíbrio entre sofrer certo e errado desde sua origem, se equilíbrio é difícil, pior ainda sem o Espírito Santo. Sem o Espírito e de forma conveniente à liderança que quis manipular leigos, optou-se pelo extremo de abnegação e submissão. Isso teve como reação a teologia da libertação católica, um extremo é pai do outro. Extremos, contudo, não pagam dívidas com a justiça. O certo é que a vida aqui é chance que devemos aproveitar sabiamente. 
      Não é que só justos sofram injustiça, injustos também sofrem, mas eles negociam com ela, recebem e devolvem. Justos, não, eles sentem as trevas e sofrem, não querem devolver agressão ao agressor, sabem que representam o pai da luz e querem dar testemunho da luz. Assim, sofrem os justos, por amarem, enquanto são odiados, e pior que ódio é ódio sem motivo, só pela inveja dos que estão em trevas e que veem que os que estão na luz têm virtudes que eles não têm. Mas qual é nosso trabalho neste mundo se não esse, amar inimigos, brilhar nas trevas, opor-se ao agressor violento com humildade e serenidade? Prossigamos, o Senhor de toda justiça é com os justos, na hora certa ele fará justiça, persistamos até o fim. 
      Aquele que mais te afrontou, que mais te injustiçou, que mais te humilhou, que mais te machucou, pode ser justamente quem Deus mais usará para te elevar em espiritualidade, te exaltar diante de outros seres, te consolar e te curar. Isso, contudo, se você suportar afronta, injustiça, humilhação e feridas do jeito certo. O jeito certo é o jeito de Jesus, em silêncio, sem manter ira, vingança, mágoa, na paz que confia que Deus vê e resolve o assunto do melhor jeito. Mas é ainda mais que isso, aquele que te fez mal não só fará bem a você se você for bom, fará bem também a ele, no tempo dos eternos propósitos de Deus nos universos. Por isso é de suma importância abençoarmos quem nos amaldiçoa. O homem mau é sarado com o nosso bem. 

      “Quando você for com o seu adversário ao magistrado, faça o possível para chegar a um acordo com ele enquanto vocês estão a caminho, para não acontecer que ele arraste você ao juiz, o juiz entregue você ao oficial de justiça e o oficial de justiça ponha você na prisão. Digo-lhe que você não sairá dali enquanto não pagar o último centavo.” Lucas 12.58-59

88. Querer o que Deus quer

      “porque Deus é quem efetua em vocês tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade.” Filipenses 2.13

      Tantos querendo tantas coisas e não achando satisfação, ainda que enriqueçam-se, comprem e usufruam tanto. Muitos querem a coisa certa, estão felizes, mas não têm consciência que isso é o melhor de Deus para eles. Isso já é bom, mas melhor é um andar consciente com Deus e de sua vontade. Mas há outros, que creem em Deus, o buscam, mas para que suas necessidades egoístas sejam saciadas. Feliz o que deseja, que tem sede e fome, daquilo que de melhor Deus tem para lhe dar. Isso pode ser algo difícil e demorado de se conquistar, mas quem experimenta isso passa para uma espiritualidade superior. Esse viverá para Deus e Deus viverá nele em plenitude, satisfazendo suas necessidades para que ele seja útil em serviço de amor. 
      Quando queremos o que Deus quer sabemos que se temos vontade, força, iniciativa, devemos fazer, não só porque queremos, mas porque Deus quer em nós. Isso descansa nossa mente, saturamos menos o lado racional para fazer escolhas, fazemos pelo espírito e no Espírito, ficamos satisfeitos, não nos sentimos devedores a ninguém, nem a nós e nem a Deus, vivemos em paz. Não pensar é perigoso, pensar é útil, mas pensar demais enfraquece-nos, por isso melhor é conhecer a vontade de Deus e faze-la. Deus é perfeito, nos fez de modo perfeito para perfeita utilidade. Mas para viver isso é preciso coragem, de não importar-se com os homens e agradar a Deus. Quem a Deus agrada, agrada-se e faz o necessário, nem mais, nem menos.
      O trabalhador recebe o que quer de Deus, mas o amigo de Deus recebe o que Deus quer dar. Muitos passam a vida esforçando-se no mundo, esmerando-se em fé e moralidade para receberem de Deus o que querem e que os outros acham que é o melhor para eles. Deus ama e abençoa todos, assim como respeita nível espiritual de cada um, mesmo daquele que está em patamar inferior, mas acha que chegou ao topo. Mas só quem teve tudo que queria, perdeu tudo e abriu mão disso, aprende a querer o que Deus de fato quer dar-lhe. Deus não quer dar muito porque sabe que o ser humano na verdade não precisa de muito, que matéria é vã, nunca satisfaz. Entendamos a vontade de Deus, enchemo-nos do Espírito, sejamos sensatos.
      Querer o que Deus quer não é querer algo bom para livrar-se do mal, a vontade de Deus, pelo menos em curto prazo, pode ser confrontar-nos com dor, com afronta, com injustiça, com uma questão sem solução e muito desconfortável. Estamos preparados para isso? Não, mas foi o que Jesus provou, a vontade de Deus, e mesmo ele pediu para ser livrado dela orando no Getsêmani (Marcos 14.36). Só o elevado espiritualmente e moralmente forte desejará o que Deus quer sabendo que isso pode jogá-lo num poço de angústia e solidão neste mundo. Mas esse entendeu que a existência aqui é só um momento, uma aula na escola eterna, que o que os homens veem, valorizam e pensam não importa, importa fazer a vontade mais alta do Senhor.
      Somos ensinados em igrejas que obedecer a Deus é ter constância em certos ritos. Assim oramos, lemos a Bíblia, participamos de cultos, tomamos a ceia, louvamos a Deus. Contudo, isso pode ser só o início, não o fim, só um jeito de educarmos nossos corpos, mentes e espíritos, de nos prepararmos para vivenciarmos a segunda bênção, batismo do Espírito Santo e assunção de dons espirituais. Quem quer o que Deus quer anda em oração, tem vigilância moral como estilo de Deus, está conectado a Deus pelo Espírito Santo, o tempo todo. Nessa interação sabe-se a vontade de Deus mesmo sem praticar ritos religiosos, estamos em Deus e ele em nós. Nestes tempos difíceis, Deus busca amigos cúmplices, que querem o que ele quer dar. 

89. Quem é o louco?

      “Eu, porém, vos digo que qualquer que, sem motivo, se encolerizar contra seu irmão, será réu de juízo; e qualquer que disser a seu irmão: Raca, será réu do sinédrio; e qualquer que lhe disser: Louco, será réu do fogo do inferno.” Mateus 5.22

      “Antes ser louco por seu próprio critério, que sábio segundo a opinião dos outros” (livro “Assim falou Zaratustra”, Friedrich Nietzsche). Autoavaliação não é fácil fazer, justa é ainda mais difícil, mas melhor nos avaliarmos para menos e confiarmos em Deus, que confiarmos na avaliação para mais de homens. Arrogantes não veem humildade nos outros, loucos arrogantes consideram-se sãos e veem os outros como loucos, assim seguem reagindo agressivamente à menor ameaça, não pedem perdão, acham-se no direito de agirem dessa forma. Esses têm apoio de muitos, também loucos, pares protegem-se. 
      Qualquer problema mental machuca, sofre-se mais quando se tem noção do problema e não se quer machucar os outros, mas loucos humildes são cuidados por Deus. O termo louco está sendo usado aqui não necessariamente no sentido psiquiátrico, perdoem-me por isso, não gosto de brincar com esse assunto, há gente sofrendo nessa questão. O sentido é mais poético, se é que isso é possível. Honestos sentem-se loucos de vez em quando, ao perceberem dificuldade para lidarem com a realidade e a sociedade, mas humildes e tementes a Deus não usarão isso como desculpa para serem violentos e sem amor. 
      Um sério erro é usar a si mesmo, sua visão de mundo, sua interpretação da sociedade, da política, da religião, de Deus, seus padrões de certo e errado, seus objetivos de vida, como referências do que é melhor. Nesse equívoco, basta alguém ser diferente, de algum jeito, em alguma área, para ser avaliado como pior, errado, mesmo mau ou louco. Mas quem é louco, quem vive a sua vida, ainda que de forma diferente da maioria, mas sem perturbar os outros, ou quem se acha no direito de exigir que todos sejam como ele pensa que é melhor ser, condenando quem não é, só por ter apoio de alguma maioria? Há muitos loucos gritando opiniões em redes sociais, chancelados por muitos como líderes que os representam.
      “O inferno são os outros” (peça teatral “Entre quatro paredes”, Jean-Paul Sartre). Depositar todo o mal, todo o erro, toda a insanidade, assim, toda a culpa, fora de nós, facilita a vida. Uma ênfase do genuíno evangelho do Jesus real: cada ser deve assumir responsabilidade pelos seus erros e não ocupar-se de forma alguma com os erros dos outros. Juiz, só Deus, réu, advogado promotor e testemunha somos nós de nós mesmos. Cada um responderá por si. Se considera teu irmão louco, então, sendo você são, ajude-o em sua loucura. Mas se considera-o são e você sente-se louco, então, ouça teu irmão lúcido. Mas não é cristão julgar o outro como fraco e exigir dele atitude de forte. É o forte que ajuda o fraco. 
      “A história é contada pelos vencedores” (revista Tribune, George Orwell). Na guerra de narrativas, prevalece sobre nós neste mundo, não o que Deus pensa, não o que é justo, não o que é verdadeiro na maior parte do tempo, mas o que dizem aqueles que uma maioria gosta de ouvir. Mas que importa se nossa história aqui for mal contada por vencedores deste mundo? Importa o que pensam de nós e fazem por nós os vencedores que estão na luz mais alta de Deus. Não seja louco que machuca os outros e não sofre, mas não seja louco que acha que nunca machucou alguém e pode condenar os outros. No arrependimento humilde e no trabalho perseverante loucos tornam-se amigos de Deus, e outros, não. 

90. Maluco ou espiritual?

       “Mas a vereda dos justos é como a luz do alvorecer, que vai brilhando mais e mais até ser dia claro. Provérbios 4.18

      Esta série de reflexões é muito pessoal, é sobre perguntas que me faço, é dito que se você se questiona se é ou não louco é porque não é louco. Loucos não se questionam, têm uma ótica do mundo, das pessoas, de si mesmos, de Deus, creem nela e seguem, esses sofrem menos, ainda que façam os outros sofrerem mais. Quem se questiona tem referências, assim confronta o que sente, o que pensa, o que faz, com o que acha que seria melhor sentir, pensar e fazer. Nessa auto-avaliação há sofrimento, há culpa, e ainda que no início não se tenha conhecimento racional das coisas, se sente, e mal. Talvez normalidade seja ser um pouco louco, já que ninguém é totalmente são, mas manter isso sob controle e não sofrer tanto com isso. 
      Contudo, para se manter normal o suficiente para se viver em sociedade, muitos desligam as chaves da subjetividade. Ainda que dentro de religiões, preferem aquelas que estudam textos sagrados de um jeito mais intelectual, vendo a vontade de Deus como listas de regras morais, sem espaço para intuição e dons espirituais. Mas é impossível não ser subjetivo quando em experiência baseada em fé. Fé é imaginação, como arte, fazer arte é gerar universos, seres, acontecimentos, dentro da mente, e depois registrar isso por literatura, música, teatro, dança, cinema, artes plásticas. Arte liberta mente e espírito, artistas sempre são espiritualizados, ainda que sejam ateus, nesse caso só não contemplam Deus em suas fantasias artísticas. 
      Imaginação, mente, fé, espírito, Deus. Temos que gerar na mente, para criar uma vontade, que liga o espírito ao divino. É muita subjetividade junta para que em algum ponto algo funcione erradamente. Pode-se crer de qualquer jeito, para veicular vontade insana, que colocará o espírito em contato com seres enganadores. Podemos errar no objetivo da fé, mas sermos eficientes na convicção. Podemos gerar desejo egoísta, e ainda assim ele realizar-se. Podemos conectar nosso espírito com espíritos das trevas. Todos esses enganos podem adoecer espírito, mente e corpo. Religião fornece ferramentas para o processo, e ainda que seja boa, pode ser usada de maneira má pelo ser, até dando retorno, mas que se mostrará ruim depois. 
      O segredo da sanidade é entender que temos livre arbítrio para escolher inícios, meios e fins, que nossa força de vontade é quem decide o que queremos ter e ser, que ninguém, nem religião, nem diabo, nem Deus, em muitas instâncias, podem pensar, escolher e fazer por nós. Vontade e responsabilidade são nossas. O ser humano adoece quando enfraquece-se, mas enlouquece se acha-se forte demais, eis o antagonismo para aprender a administrar. É preciso fé para fazer escolhas e trabalhar nelas, isso é ser forte. A escolha mais importante é confiar no propósito de Deus e deixar que ele mostre o caminho. Porém é preciso fé para admitir impotência, com fé trabalhar até o limite, então, pela fé esperar que Deus faça a parte que é dele.
      Contudo, repetirei quantas vezes quanto Deus orientar, a maior prova que nossa religiosidade é sadia e está no centro da vontade mais alta de Deus para nós, que não somos malucos, mas amigos do Espírito de Deus, são bons e sustentáveis frutos. Não basta haver frutos, devem ser bons, não basta serem bons, têm que serem mantidos no tempo. Sonhos podem ser bons à primeira vista, paixões podem ser fortes no início, mas serão enganos se não fizerem de nós seres melhores para a vida eterna. Outro aspecto de frutos bons e sustentáveis é que não prejudicam outros amigos de Deus, e ainda que possam confrontar os rebeldes e arrogantes por um tempo, quando se converterem os abençoarão. Ser espiritual é ser luz clara até o fim.

91. Útil a Deus
 
      “Pois o nosso conhecimento é incompleto e a nossa profecia é incompleta. Mas, quando vier o que é completo, então o que é incompleto será aniquilado.” I Coríntios 13.9-10

      Ainda que confrontando Bíblia com história, aceitando muita coisa como mitologia e teologia, portanto, construção humana sem averiguação científica, entendendo que muitos registros não são reais, ainda assim é provável que algumas coisas aconteceram como estão descritas no cânone bíblico. Mas talvez a pergunta que devamos fazer não seja o que é possível, ou provável, mas o que é útil a Deus para abençoar o homem. Talvez, não seja importante sabermos a verdade, mas o que é útil a Deus que saibamos. Deus, como pai de amor, sabe exatamente o que é útil para que cada ser humano, dentro de suas idiossincrasias, precisa e pode saber para que não se perca em si mesmo e nos outros, e se ache, e a tudo o mais, em Deus. 
      Posso dar testemunho pessoal, só soube a verdade quando a mentira não tinha mais relevância para me prejudicar. Eu não soube lendo livros científicos e de outras religiões, ou assistindo vídeos não cristãos, não mudei convencido por homens. Soube em primeiro lugar orando a Deus e praticando virtudes morais, conhecimento intelectual veio depois. Comigo foi assim porque por misericórdia e providência divinas busquei as coisas certas na ordem correta. Sempre fui curioso com relação à espiritualidade e história, mas desejei antes ter cura emocional sobre passado e tantas culpas, ter libertação sobre vícios, ter perdão dos meus pecados, conseguir perdoar em amor quem me maltratou e me largou só. Deus é bom. 
      Leia tudo, assista tudo, ouça tudo, ou ao menos quase tudo, mas passe tudo pelo crivo da oração e de paz e bons frutos que permanecem. Muitos querem saber, mas só para seguirem sem saber, pois só sabem mais do mesmo, do que não confronta suas certezas, ou do que é tão duvidoso que eles guardam na caixinha do fantasioso, que não é real, mas que é prazeroso saber. A mente precisa ser expandida, não mal ocupada, só para saciar dúvidas sem evoluir a alma. É claro que com expansão, responsabilidade aumenta, temos mais espaço para administrar, assim, se não colocarmos em prática moral o que nos expandiu, nos sentiremos mais à vontade para errar, e agora, com menos remorço, eis um mistério terrível. 
      Quem não quer relacionar-se com Deus, não o fará nem com o denominado sobrenatural manifestando-se à sua frente, visível aos olhos físicos. Quem quer crer, crerá em qualquer coisa, mesmo no ídolo mais burro, no espírito mais enganoso, na doutrina mais insana. Para quem crê, ainda que com limitações, mas com boa sinceridade, Deus usará quase que qualquer coisa para protegê-lo e dar-lhe forças para ser alguém melhor. Contudo, quem quer a verdade mais alta, provará a intimidade que Deus revela a amigos próximos, saberá das mentira e não se perderá no ateísmo, conhecerá a verdade e não despencará da arrogância. Estamos num momento, contudo, em que Deus procura, mais que bons alunos, professores humildes. 
      Mas se tantos não estão preparados para serem bons alunos, quanto mais para serem professores humildes, ainda que muitos se achem prontos para ensinar. Deus passou a história da humanidade, não revelando-se como é, mas procurando o que podia usar, nas fantasias humanas, para mostrar-se ao ser humano. Assim ídolos, deuses, espíritos, profetas, salvadores, escritores, intelectuais, cientistas, políticos, reis, todos tiveram utilidade para a amor de Deus. O desafio é achar Deus em meio à tanta humanidade, mas se acha agulha em palheiro mais facilmente com imã. Nosso espírito é atraído naturalmente pelo imã divino, basta nos soltarmos e nos elevarmos até ele. Que religião e ciência não impeçam-nos. 

92. Conclusão em desconstrução

      “Mas não me envergonho, porque sei em quem tenho crido e estou certo de que ele é poderoso para guardar aquilo que me foi confiado até aquele Dia.” II Timóteo 1.12b

      Minha jornada no cristianismo e para Deus, tem sido, acima de tudo, busca e experimentação prática de cura, primeiro em meu emocional, depois em meu corpo. Penso que o bônus dessa cura seja conhecimento espiritual, e quero seguir pensando assim, não vendo respostas a questões espiritualistas como fins em si mesmas, mas só como efeito de quem prova a presença de Deus e nisso acha perdão, paz, cura e luz. Não me restrinjo a questões cristãs ou protestantes, não aceito certas respostas porque são dogmas doutrinários, mas pergunto a Deus e no momento certo, quando estou preparado, ele me responde. Já perguntei a Deus sobre OVNI, vida extraterrestre, detalhes sobre plano espiritual, escatologia, cosmologia, e fui respondido. 
      Não digo, nem direi muito do que sei aqui, ou penso que sei até o momento, não é útil para ninguém, nem para Deus, é útil para mim. Por isso tanto digo que quem sabe não sai postando vídeo na internet, mas cala e guarda para si como tesouro mais precioso. Comecei crendo que conhecia a verdade, hoje meu trabalho espiritual é desconstruir conclusões. Como pode caber Deus num ser? Não pode, por isso o ser tem que se abrir, não se fechar, se esticar, não para caber Deus, mas para fazer seus limites ficarem tão finos que acabem diluindo-se, para então, ser parte de Deus. A gota d’água volta ao oceano, o grão de areia retorna à praia, a chama do espírito junta-se ao pai dos espíritos, assim conhece Deus como é conhecido por ele. 
      Ah, meus queridos, como somos arrogantes, o Deus incriável, ilimitável, inominável, não se conhece numa vida neste planeta. Como evangélicos já ouvimos estudos bíblicos detalhados sobre teologia bíblica, repletos de informações, Bíblia explicando Bíblia, nossa mente ilumina-se com tais estudos. Como pentecostais já ouvimos profecias ou palavras proféticas que nos esquadrinham por dentro, falam de nós e para nós, através de pregadores desconhecidos, como se nos conhecem intimamente. Mas como amantes de música, já assistimos shows, de músicos cristãos e seculares, que nos tocam profundamente. O carisma que o músico compartilha encanta uma multidão, ficamos dominados e marcados por sua unção
      Citei exemplos de situações diferentes que podem impressionar-nos quase que metafisicamente. Mas será que há Deus na profecia e não há no estudo teológico? Será que há Deus na adoração e não há no show de rock? Ou será que é só nossa mente impressionada conforme quer ser, nossos olhos vendo o que conseguem ver, nossa alma crendo no que pode crer? Até onde é mente humana e onde o espírito inicia-se, superior e onipotente, ou menor e quase humano, fazendo-nos ver, ouvir, sentir, saber? Conhecimento tem seu preço, é caminho sem volta, e ainda que não queiramos saber, a humanidade já sabe, a ciência ensinou. Ou aceitamos a cura ou permanecemos doentes, ainda que achando-nos curados, a escolha é nossa.   
      Tenho escolhido a cura, nela tenho sido libertado de vícios, tenho vencido ira e vitimismo, tenho achado pessoas do bem, tenho construído uma família do bem e recebido sustento material digno. O que comprova a qualidade de minhas escolhas são os bons frutos que permanecem no tempo. Mas não tenho tido medo de confrontar hipocrisia, não tenho tido medo de não seguir gente estúpida e orgulhosa, ainda que se diga cristã, não tenho tido medo de opor-me a falsos líderes cristãos que priorizam dinheiro e manipulação das pessoas. Tenho tido a coragem de estar só e de receber a verdade sobre mim mesmo com resignação, não para sofrer só, mas para vencer por minhas escolhas. Deus segue meu amigo, isso é para sempre.