sábado, abril 30, 2022

Quem você será na eternidade? (livro original)

      Quem seremos na eternidade? Que qualidade moral teremos? Seremos perfeitos? Ou estaremos em lugares extremos, céu e inferno? Que graus deles nós mereceremos? Por quanto tempo? Serão únicos e definitivos para todos? São lugares externos ou disposições internas? Haverá possibilidade de arrependimento na eternidade? As penas são eternas ou só enquanto forem escolhidas para serem assim? Penas eternas e amor divino são mutuamente exclusivos? Um livro original em noventa partes sobre a eternidade, o inferno e o céu, reavaliando a doutrina das penas eternas da tradição cristã e confrontando-a com o amor de Deus. 

01. Eternidade dentro de nós
02. Nosso homem interior 
03. O amor de Deus e o inferno 
04. Crianças ou adultos?
05. Infernos interiores 
06. Verdades sobre o inferno 
07. O cristianismo e o tempo 
08. Deus e deuses para Israel 
09. Jesus veio no tempo certo
10. Definidos no tempo 
11. Gafanhoto ou helicóptero? 
12. Portais da mente 
13. Fé 
14. Livre arbítrio 
15. “Porque Deus quis”
16. Dogma, superstição, medo e desconhecido 
17. Serviço sujo do Diabo? 
18. Imaginação humana 
19. Princípios eternos 
20. Livre-se do pesado lixo 
21. Óculos ou antolhos? 
22. Lei do Cristo
23. Amar protege do mal
24. Até onde fomos por amor? 
25. Amar santifica
26. Quem está em Deus tem tudo 
27. Sorriso de Deus  
28. Firme onde chegou 
29. Por amor ou pela dor? 
30. Sofrimento ganha o céu?
31. Sinceridade ganha o céu?
32. Onde está tua paz?
33. E alguns, quem serão na eternidade? 
34. Carisma, política e pecado 
35. Pastor, quem você será na eternidade?
36. Que pessoas vos convêm ser?  
37. Até que ponto seremos provados? 
38. Expiação ou missão? 
39. Que legado deixaremos? 
40. Que morte merecemos? 
41. Não negue o convite para a festa
42. Sete anjos e Sete igrejas
43. Árvore da vida
44. Dano da segunda morte 
45. Maná escondido e Pedra branca
46. Poder sobre as nações 
47. Vestes brancas e Livro da vida
48. Coluna do templo e Nova Jerusalém 
49. Co-herdeiros no trono 
50. O que você quer como vencedor?
51. Pão da Vida
52. Dons do Espírito: céu no mundo
53. Espera e vigia em Espírito 
54. Vocação e Herança
55. Liberte-se de fórmulas 
56. Para ser íntimo de Deus
57. Justiça, amor, intenção e obras
58. Andemos por fé, não por vista
59. A eternidade revelará
60. Uma chance de restauração 
61. Poder da fraqueza
62. Qualidade da dor
63. Escolhas terminais
64. O transporte do amor 
65. A luz da aurora 
66. Tenha paciência 
67. Juiz e Senhor, só Deus 
68. Nossos filhos na eternidade 
69. Mais que número numa lista  
70. Humanidade tóxica 
71. Parábola das águas 
72. Uma caneca furada
73. Nós seremos água 
74. Parábola das mochilas 
75. Siga leve, Deus está perto 
76. Viva mais com menos 
77. Parábola das casas 
78. Parábola dos vasos 
79. Parábola das lâmpadas 
80. Saia para o Sol
81. De olhos bem abertos 
82. Iluminado
83. Quando voltaremos ao normal?
84. Deus é justo!
85. Justiça é eterna, misericórdia, não 
86. Quem será Deus na eternidade? 
87. Deus é uma experiência pessoal 
88. Um “Deus” que nunca existiu?
89. Só para te fazer pensar 
90. Onde tua religião te levou?

José Osório de Souza, março de 2021
     
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1. Eternidade dentro de nós

      “Então os justos resplandecerão como o sol, no reino de seu Pai. Quem tem ouvidos para ouvir, ouça. Também o reino dos céus é semelhante a um tesouro escondido num campo, que um homem achou e escondeu; e, pelo gozo dele, vai, vende tudo quanto tem, e compra aquele campo.” 
Mateus 13.43-44

      Quem você será na eternidade? Veja que a pergunta não foi, “onde você passará a eternidade”, uma pergunta bem comum em folhetos de evangelismo, mas quem você será. Isso foca, não num lugar externo, mas numa condição interior, só isso já faz uma reavaliação na doutrina sobre penas eternas da tradição cristã. A resposta a essa pergunta está fundamentada em dois mistérios, que precisam ser entendidos para que ela não seja baseada só sobre os entendimentos tradicionais da doutrina cristã. O primeiro responde “quem você será”. Seremos seres diferentes dos que somos hoje, assim, num piscar de olhos? Paulo diz em I Coríntios 15.51, “eis aqui vos digo um mistério: na verdade, nem todos dormiremos, mas todos seremos transformados”, com certeza uma mudança haverá, mas onde, na forma ou no conteúdo? 
      O senso comum cristão entende que teremos a mesma forma externa em corpos físicos transformados, reconstruídos como foi o corpo de Jesus após a ressurreição. Jesus tinha capacidades que não tinha antes da morte, ele podia aparecer em locais (Lucas 24.36-37), podia parecer “diferente” de modo a nem ser reconhecido pelos que o conheciam antes da morte (Lucas 24.15-16), mas ele também podia ter a mesma aparência física de quando vivo, incluindo ter as marcas que lhe causou a crucificação, e podia até ingerir alimentos materiais (Lucas 24.38-43). O catolicismo construiu doutrinas sobre isso, o protestantismo mudou certas coisas, pero no mucho, religiões espiritualistas veem o corpo de Jesus eterno não como o material original transformado, mas como o espírito liberto e iluminado por sua qualidade moral. 
      Com relação à substância da qual será composto o nosso corpo na eternidade, existe uma interpretação um pouco diferente da cristã tradicional que penso casar mais com as leis naturais. Não será o corpo material que será transformado, já que esse depois da morte é decomposto, como é toda matéria orgânica, cujos átomos se misturam com a terra e outros elementos e participam do círculo eterno de vida e morte de toda a natureza, assim não poderão se juntar e compor de novo um corpo físico para ser transformado e adquirir novas capacidades espirituais eternas. O espírito do homem poderá se reunir por Jesus ao Espírito Santo e poderá ser um ser espiritual de luz (I João 3.2 e Romanos 8.16-18), a diferença das formas dos homens na eternidade será consequência da qualidade moral da essência espiritual que já os habita no mundo. 
      Por que a Bíblia diz que o corpo material de Jesus desapareceu? Não sabemos, aliás, como não fica claro muitos acontecimentos registrados na Bíblia, que por causa disso muitas superstições e misticismos foram construídos e usados principalmente pelo catolicismo. Contudo, o ponto desta reflexão não é sobre a constituição do nosso corpo na eternidade, digamos apenas que será um corpo não preso aos limites de matéria, do espaço e do tempo, será imperecível e livre para existir, ir e vir. O ponto aqui é a nossa qualidade moral na eternidade, sobre isso algo nos é ensinado quando a Bíblia diz que no céu não haverá sofrimento e no inferno esse sofrimento será eterno (Apocalipse 20.15, 21.3-4). O sofrimento não será efeito do nosso corpo queimar, mas da nossa consciência sofrer por pecados não assumidos, nem perdoados. 
      Lembra-se da segunda parte do título desta reflexão, “na eternidade”? Nela está o segundo mistério, mas “onde” está intrinsecamente ligado a “quem”, o primeiro mistério. A eternidade que reconheceremos fora de nós variará de acordo com quem somos dentro de nós, não é o lugar que muda, mas nossos olhos. No plano espiritual, os de espiritualidade superior serão mais belos, na eternidade beleza da forma estará diretamente ligada à qualidade do conteúdo. A aparência de nosso corpo espiritual estará relacionada à qualidade de nossa espiritualidade, à presença de virtudes morais, isso é o que nos fará estarmos numa melhor eternidade, iluminados e não entrevados, perto do amor de Deus, ou como dizem os cristãos, salvos no céu. Não entendeu? Vou explicar, mas já vou adiantando que irei além do senso comum cristão.
      Meus queridos, prestem atenção ao que é dito, analisem com seriedade e cuidado, não leiam só como dogma que conhecem e que tem que ser aceito por ser o que é ensinado em igrejas, sem crítica. A doutrina cristã tradicional divide a humanidade pós-morte em dois grupos (Mateus 25.31-33), um com seres superiores com direito à felicidade eterna, que poderão descansar e adorar a Deus, e outro de inferiores condenados a uma pena de sofrimento sem fim. Nessa doutrina os salvos, ainda que não tenham feito muita coisa, só crido, a exemplo do “bom” ladrão da cruz (Lucas 23.39-43), após a morte serão imediatamente transformados em seres com o mais alto grau de perfeição e de forma definitiva, repetindo, mesmo que no mundo tenham feito muitas coisas erradas, e ainda que tivessem se convertido em seus últimos instantes de vida. 
      Essa visão, que é a base do cristianismo, entrega a Jesus todo o trabalho para que o homem seja aperfeiçoado, e tira do homem uma necessidade mais extrema de esforço para querer e ser alguém melhor. Por outro lado, mesmo aqueles que foram bons cidadãos, bons maridos, bons pais, bons filhos, bons profissionais, que tenham até feito caridade real, ajudado pessoas e causas, mas não tenham crido em Cristo do jeito que o cristianismo protestante e evangélico ensina, poderão ser eternamente condenados a um sofrimento indescritível. Meus queridos, isso é muito, muito sério, muitos crentes podem até dizer, “mas eu não creio assim, penso que Deus salvará mesmo não evangélicos com uma vida correta”, tudo bem, eu acredito, mas saibam que a doutrina que o cristianismo prega não diz isso, ela é extrema, céu ou inferno! 

2. Nosso homem interior

     “Por causa disto me ponho de joelhos perante o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, do qual toda a família nos céus e na terra toma o nome, para que, segundo as riquezas da sua glória, vos conceda que sejais corroborados com poder pelo seu Espírito no homem interior; para que Cristo habite pela fé nos vossos corações; a fim de, estando arraigados e fundados em amor, poderdes perfeitamente compreender, com todos os santos, qual seja a largura, e o comprimento, e a altura, e a profundidade, e conhecer o amor de Cristo, que excede todo o entendimento, para que sejais cheios de toda a plenitude de Deus.” 
Efésios 3.14-19

      Quem você será na eternidade? Saber quem seremos não é tão difícil assim, talvez não seja o ideal de ser humano que aprendemos que temos que ser pelos púlpitos e pregadores, e que nunca conseguimos ser, mas poderá ser o melhor ser humano que conseguimos ser, ainda que interrompidos por momentos quando não somos. Quem já teve pelo menos um encontro real com Deus, e nisso somos confrontados com nossa natureza mais fraca, nisso imploramos por perdão, nisso alcançamos uma humildade real, nisso adoramos a Deus como ser espiritual mais alto, santo e poderoso, e nisso ganhamos uma misericórdia e um amor fáceis pelos outros, quem já experimentou isso viu o caminho melhor e mais rápido para o Senhor. Essa experiência nos marca e depois dela sabemos o melhor que podemos e temos que lutar para sermos. 
      Cristãos chamam essa experiência de conversão ou novo nascimento, o que ocorre nela é o que ensina Paulo no texto inicial, somos corroborados com poder pelo Espírito de Deus em nosso homem interior, Cristo passa a habitar pela fé em nossos corações e assim, arraigados e fundados em amor, podemos perfeitamente compreender a largura, o comprimento, a altura e a profundidade do amor de Cristo. Aproximar-se de Deus é colocar-se em seu amor, ser inundado por ele, é importante entendermos isso pois muitos querem se aproximar de Deus para possuírem poder para serem e terem, terem mais até que serem, e terem no mundo. Só o amor de Deus permite-nos ser nosso melhor moral, isso definirá nossa eternidade, o gérmen desse melhor está no que Paulo chama de homem interior, promessa de céu em todos nós. 
      Como você vê as pessoas? Como inimigas, opositoras, objetos de inveja, devedoras a você de atenção, de honra, de amor? Nossa vida no mundo é luta e dor, se não fosse assim não precisaríamos estar aqui, é isso que nos aprimora, e se precisamos ser aprimorados é porque não estamos prontos para a melhor eternidade com Deus. A eternidade, assim como o mundo material, tudo em fim, pertence a Deus, nesse universo ele atrai as pessoas para o seu amor, estejam elas onde e quando estiverem. Qual é a pior eternidade? É aquela em que as pessoas estão mais distantes do amor de Deus, não porque ele se afaste delas, mas porque as pessoas se afastam dele. No mundo ocorre o mesmo, Deus só entrega bênçãos do seu amor àqueles que querem, que escolhem estar próximos a ele. Os outros sofrem sozinhos por opção. 
      Quem tem uma experiência no amor de Deus vê as pessoas pelo olhar do amor de Deus, ainda que erre, que se enfraqueça, bastará uma oração para ser iluminado e enxerguar a si e aos outros pelos olhos de Deus. Na eternidade poderemos ser assim em todo o tempo, por isso Paulo enfatiza tanto a importância do amor (I Coríntios 13.13). Queridos, amor é mais que um sentimento, que aqui no mundo nos acostumamos a aliar com relação afetiva e sexo, é muito mais que isso. Deus ama o tempo todo, se ele deixasse de fazer isso por um segundo que fosse, o universo estaria em trevas terríveis e absolutas, haveria caos total. É o amor de Deus que mantém vivos, tanto seres humanos encarnados, como todos os espíritos e outros seres no plano espiritual. O amor de Deus é que move o universo para sua posição mais alta de luz e virtudes morais. 
      É difícil aceitar alguém que se diz cristão e membro de igreja e que não consegue amar as pessoas com o coração de Deus. Mesmo com as limitações afetivas que todos temos, na luta diária por sobrevivência, aceitar que um cristão não ache ao menos um instante do dia para ter um momento sincero e profundo de oração quando possa abençoar os outros em amor. Se temos o Santo Espírito em nós podemos receber e oferecer o amor de Deus, podemos dar liberdade ao nosso ser espiritual para ver o ser espiritual, que Paulo chama no texto acima de homem interior, dos outros. Sim, porque assim como nós temos dentro de nós, muitas vezes encapado por camadas e camadas de proteção que a dura realidade nos impôs, alguém puro, sincero, benigno, humilde, os outros também têm. Amar é poder ver o homem interior dos outros e sorrir. 
      Você consegue enxergar o homem interior dos outros, ou só enxerga capas e maquiagens? Quem não se conhece não pode conhecer os outros, só nos conhecemos quando conhecemos o Senhor, conhecer a Deus é experimentar o seu amor, esse nos transforma de dentro para fora. Como eu e você, muitos que aparentam “casca grossa”, certa estupidez, ou distanciamento, mesmo frieza, ou por outro lado emoções descontroladas, choram demais, riem demais, têm dentro deles um ser espiritual diferente desejoso de se manifestar. Viver neste mundo é uma oportunidade para que esse homem interior se manifeste. Alguns conseguem isso em menos tempo, muitos têm que ser humilhados para darem liberdade a esse ser, mas infelizmente, outros vivem e vivem e nunca deixam seu ser espiritual, sua verdade mais profunda, livre. 

3. O amor de Deus e o inferno

      “Porque estou certo de que, nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as potestades, nem o presente, nem o porvir, mem a altura, nem a profundidade, nem alguma outra criatura nos poderá separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus nosso Senhor.” 
Romanos 8.38-39

      Quem você será na eternidade? Vou fazer uma conjectura, que pode não bater com a doutrina cristã tradicional, assim peço que a princípio você a considere assim, como uma possibilidade, uma pergunta para você tentar responder. Será que imediatamente após morrerem no corpo, aqueles que têm a convicção que são novos nascidos por Cristo, se acharão como novos seres, com corpos diferentes, sem os limites de matéria, tempo e espaço, será que serão seu melhor homem interior? Será que já estarão livres de culpas, de medos, de dúvidas, de ansiedades, de dores, e gozarão imediatamente de uma disposição “emocional” de paz? A doutrina cristã tradicional, pelo menos a protestante e a evangélica, não a católica que levanta a possibilidade do purgatório, ensina que sim. Se for isso, bom e fácil para todos os que vão para o céu.
      Por outro lado, e não podemos nunca nos esquecer dos dois lados e do caráter implacável da doutrina das penas eternas, essa “transformação” imediata e definitiva é terrível para os que são condenados ao inferno, não haverá jamais oportunidade para arrependimento ou comunhão com o amor de Deus. Assim, o amor dito eterno e geral de Deus, na eternidade só existirá para o salvos, não para os condenados. Você já se perguntou como um Deus perfeito e imutável pode existir num determinado momento cósmico “partido”, com suas virtudes divididas? Como pode ele seguir existindo sabendo que seres que criou e que um dia amou, estão num sofrimento irremediável? E se considerarmos a doutrina da predestinação isso fica ainda mais sério, Deus sabia de antemão que estava criando uns para o céu e outros para o inferno.
      Isso deixa ainda mais estranho o conceito do amor divino, se no céu estarão os que ele ama, no inferno estarão os que ele odeia, conclusão lógica, não existe outra maneira de existir um lugar ou uma posição espiritual como o inferno, que não é criação do diabo já que esse nada cria, sem que admitamos que é consequência de uma disposição divina oposta ao amor. Então, outra pergunta se levanta: Deus pode odiar, ter um sentimento assim tão humano? Bem, se interpretarmos a Bíblia ao pé da letra, de forma atemporal e como palavra direta de Deus, não como registro de interpretações humanas conectadas à cultura e à moral de tempos passados, creremos que Deus não só odeia (Deuteronômio 12.31), como se arrepende (Gênesis 6.7) e se vinga, tanto de seu povo quanto dos inimigos de seu povo (Levíticos 26.25 e Números 31.3). 
      Pode-se argumentar, Deus odeia o pecado, não o pecador, mas isso seria mais um argumento para inferno eterno não existir, pois que diferença há entre a consciência do homem no mundo e na eternidade? Na eternidade não pode haver arrependimento? Depois de uns mil anos de inferno penso que os seres humanos teriam muita chance de se arrependerem, contudo, a doutrina cristã ensina que ainda nessa possibilidade não haverá perdão com direito à melhor eternidade do Senhor, à luz mais alta no amor de Deus (Lucas 12.58-59 abre uma possibilidade da pena ser longa, mas não infinita). Minha intenção aqui não é concluir por você, mas te fazer pensar no que você diz crer, não basta aceitarmos doutrina cristã como dogma, é preciso, como sempre dizemos aqui, reavaliarmos baseados no Espírito Santo e na sensatez. 
      Talvez só exista um jeito de entendermos a verdade maior de Deus, aceitando que a Bíblia é construção de homens, principalmente de religiosos judeus e católicos, e depois entendendo que o termo sem fim, aplicado às penas, não é adequado. Será que inferno não terá fim ou só existirá enquanto o homem não se arrepender? Mas aí levantamos a possibilidade de haver arrependimento na eternidade, isso a Bíblia não ensina, mas se existir, por que a Bíblia não ensinou? Há uma resposta: homens de Deus, não negamos isso, falaram a homens de seus tempos de acordo com entendimentos de Deus de seus tempos, e usando recursos de convencimento para conduzirem a Deus os homens de seus tempos. Homens são homens em qualquer tempo, limitados, nem Jesus homem disse tudo, e como homem respeitou os homens de seu tempo.

4. Crianças ou adultos?

      “Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, discorria como menino, mas, logo que cheguei a ser homem, acabei com as coisas de menino.” 
I Coríntios 13.11

      Você não diz a uma criança que ela deve olhar para os dois lados da rua antes de atravessar, você diz, não atravesse sem dar a mão para o pai, senão você será atropelada. Uma criança ainda não tem inteligência desenvolvida o suficiente para verificar a situação e fazer a melhor escolha, para ela, o medo de algo inflexível ocorrer, é o melhor ensino para livrá-la do pior. É verdade que se ela atravessar sem dar a mão para o pai ela será atropelada? Não de todo, há a possibilidade dela atravessar e, ainda que não olhe, nenhum carro esteja vindo e ela não sofra nada. Ela também pode ser uma criança com inteligência acima da média, que entenda que precisa olhar os dois lados, esperar ou não, e então atravessar, mas aí, ainda que tivesse consciência do que estivesse fazendo e de não sofrer nada com sua ação, ela poderia se vista pelos outros como uma criança desobediente.
      Essa metáfora não indica que a Bíblia minta, mas que é adequada aos homens dos tempos em que ela foi escrita, mesmo nela há ensinos antagônicos, sobre o amor, por exemplo, o antigo testamento nega amor aos inimigos, no evangelho é orientado a todos (Mateus 5.44). Se nós, como indivíduos, crescemos, melhoramos, adquirimos inteligência intelectual, porque isso não ocorreria com a humanidade? Não é óbvio, por tudo que temos visto da ciência, principalmente no século XX, que o homem tem se desenvolvido? E sobre os costumes sociais, sobre o casamento, sobre o papel de homem e de mulher, sobre os preconceitos com raça e sexualidade, não temos visto uma evolução desde o século XIX? Foi justamente para tentar negar, frear e controlar o desenvolvimento científico e social da humanidade, que a Igreja Católica tanto mal fez, tantos queimou nas fogueiras, torturou, enclausurou.
      Meus queridos, os ideais morais e espirituais nunca mudam, equivocam-se os que acham que textos como esse e outros, tanto do “Como o ar que respiro” como de outros autores, estão tentando defender o pecado e o diabo e desviar-se da Bíblia, do cristianismo, de Deus. Por este espaço eu defendo em alto, mas não mal educado som, que creio num Deus santíssimo, todo-poderoso, que enviou Jesus para que sejamos salvos à medida que praticamos seu amor, e crer em Jesus com salvador é só o primeiro passo para uma jornada em direção ao Deus altíssimo, onde está a luz mais clara de virtudes. Amo a Bíblia, é o texto religioso que por mais tempo tem iluminado a humanidade, com sabedorias eternas, na qual estão contidos mesmo mistérios que o homem atual, na média, não pode entender, nem viver. Contudo, existe amor divino num inferno eterno? Pense profundamente nisso, por favor.
      Quem você será na eternidade? Talvez exista a possibilidade de acordarmos na eternidade mentalmente da mesma maneira como saímos do mundo, apesar de com outra forma de corpo, composto de uma substância não material, seja lá qual for ela, semelhante àquela que Jesus tinha depois de ressuscitado, mas com o mesmo conteúdo moral que tínhamos antes da morte do corpo físico, com consciência, identidade e mesmo com limites. A Bíblia diz que depois da morte vem o juízo (Hebreus 9.27-28), não estamos negando isso, a questão é quanto dura a pena promulgada pelo juízo e a relação dessa com o amor divino. Talvez para muitos pode durar uma eternidade, mas talvez todos provaremos algum inferno, ainda que só por algumas horas. O que vai fazer com que isso varie? O aperfeiçoamento moral que fizemos com o nosso homem interior no mundo físico.
      Quem vigiou mais, buscou mais a Deus, se humilhou mais, praticou mais o evangelho verdadeiro, lutou mais contra suas capas e máscaras, não teve medo mesmo de parecer fraco e louco diante de homens, para agradar a Deus e deixá-lo aparecer e não o seu ego, esse poderá ir direto ao céu. Nosso melhor homem interior aparece fácil quando passamos a vida lutando para deixá-lo se manifestar, isso não mudará na eternidade. Contudo, os que viveram, ainda que no coração crendo em Deus, mas mantendo aparência de fortes, para não terem orgulho próprio riscado, para não mostrarem fraqueza, para pousarem-se sempre de vitoriosos e donos da verdade, esses terão certa dificuldade para serem humildes no pós-morte (Filipenses 2.9-11), quando todos teremos que nos curvar diante do Cristo, a manifestação mais plena de Deus no mundo, esses poderão provar “infernos”. 
      Não esperem aqui textos bíblicos que provem um ponto de vista, os que guiam suas vidas com Deus só naquilo que está explicitamente no cânone bíblico nem levem em conta esta reflexão. A crianças convém andarem de mãos dadas com seus pais, não tentarem fazer escolhas próprias, mas só seguirem as escolhas que outros fazem por elas. Isso está errado? De forma alguma, importa sermos coerentes com o que queremos acreditar e agradarmos a Deus nisso. Contudo, se a dúvida daquilo que você creu até hoje te encaminhar para uma vida mais santa, humilde e amorosa com o próximo, se novos questionamentos te fizerem um ser humano melhor, então, ouse. Mas faça isso conversando com Deus, buscando na paz e nos bons frutos autorização para aprender, e saiba, aos que estão preparados muito há para aprender, se o inferno pode não ser infinito, o céu é. 

5. Infernos interiores

      “Portanto, irmãos, procurai fazer cada vez mais firme a vossa vocação e eleição; porque, fazendo isto, nunca jamais tropeçareis. Porque assim vos será amplamente concedida a entrada no reino eterno de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo.” 
II Pedro 1.10-11

      Inferno e céu têm a ver com duas coisas: humildade do homem e amor de Deus. Deus sempre ama, mas o homem nem sempre é humilde. Trevas é ausência de humildade, inferno são as trevas de muitos seres arrogantes reunidos, não é um lugar, mas a reunião de consciências sem luz, que se negam caminhar para o amor de Deus. Não meus queridos, não nos basta viver um evangelho racional, cheio de argumentos, que nos dá abrigo em dogmas e teologias, que nos oferece explicações confortáveis. É preciso um comprometimento moral, que arranca do fundo dos nossos corações uma oração de quebrantamento, que persiste pelos anos, que não desiste mesmo que os homens nos desapontem, mesmo que as religiões sejam hipócritas, mesmo que as tentações da carne e do orgulho sejam avassaladoras. Céu se constrói. 
      A possibilidade de ver um inferno não eterno não nos faz mais frouxos com Deus, ao contrário, leva-nos a assumir mais ainda responsabilidades que são só nossas, de mais ninguém, essa é a ótica de adultos espirituais, não de crianças que só fazem o certo se o castigo for enorme. O mais adulto é fazer o certo ainda que não haja castigo, é deixar de fazer o errado ainda que não exista recompensa. O bem já é uma recompensa em si mesmo para os que veem a existência além do plano físico, mas uma eternidade espiritual. O tempo de sermos crianças que precisam de leis para nos mostrarem o que devemos fazer passou. Se o cristianismo no mundo tivesse entendido de fato o que o Cristo ensinou, o Espírito Santo já teria ensinado sobre isso, mas não entendeu, fechou os ouvidos para o mestre e seguiu infantil. 
      Duas lições importantes tiramos do texto inicial, a primeira é que o que nos protege de tropeços não é fazermos isso ou aquilo, muitas vezes só para termos aprovação de homens e mesmo de igrejas. O que nos protege é obedecermos a vocação e a eleição que Deus nos deu. Se tua vocação for ser um bom evangélico, seja-o, conheço crentes, de denominações variadas, que são seres humanos de qualidade por serem fiéis às doutrinas de suas igrejas, são assíduos nos cultos e abençoam muitos. Eles até podem crer numa eternidade “tradicional”, mas tenho certeza que são humildes e os humildes não serão surpreendidos na eternidade, não para pior, e muito provavelmente para melhor. Contudo, se você sente em Deus uma inclinação para ir além, e repito, se isso for vontade de Deus para você, você só será feliz se obedecer essa chamada. 
      A segunda lição que o texto inicial nos ensina está em “assim vos será amplamente concedida a entrada no reino eterno”, outra versão diz, “assim vocês estarão ricamente providos quando entrarem no Reino eterno” (NVI). Tenho a impressão, interpretando esse texto, que a melhor eternidade não será um céu único para todos, contudo, não é o espaço espiritual que poderá ser diferente, mas será o homem interior dos seres humanos que poderá variar, assim céu e inferno poderão ser, não lugares, mas posições espirituais interiores e individuais. A intenção deste texto não é achar na Bíblia apologia para teorias, não tenho interesse em forçar uma interpretação para provar algo. O propósito aqui é obedecer a voz do vivo Espírito Santo, nosso mestre maior, no qual não reside engano. Do que falo tenho certeza e autorização de Deus para dizer.
      Você com certeza já esteve num local que lhe parecia desconfortável, ainda que estivesse realizando-se lá uma festa, o ambiente parecia ruim porque você não estava bem, era seu interior que estava mal, não o lugar. Imagine um grupo de pessoas parecidas reunidas num mesmo lugar, angustiadas, desesperadas, remoídas em remorsos, sentindo-se sujas com vícios não resolvidos, pesadas com crimes e todo tipo de violência, pecados não perdoados e não esquecidos. Poderíamos chamar esse lugar de inferno, ainda que fosse um lindo jardim, com um vento calmo e fresco soprando, à beira de um lago de águas limpas. Sim, meus queridos, o inferno está dentro de nós, e o levamos para onde quer que formos. Deus não criaria um lugar assim, simplesmente porque não precisa criar, às pessoas bastam suas autoinflingidas penas.
      Não temamos o inferno, mas as coisas ruins não resolvidas acumuladas dentro de nós, não temamos o diabo, mas nos aproximemos do amor de Deus e nos sintamos satisfeitos. Ainda que se expulse os demônios, se a casa não for enchida com o Espírito de Deus o mal volta pior (Lucas 11.24-26), assim o perigo não está no mal, mas na ausência do bem, que deixa espaço livre para o mal. O inferno será eterno? Se você não tem fê para crer que não será, tudo bem, o cristianismo, ainda que limitado, conduz o mundo à Deus com essa doutrina há quase dois mil anos, Deus sabe o que faz. Contudo, creia num Deus de amor, não num Deus vingador, creia num Deus inclusivo, não num Deus que faz acepção de pessoas, creia num Deus maior que os dogmas, que ainda tem muito a revelar, assuma-se criança que pouco sabe e saberá mais. 

6. Verdades sobre o inferno

      “Os ímpios serão lançados no inferno, e todas as nações que se esquecem de Deus.” 
Salmos 9.17

      Será que Deus criou um lugar especial, com um fogo que não para de queimar, para que lá sejam lançados aqueles que morrem sem Cristo? Ou será que os que estão longe de Deus, por estarem em pecado, já possuem dentro deles um sofrimento imenso, causado não por fogos externos, mas por culpa, por orgulho, por egoísmo, ódios e invejas, por desejo de saciar vícios que não podem ser satisfeitos, sendo essa condição de danação interna de fato o inferno real? Será que essa condição é eterna ou permanece só até o homem se arrepender? 
      O conceito do inferno que Jesus usou era o que estava disponível no tempo de sua encarnação, não era um conceito exclusivo da religião judaica ou trazido como novidade pelo evangelho, era um conceito das religiões pagãs, grega, romana e outras. Será que Jesus quiz dizer com aquilo que lemos, em várias passagens do novo testamento, que o inferno era uma região localizada no interior da Terra com um fogo perene para a danação, não dos corpos físicos, mas dos espíritos dos que morrem longe de Deus? Ou será que isso nem importa? 
      A verdade é que para aquele momento, no século I, não importava descrever o inferno como é de fato, com conceitos espirituais, morais e emocionais, importava é que as pessoas soubessem que há efeitos para as causas, e para aqueles que persistem em andar longe de Deus há tormento. Um povo com uma cultura que achava legitimidade divina para dizimar inimigos, incluindo mulheres e crianças, não poderia entender inferno de outro jeito, se não com referências de castigo físico, e não com dores mais subjetivas, morais e emocionais. 
      O ser humano só começou a entender e a aceitar seu mundo psíquico no século XIX, pelos estudos de Sigmund Freud que mapeou a psiquê humana. Conceitos tão popularizados hoje em dia, como depressão, síndrome do pânico, ansiedade aguda, não existiam para pessoas comuns de séculos passados, no máximo tinham noção de dores físicas e de opressões espirituais, essas últimas baseadas em superstições bíblicas. Não se sabia nem da existência de vírus e de bactérias e de suas influências no corpo, se acreditava no que se podia ver a olhos nus. 
      Por isso o inferno ensinado tinha que ser físico e visível, usando conceitos conhecidos como do fogo. Mas o espírito não pode ser consumido em sua matéria porque essa é espiritual, espíritos são eternos, não morrem, não perdem substância nem envelhecem. Por outro lado eles têm consciência e moral, e de uma forma muito mais livre que temos encarnados no mundo, se nossa consciência pesa aqui, pesará muito mais lá. Lá não haverá noites de sono, comida e bebida, relações sexuais e outros prazeres para apaziguarem consciências pesadas. 
      Outra verdade é que o que consideramos barbárie hoje em dia era estilo de vida da civilização do século I e de séculos anteriores. Ainda assim muitos púlpitos, centenas de anos depois, tentam achar coerência entre o Deus de amor do evangelho com o Deus vingador do antigo testamento, isso é insano. Essa é uma causa perdida porque é impossível de ser vencida, e não pode ser vencida porque é baseada numa mentira. Muita coisa que dizem que Deus é e faz na verdade é só a leitura de culturas ultrapassadas sobre o que Deus é e faz. 
      Lembremos que Jesus não escreveu nada, o que lemos de suas palavras foi registrado por outros, também doutrinados e acostumados com o senso comum sobre o inferno de seus tempos. Será que se tivéssemos palavras de próprio punho do Cristo elas seriam diferentes das que temos registradas no novo testamento que nos chegou? O erro, contudo, está em interpretarmos a Bíblia ao pé da letra, nos fiando na tradição religiosa e desprezando o ensino do mestre que sempre está conosco e que foi enviado pelo próprio Cristo, o vivo Espírito Santo. 
      O conceito do inferno como local criado especificamente para castigo eterno não bate com o conceito de um Deus de amor, mas se você quiser continuar aceitando isso sem pensar mais a respeito, a escolha é tua. Contudo, para quem conhece de fato o Senhor e quer viver seu amor, isso não importa, quem quer ser um ser humano melhor o faz porque isso é agradável a Deus, não porque entende de teologia ou conhece o mundo espiritual real. Quem teme a Deus não teme o inferno, seja ele exterior e eterno ou interior e temporário. 

7. O cristianismo e o tempo

      “Ora o Senhor encaminhe os vossos corações no amor de Deus, e na paciência de Cristo.” 
II Tessalonicenses 3.5

      Quem você será na eternidade? A verdade é que pode ser melhor você nem se importar com isso. Seja teu melhor aqui e agora, é isso que você levará à eternidade, nem mais nem menos, o céu construímos no mundo e dentro de nós, o resto é fantasia, é superstição, manipulação de líderes religiosos para controlarem e explorarem os homens. Seremos melhores se bebermos da fonte original do cristianismo, principalmente as palavras diretas do Cristo nos evangelhos. O ensino da Bíblia feito em muitas igrejas sérias e bem intencionadas atuais, ainda que num número menor que há trinta anos atrás, muitas vezes mais confunde que ajuda, principalmente as últimas gerações, avessas à leitura e aprendizagem mais profunda de qualquer coisa, que querem aprender tudo com tutoriais em vídeos curtos, que mal sabem escrever o português. 
      Quem tem cabeça hoje para entender os protocolos da religião israelita do antigo testamento, os detalhes da construção do templo de Salomão, ou as profecias de Daniel e de João? Se aprendessem sobre a vida de Jesus já entenderiam o principal, já poderiam ter homens interiores melhores preparados para a eternidade. Por outro lado, aproveitando-se desse desinteresse por profundidades, é que as heresias se proliferam, simplificando o cristianismo à fé, aos dízimos, a não beber e não fumar, a legalizar o último casamento. Será que isso basta para termos direito ao céu, a melhor eternidade de Deus para os homens? Para muitos até pode bastar, Deus é amor e usa o que está disponível para alcançar os homens, não nos enganemos sobre isso, mas aproxima-se o momento em que será exigido mais da humanidade. 
      Já passamos tempo demais sendo alimentados com leite, logo, se não tivermos alimento sólido, não conseguiremos viver em Deus e muitos poderão negar de vez o cristianismo. Tudo que o cristianismo católico-protestante podia explorar da humanidade, já foi explorado, o que Deus pôde fazer, mesmo através desse cristianismo mutilado, logo não será mais o suficiente, não para salvar uma humanidade com acesso à ciência, que liberta de superstições e que facilita uma existência na Terra sem que os homens façam uso de crenças infantis no sobrenatural. O misticismo não basta mais, nem o da esquerda e nem o da direita, não é só o Deus ensinado pelo cristianismo que está caindo em descrédito, o diabo também está, e enganam-se os cristãos que acham que o mal está se fortalecendo e preparando um final onde possa prevalecer. 
      A noção de tempo do cristianismo sempre foi equivocada, isso não é privilégio de evangélicos atuais. A maioria dos cristãos, como ocorre com outros religiosos, se apaixona por suas crenças, pelo menos a princípio, nessa paixão quer deixar o mundo e se unir a Jesus no céu o quanto antes. Cristãos primitivos achavam que Jesus voltaria ainda no primeiro século, católicos também poderiam ter essa perspectiva principalmente durante crises mundiais como no período da peste negra que dizimou milhões. No século XX teve muito cristão que achou que o mundo acabaria nas guerras mundiais, há relato de seita que subiu a monte esperando a volta de Cristo. Sempre que um avivamento carismático ocorre, movimento que naturalmente infla os corações de paixão, as pessoas creem que o fim e a volta de Jesus são próximos. 
      Assim, cuidado, dizer “Jesus está voltando e temos que nos preparar”, pode não ser discernimento espiritual de gente mais ungida que as outras, mais santa que as outras, mas pode ser só paixão humana. Estar sempre preparado é o entendimento mais sábio, não esperando ou querendo que o mundo acabe, mas vivendo em vigilância todos os dias, mesmo que o Cristo só volte daqui a um bilhão de anos. Esse é um cristianismo maduro, o que se prepara mesmo sabendo que vai demorar muito, não por medo do inferno ou por sentir um final iminente, mas por amor a Deus que trabalha sempre a longuíssimo prazo, esse foi o ensino original de Jesus. Espiritualidade não gera ansiedade, mas serenidade e paciência, e ansiedade por coisas espirituais também pode ser pecado e conduzir a formidáveis enganos, abramos os olhos. 
      Nossa sensação de tempo, que pode importar mais que o tempo de fato, aquele medido pelo relógio e indicado pela rotação e translação da Terra, está bastante relacionada com nossa paz interior, quem tem paz, tem paciência, e quem tem paciência nem se liga ao tempo. Eternidade é existir desprendido de matéria, espaço e tempo, mas penso que tempo tenha uma relevância especial no plano espiritual, porque mesmo com um corpo transformado, não constituído de matéria física, e com liberdade para ir e vir na velocidade do pensamento, se houver no espírito “inferno”, a sensação de tempo será eterna. Já ao espírito que estiver em paz no amor de Deus, isso é, no céu, nem dará conta que tempo existe, quando estamos felizes não sentimos o tempo passar, se é assim no plano físico, muito mais será no plano espiritual. Glória a Deus! 

8. Deus e deuses para Israel

      “Ouve, Israel, o Senhor nosso Deus é o único Senhor.” 
Deuteronômio 6.4

      Numa reflexão sobre eternidade, inferno e céu, pode ser interessante, para entendermos que o que Bíblia diz e as tradições ensinam sobre as coisas do fim podem não ser uma verdade atemporal, mas algo ligado a entendimentos de homens de outros tempos, vermos que também existem entendimentos limitados a um tempo sobre o início de tudo e o começo da relação de Deus com a humanidade. O senso comum cristão diz que Deus escolheu um homem, Abraão, depois um filho, Isaque, depois um neto, Jacó, depois um descendente desse, Davi, e finalmente um descendente desse descendente, Jesus, para manifestar à humanidade sua vontade. Mas essa escolha na verdade começou em Adão, passando por Sete, Noé e então Sem, para assim chegar a Abraão. Seja como for a Bíblia conta a história de uma nação específica. 
      Você já pensou o que achariam os seres humanos que viviam no extremo oriente, no sul da África, nas Américas, na Austrália, se soubessem da promessa que os judeus dizem que Deus fez a Abraão sobre a nação de Israel em Gênesis 22? Pensariam que Deus escolheu um homem, ou um povo, e desprezou os outros, ou você acha que existiam naquele momento só descendentes da família de Noé no planeta? A arqueologia já encontrou restos humanos em várias partes de mundo e não é possível que todos sejam descendentes de Noé. Mesmo que fossem, não poderiam mudar tanto de aparência (compare um árabe com um japonês, com um africano, com nativo peruano, com um aborígene australiano), e viajarem para tão longe do oriente médio, não em pouco tempo, onde a Bíblia diz que foram criados os primeiros homens. 
      Isso nos faz pensar em muitas coisas, não só sobre o fim, como sobre o início, se de fato toda a humanidade foi originada de um único casal do oriente médio. Não seria Gênesis, como todo o antigo testamento, mitos da história, não da humanidade, mas de um único povo, do qual hoje sobrou uma tribo, a dos judeus? Ou você tem alguma explicação de como os filhos de Noé conseguiram se reproduzir e darem origem a povos de todo o globo terrestre. Mas se pegarmos só Sete, com quem ele teve relações sexuais e formou famílias, com suas irmãs, com a descendência de Caim? A Bíblia, do começo ao fim, não pode ser interpretada ao pé da letra, mesmo Jesus foi um messias profetizado para o povo judeu, teve seu ministério entre judeus, ainda que seus ensinos tenham alcançado, a princípio, pelo menos a civilização ocidental. 
      Outra coisa importante para entendermos é o monoteísmo, na prática não existia nos tempos do antigo testamento. Nós evangélicos nos acostumamos a ler e compreender a Bíblia pelo senso comum que temos hoje, já sob a ótica das tradições teológicas, e não é bem assim. A Bíblia tem registros de momentos históricos diferentes, ela não foi toda escrita de uma vez, o antigo testamento sofreu alterações pelo próprio povo hebreu, vários  homens a escreveram. Isso ainda que alguns tenham escrito vários livros, como Moisés que escreveu o Pentateuco (cinco primeiros livros da Bíblia), Salomão que escreveu Provérbios, Eclesiastes, Cântico dos Cânticos (ou Cantares), Sabedoria (só nas Bíblias católicas), e alguns Salmos, Paulo que escreveu várias cartas, e João que escreveu um evangelho, cartas e o livro de Apocalipse. 
      A teologia tradicional é uma fábrica de argumentos para tentar explicar a Bíblia como os teólogos acham que a Bíblia tem que ser, não como realmente é. Mesmo a nação de Israel tinha dificuldades para aceitar seu Deus como único Deus, cria que seu Deus era o mais poderoso e que era uma nação privilegiada por ter sido escolhida por esse Deus, mas não estava certa que só existia esse Deus. Tanto era assim que volta e meia Israel deixava de adorar esse Deus, que identificava como o “Deus de Abraão, de Isaque, de Jacó”, e adorava outros deuses. Mas Israel não devia achar que estava indo para o lado do diabo por isso, mas só para outro deus, essa concepção maniqueísta que temos hoje, que divide poderes espirituais entre bem e mal, de Deus e do diabo, só ficou clara para a humanidade com o cristianismo católico.  
      Não significa que não havia homens com experiências espirituais profundas, que sabiam da existência de um único Deus acima de tudo, e que muitos desses registraram textos bíblicos importantes, mas faziam isso sob relevâncias de seus contextos, o que queriam promover para suas sociedades. Uma sociedade que se mantinha com guerras, dava valor a um Deus que desse vitória em guerras, um homem que separava o mundo entre seu povo e seus inimigos, não podia entender direitos iguais para toda a humanidade. Um povo materialista via a necessidade de qualidades morais para ter favores de Deus, mas favores no plano físico, não no espiritual. Israel não pensava em eternidade espiritual, e mesmo seres espirituais do mal não eram parte importante de sua prática religiosa, Israel via um reino de Deus no mundo, não na eternidade. 
      Mesmo que outras nações não estivessem em guerra com Israel, portanto fora da condição de inimigas, Israel não se via comissionada a evangelizá-las. Israel não se achava em papel missionário, ainda que homens como Daniel e Jonas tenham testemunhado Deus a outras nações. Pela ótica do antigo testamento parece-nos que só Israel conhecia o Deus verdadeiro no mundo, mais ninguém, você nunca achou isso estranho? O objetivo era obedecer a Deus dentro de uma nação com uma religião exclusiva, não havia o conceito de salvação pessoal, israelitas não viam homens de outros povos como semelhantes, eram gentios que não tinham privilégios em sua religião, apesar de haver regras para bom tratamento de estrangeiros. Por causa disso, será que é justo usar a religião de um povo fechado como referência para todo o mundo? 

9. Jesus veio no tempo certo

      “Mas, vindo a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei, para remir os que estavam debaixo da lei, a fim de recebermos a adoção de filhos.” 
Gálatas 4.4-5

      O nível de desenvolvimento do mundo na época de Israel do antigo testamento, nos transportes, na comunicação, nas relações internacionais, não permitia um conhecimento global como temos nos tempos atuais, assim, é injusto exigirmos que Israel pudesse compartilhar com mais abrangência a experiência que tinha com Deus. Israel entendia o mundo do seu ponto de vista, como entendiam hindus, chineses, japoneses e outros. Isso faz parte da fase infantil da humanidade, que como crianças pequenas se veem como centro do mundo, como a tradição judaica-cristã viu o planeta Terra como centro do universo até que a ciência provasse o contrário. O erro, contudo, não está no passado, mas no presente, quando depois de sabermos de tantas coisas ainda continuarmos vendo a existência como viam hebreus de milênios atrás. 
      Se Deus tinha o propósito de evangelizar, digamos assim, o mundo antigo através de Israel, como dizem muitos estudiosos, isso deveria ter sido possível dentro das condições do mundo daquela época, mas isso não foi feito. Deus desprezou o resto do planeta e privilegiou os hebreus? Onde está o amor de Deus por toda a humanidade nisso? Parece que sob esse ponto de vista Deus agiu com parcialidade, se não foi isso, e não foi, já que Deus não faz acepção de pessoas, quem está errado é quem interpreta a religião de Israel no antigo testamento como único meio do ser humano conhecer a Deus. Não negamos a importância e a singularidade de tudo que a religião judaica produziu, principalmente sendo berço do Cristo, mas com certeza enquanto cuidava dos hebreus, Deus também cuidava do resto do mundo, com o mesmo amor. 
      Por que Jesus não veio no lugar de Moisés, no momento histórico que esse veio? Se pensarmos de forma prática, sob o ponto de vista limitado e humano, Jesus deveria ter vindo longo após Adão e Eva terem pecado. A humanidade, contudo, não estava preparada para Jesus, nem no tempo de Moisés e muito menos logo após o homem ser expulso do Éden. Além do mais, Moisés teve uma relevância nacional, elevou um clã familiar, que foi o que entrou originalmente no Egito, à condição de nação com território próprio. Jesus, contudo, não veio para um povo, mas para todos os povos. Isso ensina que Deus revela o conhecimento espiritual de maneira gradativa aos homens, à medida que estão preparados. Se foi assim com Moisés e Jesus, por que não seria com o restante do conhecimento? E há, sim! mais a se aprender. 
      Se para uma pessoa da nação de Israel e da época de Moisés fosse revelado os ensinos do Cristo, essa pessoa chamaria os ensinos evangélicos de apócrifos, não aceitaria que Deus ama mesmo seus inimigos e que quer dar a esses o mesmo destino, tanto no mundo quanto no céu, de paz e prosperidade. Você acha que não? Que um israelita saindo do Egito aceitaria pela fé os ensinos do Cristo? Pense bem a respeito. Nessa lógica podemos entender que existem conhecimentos que hoje são considerados heréticos, mesmo diabólicos, em relação ao evangelho básico, e não me refiro aos ensinos morais, mas àqueles sobre o plano espiritual, que na verdade podem não ser. Pode ser só o cristão atual ainda não preparado para aceitá-los, assim, temos que entender um Deus que se revela aos poucos, ou ficaremos presos ao passado. 
      Mas se mesmo no campo social os cristãos ainda têm dificuldades para aceitarem certas novidades, como no casamento e na sexualidade, que é a prática da realidade de suas vidas diárias, que se diria sobre inferno e céu, que muitos aceitam só porque na verdade nunca pensaram seriamente no assunto, e por terem medo de serem “excomungados”, mesmo de igrejas protestantes, caso pensem diferentemente. Contudo, mesmo a religião da velha aliança se corrompeu, no tempo de Jesus homem era liderada por homens, que se importavam com exibir aparência externa superior diante de homens, para dominarem sobre esses, mas que interiormente eram sujos e distantes de Deus (Mateus 23.27). Como resultado tinham vidas hipócritas, que lhes deixaram cegos para verem a luz mais alta de Deus manifestando-se para salvá-los, Jesus. 
      Alguma semelhança entre os líderes religiosos judeus do século I, os líderes católicos que surgiram a partir do século IV, e muitos líderes evangélicos atuais no Brasil? Toda semelhança, mas é assim que o mundo funciona até o momento. Sempre foi assim e sempre será? Eu penso que não, a humanidade chegará num ponto de sua evolução espiritual onde conseguirá reter com mais fidelidade a palavra original de Deus, e ao invés de dilacerá-la, a renovará e multiplicará, sem que essa perca a pureza. Isso não aconteceu até o momento porque a ganância do homem, que tantas injustiças causam na sociedade, corrompem todos os homens, principalmente aqueles que de alguma maneira detêm poderes. Líderes religiosos não escapam disso, são corrompidos e assim mutilam a palavra genuína de Deus de acordo com suas conveniências.
      Cristãos, precisamos ter uma visão mais divina de tudo, do universo, da Terra, do homem, do plano espiritual, e ainda que muitos pensem o contrário, a divindade que tradições religiosas cristãs defendem não é a divindade do verdadeiro Deus, mas de um deus humanizado e limitado, um ídolo feito de dogmas e crenças, construído por homens. A Terra não é o centro do cosmos, não foi criada em seis dias, o homem não surgiu pronto do pó da terra, e Deus não é uma potência espiritual parcial que a uns defende e salva e a outros destrói e condena. Deus é misteriosamente maior, seu processo de trabalho é sem começo e sem fim, ele usa o tempo em dimensões gigantescas, o ser humano existirá ainda por milhares de anos neste mundo, pelo menos. Quem seremos na eternidade? Seres bem melhores que imaginamos ser, cristãos ou não. 

10. Definidos no tempo
 
      “O temor do Senhor aumenta os dias, mas os perversos terão os anos da vida abreviados.” 
Provérbios 10.27

      Quantas vezes Deus mandou você fazer algo e você não fez? Não me refiro a coisas do cotidiano, as orientações diárias que o Espírito Santo nos dá para agirmos certo, para não sucumbirmos aos apetites desenfreados da carne, ao adultério, à pornografia virtual, para não retermos rancor, ódio, inveja, para não sermos gananciosos nos negócios, para não cobiçarmos aquilo que não é nosso, e mesmo que seja, para não usarmos isso do jeito errado, não é a isso que me refiro. Também não me refiro a diretrizes maiores, sobre casamento, vida profissional, mudança de casa, de cidade, sobre ministérios na igreja, para servirmos pelo evangelho e para o evangelho sem esperarmos retorno financeiro, para colocarmos essas obrigações como premissas por as considerarmos mais espirituais que as outras, ao menos na teoria, porque na prática dificilmente não pomos dinheiro antes do resto.
      Muitas vezes Deus nos mandou parar e naquele momento, nas prioridades que eram importantes para nós, na pessoa que éramos naquele momento, nós não obedecemos, não paramos, porque achamos que aquilo não era ordem de Deus. Consideramos como voz de nosso medo, de nossa covardia, que fossem até vozes de espíritos do mal tentando impedir que fôssemos vitoriosos, que conquistássemos algo que o Senhor estava querendo nos dar. Sim, meus queridos, podemos nos enganar redondamente sobre as coisas. Isso pode acontecer mesmo quando buscamos a Deus de todo o coração para saber sua vontade para nossas vidas, mas sem termos a mesma intensidade de intenção para fazermos essa vontade, querendo saber, mas não querendo fazer. Sendo Deus sempre verdadeiro ele não nos engana, se perguntamos, ele responde, ainda que não queiramos acatar sua resposta. 
      Mas essas desobediências só enxergamos com o tempo, quando projetos que achamos que eram adequados e aprovados pelo Senhor não permanecem de pé em nossas vidas, quando entendemos o que de fato é melhor para nós, e não só para um momento. Obviamente isso está intrinsecamente ligado a auto-conhecimento em Deus, quem se conhece sabe o que pode ter, quando e para quê, só com tempo nos conhecemos, Deus simplesmente aguarda. Com o tempo podemos entender que aquela resposta que demorou para vir, não foi por falta de fé nossa, mas foi um não de Deus que não aceitávamos, que a resposta que achamos que tivemos não era de Deus, mas de nossa teimosia. Por isso até obtivemos algo, mas que nunca funcionou direito, nos trouxe inconvenientes, fez mais mal que bem. Sinceramente, você já teve experiência assim? Todos tivemos.
      Por que essa questão é levantada numa reflexão sobre quem seremos na eternidade? Porque somos aquilo que retemos por mais tempo em nossa essência, é isso que nos define e é isso que apresentaremos a Deus no “juízo”. Interessante que na eternidade o tempo não existe, não como experimentamos no mundo, aqui percebemos o tempo pelo envelhecimento de nosso corpo e pelos movimentos e estações da Terra interagindo com o universo material. Na eternidade não teremos os limites da matéria, mas ainda assim, para alguns, poderão haver limites de espaço e tempo, limites relacionados com suas qualidades morais, com as essências espirituais que construíram no corpo físico, no mundo e no tempo material. Quem sofre fica paralisado num lugar, sente o tempo pesar, enquanto fora de si vê o tempo passar e os outros livres para irem e virem, isso é um tipo de inferno. 
      Eis a chave do mistério da eternidade: administrar bem o tempo no mundo, e isso não significa fazer mais coisas em menos tempo, mas fazer a coisa certa, ainda que leve todo o tempo do mundo. A pressa tenta mudar uma vida que muitas vezes não pode ser mudada, só deve ser aceita, mas na aceitação de certas coisas exteriores como imutáveis, somos nós que mudamos e por dentro. Mas nunca generalize, certas coisas podem e devem ser mudadas, com trabalho e fé. Contudo, precisamos avaliar nossas vidas com lucidez, o que fizemos, o que ficou de pé e onde tudo isso nos levou, fora de nós e dentro de nós, não nos esquecendo que só levaremos à eternidade aquilo que retemos dentro de nós. Não adianta negarmos nossa essência, teimarmos em dizer para nós mesmos que somos isso, conquistamos aquilo, quando não é verdade, quem olha para dentro de si sabe sua verdade.
      Por isso o evangelho diz, “por se multiplicar a iniquidade, o amor de muitos esfriará, mas aquele que perseverar até ao fim será salvo” (Mateus 24.12-13). Só estará em nossa essência como parte de nossa identidade espiritual, aquilo que for retido no mundo, por isso cada instante no plano físico é importante, uma oportunidade de crescimento, tolos os que desejam a morte antes do tempo. Só retemos, só seguramos, transformando velhas essências em novas, perseverando, teimando em fazermos o bem, em sermos melhores, em entendermos, aceitarmos e praticarmos a vontade de Deus para nossas vidas, não as nossas vontades ou as dos homens. Como é nosso homem interior? É vitorioso como nossa aparência externa, ou contém um espírito oprimido, entristecido, desprezado, não pelos outros, nem por Deus, mas por nós mesmos? Atenhamo-nos mais a ele, é ele quem nos define. 
      Na eternidade receberemos conforme nossas obras no mundo, mas não porque elas comprem direitos, mas porque elas nos transformam, assim, não basta fé em alguma crença religiosa, mesmo em Cristo como salvador, é preciso que mostremos obras como frutos de seres arrependidos e mudados. Por isso não nos adianta de nada ganharmos no mundo, mesmo honra de homens. Na eternidade seremos iluminados pela glória de Deus e pela luz de seres superiores, os “anjos”, se houver luz em nós seremos atraídos para o amor do Altíssimo, senão nós mesmos nos afastaremos, de um amor que na verdade já negamos em nossas vidas encarnadas no mundo. Luz atrai luz, trevas se escondem nas trevas, céu vai ao céu, inferno continua no inferno. O que construímos no mundo material dentro de nós é o que definirá quem seremos na eternidade espiritual, sem maiores surpresas, simples assim. 

11. Gafanhoto ou helicóptero?

      “E o parecer dos gafanhotos era semelhante ao de cavalos aparelhados para a guerra; e sobre as suas cabeças havia umas como coroas semelhantes ao ouro; e os seus rostos eram como rostos de homens. E tinham cabelos como cabelos de mulheres, e os seus dentes eram como de leões. E tinham couraças como couraças de ferro; e o ruído das suas asas era como o ruído de carros, quando muitos cavalos correm ao combate. E tinham caudas semelhantes às dos escorpiões, e aguilhões nas suas caudas; e o seu poder era para danificar os homens por cinco meses.” 
Apocalipse 9.7-10

      Na passagem inicial João descreve o que viu numa revelação, prestem atenção aos detalhes que ele dá, será que se tivéssemos a mesma visão hoje, usaríamos os mesmos termos para fazer a descrição? Veja os termos que João usou: gafanhotos, cavalos aparelhados para a guerra, coroas semelhantes ao ouro, rostos de homens, cabelos de mulheres, dentes de leões, couraças de ferro, asas com ruído de carros com cavalos em combate, caudas de escorpiões, aguilhões nas caudas, com poder para danificar os homens por cinco meses. João, pela qualidade de vida espiritual que tinha, recebeu uma profecia bem detalhada, o que o limitou foi sua mente de homem do final do primeiro século.
      Não sei quanto a você, mas à minha mente, lendo Apocalipse 9.7-10, vem a imagem de um veículo aéreo moderno de combate, como um poderoso helicóptero paramentado para a guerra. Um helicóptero se parece com um gafanhoto, a parte frontal arredondada assemelha-se ao rosto de um homem, os cabelos longos de mulheres podem ser as hélices superiores, os dentes de leões podem ser os canhões fixados na parte frontal, o ruído das asas descrito como o som de muitos carros parece o som forte, assustador, múltiplo, das hélices, a cauda de escorpião pode ser a parte traseira fina e alongada do veículo, com agulhões, a hélice traseira. Não podemos desconsiderar espantosa similaridade. 
      O que você vê quando ora a Deus? O que você imagina quando fala com Deus, com o Espírito Santo, com Jesus? O que você enxerga quando pensa no mundo espiritual? Se perguntarmos a um velho católico que imagem lhe vem à mente quando ele pensa em Deus, ele poderá dizer que é a tradicional, descrita em textos bíblicos, de um velho ancião, de barbas e cabelos longos, todo branco. Se fizermos a mesma pergunta a um físico nuclear que busca a Deus ele talvez diga que vê a imagem mental de uma luz, forte e muito clara, como uma energia. Qual dos dois estão corretos? Não importa, não se a intenção for estabelecer contato com o Deus verdadeiro e obedecê-lo.
      Vou usar aqui um termo que talvez seja novo para muitos cristãos, pode não ter embasamentos bíblicos diretos, e apesar de haver linhas espiritualistas que usem conceitos semelhantes, o termo é um entendimento pessoal meu. Nosso contato com o mundo espiritual se faz através de nossa mente, nela são criadas imagens nas quais focamos, e se tivermos a intenção correta, através dessas imagens, podemos acessar o Senhor. Muitos só fecham os olhos e não veem nada, só o escuro, e isso já lhes basta para terem comunhão com Deus, mas se tivermos uma vida devocional mais longa e trabalhada, nossa mente poderá visualizar coisas, ainda que só uma luz no final de um túnel. 
      Essas imagens mentais são construídas com memórias, lembranças que guardamos no decorrer de nossas vidas, recordações de muitas coisas, da tradição religiosa em que fomos criados, da arte que consumimos, filmes, quadros, músicas, de experiências que tivemos e nos impressionaram de alguma forma, ligando, mesmo que inconscientemente, imagens a emoções. Assim a imagem que nos vem à mente quando pensamos em Deus é algo muito pessoal, e não arrogue ninguém o desejo de achar que sua imagem é mais legítima que a imagem do outro. Essas imagens não se referem necessariamente a algo real do mundo espiritual, são só portais, eis o termo que disse que usaria. 
      Onde estaremos na eternidade? Não será nos portais, esses são relativos à visualização mental individual de cada ser humano. A imaginação humana, por mais criativa que seja, não pode construir de fato céu e inferno, por outro lado o mundo espiritual é indescritível para o homem no mundo, ainda que o visse não teria referências para descrevê-lo com as informações e ferramentas que possui vivendo num corpo físico. Pode aliar sofrimento infinito a um fogo que queima e faz doer sem consumir, para que o ser siga sofrendo indefinidamente, ou pode imaginar o céu como um palácio de pedras e metais preciosos, com uma sala de banquete onde só se adora a Deus e se descansa. 
      Muitos imaginam isso porque a eternidade será de fato assim? Não, mas talvez porque no mundo muitos encontrem seu “céu” num culto de domingo à noite, quando podem descansar de uma semana de trabalho e cantarem louvores num templo, muitas vezes mais confortável que suas casas, protegidos do “inferno” do mundo exterior. O ponto é mostrar como imaginação mental tem relevância em nossas existências no mundo, ainda que não represente uma realidade espiritual, tem a função de conectar o ser humano com o mundo espiritual. Por outro lado, impregnada pelo Espírito Santo, a mente busca interpretar informações puramente espirituais com os recursos disponíveis nela. 

12. Portais da mente

      “Porque agora vemos por espelho em enigma, mas então veremos face a face; agora conheço em parte, mas então conhecerei como também sou conhecido.” 
I Coríntios 13.12

      O termo portal, usado nesta reflexão e na anterior, você já deve ter visto em filmes de ficção científica, referindo-se a lugares pelos quais pode-se sair de uma dimensão e entrar em outra, tanto num mesmo mundo, como em mundos diferentes, ou mesmo em universos distintos, com leis físicas diferentes. O mundo espiritual é um outro universo, com leis físicas diferentes das leis do mundo material. Ainda que o portal pareça uma porta, um túnel, um buraco no espaço, é só um ponto qualquer onde focando uma intenção se chega a outro ponto. Neste texto, portal é um ponto de saída e de entrada criado pelo homem, ainda que permitam que ele se mova entre universos criados por Deus. 
      A chave do portal é a fé, se não houver fé, o portão será apenas uma imaginação, se restringirá à mente humana, não fará contato com o outro plano. O formato do portal muda conforme a subjetividade do homem, mas usando uma fé comum, como a ensinada pelo evangelho, chega-se a um objetivo comum, Deus. É por essa razão que não podemos julgar mal fés alheias, ainda que usem portais diferentes dos que nós usamos, se a intenção for boa e a fé sincera, podem alcançar o mesmo destino que nós, obtendo as mesmas respostas que nós. Quem garante a você que um católico, mentalizando a mãe de Jesus, não é atendido por Deus do mesmo jeito que você é quando foca em Cristo? 
      Mas o conceito de portal pode nos auxiliar a entender muitas outras religiosidades e espiritualismos, aliás, portal é uma ferramenta para acessar o plano espiritual tão antiga quanto a humanidade. Angeologia e demonologia classificam seres espirituais de diversas maneiras, dão nomes a eles, especificam funções, personalidades, formas e propósitos, a mitologia greco-romana assim como a hinduísta também usam esses conceitos. Referem-se de fato a seres espirituais reais? Não necessariamente, podem ser só portais criados por imaginações humanas de culturas diferentes, que dão acesso não a indivíduos, mas a legiões, principados e potestades. Isso vai muito além do que muitos cristãos sabem.
      Diabo, Satanás, Lúcifer, e mesmo o arcanjo Miguel e o anjo Gabriel, representam um ente, ou uma entidade coletiva? O mesmo ocorre com as divindades do afroespiritismo, Pombagira, Preto-velho, Orixá, Exu, por exemplo, são identificações de grupos, não de indivíduos, e as imagens que se fazem deles, em pinturas e esculturas, seus trajes, cores e adereços, podem ser só imagens mentais estabelecidas por homens antigos e passadas de geração em geração para novos adeptos. O mesmo se dá com lugares, céu, inferno, purgatório, trono de Deus, nova Jerusalém, são imagens mentais baseadas em elementos materiais, não representam a realidade espiritual, ainda que usadas por quem conhece a Deus. 
      Isso ocorre porque referências espirituais não têm equivalentes precisos no plano físico, são dimensões diferentes, o ser humano sente em seu corpo físico emoções e articula em sua mente raciocínios decorrentes de uma experiência espiritual, nossa mente e nossa emoção lê tudo para que possamos interagir com isso com alguma racionalidade. Mas ainda que sejam sensações e racionalizações decorrentes de experiências espirituais reais, não inventadas, não meras imaginações de nossa psiquê, são só correspondências. Correspondências mudam de homem para homem, de acordo com tempo, cultura, religião, vivência pessoal, assim como sujeitam-se à qualidade moral do ser humano. 
      Ainda que um homem tente ser o mais preciso possível ao relatar experiência espiritual, como muitos escritores do cânone bíblico, como Ezequiel, Daniel e João, foram, a descrição dessa experiência sempre, ou pelo menos até o momento no atual nível intelectual e espiritual da humanidade, será só uma correspondência. Essa é a razão de porque não devemos interpretar muitas coisas da Bíblia ao pé da letra! É preciso vê-las como metáforas e entender em que elas foram relevantes para os homens que as registraram, para depois podermos, pelas relevâncias que não mudam para homens tementes a Deus de todos os tempos, aplicar ao nosso contexto. Isso obviamente nos levará a criar novas imagens mentais.
      Há um entendimento que muitos podem ter dificuldades para aceitar, portais mudam com o tempo. Como uma imagem física tão popular do diabo ainda hoje foi criação do catolicismo da idade média, tempo que a humanidade tinha determinado nível espiritual e intelectual, no futuro poderemos descrever fisicamente esse diabo de forma diferente. Veja, o ser espiritual do mal, que se rebela contra Deus e que tenta influenciar os homens no mundo para o mal, continuará existindo, em alguma instância ao menos, mas os homens no mundo poderão usar portais diferentes para focá-lo, seja para repreendê-lo, seja para evocá-lo. Deus e o plano espiritual são imutáveis, o homem no mundo e seus portais não.

13.

      “Porque pela graça sois salvos, por meio da fé, e isto não vem de vós, é dom de Deus.
 Efésios 2.8
      “Ora, a fé é o firme fundamento das coisas que se esperam, e a prova das coisas que se não vêem.
Hebreus 11.1
 
      Dois princípios são verdades espirituais eternas, condições para que o ser humano, no mundo físico, possa ter comunhão com Deus e com o mundo espiritual: fé e livre arbítrio. Na verdade um princípio, a fé, veio como efeito do uso errado do outro, o livre arbítrio, olhando a humanidade sob o ponto de vista da doutrina bíblica tradicional. Antes do primeiro homem mítico, Adão, ter cometido o pecado original, Deus vivia com o ser humano de maneira “visível”, pelo que entendemos em Gênesis, assim não havia necessidade de fé para ter acesso a Deus (ou não havia, ou crer era algo mais natural, mais fácil). Com o pecado veio a queda e com a queda a necessidade do homem viver no mundo, sem a inocência original, para passar por provas e só no plano espiritual ter de novo comunhão plena com Deus. Se foi fácil usar livre arbítrio para separar-se do criador, agora, é mais difícil usá-lo para restabelecer comunhão com Deus. 
      Para Israel foi entregue a velha aliança, uma religião que dava acesso a Deus através de sacrifícios de animais num templo, e da obediência à Lei, os mandamentos morais e outras instruções sobre vida social, política e mesmo de saúde. Mas basicamente a velha aliança dos hebreus é baseada em obras, quem segue a Deus deve mostrar isso praticando protocolos religiosos, foi só em Cristo que uma nova aliança entregou ao ser humano na Terra o princípio de salvação pela fé. O evangelho ensinou que o homem está naturalmente separado de Deus, assim, é necessário uma escolha pela fé em Cristo para que ele se torne filho de Deus, receba o Espírito Santo, e tenha direito ao suporte do Senhor aqui e ao céu lá. Obras para salvação foram substituídas pela fé em Jesus, já que seu sacrifício valeu por todos. Apesar de textos como o de Tiago ensinarem sobre a importância de obras, na prática do cristão tradicional fé tem prioridade sobre tudo. 
      Mas porque Deus, em sua excelsa providência, decidiu que no mundo o homem precisaria de fé para acessar o plano espiritual, ainda que seus órgãos físicos não possam comprovar essa experiência? No mundo material as coisas funcionam de forma perceptível pelos nossos sentidos, por exemplo, se eu quiser comprar um carro, eu pesquiso, acho o veículo que desejo adquirir, informo-me sobre o custo dele e faço a compra. No plano físico eu sei até onde posso chegar e posso conhecer exatamente o que preciso para chegar, contudo, nesse plano tudo o que eu adquirir um dia acabará, ficará velho, desgastará, e mesmo que dure um bom tempo, poderá virar lixo e ser jogado fora, incluindo nossos corpos. O mundo material é dimensional, tem início, meio e fim, ninguém precisa de fé ou subjetividade para percebê-lo, comprovamo-lo com as faculdades de nossos corpos físicos e podemos explicá-lo pela ciência do homem na Terra. 
      Deus não faz propaganda enganosa das coisas concernentes ao mundo espiritual e à eternidade, não o Deus verdadeiro, ainda que religiões e homens possam fazer tentando formatar o intangível. Por isso ele não revela valores espirituais diretamente aos sentidos físicos, visão, audição, tato, ferramentas do plano material. Por um motivo que só Deus sabe, saímos da condição de mortos espirituais para a de vivos, pela fé, vendo na mente, sentindo com o coração e nos movendo pelo Espírito Santo, para termos acesso a algo que a princípio não existe no plano físico. É só depois de crermos que nossos corpos receberão informações espirituais, ainda que limitadamente, para interpretá-las. O que cremos passa a existir, não no universo, nesse Deus já criou tudo, mas para nós, depois que reivindicamos por fé. Fé não cria, mas manifesta aos nossos sentidos, nos coloca na posição onde as coisas existem, coisas criadas anteriormente por Deus. 
      Se coisas materiais, mesmo recebidas pela melhor vontade de Deus, têm fim, dons espirituais de vida eterna acessados pela fé não têm. Ninguém é humilde o suficiente, tem paz o suficiente, é santo o suficiente, é amoroso o suficiente, é generoso o suficiente, quem chega a um patamar de espiritualidade sempre será desafiado a ir em frente, a conquistar mais, a subir. O topo é o homem interior à imagem de Cristo, uma posição elevadíssima, acima de toda potestade e principado, seja neste mundo ou no outro. Coisas espirituais se acessam com ferramentas espirituais e são percebidas com faculdades espirituais que nos preparam para uma existência espiritual em um Deus espiritual. Se vivemos sessenta e poucos anos no mundo, poderemos viver eternamente no plano espiritual, esse plano é muito mais importante, nele nosso verdadeiro homem interior é manifestado, é avaliado por justos juízos e recebe penas e recompensas. 
      Fé não é um delimitador, disposição de gente ignorante e retrógrada, apesar de parecer assim aos que não andam nela ou só começaram a andar, fé é a maneira de conhecermos coisas que de outra forma são impossíveis de serem conhecidas por nós enquanto encarnados. Os que acham que podem explicar tudo pela ciência, porque são orgulhosos demais para admitirem que existem coisas que vão além da matéria e de seus egos, não creem, assim se tornam frios fazendo de suas mentes e de suas conquistas mundanas seus deuses. Pobres esses, ainda que se achem iluminados intelectualmente, não constróem a melhor eternidade dentro deles neste mundo e pela fé, mas também não entendem que pelo livre arbítrio se não se constrói uma coisa, se constrói outra. Esses não terão seus falsos deuses para darem-lhes luz depois da morte do corpo, para o plano espiritual só levarão as trevas espirituais, nas quais eles mesmos escolheram existir. 

14. Livre arbítrio

      “Eis que hoje eu ponho diante de vós a bênção e a maldição” 
Deuteronômio 11.26
 
      Se fé é condição imprescindível para conectar nosso espírito com o mundo espiritual, principalmente com Deus, que é espírito, se isso define, não uma existência neste mundo material, mas a eternidade espiritual, por que as pessoas não creem? Porque não são obrigadas a isso, nem por Deus, esse dá a todos livre arbítrio. Na evolução espiritual tudo é escolha, a subida de cada degrau é feita por escolha, escolher crer. Se é assim não é algo fácil, natural, se fosse não teríamos o trabalho de crer, que como todo trabalho exige de nós esforço, por isso não pense ninguém que crescerá espiritualmente sem se esforçar. Contudo, o trabalho espiritual pode ser oposto ao trabalho físico, enquanto no plano material é preciso entender, tocar, ver, o que nos faz escolhermos coisas mesmo antes de as termos, no plano espiritual o primeiro passo de fé se dá no desconhecido, só confiando num Deus que sabe o que faz e que sempre tem o melhor para nós.
      Um pulo no desconhecido será que podemos dar com plena certeza racional? Não, damos mesmo com certo receio, sem sabermos se cairemos, subiremos ou ficaremos imóveis, contudo, se for dado com fé genuína, entregue pelo mesmo Espírito que nos atrai a dar o pulo, sentiremos uma paz singular de Deus, que ainda que não entendamos o que estamos fazendo, permite-nos uma segurança inexplicável. Fé que nos move no Espírito Santo para Deus instiga em nós desejos poderosos para aprendermos mistérios. Nosso homem interior anseia pelo desconhecido de Deus, e quando não alcança isso do jeito espiritual, busca na carme. É por isso que tantos se desafiam em esportes radiciais ou dão crédito para teorias conspiratórias sobre discos voadores, por exemplo. O homem tem a necessidade de exercer fé no oculto, tanto quanto de alimentar o corpo e de estudar a ciência, somos espírito, corpo e alma, ainda que muitos não aceitem isso. 
      Todos nós podemos fazer escolhas para crescermos espiritualmente, o mais adequado é que sejam escolhas que nos permitam subir um degrau por vez, conhecimento espiritual é gradativo e cada um responderá pelo degrau que ocupa e que escolheu pisar. Ateu, escolha crer num Deus que existe e que abençoa os que o buscam. Cristão, escolha conhecer a Bíblia, estudá-la profundamente, ela é o livro dos livros, sabedoria para todos os momentos de nossa existência. Cristão conhecedor de Bíblia, escolha ter uma experiência com os dons espirituais, vá além do intelecto, sinta a presença maravilhosa do Senhor, beba da água da vida e não caminhe seco, só com conhecimento intelectual. Cristão batizado no Espírito Santo, escolha saber mais, questione o Senhor, não se limite à tradição teológica cristã, mas faça isso como obediência, não por curiosidade, e recebendo amor para poder servir, não a si mesmo, mas ao próximo. 
      Meus queridos, não escolhemos só uma religião, um grupo social para exercermos caridade e ajudar necessitados, um local com pessoas que comungam as mesmas crenças que nós, não escolhemos só salvação, ir ao céu e não ao inferno, não escolhemos só um meio para aliviar remorsos e aplacar medos, não, escolha espiritual vai muito além disso. “Disse-lhe Jesus: Não te hei dito que, se creres, verás a glória de Deus?” (João 11.40). Você já viu a glória de Deus? Você quer ver a glória de Deus? Ou você acha que isso não existe ou que não é necessário? Mas também existem outros, que veem relevância nisso, que buscam isso persistentemente e até acham que já viram, mas será que viram mesmo? Ou foi só um fruto de suas imaginações? Ver a glória de Deus não é sintoma de transtorno psiquiátrico, é escolha, uso de livre arbítrio e fé. Entretanto, aproxima-se um tempo onde todos poderão ver e terão que ver, para seguirem evoluindo. 
      No céu veremos a glória de Deus, de um jeito ou de outro, mas o que ela nos causará, será surpresa? Estranheza? Terror? Êxtase? Paz? Nossa reação estará diretamente relacionada à qualidade moral de nosso homem interior e sua intimidade com o mundo espiritual, e esses valores não são a mesma coisa. Muitos têm qualidade moral, ainda que não tenham intimidade com o mundo espiritual, outros têm intimidade, mas não têm qualidade moral. Só aqueles que escolhem Deus sem reservas, sem preconceitos, livres de amarras religiosas, para amar e obedecer o Altíssimo e servir o próximo, podem ter qualidade moral superior e conhecimento íntimo do plano espiritual. Esses terão uma passagem, a morte no corpo e a entrada na eternidade, tranquila, estarão numa paz plena. O que já ouviam e viam no plano físico só lhes será mais claro, mais definido, provarão a melhor eternidade de Deus com facilidade, estarão no amor de Jesus. 
      Prepare-se já! Escolha isso agora! Como? Orando, tudo começa com conversar com Deus, mas temos que orar com qualidade. Orar é se descobrir à medida que Deus se descobre para nós, experimenta isso quem sabe o que faz, sabe o que fazer quem tem respostas, só tem respostas quem pergunta certo, pergunta-se corretamente com a lucidez que tudo reavalia, que compara teoria e prática e não se acomoda. O que permanece nas trevas das tradições religiosas não adquirirá inteligência para crescer, sei que repito isso bastante, mas é hora de muitos cristãos entenderem isso. Senão materialismo e humanismo seguirão dando xeque-mate num cristianismo, que apesar de grande em quantidade, é pequeno em qualidade, insuficiente para mudar um mundo necessitando de mudanças. A escolha é nossa, crescer ou não espiritualmente, “por isso, deixando os rudimentos da doutrina de Cristo, prossigamos até à perfeição” (Hebreus 6.1).  

15. “Porque Deus quis”
 
      “E o mundo passa, e a sua concupiscência; mas aquele que faz a vontade de Deus permanece para sempre.” 
I João 2.17

      A resposta que muitos dão a questionamentos que contrariam princípios que acham inquestionáveis é infantil: “porque Deus quis”. Assim, muitas das perguntas levantadas no “Como o ar que respiro” são desconsideradas, simplesmente porque muitos pensam que certas coisas Deus quer que sejam de um jeito e não temos que questionar. Por que um Deus ensinado no evangelho como pai de amor condena os que não aceitam seu amor ao inferno? “Porque quer, e se ele quer, quem somos nós para discordar?” Assim pensam muitos, argumentando que Deus faz o que quer e não precisa dar satisfação a ninguém. Não discordamos disso, o que o Senhor faz temos que aceitar, mas será que Deus faz muitas coisas que dizem que ele faz? 
      “Porque Deus quis” não é só displicência com Deus, mas com o ser humano atual, que já atingiu um nível intelectual e moral, pelo menos na teoria, para raciocinar mais profundamente sobre muitas coisas. Uma verdade é preciso ser aceita, fé é algo pessoal, pode fortalecer as pessoas em níveis que muitas vezes não acreditamos. Cada um crê no que quer, no que escolhe crer, ainda que pense crer porque é a verdade maior de Deus, a única verdade, e como tal não pode ser duvidada. Conciliar amor divino com penas eternas é crença de milhares de pessoas através dos séculos, por isso a igreja católica sobrevive forte, por isso evangélicos se multiplicam tanto. Mas será que é vontade de Deus ou a versão dos homens sobre ela? 
      Será que para se provar uma experiência com Deus, com o mundo espiritual, basta isso, acreditar? Cegamente? Sim, o plano espiritual exige escolha e fé, mas escolha racional e fé inteligente, essa é a percepção que podemos ter hoje, no século XXI. Por que este espaço faz tanta critica ao cristianismo tradicional do catolicismo e do protestantismo? Para demonstrar que religião é coisa de homem e não tem que ser absolutamente crível. A intenção aqui não é desacreditar Deus ou Jesus, mas os homens, ainda que sejam líderes religiosos, teólogos, mestres e profetas de suas crenças. Entende isso quem quer fazer uma escolha racional através de uma fé inteligente, que foca diretamente no Deus Altíssimo, não em dogmas.
      Tradições seculares, grandes catedrais, templos luxuosos, concílios, convenções, teologias, instituições, escolas, hierarquias, títulos, papa, bispos, “apóstolos”, padres, pastores, reverendos, missionários, diáconos, presbitérios, tanta pompa e circunstância hipnotiza as pessoas, seduz e amedronta. Concordo que é preciso coragem e iluminação para ir contra tudo que esses ensinam, e não só como religião, como verdades irrefutáveis. Mas também não podemos negar totalmente o cristianismo do mundo, ainda que distorcido foi usado por Deus para levar Jesus à humanidade por séculos. Demonizar radicalmente catolicismo e protestantismo é negar a providência divina que permitiu e teve bom propósito nessas religiosidades. 
      Mas no tempo em que vivemos o homem mudou, dizermos a nós mesmos que certas coisas são como são porque Deus quer que sejam assim não basta, principalmente se o que acreditamos que Deus diz, na verdade é dito por homens, não por Deus. Muitas pessoas, contudo, estão convencidas que creem certo, e que suas igrejas estão certas, simplesmente não enxergam que mentira não pode gerar verdade, só mais mentira. Que mentiras um cristianismo pela metade gera? Vidas infrutíferas, de homens que por mais esforçados e sinceros que sejam, não conseguem pôr em prática os ensinos do Cristo, e não conseguem porque as próprias igrejas que eles tanto defendem e temem, não lhes dão meios para viverem isso. 
      O que depõe contra o cristianismo do mundo, que se funcionou pela metade, hoje pode não funcionar mais, se quer saber nem são ensinos teológicos equivocados, sobre o fim dos tempos e a eternidade por exemplo, isso na verdade nem importa tanto. O que depõe é a inviabilidade de se viver o exemplo de amor de Jesus homem, que existe no que catolicismo e protestantismo entregam à humanidade. Essa responsabilidade será cobrada de líderes religiosos um dia. Mas depende de nós, seguirmos enganados, confortáveis em religiões, hipócritas, ou buscarmos a Deus e sabermos o que de fato ele quer para nós. O que ele quer é que vivamos o amor de Jesus sem precisarmos pagar preços desnecessários a homens. 
      O que Deus quer não muda, e se mudar é porque nunca foi vontade de Deus, ainda que instituições cristãs poderosas digam que seja. Quem seremos na eternidade? Não pense que ter sido batizado, crismado, ter feito primeira comunhão, recebido título em igreja cristã, aliará algum valor moral ao teu homem interior. Na eternidade seremos aquilo que retemos em nós da verdadeira vontade de Deus, virtudes que foram fixadas ao nosso espírito através de perseverantes obras. “O que vencer será vestido de vestes brancas, e de maneira nenhuma riscarei o seu nome do livro da vida; e confessarei o seu nome diante de meu Pai e diante dos seus anjos. Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas.” (Apocalipse 3.5-6).

16. Dogma, superstição, medo e desconhecido
 
      “Mas, quando se converterem ao Senhor, então o véu se tirará. Ora, o Senhor é Espírito; e onde está o Espírito do Senhor, aí há liberdade. Mas todos nós, com rosto descoberto, refletindo como um espelho a glória do Senhor, somos transformados de glória em glória na mesma imagem, como pelo Espírito do Senhor.” 
II Coríntios 3.16-18

      “A superstição geralmente está associada à suposição de que alguma força sobrenatural, que pode inclusive ser de origem religiosa, agiu para promover a suposta causalidade. Superstições são, por definição, não fundamentadas em verificação de qualquer espécie. Elas podem estar baseadas em tradições populares, normalmente relacionadas com o pensamento mágico. Para os céticos, em geral superstições podem ser quaisquer crenças no fato de que certas ações (voluntárias ou não) tais como rezas, curas, conjuros, feitiços, maldições ou outros rituais, possam influenciar de maneira transcendental a vida de uma pessoa. Por outro lado, a superstição também pode ser definida como "um desvio do sentimento religioso que consiste em atribuir a certas práticas uma espécie de poder mágico, ou pelo menos uma eficácia sem razão". Assim, a superstição seria uma opinião de cunho religioso, mas que, mesmo dentro da visão cosmológica daquela religião, seria fundada em preconceitos, de modo a atribuir relações Causalidade a eventos meramente fortuitos.” Fonte Wikipedia  

      O falso cristianismo de igrejas de homens, não aquele do verdadeiro Cristo, mantém poder sobre os homens através do medo, o maior medo que o homem tem é do desconhecido, o desconhecimento que mais aterroriza o ser humano é o desconhecimento do plano espiritual. A Igreja Católica governa através de dogmas e superstições, por um ela fecha, restringe, por outro ela abre, mas não para amadurecer, para infantilizar. O dogma conduz o homem a ter medo do que sabe, a superstição conduz o homem a ter medo do que não sabe, mas ambos são baseados em mentiras, ambos precipitam o ser humano na angústia de ter que tentar viver algo impossível, irrazoável, injusto.
      Dogma religioso é uma lei, uma ordem, que desobedecida, castiga, manda aceitar, não pensar, acreditar, não conhecer. Superstição atribui qualquer coisa como causa de qualquer coisa, não porque se averiguou e entendeu, mas só porque se acostumou a crer de certa maneira. Medo é se sentir em perigo, nesta reflexão não necessariamente porque algo pode causar um mal, mas porque dogma ou superstição dizem que podem. Também nesta reflexão, desconhecido nos remete à ideia do nada, do invisível, de algo que não sabemos que duração ou que dimensões possui, que mesmo que tenha sido definido por dogmas e superstições deixa desconfortáveis nossos sentidos físicos. 
      Dogma, medo e desconhecido estão relacionados, podemos temer algo que nos é desconhecido porque não é definido ou permitido por um dogma, nisso tudo se cria uma superstição. Superstição é trevas, intelectuais e espirituais, ainda que contenha alguma orientação moral, mesmo essa é infantil, limitada. Por que temos medo de fantasma? Porque não sabemos o que é, nos é desconhecido e é porque um dogma não nos autoriza a acreditar que exista, e se não existe, conforme o dogma, não podemos interagir com ele. Mas isso não impede-nos de termos superstições sobre fantasmas, entendimentos paralelos ao dogma, que satisfazem mais nossa curiosidade que o dogma. 
      Superstição é mentira, é filha bastarda do dogma, e esse, ainda que pretenda ser verdade única, é quem pari o engano. Dogma é pai egoísta que gera filho e o abandona no desconhecido, levando o órfão amedrontado a buscar abrigo nos braços da superstição. Dogma quer o homem sempre num berço, e ainda que esse cresça terá que se conformar com o ridículo de ser tratado como um bebê, ainda que seja livre será tratado como dependente. Preso na cela do dogma, o homem desconhece o que tem lá fora e teme, ainda que haja um lindo jardim, com árvores frutíferas e um rio de águas limpas e frescas, se limitará a alimentar-se da ração da superstição, que o leva à inanição. 
      O falso cristianismo de igrejas de homens é morto, um morto não pode gerar, nem compartilhar vida, por isso cria dogmas, alimenta o medo do desconhecido e dá legalidade a superstições. Esse falso cristianismo nega o Espírito Santo, ainda que ensine valores morais evangélicos, mas do que adianta melhorar a ração quando o que come está encarcerado? Só tornará o condenado mais frustrado, por ver que até pode amar, mas limitado pelo que a religião ensina sobre o amor de Deus. Amor que manda pro inferno que não o aceita é limitado. O Espírito Santo é liberdade para viver, vida é conhecer a Deus, só conhecemos caminhando para a luz espiritual mais alta. 
      Será que o apóstolo-teólogo Paulo tinha noção da profundidade do texto inicial acima que escreveu? Penso que o Espírito Santo achou liberdade nele para lhe dar uma revelação, mas talvez Paulo pensasse só se referir ao assunto do contexto, a supremacia da nova aliança sobre a velha, a superioridade do vivo Espírito Santo no homem interior sobre a lei em pedras ou em pergaminhos. Só isso já é maravilhoso, mas é mais que isso. Converter-se ao Altíssimo é ter liberdade pelo Espírito Santo, é olhar para Deus sem véu, é refletir a glória do Senhor e ser transformado por uma experiência que nos liberta da carne, da matéria, e nos conduz à espiritualidade mais elevada.
      Se os cristãos entendessem de fato o que é ser livre no Espírito Santo, não haveria jugo desmedido de religião, dogma castrador, medo do desconhecido nem superstição infantil, haveria vida eterna, não morte, haveria amor, não condenação. Quem você será na eternidade? Será você e receberá por isso o tratamento, em primeiro lugar justo, e depois, amoroso de Deus, que irradia sua luz para todos os seres humanos atraindo-os a si. O Espírito Santo te dá liberdade para escolher hoje a quem servir, se ao homem, ou a Deus, para que possa a cada dia ser alguém melhor, útil para si, para os outros e para o Senhor. Esteja em paz, tua vocação é para a vida, não para a morte. 

17. Serviço sujo do diabo?
 
      “Eu formo a luz, e crio as trevas; eu faço a paz, e crio o mal; eu, o Senhor, faço todas estas coisas.
  Isaías 45.7

      Por que a maioria dos cristãos, católicos, protestantes e evangélicos, tem aversão às religiões espíritas, tanto às de origem africana quanto ao Kardecismo? Quem tem uma ligação emocional sincera com a fé cristã, que experimenta sua proteção por anos, que ama Jesus como único e pleno salvador, que foi ensinado que espíritos não podem ser contatados e que o diabo pode enganar se isso for tentado, no mínimo terá dificuldades para aceitar reencarnação e comunicação com os mortos. De um certo modo isso é uma proteção, de um Deus que atrai os homens a si por crenças diferentes, quando eles alcançam um nível moral numa crença, ele os guarda, como pai zeloso, para que não se percam. 
      Todavia, muitos cristãos não se dão conta, mas a figura mais importante do cristianismo católico-protestante pode não ser Deus ou Jesus, mas o diabo. Não estou dizendo com isso que o diabo tenha mais poder que Deus, de maneira alguma, mas que a maioria das crenças cristãs existem por causa das obras do diabo. Se numa possibilidade, tirássemos o diabo da equação e o substituíssemos pela maldade humana, por escolhas erradas do homem, que consequentemente deixam culpa e dor no homem, todo o cristianismo poderia mudar, isso ainda que continuassem existindo o conceito de pecado e as consequências dele, condenação para os que persistem nele e salvação para os que o deixam. 
      O conceito “diabo”, principalmente o construído e mantido pela igreja católica, que o protestantismo não refutou, é um poço onde se lança tudo que não se pode aliar a Deus, para não se opor com o conceito de um Deus bondoso. Se esse Deus não pode condenar, então é o diabo que assedia, convence e conduz ao inferno, se esse Deus não pode conter as trevas e o sofrimento, é o diabo quem conduz para longe da luz e faz sofrer, vivos e mortos. Mas algo é preciso que assumamos sobre o diabo, por mais poderes que os homens possam dar a ele, conforme a teologia cristã tradicional, ele não criou a si mesmo e nem mais nada. Diabo, inferno e penas eternas são criações do único criador, o Senhor.
      A grande maioria dos cristãos não vê incoerência nisso, porque não pensa profundamente em teologia. Para essa maioria teologia tem a ver com história e geografia bíblica daquilo que está no cânone bíblico, ela não filosofa nos valores morais, para ela filosofar é pecado, é desconfiar da Bíblia, é colocar em dúvida dogmas. Protestantes são tão dogmatizados quanto os católicos, não se iludam com relação a isso, e o principal dogma deles é o que diz que a Bíblia, não o papa, é infalível, trocaram um líder pela palavra escrita. Bibliolatria é o engano que mais cega cristãos, e esses não reavaliam isso por medo, por isso creem cegamente na Bíblia, não entendendo que o Espírito Santo vai além dela. 
      Diabo é conceito criado para fazer todo serviço “sujo” que Deus não pode fazer, já que se Deus fizesse causaria uma incoerência na teologia. Mas se Deus criou o diabo, o inferno e as penas eternas, é porque em alguma instância há em Deus o mal, ninguém pode criar algo sem conter isso em si. Contudo, pode-se argumentar, “mas Deus não é mau por ter criado coisas más, ele fez isso para punir os maus”, isso é válido numa teologia que vê o ser com só uma oportunidade de encarnação, vindo depois disso o juízo (Hebreus 9.27). Conforme o cristianismo tradicional, o homem tem uma única chance, se não escolher certo é condenado, o mesmo Deus que ama por um tempo, castiga para sempre. 
      Mas pense um pouco mais a respeito, se só há uma oportunidade dada por um Deus justo, ela deveria ser igual para todos, com condições iguais que permitam que todos façam uma escolha justa, assim a responsabilidade do efeito eterno da escolha seria justa e só do homem. Entretanto, pense bem, será que todas as pessoas, e não só as do nosso tempo, mas as de todos os tempos e de todos os lugares do planeta, nascem com condições e oportunidades iguais, sejam físicas, emocionais, financeiras, intelectuais ou morais, para que possam ter as mesmas e justas capacidades de escolha, que permitam que todas, caso queiram, façam a melhor escolha, de salvação e não de condenação? 
      Respondamos a outra pergunta: alguém, que nasce numa aldeia paupérrima de um país africano, tem as mesmas capacidades para escolha, as mesmas necessidades de vida, que tem um norte-americano nascido num apartamento próximo ao Central Park em Nova Iorque? Esse africano já ouviu falar de Jesus em sua vida, já teve alguma orientação religiosa que não fosse a do xamã de sua aldeia? E ainda que tenha sido evangelizado, será que esse aldeão busca de Deus as mesmas coisas que busca um homem de classe média-alta que reside no centro da ilha de Manhattan? Basta que assistamos a uma edição de um telejornal para sabermos as diferenças de sofrimentos dos seres humanos no planeta. 
      Confronte realidade com o que muitos creem só porque as igrejas ensinam que é a verdade, faça isso com sensatez, com equilíbrio, depois coloque-se no lugar do outro, não como cristão com certeza de salvação e que crê que vai ao céu após a morte, mas como aquele que não teve oportunidade para ter condições justas de escolher acreditar em Deus por Jesus. Será que não temos qualquer dúvida naquilo que o dogma nos ensina, depois de confrontarmos a realidade com o dogma, e de nos pormos no lugar daquele que o dogma diz estar condenado eternamente ao inferno? Se houver dúvida talvez seja momento de você saber o que dizem religiões demonizadas pelo senso comum cristão a respeito. 

18. Imaginação humana

       “Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e perverso; quem o conhecerá? Eu, o Senhor, esquadrinho o coração e provo os rins; e isto para dar a cada um segundo os seus caminhos e segundo o fruto das suas ações.” 
Jeremias 17.9-10

      Medo é uma mentira, principalmente o medo do desconhecido, medo legítimo é aquele que temos de algo real e que sabemos, por experiência própria ou dos outros, que pode nos causar algum dano, se não tomarmos cuidado, assim o medo é um sistema que nos alerta a permanecermos a uma distância segura. Mas temermos algo simplesmente porque não sabemos o que é e que não devemos nem tentar saber, só termos medo e permanecermos ignorantes a respeito, é irracional, principalmente se refere-se ao plano espiritual, campo de subjetividade, que um não pode conhecer pelo outro, que é necessário que cada um tenha sua experiência pessoal. 
      O medo do desconhecido é algo que tem origem, não na realidade física, mas em nossas mentes. Por não sabermos o que é, imaginamos, e é na imaginação que são criados monstros diabólicos. As imagens mais antigas e mais comuns que a maioria das pessoas tem do diabo, foram criadas pelo imaginário popular antigo, e que tornando-se mitos foram preservadas e usadas também por religiões, incluindo as cristãs. O diabo é de fato vermelho, com rabo, pés e chifres de bode, com rosto e corpo de homem? Não, mas é essa imagem que foi criada e mantida pela imaginação humana, o mesmo ocorre com o inferno e suas chamas eternas cheirando enxofre. 
      O que é discernimento espiritual real e o que é sentimento físico disparado pela imaginação? É do diabo e do inferno que temos medo ou daquilo que imaginamos que sejam eles? A psicologia abriu nossas cabeças (nos dois sentidos) para entendermos uma parte tão abstrata do ser humano, que sentimos que está localizada em nossos cérebros. Eu disse sentimos, se nossos pensamentos e sentimentos são de fato só efeitos de química e de eletricidade em nossos cérebros, ou se são expressões da alma ou do espírito, ainda não temos certeza. A verdade é que nosso mundo mental é muito forte, e ainda que seja só invenção de nossa mente, parece real e fisico para nós. 
      A pergunta a ser respondida é: tememos seres e lugares espirituais reais ou só imaginações humanas manipuladas por igrejas de homens? O plano espiritual é de conhecimento gradativo, e é assim para proteger verdades de tolos e tolos de verdades, o outro mundo não é um plano aberto para todos e facilmente. Deus assim construiu o universo, por isso conseguimos entender coisas materiais com a ciência, mas não podemos usar a mesma ferramenta para entendermos coisas espirituais, ainda que o caminho para todas as verdades ilumine-se pela razão. Ferramentas para o espiritual são espirituais e para a espiritualidade mais alta é o Espírito Santo. 
      Muitos protestantes limitam suas experiências com Deus usando a intelectualidade, com um estudo científico da Bíblia oficial e orando de forma racional, e sim, Deus os ouve e os abençoa, mas seu crescimento espiritual fica limitado, conduzindo eles experiência com o divino assim. Para um cristão dito tradicional, ter experiência com dons do Espírito Santo é algo difícil, barreiras emocionais não foram ainda superadas, e a princípio, muitos desses, ouvindo alguém falar em línguas estranhas, podem achar que não é coisa de Deus. A verdade é que tem muito batista e presbiteriano que acha que alguém em êxtase espiritual, louvando e profetizando, está possesso.
      O que se passa na cabeça dos que entendem dons do Espírito como manifestações demoníacas? Imagens, sensações, sons de coisas ruins, seu mundo mental interior refletirá seu grau de experiência espiritual e com Deus. O interessante é que o contrário também pode ocorrer, um crente pentecostal, num culto protestante tradicional, apesar de ficar encantado com o conhecimento bíblico dos pregadores, sentirá no ambiente frieza quase católica, ouvirá no silêncio do templo, não respeito com as coisas de Deus, mas distanciamento espiritual, ausência do Espírito Santo. Tudo é uma questão de como as mentes interpretam as coisas, e não da realidade em si.
      Alguém espiritualmente maduro e racionalmente lúcido, fará uma interpretação mental equilibrada, experimentará coerência entre o que seus sentidos físicos percebem do exterior e o que seu mundo mental interior discerne. Quando vemos e sentimos a verdade, portas para verdades maiores são abertas, o medo enganoso se vai e a realidade por trás do véu é revelada. A porta para o mundo espiritual é criada e é aberta através de ferramentas mentais. Por isso aquele que quer conhecer Deus precisa libertar-se de dogmas, superstições e do medo do desconhecido, não usando imaginações preconceituosas como base, mas estando aberto e protegido pela luz de Deus. 
      Só existe um jeito de conhecermos a Deus, buscando diretamente a ele, sem amarras religiosas ou entendimentos pré-concebidos, e só pelo nome único e poderoso de Jesus. Aos que querem ver, a luz lhes é mostrada, aos que querem ouvir, a verdade lhes é dita. Quem você será na eternidade? A clareza como isso será manifestado a você, quando estiver no plano espiritual, está diretamente relacionada com a intimidade espiritual que você construiu no mundo, através de oração que dá liberdade ao Espírito Santo, e prática de amor e fidelidade às alianças. Mas lembre-se, com coisas espirituais interagimos de um jeito espiritual, não com mera imaginação humana. 

19. Princípios eternos

      “Mandaram-lhe, pois, suas irmãs dizer: Senhor, eis que está enfermo aquele que tu amas. E Jesus, ouvindo isto, disse: Esta enfermidade não é para morte, mas para glória de Deus, para que o Filho de Deus seja glorificado por ela.” “Disse-lhe Jesus: Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em mim, ainda que esteja morto, viverá; e todo aquele que vive, e crê em mim, nunca morrerá. Crês tu isto?
  João 11.3-4, 25-26

      A existência no mundo é uma internação hospitalar! Na Terra somos todos enfermos precisando de tratamento, se não fosse assim não estaríamos aqui. Negar isso é negar a encarnação, é negar a doença, é negar a cura, é negar a vida. Muitos estão neste mundo achando-se sadios, apoiados por ideologias que pregam que não existem doenças, não neles, mas nos outros, e que por isso têm condições de militarem por causas de todos. Essa doutrinação, talvez a principal estratégia do mal atual justamente por se disfarçar de bem, entrega poder ao indivíduo, principalmente a indivíduos desrespeitados por preconceitos históricos, coloca muitas vezes Deus fora da equação. Por isso, não pela falta de legitimidade das causas, muitos morrem, não se assumem doentes, não buscam cura, e se consideram médicos aptos para cuidar dos outros. 
      Vida eterna não tem nas virtudes a causa, vida e virtudes são efeitos de Deus! Virtudes, negando Deus, são morte, o homem só pode adquirir vida caminhando para Deus, para o alto onde as virtudes estão. Longe de Deus não existe vida, ainda que se tenha boas intenções, que se lute por justiça, que se respeite a razoabilidade e a ciência. Para conquistar o mundo e a eternidade nossa essência espiritual usa como ferramenta a inteligência humana, mas a inteligência não pode usar o espírito. Infelizmente, após séculos achando que Deus se encontra num cristianismo de homens, muitos se convenceram que fé e ciência são opositores, dessa forma hoje muitos pensam que espiritualidade é ignorância, que não há conciliação entre um homem racional e lúcido e um ser humano crédulo em Deus e com moralidade evangélica. 
      Nossa condição de morte neste mundo não é para a condenação, mas para a salvação! Todos nós podemos ser salvos, Jesus mostrou o caminho quando se encarnou e continua mostrando pelo Espírito Santo. O texto inicial dá ensinos reveladores que vão muito além da interpretação que a tradição cristã dá a ele, principalmente sobre a ressurreição. “Todo aquele que vive e crê em mim, nunca morrerá”, cremos nisso? De verdade? O que é a morte senão escolha de distanciamento de Deus? E nessa posição não existe necessariamente coisas ruins, muitos estão longe de Deus e desfrutam, não só de prosperidade material, fruto de seu trabalho honesto, como paz para lutarem por causas nobres. Mas esses têm paz interior? Não, porque não existe paz longe de Deus, por isso estão em trevas, ainda que se considerem iluminados. 
      O inferno aloja-se naturalmente em quem não adora a Deus! Inferno não é um lugar só para fascínoras, abusadores, viciados, gente má e perdida, entretanto, adorar a Deus é muito mais que cantar hinos, ser assíduo em missas e cultos, mesmo orar em nome do Cristo. Adorar é estar em íntima comunhão com Deus pelo Espírito Santo, não é uma condição estática de contemplação, ainda que isso possa ser o primeiro passo. A maioria dos cristãos, contudo, para aí, acha que o fim da espiritualidade seja justamente aquilo que é só o início, por isso acaba presa de dogmas, superstições e medos do desconhecido. Muitos provarão “infernos” após a morte do corpo, ainda que estivessem certos, em seus últimos momentos encarnados, sobre seus direitos ao “céu”, porque só tinham fria certeza intelectual, não convicção espiritual viva. 
      Disse Jesus, “sou a ressurreição e a vida, quem crê em mim, ainda que esteja morto, viverá”! “Senhor, eis que está enfermo aquele que tu amas”, eu, você, todos estamos enfermos, e todos somos sempre amados por Deus, “crês tu isto?” Muitos cristãos não creem, ainda que confiem em dogmas, já que isso não é necessariamente fé que salva, mesmo que tais dogmas tenham sido narrativas relevantes para homens do passado. Eis dois princípios eternos: livre arbítrio, que permite ao ser humano escolher sempre, e amor divino, que permite a Jesus salvar sempre. Quando ambos se cruzam a eternidade interior é alterada, esteja o homem onde estiver. Leve o dogma à presença de Deus e peça que ele te mostre a verdade, se fizer isso com fé e sem medo, entenderá um desconhecido sobre o qual até agora você só pôs um olhar supersticioso. 

20. Livre-se do pesado lixo

      “Bem-aventurados os limpos de coração, porque eles verão a Deus” 
Mateus 5.8

      O que merece o inferno não é o ser humano, mas o lixo que ele pode acumular em si. Lixo são vícios, remorsos, rancores, ódios, invejas, adultérios, toda espécie de excessos que ainda que a princípio sejam necessidades físicas e afetivas, se transformam em obsessões quando controlam o homem, ao invés do homem controlá-los. A espiritualidade mais alta de Deus, como tantas vezes já dissemos, é gradativa, e é assim porque o Senhor nos conhece e sabe que não podemos administrar todos os conhecimentos e experiências da luz de uma vez. Isso seria mais para nossa perdição que para a nossa salvação, dessa forma ela é manifestada aos poucos, à medida que nossa prática moral se eleva. 
      Uma pena encharcada de sujeira no chão não pode flutuar, ainda que o vento bata nela, a chacoalhe, se estiver muito grudada na lama, pesada e desfigurada, continuará lá embaixo, quem a ver achará até que ela faz parte daquele lugar sujo, que ela é aquilo. Contudo, se uma chuva tranquila, não violenta que poderia iludi-la fazendo-a a princípio até achar que está sendo limpa, mas que depois, por causa do torrencial de água, poderia levá-la para mais fundo do lamaçal, se essa chuva caísse sobre a pena, pacientemente molhando-a, ela poderia ser limpa. Depois, raios mornos do Sol, não escaldantes, poderiam repousar sobre ela e secá-la, deixando-o limpa e leve, diferenciando-a do chão enlameado. 
      Deus permite que comecemos no chão, na lama, então ele usa a chuva de sua palavra, que nos santifica, e depois o Sol da inteligência, que separa as coisas, tira os excessos, mesmo de coisas que podemos achar boas, mas que também podem nos fazer pesar. O Senhor usa isso no tempo, na intensidade certa, lentamente, para que possamos ser desprendidos o suficiente de egoísmos, sensualidades e vaidades, e então, estarmos preparados, para que o vento do Espírito Santo, que também é delicado, perceptível só para os humildes, sopre em nós e nos levante. Só assim poderemos subir ao mais alto céu onde seremos conectados ao pássaro maior, junto de milhares outras penas, nossos irmãos.
      Qual o trabalho do ser para merecer a melhor eternidade? Livrar-se do lixo, tornar-se leve, o lixo não faz parte dele, não de sua essência espiritual original. Esse lixo é tudo que a existência material nos diz que é relevante, que podem ser até bons conhecimentos e boas vivências, não é só o mal explícito, mas que não poderá resistir à luz de Deus na eternidade. Somos acumuladores compulsivos, não conseguimos nos identificar sem agregarmos coisas a nós, assim, não é o José, mas o músico, não é a Maria, mas a professora, não é a Júlia, mas a engenheira, não é a Ana, mas a jornalista. Sem os títulos achamos que nada somos, que engano, títulos não vão para o céu, nosso espírito não precisa deles. 
      Ah, quanto lixo as pessoas levam com elas achando que são medalhas, espólios, valores que as definem, que as honram no mundo, quando são só inseguranças, recalques, vinganças, armas de submissão. Ainda que pensem não poderem ser fortes diante dos homens sem elas, são só lixo. Elas vão a cultos acumuladas assim, pregam e se usam como exemplos de espiritualidade entupidas de lixo, acreditam mesmo que são riquezas que Deus lhes deu e que merecem ter e exibir. Esse lixo se tornou parte delas de um jeito que não podem mais se levantar de manhã de suas camas sem ele, não é só capa, sapatos e roupas, é pele, carne, músculos, ossos e veias. Na eternidade bastará espíritos puros. 
      Títulos, assim com bens, aparência externa, aprovação humana, mesmo religiosidade, se forem usados como objetos de vaidade, não como ferramentas para auxiliar o próximo, não purificam nossas almas, não as deixam mais leves, mas só as fazem pesar, pesado ninguém vê a Deus. O que mantém os homens no inferno? O peso do lixo. Só os leves suficientes para subirem para o amor de Deus acharão na eternidade a luz mais alta, a paz, a felicidade. Como ser leve? Por Jesus, aprendendo pelo exemplo de sua vida como homem, colocando-se na presença de Deus pelo seu nome, para então poder subir, pelo caminho do Espírito Santo, ao céu, isso inicia-se ainda neste mundo, aos que querem. 

21. Óculos ou antolhos?

      “Ouve tu, filho meu, e sê sábio, e dirige no caminho o teu coração.” 
Provérbios 23.19

      O que você precisa para caminhar, de óculos ou de antolhos? Alguns seguem mesmo sem óculos, com dificuldade, mas vão em frente, fazendo as escolhas certas. É claro que quando admitem suas limitações, suas doenças, que começam a usar óculos, que não são parte original deles, mas acessórios adquiridos, a visão melhora e fazerem escolhas melhores fica-lhes mais fácil. Outros, mesmo com ótima visão, escolhem errado, confiam em si mesmos por terem mais capacidades naturais e não caminham para a direção certa. 
      O que está no fim do caminho ninguém sabe, nem o que enxerga bem, nem o que precisa de óculos, por isso escolhas refinam nossa jornada, mas isso ocorre aos poucos, cada novo trecho deve ser percorrido com escolhas melhores de fé e de boa intenção. Mas tem os que permitem que outros lhes ponham antolhos, aqueles acessórios que são colocados em cavalos e outros animais e que limitam a visão lateral desses, de modo que sigam com mais facilidade para a direção que o cavaleiro escolhe e dirige através do cabresto
      Não há nada de errado em adicionar acessórios externos ou subtrair tendências naturais do ser humano, para que esse fique mais eficiente para alcançar um objetivo, desde que isso seja vontade de Deus para fazer a vontade de Deus. O que Deus não quer que façamos não deve ser feito, nem que tenhamos em nós capacidades naturais para isso, nem usando outros meios. Da mesma forma, o que Deus quer que façamos pode ser feito deixando de usar tendências naturais assim como utilizando acessórios que nos completem. 
      Algumas pessoas precisam de antolhos, não vivem sem eles, infelizmente, no atual grau espiritual da humanidade, nível que já persiste por uns séculos, uma grande maioria de homens e de cristãos, não exerce religiosidade sem antolhos. Eles tornam a vida mais fácil, o que não se enxerga não é empecilho, “o que os olhos não veem o coração não sente”, como diz o ditado. Existem antolhos para todos os gostos e com preços variados, conforme a pompa religiosa que as pessoas querem exibir no mundo aos seus pares. 
      Se alguns ouvem, “o inferno eterno é um conceito que não casa com um amor irrestrito de Deus”, eles respondem, “mas minha religião diz que inferno existe para os que não amam a Deus”, como se o amor de Deus estivesse relacionado ao nosso amor por ele. Se fosse assim estaríamos todos em infinita condenação. Contudo, esses seguem argumentando, “somos salvos por fé em Cristo, isso nos dá o céu”, mas e quanto a tantos, que por um motivo ou outro, nunca ouviram uma palavra adequada sobre Cristo, o salvador?
      Não existe diálogo com quem usa antolhos e cabresto, eles verão o que escolheram enxergar quando permitiram que homens lhes colocassem tais acessórios religiosos. Contradizê-los só os levará a nos taxar de desviados, hereges e rebeldes. Uso de cabresto delega para o outro o direito de escolha, antolhos permitem que só se veja aquilo que se é conduzido a ver, assim não há necessidade de pensar, de orar, de reavaliar, de trabalhar, antolhos e cabresto infantilizam as pessoas, as distanciam da luz mais alta de Deus. 
      Só tem um jeito de se crescer espiritualmente, de se conhecer as verdades maiores de Deus e do mundo espiritual, caminhando-se só, fazendo escolhas baseadas em Deus, não nas religiões. Isso não significa não frequentar igrejas, mas é preciso separar as coisas, vida social necessária em que podemos aprender e ensinar convivendo com pares, com aquilo que somos de verdade e sabemos em Deus. A mais alta espiritualidade não se compartilha em púlpitos, mas guarda-se no coração como tesouro precioso que é. 
      Quando entendemos isso percebemos que nem tudo podemos contar, mesmo para irmãos de igreja, isso não é viver em hipocrisia, mas em sabedoria, entendendo que Deus usa as religiões, mas as religiões não são Deus. Se achar que está enxergando mal, adquira óculos, mas não use antolhos, escolha com sabedoria dada por Deus, mas não permita que outros escolham por você com cabresto. À liberdade somos chamados, para evoluirmos como indivíduos, sozinhos chegamos ao mundo e sozinhos partiremos para a eternidade. 

22. Lei do Cristo

      “Não cuideis que vim destruir a lei ou os profetas: não vim ab-rogar, mas cumprir.
Mateus 5.17
      “Não pensem que vim revogar a Lei ou os Profetas; não vim para revogar, mas para cumprir.” 
v. Nova Almeida Atualizada 

      Após crítica desconstrutiva, não destrutiva, feita até aqui no estudo “Quem você será na eternidade?”, segue reflexão sobre a passagem que considero a mais objetiva da Bíblia para nos ajudar a construir nosso melhor homem interior. No texto bíblico postado no final desta reflexão, Jesus entrega a versão avançada das leis mosaicas, que permite à humanidade atingir o próximo nível de espiritualidade, possível a partir de sua vinda como homem. Na segunda parte de Mateus 5 Jesus começa dizendo que não veio ab-rogar, termo jurídico usado nas versões mais tradicionais da Bíblia, que significa revogar, fazer cessar a existência ou a obrigatoriedade de uma lei, fazer cair em desuso, assim ele não veio desprezar a lei, mas cumpri-la, e na verdade com ainda mais veemência. (Fiz uma reflexão sobre as bem-aventuranças, presentes na primeira parte de Mateus 5, em “Raiz, tronco ou galhos?”). 
      Matamos pessoas o tempo todo dentro de nós, e não pense que isso fica em segredo, intenção é mais poderosa que palavras, intenção pode se comunicar com o mundo espiritual e tanto fazer o bem, quanto o mal, com o mundo espiritual se comunica com o pensamento. Por isso Jesus reavaliou a mandamento não matarás, e matamos ainda antes de xingarmos alguém, de dizermos alguma palavras agressiva. Esse conhecimento é de suma importância para quem quiser conhecer mais profundamente a existência do ser humano, a relação dos planos, e principalmente, aquilo que define nossa qualidade moral e consequentemente quem seremos na eternidade. Muitos calam a boca, tomam esse cuidado, conseguem manter aparência de sabedoria e espiritualidade, de respeito com o outro, mas Deus sabe o que está em seus corações, quanto ódio, quanta inveja, quanto rancor, quanto homicídio. 
      Da mesma forma o adultério, nem precisa ser concretizado, basta intenção no coração e na mente, e meus queridos, não é justamente nosso interior quem o mal tem mais atacado, usando ferramentas eficientes como a internet e dispositivos móveis de telefonia? O vírus HIV, que levou as pessoas a se protegerem mais nas relações sexuais, a Covid 19, que encarcerou muitos em casa por causa do isolamento, e mesmo a falta de grana e o pouco tempo da vida moderna tão corrida, tudo isso tem construído um ser humano solitário. O consolo é a vida virtual, basta um celular conectado à rede mundial para que o divertimento seja achado e desfrutado. Assistir vídeos pornográficos e interagir com desconhecidos por webcams e textos coloca em prática o adultério tanto quanto ir ao motel e consumar o ato, o mal tem acabado mais com casamentos pela internet que com zonas de tolerância. Pecado mental é foco do mal, é o novo estilo de vida, e foi justamente contra isso que Jesus alertou-nos há quase dois mil anos atrás. 
      Que valor tem a palavra do homem hoje em dia? Não, não precisamos jurar por Deus ou por nossos pais, basta-nos nossa palavra, um sim ou um não. Jesus conduz crianças à maturidade, ensina que para gente crescida não há necessidade de ter aval de pais, basta-lhe ser correta, são ações nossas como homens de bem que testemunham que somos filhos de Deus. Contudo, como mentimos muitas vezes, nem sempre para obter algum benefício em negócio, mas por pura política, em nossas relações sociais, só para ficarmos bem com algumas pessoas, só por medo de perdermos aprovações caso digamos a verdade. Infelizmente não podemos estar bem com todos, não porque queremos fazer mal a alguém, mas porque não podemos ser aquilo que alguns querem que sejamos, não podemos prometer algo que não podemos cumprir. Temos que dizer a verdade, “eu não posso te ajudar nisso”, “não concordo com isso”, “não espere pois não vou conseguir fazer isso no prazo”, sim, sim, ou não, não, ainda que perdendo com isso. 
      Mas as duas últimas releituras que Jesus faz são as mais importantes, vão contra as leis mais enraizadas na concepção de vida dos israelitas da velha aliança. “Olho por olho e dente por dente” e “amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo”, uma se refere à justiça, a outra ao amor. Jesus tira a referência dessas virtudes do mundo, de um reino material na Terra, do contexto de uma nação escolhida lutando contra um inimigo que está nas demais nações, e lança a referência para o alto, para Deus, para o reino dos céus na eternidade. Tratarmos alguém, não do mesmo jeito que esse alguém nos trata, mas de maneira oposta, retornando ao mal, o bem, amando aquele que se coloca como nosso inimigo, pode não nos dar benefícios neste mundo, mas nos dará no outro. Isso é não fazer justiça com as próprias mãos aqui e confiar na justiça vindoura de Deus na eternidade, o que Jesus ensinou provocou uma revolução na concepção religiosa judaica e no mundo, que infelizmente muitos até hoje ainda não entendem. 
      O Cristo abriu os olhos dos homens para verem além de sua terra, de seus bens, além do coletivo de uma nação, e contemplarem a eternidade do reino do Altíssimo para cada indivíduo, indiferente da nação que o indivíduo pertença. O poder que realizaria essa revolução não seria o reinado de um descendente de Davi, com o mesmo ou maior poder político e religioso que esse no mundo, o poder seria o amor, de cada ser humano na Terra, judeu ou não, por outro ser humano. Isso é lindo demais, aleluia! Eis o caminho para construirmos o homem interior que seremos na eternidade, para darmos qualidade ao céu que mereceremos, e o consequente livramento de qualquer inferno, seja aqui ou no outro mundo. Ah se todos os cristãos entendessem isso, seriam libertados de religiões, de catolicismo, de protestantismo, de preconceitos, deixariam de se acharem donos de verdades espirituais, teriam uma comunhão com Deus de qualidade ímpar, viveriam de fato o reino de Deus ensinado por Jesus e mudariam o mundo. 

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      “Ouvistes que foi dito aos antigos: Não matarás; mas qualquer que matar será réu de juízo. Eu, porém, vos digo que qualquer que, sem motivo, se encolerizar contra seu irmão, será réu de juízo; e qualquer que disser a seu irmão: Raca, será réu do sinédrio; e qualquer que lhe disser: Louco, será réu do fogo do inferno.
      “Ouvistes que foi dito aos antigos: Não cometerás adultério. Eu, porém, vos digo, que qualquer que atentar numa mulher para a cobiçar, já em seu coração cometeu adultério com ela.
      “Outrossim, ouvistes que foi dito aos antigos: Não perjurarás, mas cumprirás os teus juramentos ao Senhor. Eu, porém, vos digo que de maneira nenhuma jureis; nem pelo céu, porque é o trono de Deus; Nem pela terra, porque é o escabelo de seus pés; nem por Jerusalém, porque é a cidade do grande Rei; Nem jurarás pela tua cabeça, porque não podes tornar um cabelo branco ou preto. Seja, porém, o vosso falar: Sim, sim; Não, não; porque o que passa disto é de procedência maligna.
      “Ouvistes que foi dito: Olho por olho, e dente por dente. Eu, porém, vos digo que não resistais ao mal; mas, se qualquer te bater na face direita, oferece-lhe também a outra
      “Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo, e odiarás o teu inimigo. Eu, porém, vos digo: amai a vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem; para que sejais filhos do vosso Pai que está nos céus; porque faz que o seu sol se levante sobre maus e bons, e a chuva desça sobre justos e injustos.

23. Amar protege do mal

      “Amados, amemo-nos uns aos outros; porque o amor é de Deus; e qualquer que ama é nascido de Deus e conhece a Deus. Aquele que não ama não conhece a Deus; porque Deus é amor. Nisto se manifesta o amor de Deus para conosco: que Deus enviou seu Filho unigênito ao mundo, para que por ele vivamos.” “Nós o amamos a ele porque ele nos amou primeiro. Se alguém diz: Eu amo a Deus, e odeia a seu irmão, é mentiroso. Pois quem não ama a seu irmão, ao qual viu, como pode amar a Deus, a quem não viu? E dele temos este mandamento: que quem ama a Deus, ame também a seu irmão”.
I João 4.7-9, 19-21

      Com que facilidade condenamos uns ao inferno e outros consideramos reais merecedores do céu, quando odiamos temos o inferno instalado dentro de nós, e quando amamos, o céu desce até nós. Mas até que ponto nossa realidade emocional, ou nossa fantasia mental, reflete a verdade? Sermos libertados da carne não é só fecharmos a boca para fazermos um regime ou pararmos de consumir bebidas alcoólicas e pornografia. A carne usa nosso corpo físico, mas sua essência é espiritual, se não fosse assim o diabo e os demônios, seres puramente espirituais, não estariam tão interessados na carnalidade humana. A carne, como princípio que se opõe ao espírito, também reside no espírito, assim talvez seja mais apropriado entender carne como afastar-se da moralidade e aproximar-se da matéria, e espírito como o desejo de se ter virtudes morais e de se aproximar da mais alta luz espiritual. 
      Na eternidade quem está num inferno, ainda que seja um ser puramente espiritual, continua, de alguma forma, desejando a carne, os prazeres e as ilusões do mundo, ou se prendendo às culpas e dores que vivenciou no plano físico. Já quem está no céu aprendeu a amar as coisas mais altas da vida puramente espiritual, assim olha para cima, não para baixo, sente a atração do amor de Deus e sobe para a luz do Altíssimo. Mas voltando ao ponto, confundimos muito nossa interpretação emocional e mental do mundo, com discernimento espiritual, e isso pode ser um enorme engano. Só conseguimos ter emoções e pensamentos santos, que amam mesmo que a realidade nos leve para o contrário, tendo íntima comunhão espiritual com Deus. Conhecer a Deus é, acima de tudo, conhecer seu amor, só com esse amor podemos amar de verdade a todos, e não só quem nos interessa. 
      Sabe aquela pessoa que mais te incomoda, que te irrita só de estar no ambiente? Cujo riso, jeito, maneira de falar e de reagir, cujas opiniões sobre qualquer coisa, te deixam desconfortável? Não, não precisa ser alguém necessariamente mau, mas é alguém que, como dizem, a “química” parece não bater com a tua. Ela tem algo que você não sabe bem o que é, algo em algum lugar, que faz com que você tenha muita dificuldade para amá-la. Pois bem, essa pessoa Deus ama, profundamente, deseja o bem dela, está sempre pronto para ouvi-la e quer abençoá-la tanto quanto quer abençoar você. Deus não faz nenhuma diferença entre ela e você, para ele vocês são iguais. Esse raciocínio, extremado, pode nos dar uma noção do que é o amor de Deus, e Deus nos orienta a vivenciar um amor com a mesma qualidade, ainda que sejamos seres com potências morais infinitamente menores que a dele. 
      Algo precisa ficar bem claro, Deus ama mesmo aquela pessoa que mais temos dificuldade para amar. Deus vê em alguém, em quem só vemos maldade ou falsidade, a mesma boa intenção, a mesma necessidade de afeto mais puro, a mesma fragilidade, que vê em você e em mim, ainda que nós, do alto de nossos orgulhos e egoísmos, vejamos em alguns só arrogância, só imaginemos ouvir deles, “sou melhor que você e não preciso de você”. Todos nós precisamos de amor, todos nós necessitamos urgentemente do amor de Deus, e todos nós podemos amar com o amor que precisamos receber. Quem nega amor, nega a Deus, nega o seu amor, e mais, a própria existência de Deus, pois Deus é amor eterno e incondicional! Impossível termos qualquer relação com Deus se odiamos alguém, mesmo alguém que aos nossos olhos não merece amor, isso é mentira, todos merecem o amor de Deus. 
      É fácil amar? Não! de maneira alguma, e principalmente algumas pessoas, mas essas pessoas existem em nossas vidas justamente para isso, para nos confrontar com coisas não resolvidas que existem em nós, e que nós não aceitamos, não amamos, e por isso nos envergonham e queremos negar a todo custo. O que isso tem ver com os outros? Tem a ver porque é nessas situações que usamos um mecanismo emocional chamado projeção, o que ele faz? Ele joga nos outros aquilo que não queremos assumir em nós, assim o que nos incomoda nos outros é o que mais existe em nós e nós não gostamos. Se achamos que falamos demais e que isso nos envergonha, que isso revela coisas que gostaríamos de esconder, projetaremos isso nos outros. Aquelas pessoas que achamos que falam demais nos incomodarão a ponto de não conseguirmos amá-las, mas não são elas que não amamos, é a nós mesmos.
      Por outro lado, quem fala demais ouve de menos, se falamos demais não gostamos de ouvir, e mesmo alguns que não necessariamente falem demais, mas talvez só falem aquilo que não queremos ouvir, a esses teremos muita dificuldade para amar. Isso é só um exemplo de projeção, esse mecanismo pode ser usado por nós para escondermos outros assuntos internos nossos não resolvidos. Quem, por exemplo, gostaria de ser mais bonito, invejará alguém que acha que é belo, e por causa disso não conseguirá amá-lo, ainda que na verdade seja belo e não reconheça, e nesse quesito ninguém é feio, todos temos características belas a serem admiradas. A cura está em conhecer o amor de Deus por nós, depois nos amarmos pelo que somos de verdade, e então, só então, teremos condições de aceitarmos as pessoas como elas são e as amarmos. 
      Um alerta precisa ser feito, influenciamos espiritualmente as pessoas de muitas formas, quem não ama alguém também está dizendo que esse alguém não tem direito ao amor de Deus, e se não conectamos a Deus pelo amor, podemos conectar àquilo e àqueles que negam Deus. Isso não é feito só com ódio, indiferença também gera essa condição, intenção é mais poderosa que a palavra e no mundo espiritual intenção é que vale. Se a pessoa caminha em humildade e temor ela está protegida, mas se está andando meio “solta”, ainda que não em pecado explícito, mas numa condição espiritual distante do Senhor, pode, sim, ser influenciada pelo ódio alheio, assim como pela displicência que inconscientemente gera intenção negativa e que conecta-a a influências espirituais maléficas. Amar nos protege de receber e de enviar o mal, de formas que não podemos imaginar. 

24. Até onde fomos por amor?

      “E tu, Cafarnaum, que te ergues até aos céus, serás abatida até aos infernos; porque, se em Sodoma tivessem sido feitos os prodígios que em ti se operaram, teria ela permanecido até hoje. Eu vos digo, porém, que haverá menos rigor para os de Sodoma, no dia do juízo, do que para ti. Naquele tempo, respondendo Jesus, disse: Graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, que ocultaste estas coisas aos sábios e entendidos, e as revelaste aos pequeninos.” 
Mateus 11.23-25

      Falarmos sobre amor, mais e mais, é de suma importância numa reflexão sobre eternidade. No mundo, o céu se constrói com amor e o inferno com ausência dele, na eternidade irão ao céu os que estiverem prontos para serem atraídos pelo amor de Deus, no inferno estarão os que dizem não a esse amor. O céu, o melhor de Deus, é o próprio amor do Altíssimo, cada espaço, cada construção, cada palácio que imaginamos ser o céu, cada jardim, cada árvore, cada flor, cada rio, é a luz mais alta emanada do amor de Deus, no qual não há culpa, dor, tristeza, mágoa, saudade que dói, mas um olhar firme e convicto para o alto, para o melhor que somos no amor de Deus. Inferno não é um lugar sem o amor de Deus, o amor de Deus atrai todos em todos os lugares, Deus não cria lugares para sofrimento, só o homem pode criar o inferno, dentro dele quando nega o amor de Deus pelo livre arbítrio.  
      Para entendermos o amor de Deus em primeiro lugar precisamos entender e assumir o nosso amor, o que temos por nós e pelos outros, para depois avaliarmos ambos e não confundirmos as coisas. Julgarmos a Deus por nós, tendo nós mesmos como referência, é um tipo de idolatria, a egolatria, que pode ser um engano, uma insanidade, mas também entrega de legalidade de atuação a espíritos malignos. Ocultismos e satanismos dizem que nós seres humanos somos deuses, que o ser que deve ser adorado somos nós, os homens. Enganam-se os que acham que certas linhas espiritualistas são só adoradores do diabo, não é bem isso. Alguns usam rituais e protocolos mágicos para estabelecerem contato com seres espirituais do mal e terem controle sobre esses, eles querem usar o diabo. O que ocorre então é o contrário? Quem usa quem? Comunhão espiritual pode estabelecer uma relação simbiótica. 
      Diz um ditado, “aquele que estuda o mal é estudado pelo mal”. Seja como for, muitos não respeitam e não conhecem um Deus maior e do bem pois seus deuses são eles mesmos. Isso, contudo, é equívoco que mesmo inconscientemente cristãos podem cometer, quando limitam as virtudes de Deus às suas próprias, por isso a importância de entendermos melhor o nosso amor e o amor do Altíssimo. Como funciona o nosso amor, amamos só quem nos ama? Declaramos amor só para termos direito à intimidade sexual? Achamos que sexo é amor? Amamos só aqueles que frequentam a mesma igreja que a gente, pois só consideramos esses como irmãos espirituais dignos de receberem nosso amor? Nosso amor termina quando alguém nos machuca? Amamos só a família, num afeto que beira à idolatria, enquanto não nos vemos na obrigação de amar desconhecidos, que Deus põe em nossos caminhos? 
      Se como indivíduos nós não entendemos o que é o amor de Deus, é como cristianismo coletivo que esse equívoco é potencializado, ainda que isso não seja assumido. Como percebemos isso? Quando chamamos de pecado condenado à perdição estilos de vida que vão contra a definição de moralidade do cristianismo tradicional, principalmente nas áreas da sexualidade e da família. Meus queridos, que vergonha muitos que se acham cristãos passarão na eternidade por causa disso. Quantas vezes já não ouvimos de púlpitos, e alguns famosos, que todo homoafetivo vai para o inferno, sem direito ao amor de Deus? Quantos são excluídos e desprezados para sempre pelos “irmãos” por quebrarem alianças de matrimônios? Sem chance de tratamento de amor que acompanha com paciência, conhece a doença moral e às vezes até psiquiátrica, para recuperar para o amor de Deus, não para abandonar num inferno? 
      Ah, o meu amor e o seu amor são fracos demais, convenientes demais, egoístas demais, e não estou dizendo que devemos simplesmente passar a mão na cabeça do errado, quem ama confronta com a verdade. Sim, o errado deve sentir profundamente a consequência do seu erro, mas sob disciplina de amor, não de vingança, não como se os que o punissem fossem braços e mãos privilegiados do todo-poderoso para fazerem justiça. De fato muitos serão surpreendidos na eternidade, e logo de cara, no primeiro momento que os olhos físicos se fecharem e os espirituais forem totalmente abertos. Será surpresa de alegria ou de dor? De paz ou de perturbação? De segurança ou de constrangimento? Muitos se sentirão profundamente envergonhados pelo falso cristianismo que viveram no mundo, anos em igrejas, assiduidade em cultos, mas sem prática do amor de Deus, isso meus queridos, é um inferno.  
      Todo tipo de promiscuidade é pecado, vício em sexo, como qualquer vício que controla o homem, é pecado, não importa se essa promiscuidade, se esse vício, faz uso de relações físicas íntimas com o mesmo sexo, com sexo oposto, com uma pessoa, com um grupo, com animais, ou com algum tipo de objeto, artifício ou fetiche, que tem como objetivo só saciar de forma desenfreada apetites carnais, sem respeitar aliança de fidelidade com um companheiro por amor e para toda a vida. Nessas palavras tentei definir o que é sexualidade como pecado, diferenciando de relação íntima que ocorre em casamento santo e em amor entre dois seres, sejam do sexo que forem. Sodoma e Gomorra foram condenadas por causa de promiscuidade e de vício sexual, não por causa de relação homoafetiva, essa é minha posição diante de Deus! Condenar homoafetivo, só por sê-lo, isso sim é pecado sujo.
      Até onde você foi por amor? Não me refiro a suportar casamento tóxico, a não ter amor próprio e por isso pagar preço desnecessário por um falso amor que Deus não pede de ninguém. Me refiro a amigos, a irmãos de igreja, a familiares, a seres humanos que estejam precisando urgentemente de uma atitude verdadeira de amor, pelos quais precisamos persistir, orar, aguardando pacientemente o momento certo para que a palavra certa seja dita de modo a erguer o que está caído. Você, que condena um homossexual, já foi com ele até as últimas consequências do amor? Acompanhou-o, às vezes, por anos, ouvindo-o, conhecendo-o, respeitando-o? Verificou se aquilo que podem ter ensinado a você sobre homossexualidade procede, se ela pode ser curada, ou se é só característica com a qual a pessoa tem que viver para sempre, e que não a impedirá de habitar o céu, muito menos de receber o amor de Deus? 

25. Amar santifica

      “Se me amais, guardai os meus mandamentos.” 
João 14.15

      Temos a tendência de ver a palavra de Deus como uma lista de regras, acreditamos que são mandamentos de Deus, mas tentamos obedecer essas regras com a disposição errada. Por isso muitas vezes não conseguimos obedecer a Deus e pecamos, nos sentindo tão frustrados. Para entendermos nossa aliança com Deus analisemos nossas alianças com as pessoas, nas relações de amizade e de casamento. Quando convivemos com uma pessoa, conversamos com ela, nos confidenciamos com ela, temos cumplicidade com ela em várias áreas, dividimos gastos, moradia, dores e alegrias. Isso pode ser só amizade, mas se também temos vida física íntima e afetiva com uma pessoa, isso é parte de uma aliança chamada casamento. 
      Como assim, só uma parte? Sim, porque a outra parte de um casamento é a fidelidade, ter as experiências citadas com alguém, mas isso de forma exclusiva. Quem tem todas as proximidades e intimidades citadas é porque ama, ninguém consegue praticar um “casamento”, não por muito tempo, se não amar. Quem ama é fiel e não só para obedecer uma lei de forma fria, o amor naturalmente nos faz querer estar mais próximos de alguém, assim como não partilharmos certas coisas com outras pessoas. Amor de casamento estabelece uma aliança naturalmente monogâmica, ainda que amizades genuínas e mais próximas também compartilhem coisas exclusivas, que não são compartilhadas com outros amigos. 
      Conceitos têm surgido, casamento aberto, uniões poligâmicas, poli-amor, ainda que poligamia não seja novidade têm aparecido novas formas desse antigo costume. Mas mesmo que alguns vejam essas modernidades como casamento, não creio que representem o melhor de Deus, mesmo que muitos insistam que sejam expressões válidas de liberdade. São ligações mais baseadas em liberalidade para prática de sexo por prazer, que de fato casamento, buscam muito mais usufruto pessoal que famílias maduras, tanto que essas uniões não duram muito tempo. O ser humano, contudo, é altamente adaptável, e sua moralidade, elástica, sabe-se lá o que a humanidade futura nos reserva de ruim antes que Deus exerça algum juízo. 
      Sobre casamento tenho uma ótica tradicional, ainda que meu entendimento em Deus sobre sexualidade não seja o do cristianismo tradicional. Vejo como casamento adequado e prático aquele entre dois seres humanos, com fidelidade e fazendo todo o possível para que comece certo e dure até o final de suas vidas no mundo. Se viver com uma pessoa de forma plena e verdadeira já é difícil e caro no mundo atual, imagine com mais de uma? O ponto dessa reflexão, contudo, é: amar santifica! Quem ama vive junto, não trai e naturalmente é santo. Um bom casamento, equilibrado, com cumplicidade em todas as áreas, é um castelo forte e resistente contra muitas ciladas do mal. Busquemos isso em Deus, não abramos mãos disso! 
      O erro que podemos cometer é tentarmos ser fiéis sem amarmos de fato, se não há amor o coração está vago e disponível para amar, isso ocorre com amigos, com cônjuges e com Deus. Mas muitos podem dizer com relação a casamento, “mas eu amo, não traio, ajudo minha família nas despesas financeiras, faço lazer com ela, levo minha esposa e meus filhos à igreja”, mas será que isso é feito com amor ou por pura obrigação? Com Deus é semelhante, alguns podem dizer, “mas eu amo a Deus, não falto a cultos, dou meu dízimo, dou bom testemunho no serviço, leio a Bíblia”. A esses a mesma pergunta deve ser feita: você é um bom religioso por amor a Deus ou por medo do inferno e do diabo? No amor não há nenhum medo.  
      Nós seres humanos preferimos fazer um monte de coisas para não amarmos, sacrifícios para não sermos misericordiosos, exibirmos aparências externas ao invés de buscarmos uma vida íntima de devoção a Deus através do amor. Só o amor nos permite ser fortes para sermos fiéis e consequentemente sermos santos, santidade nada mais é que guardar alianças. Tenha uma experiência em amor e não haverá espaço em teu coração para quebrar alianças. Amar nos alimenta de dentro para fora, nos evolui. Quem você será na eternidade? Seu homem interior terá a extensão do amor que você aprendeu a viver e a reter, no céu ele te fará mais bonito e mais forte porque te fará brilhar mais e estar mais próximo da luz e do Altíssimo. 

26. Quem está em Deus tem tudo
 
      “Não me escolhestes vós a mim, mas eu vos escolhi a vós, e vos nomeei, para que vades e deis fruto, e o vosso fruto permaneça; a fim de que tudo quanto em meu nome pedirdes ao Pai ele vo-lo conceda.” 
João 15.16

      São textos como o acima que nos fazem amar a Bíblia, em um versículo, uma sucessão de eventos ligando o homem a Deus. Em primeiro lugar o princípio fundamental da espiritualidade da luz, começa em Deus e em Deus finda, nós homens somos apenas meios, assim, se alguém acha que tem algum crédito por ter feito a escolha melhor, por ter sido bom, por ter se esforçado para servir a Deus, engana-se. Nosso processo de crescimento ocorre na luz de Deus e fora dela só existe morte, Deus nos atrai por amor e nisso temos forças para fazermos escolhas certas. Se o Altíssimo não nos atraísse, nem todo o trabalho que fizéssemos, nem toda nossa boa intenção e toda nossa fé, nos conduziriam para as mais altas virtudes. 
      Contudo, entendamos certo, todos os seres humanos, de todos os tempos e lugares, são atraídos pelo amor de Deus à sua mais alta luz. Deus não escolhe uns e despreza outros, a escolha que acontece é para as provações, que podem ser expiações ou missões. Mas mesmo essas não são para privilegiar uns e desconsiderar outros, são para respeitar limites e características de cada ser humano, de modo que todos possam ser seus melhores com liberdade e felicidade. Se você está sentindo que deve fazer uma coisa para ajudar alguém, não é para que você se ache superior aos outros, não é você que está escolhendo o que deve fazer para ser melhor, se tua intenção for sincera é muito mais que isso, é inclinação do Espírito de Deus. 
      É Deus quem está te chamando para fazer tal coisa, para glorificar o nome dele servindo ao próximo e seguindo no caminho de virtudes que conduz à luz do Altíssimo. Não é só questão de escolha, de opção humana, mas de responsabilidade com algo muito mais alto, num grande plano divino. Saiba de uma coisa, o plano de Deus nunca se frustra, se alguém não cumpre sua obrigação ele chama outro para cumprir, a tempo e com igual eficiência, contudo, o que perde oportunidade de ser útil perde tempo. Neste mundo, tempo importa, a saúde, a disponibilidade, a energia que temos hoje para fazer algo, podemos não ter amanhã. Saiba, portanto, que é Deus quem te chama e obedeça, o mais depressa possível, não perca tempo.
      “o vosso fruto permaneça”, gosto dessa frase, não basta dar frutos, mostrar para os homens, colher os louros de boas obras no mundo, o fruto deve ser provado pelo tempo, e o tempo, meus queridos, testa a qualidade de tudo e de todos. Mas não é só uma questão de durabilidade, algo bom que é feito, que passa a existir a partir daí e que segue existindo sem perder a utilidade, algumas coisas não se manifestam no momento que são feitas. Poderá passar muito tempo, alguns acharem até que nada foi feito, contudo, se é semente plantada por Deus, em Deus e para Deus, um dia frutificará, então, dará frutos perenes. Por isso é preciso paciência e confiança em Deus, já que ainda que os homens não saibam ou vejam, Deus sabe.
      Frutos nobres, contudo, ainda que demorem a manifestarem-se, durarão eternamente, levaremos em nossos homens interiores como pedras preciosas em uma coroa, não serão de forma alguma para nos engrandecer, mas para nos fazer iluminados e úteis nas mãos de Deus. Quem atinge esse nível de utilidade espiritual recebe um direito, “a fim de que tudo quanto em meu nome pedirdes ao Pai ele vo-lo conceda”. Eis um privilégio que muitos querem e não entendem, almejam para terem coisas materiais para si, não para serem bênçãos nas vidas dos outros. Chegar num ponto onde tudo o que pedimos Deus nos dá, parece ser recebermos a lâmpada com um gênio, mas é justamente o oposto disso, sobre vários pontos de vista.
      Nenhum pedido é negado ao que sabe pedir, nenhuma resposta é negada ao que sabe perguntar, e sabe o que Deus nunca pode negar? A si mesmo, assim se alguém estiver plenamente nele poderá existir à vontade que será sustentado por ele, será cuidado, suprido, esclarecido e satisfeito, nada falta ao que vive em Deus. Muitas pessoas fazem muitas coisas e Deus não responde suas orações, elas querem ser o que Deus não quer que elas sejam, assim, mesmo ricas, estão insatisfeitas, mesmo honradas pelos homens, não agradam ao Senhor e são infelizes. Temos que saber bem para que Deus nos chamou, só entendendo, aceitando e praticando isso com alegria, daremos frutos que permanecem e seremos sustentados por Deus em tudo. 
      São esses frutos que levaremos à eternidade, quem chegou ao ponto de saber pedir e ter todas os seus pedidos atendidos, entendeu a espiritualidade maior que constrói o céu em seu homem interior. Quem você será na eternidade? Árvore viva ou árvore seca? Assumir que Deus nos chama a desempenhar missões específicas nos leva a viver cada dia no mundo com mais responsabilidade, mas também com confiança. Se Deus chama ela capacita, portanto não podemos usar de desculpas para não fazer algo, não se esse algo de fato for a vontade de Deus para nós, não a nossa vontade ou aquilo que fazemos para agradar a vontade de homens. Ânimo, temos ordem do Altíssimo a cumprir, nossa recompensa melhor está na eternidade. 

27. Sorriso de Deus

      “O coração alegre aformoseia o rosto, mas pela dor do coração o espírito se abate.” 
      “No rosto do entendido se vê a sabedoria, mas os olhos do tolo vagam pelas extremidades da terra.
      “O homem ímpio endurece o seu rosto; mas o reto considera o seu caminho.
Provérbios 15.13, 17.24, 21.29

      Sorrir é se abrir, nos abrimos para muitas coisas na vida, para a presença da mulher amada, para o abraço apertado do filho, para o olhar sábio da mãe, para o respeito profundo do amigo. Recebemos quem bem nos quer com um sorriso, que deixa claro que temos todo o tempo do mundo para quem nos ama como somos, e se sente bem só por sorrir para nós. Mas sorrir é mais que emoção, sorrir é chave para uma poderosa comunhão espiritual, permite-nos ser ensinados e consolados pelo Espírito Santo, iluminados pelo amor de Deus que sempre sorri para nós. 
      Sorria, mas não só com o rosto, com o coração, com suas entranhas, sorria de dentro para fora, sem concessões, sem reservas, sorria porque você não deve nada a ninguém, e também não precisa agradar a homens. Sorria porque você é amado de Deus e ele sorri para você, por se agradar com você. Receber a graça de Deus é ter o Santo Espírito sorrindo em nós, isso não se compra, só se permite, quando assumimos e deixamos todo o mal, toda a treva, todo egoísmo e toda vaidade. Espíritos felizes são amigos do pai dos espíritos, homens bons têm espíritos felizes. 
      O sábio sorri com facilidade, sua felicidade é verdadeira, não possui alma presa à culpa e à mágoa. O olhar do malicioso, ainda que ria, é pesado, teme que o mal que plantou se volte contra ele, sabe que sua intenção é falsa, por isso seu olhar é desconfiado, sua alma, opaca. Quem pode entender o puro sorriso do que se humilha diante do Altíssimo? Os tolos olharão para ele e duvidarão, não podem captar o que não possuem, e ainda que tenham bens e honras, nunca terão o sorriso limpo e tranquilo daquele que trilhou o longo caminho da verdade e da retidão. 
      Num devocional pleno, numa comunhão profunda em Deus, num momento de oração pelo Espírito Santo, a mente sorri e o mundo espiritual se abre, o corpo descansa, as emoções se entregam, ainda que comecemos sobrecarregados nos tornamos leves, voamos sem asas. Até na mais restrita das celas o ser encontra plena liberdade, pode contemplar o Altíssimo sorrindo para seu homem interior, esse vivencia a eternidade ainda neste mundo. Essa experiência renova-nos, fortalece-nos, revela-nos os mistérios, é a chave para a intimidade do Senhor. 
      Na eternidade, quando a capa do corpo físico for retirada, o que ficará? O que será exposto à luz do Altíssimo? Se houver receios, remorsos, rancores, preconceitos, o espírito se fechará, como um rosto que se endurece diante da tristeza de coração, contudo, se houver paz, aquela aprendida, conquistada e retida com humildade, o espírito se abrirá, num maravilhoso sorriso. O sorriso não precisa falar, nem precisa entender, ele descobre no silêncio da matéria a sabedoria e o conhecimento de Deus, que dá todas as respostas, que sorri graciosamente para os simples. 
      Um homem antigo, com pouco conhecimento sobre si e sobre o planeta, que não estava preparado para receber o amor de Deus revelado pelo evangelho de Jesus, não podia enxergar o eterno sorriso de Deus. Não esperemos achar esse sorriso em muitos textos do antigo testamento, onde se confiava em Deus para se ter vitória sobre inimigos, também não esperemos ver esse sorriso em textos do novo testamento, onde um inferno eterno era meio de conduzir homens a Deus. Mas hoje, pelo Espírito Santo, os que querem podem contemplar, Deus sorrindo para todos. 
      Que Deus você vê quando contempla o mundo espiritual, um onipotente sisudo, exigente, julgador, ou um ser espiritual aberto, ainda que santíssimo e justo, sorrindo, de braços abertos para você? Muitos de nós passamos anos com a imagem mental de um homem dentro de nós, achando que é a de Deus, imagem que pode ter sido construída tendo como base a figura de nosso pai, de nosso avô, mesmo de algum patrão ou sacerdote religioso. Só os que buscam a Deus com todo o coração e com muita contrição, verão o sorriso do Senhor e serão libertados de superstições. 

28. Firme onde chegou

      “E, se algum de vós tem falta de sabedoria, peça-a a Deus, que a todos dá liberalmente, e o não lança em rosto, e ser-lhe-á dada. Peça-a, porém, com fé, em nada duvidando; porque o que duvida é semelhante à onda do mar, que é levada pelo vento, e lançada de uma para outra parte. Não pense tal homem que receberá do Senhor alguma coisa. O homem de coração dobre é inconstante em todos os seus caminhos.” 
Tiago 1.5-8

      Um homem inconstante em sua fé poderá morrer de fome mesmo diante de uma mesa de banquete, na dúvida não saberá qual comida escolher e nada comerá. Muitos de nós têm uma tendência ao desespero, assim, quando cometemos um erro, experimentamos um tropeço, temos uma dúvida, colocamos tudo a perder, nos esquecemos de todas as vitórias anteriores e nos identificamos como perdedores definitivos. Não é assim, Deus não nos vê assim, não se esquece de nossos acertos e não nos condena por um erro, mas quem pode ir contra um homem que não acredita em si mesmo? Uma escolha ruim só pode ser desfeita por uma escolha boa, nesse caso, acreditar e prosseguir. 
      Algumas mudanças importantes em nossas vidas provamos de forma racional, pensando certo e agindo sem pestanejar, relevando sentimentos, que muitas vezes só podem nos confundir. É claro que assunção de pecado, solicitação de perdão a Deus e posse de um novo estado emocional de paz, devem preceder todas as decisões. Mas muitas vezes, mesmo depois disso, continuamos em dúvidas, desacreditando de nós mesmos e não permitindo que Deus execute sua vontade. Deus só fala, só age, só se posiciona, depois que nos posicionamos, um coração em paz e uma mente certa constituem a lousa em que Deus escreve sua palavra, ao que crê com inteligência nada é negado.
      Se nós decidirmos, Deus se mostrará, ou ensinando algo novo que não sabíamos até então, ou continuando a fazer o que já estava fazendo e nos esquecemos por causa de um coração dobre. Por experiência própria, a maior parte de nossas angústias experimentamos, não porque não sabemos o que fazer, mas porque duvidamos do que já sabemos. Por outro lado não basta só acreditarmos em nós mesmos, e essa é uma doutrina muito pegada hoje pela auto-ajuda, que empodera o ser humano, mas afasta-o do verdadeiro Deus. Precisamos da humildade ensinada por Jesus, senão seremos só militantes com bandeira certa na mão, mas com intenção errada no coração. 
      Limpe-se em Deus, segure a paz, conheça a vontade do Altíssimo e a faça, depois, fique firme no ponto onde já chegou, se for preciso, até pare, para descansar, mas não retroceda, não jogue fora todas as experiências maravilhosas que você teve em Deus até então. Deus não muda, sua palavra permanece para sempre, se ele promete, ele cumpre, não ponha isso em dúvida. Mas siga sempre humilde, não se exalte, mas deixe Deus se exaltar em você e para você, vivendo assim a luz do Altíssimo sempre estará forte e firme no horizonte, mostrando a você para onde deve ir. Glória a Deus, chama que nos protege e nos atrai para um amor eterno que prevalece sobre tudo.
      Firmeza e constância, são esses trabalhos que de fato podem transformar e manter nossos homens interiores, aqueles que serão revelados na eternidade e que definirão nosso céu ou nosso inferno. Não basta-nos só conhecermos caminhos espirituais, termos intelectualmente informações religiosas, entendermos doutrinas e Bíblia. Por isso o Cristo enfatiza tanto “mas aquele que perseverar até ao fim será salvo” (Mateus 24.13). Não basta-nos crermos uma vez ou nos firmarmos numa profissão de fé, ainda que feita de forma oficial com todos os ritos em igreja reconhecida. Salvação é trabalho diário, lutando contra a carne e dando liberdade ao Santo Espírito. 
      Esse conjunto de reflexões denominado “Quem você será na eternidade?” tem feito questionamentos sérios, reavaliando muitas doutrinas do cristianismo tradicional. Não tenha receio de ler esses textos, mas tenha coragem de colocá-los na presença do Senhor em oração, pedindo-lhe que se algo sobre tua fé, que você entendeu até agora, estiver equivocado, que ele te mostre. Contudo, não se desvie, e desvio é nos colocarmos numa posição onde não temos mais vitória sobre o pecado, forças para darmos bons frutos que permanecem e paz. Saiba onde está, quem é, esteja firme onde chegou, só então, em Deus e pela fé, dê um passo adiante, mas só se teu Deus mandar. 

29. Por amor ou pela dor?
 
      “Há um caminho que ao homem parece direito, mas o fim dele são os caminhos da morte.” 
Provérbios 14.12

      É conhecida frase, “se não vem por amor, vem pela dor”, mas vou iniciar esta reflexão com uma afirmação: nós não escolhemos o melhor caminho por amor, não por um amor nosso, seja por nós mesmos, pelos outros ou por Deus, nós só mudamos de conduta após a dor. O amor que sempre existe é o amor de Deus por nós, e esse, na nossa teimosia, permite, sim, que passemos mesmo por muitas dores. Mas não é que busquemos caminhos que vão dar em dor, não, é o contrário, caminhos do engano nunca começam com dor, por isso são do engano, eles começam com promessas de prazer. Nós seguimos por eles e só fazemos correção de percurso quando o prazer acaba, e o prazer dos caminhos do engano sempre são passageiros, sempre são insuficientes.
      Fazemos escolhas por amor? Dificilmente. Pela dor? Também não. Fazemos escolhas pelo prazer que receberemos, isso a princípio é só o nosso instinto de preservação física nos inclinando, não é um defeito, mas um sistema que nos mantém vivos na Terra. Mas aí está o grande desafio de vivermos encarnados no mundo, nos libertarmos da matéria e amarmos os caminhos, não de qualquer espirito, mas do Santo Espírito. Escolher algo por amor e no amor de Deus é disposição de quem nasceu para coisas espirituais, que deixou a morte natural do mundo, isso, contudo, não é fácil. Podemos passar muito tempo atrás de prazer, não só diretamente do corpo, mas também o prazer que outras vaidades oferecem, intelectuais e mesmo morais. 
      Busca por prazer é o motor que move o mundo, leva as pessoas atrás de parceiros e de vidas profissionais para terem sexo e grana. Essa afirmação parece dura demais? Você não concorda com ela? Pois ainda que muitos procurem religiões e frequentem igrejas, a fé e as orações delas focarão em objetivos materiais. Quantos buscam santidade, paciência e humildade, e quantos buscam empregos e casamentos? Quantos fazem jejum e vigílias para serem seres humanos mais misericordiosos e caridosos? Mas muitos fazem longos períodos de consagração para receberem seus “escolhidos” e promoções no trabalho, não entendem o “buscai primeiro o reino de Deus, e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas” (Mateus 6.33).
      Assim, seguimos com os objetivos errados até que a dor nos acorde. Muitos das últimas gerações só depois de usarem e serem usados em relações afetivas, quando “ficaram” com qualquer um só por diversão, para mostrar para os outros, por um prazer rápido, é que entenderam que casamento é algo sério. Infelizmente, muitos só aprendem isso depois de colocarem mais vidas no mundo, que serão criadas por outros, e com muita probalidade de serem seres humanos também buscando objetivos errados na vida. Só paramos quando dói, mas aí é tarde, só muita humildade e confiança em Deus nos farão crescer, aproveitarmos melhor nosso tempo restante de vida no mundo, e recuperarmos algo. Graças a Deus que sempre nos dá novas oportunidades. 
      Se não vem por amor, vem pela dor? Na verdade, sempre achamos o caminho melhor por amor, o amor de Deus que atrai todos os seres humanos o tempo todo para ele. Se alguém acha que fez uma boa escolha e permaneceu nela porque é um ser humano do bem, em primeiro lugar verifique se de fato analisou várias opções, ou se foi só tímido, que por medo de errar não tentou e nunca foi feliz. Isso pode não ser escolha de sabedoria, mas só resignação covarde, Deus nos chama enquanto caminhamos. É isso que nos faz crescer e dar valor àquilo que conseguimos ser de melhor no final, atraídos pelo amor eterno de Deus, que nos permite achar prazer no caminho melhor da santidade e da paz, do que é mais correto e que levaremos à eternidade. 
      Mas mesmo você, que viveu sem medo, experimentou dores, e que aprendeu e seguiu persistindo no caminho melhor, não deixe que o tempo te adormeça no leito do orgulho. Se Deus não nos atrair por seu amor, não conseguiremos fazer sequer uma rápida oração no dia, agradecendo por estarmos com saúde. Sem o amor de Deus não existimos, cada boa iniciativa espiritual que tomamos, cada desejo de cultuar, de dizimar, de louvar, de ser fiel e santo, é Deus nos atraindo pelo seu Espírito. Na eternidade seguiremos assim, mas sem o peso do corpo físico, então, se nosso homem interior estiver transformado, pela fé e por boas obras que exercemos no mundo, nosso espírito subirá leve e rápido às regiões celestes mais elevadas em Jesus.

30. Sofrimento ganha o céu?

      “Confirmando os ânimos dos discípulos, exortando-os a permanecer na fé, pois que por muitas tribulações nos importa entrar no reino de Deus.
Atos 14:22

      Sofrimento ganha o céu? Sim, se for sincero. Muitos de nós vêm para o amor de Deus pela dor que sempre existe no final dos caminhos do engano dos prazeres deste mundo, mas precisamos considerar, e muito, que existem muitas pessoas no mundo que sofrem por causa da injustiça de homens egoístas e gananciosos. Esse tipo de sofrimento Deus vê e dá valor, a história da viúva que sustentou Elias é um exemplo esplêndido de um sofrimento legítimo (leia texto no final), onde havia propósito de Deus, honra para a sofredora e suprimento para o profeta. 
      Alguns podem interpretar essa história de um jeito oposto, acharem que a viúva estava bem, visto poder sustentar Elias, e era Elias quem passava por um sofrimento, visto depender de outra pessoa que o sustentasse, mas não era isso. Elias cumpria uma missão de Deus, ele não era ocioso, ele trabalhava como profeta e como tal merecia seu sustento. Ocorre que Deus usa para sustentar seus servos a maneira que lhe apraz, ainda que seja uma viúva pobre, assim não julguemos ninguém, não sabemos da missão e do cuidado especiais que Deus dá a alguns. 
      Elias fora levantado contra o rei Acabe, quem pode afirmar que a viúva sofria por causa da situação de falta de chuva que era vontade de Deus para disciplinar um rei e uma nação em situação de rebeldia contra o Senhor? Quando os líderes pecam, sejam políticos e mesmo pastores, todo o povo sofre, as ovelhas sofrem, e quem sofre mais são os que já estavam debilitados, pobres e viúvas. Mas uma coisa é preciso que seja dita, muitos sofrem porque fizeram escolhas pessoais erradas, então, quando uma situação ruim assola todo o coletivo, esses sofrem ainda mais. 
      Ser sustentado por uma viúva podia ser uma provação para um servo orgulhoso, mas para um profeta humilde era só um motivo para agradecer o Deus que sempre honra o que lhe obedece. Contudo, sustentar o profeta era uma provação para uma mulher sem marido já abatida por muitos problemas. Uma mulher viúva em Israel dos tempos do antigo testamento, era uma condição muito baixa, próxima a de mendigos, mas ainda assim Deus pediu mais uma coisa dela, que sustentasse um desconhecido. Deus pediu muito? Não, Deus sabe o que pede e a quem pede. 
      O pedido de Elias, “faze dele primeiro para mim um bolo pequeno, e traze-mo aqui, depois farás para ti e para teu filho” até pode nos parecer cruel, egoísta, mas ele revela duas verdades, sobre Elias e sobre a viúva. Elias tinha plena segurança em Deus do trabalho que desempenhava, da missão profética que tinha recebido do Senhor, da prioridade que ela tinha para toda a nação de Israel. Não, ele não quis humilhar nem explorar a viúva, mas falou com a certeza de um servo de Deus, que sabe o que está fazendo, onde, quando, e que conhece o Senhor que obedece. 
      A viúva por sua vez não se ofendeu, e tinha bons motivos para isso, obedeceu, como recompensa foram ela e seu filho sustentados por um milagre. “E ela foi e fez conforme a palavra de Elias, e assim comeu ela, e ele, e a sua casa muitos dias”, conforme o profeta disse, aconteceu. A viúva ainda provaria mais um milagre pelo ministério de Elias, o restabelecimento de seu filho da morte, que exemplo de sofrimento digno. A viúva não sabia a quem ajudava com seu pouco, só no final reconheceu Elias como homem de Deus, mas isso não a impediu de exercer amor. 
      Provas não são problemas, são intervenções de Deus focadas em pontos nevrálgicos, que precisam ser tratados, curados, aperfeiçoados, para que possamos evoluir e construir dentro de nós o céu. Por isso o céu não se compra, não se troca, se ganha como direito adquirido em vida, por escolhas certas em fé e com obras de amor. Você tem alguma dúvida que a viúva da história de Elias escolheu o céu? Acho bem certo ela ter feito essa escolha, passou pela prova do sofrimento, da humilhação e foi aprovada, quanto ao profeta seguiu seu caminho, tinha uma obra a fazer. 

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      “Levanta-te, e vai para Sarepta, que é de Sidom, e habita ali; eis que eu ordenei ali a uma mulher viúva que te sustente. Então ele se levantou, e foi a Sarepta; e, chegando à porta da cidade, eis que estava ali uma mulher viúva apanhando lenha; e ele a chamou, e lhe disse: Traze-me, peço-te, num vaso um pouco de água que beba. E, indo ela a trazê-la, ele a chamou e lhe disse: Traze-me agora também um bocado de pão na tua mão. Porém ela disse: Vive o Senhor teu Deus, que nem um bolo tenho, senão somente um punhado de farinha numa panela, e um pouco de azeite numa botija; e vês aqui apanhei dois cavacos, e vou prepará-lo para mim e para o meu filho, para que o comamos, e morramos. 
      E Elias lhe disse: Não temas; vai, faze conforme à tua palavra; porém faze dele primeiro para mim um bolo pequeno, e traze-mo aqui; depois farás para ti e para teu filho. Porque assim diz o Senhor Deus de Israel: A farinha da panela não se acabará, e o azeite da botija não faltará até ao dia em que o Senhor dê chuva sobre a terra. E ela foi e fez conforme a palavra de Elias; e assim comeu ela, e ele, e a sua casa muitos dias. Da panela a farinha não se acabou, e da botija o azeite não faltou; conforme a palavra do Senhor, que ele falara pelo ministério de Elias.” 
I Reis 17.9-16

31. Sinceridade ganha o céu?
 
      “Ora, o fim do mandamento é o amor de um coração puro, e de uma boa consciência, e de uma fé não fingida.” 
I Timóteo 1.5

      Basta sermos sinceros para termos direito ao céu? Há um ditado, “de boas intenções o inferno está cheio”, poderíamos acrescentar, de sinceridade o inferno está cheio. A Bíblia, principalmente em Salmos, cita bastante o termo sinceridade como virtude importante do justo, mas penso que nos dias de hoje temos que entender melhor esse conceito, já que sinceridade tem sido usada por muitos como álibi para estupidez. Refletimos sobre sinceridade em “Deus conhece o sincero bom”, contudo, creio que é interessante, num estudo sobre eternidade, pensarmos mais a respeito.
      Ainda que erremos muito na vida, que batamos a cabeça, mesmo que façamos mal a alguns, se há uma sinceridade benigna em nós, Deus nos chama, nos salva, nos perdoa e nos abençoa. Vamos refletir nessa afirmação. Em primeiro lugar é preciso entender e aceitar que todo mundo erra, todo mundo perde tempo em escolhas ruins e todos machucam os outros. Ninguém se ache a pior pessoa do mundo, a única que fez bobagens, nem se considere perfeito ou sempre vítima, inventando desculpas para os pecados cometidos e não assumindo-os com responsabilidade pessoal.
      Em segundo lugar Deus contempla o sincero, mas o sincero benigno, não basta ter sinceridade, ela precisa ser boa. Há diferença entre sinceridades? Sim. Ser sincero é fazer algo, falar ou sentir alguma coisa, com verdade, sem falsidade, mas isso não basta para ser boa sinceridade. Muita gente é sinceramente má, sinceramente cruel, sinceramente diabólica, isso não é falso nelas, elas não enganam ninguém sobre suas intenções, mas essas intenções não são boas. Muitos dizem, “ah, eu sou sincero, se me incomoda eu falo mesmo, doa a quem doer”, isso é sincero, mas não é benigno. 
      O que é então boa sinceridade? O benignamente sincero pode até errar, mas ele quer acertar, e o principal, ele acerta um dia, a tempo de ter uma vida de justificado por Deus (eu disse justificado, não justo, ainda que o justificado em Cristo se torna justo aos olhos de Deus). Não basta errar e dizer, “poxa, eu não sabia, não tinha experiência, eu queria acertar e não consegui”, e depois tornar a cometer o mesmo erro outra e outra vez. O sincero do bem acha o caminho melhor, ainda que a custo de sofrimento, acha e fica nele, até o fim. Deus conhece o sincero bom e cuida dele.
      Nós, seres lineares, não entendemos a não linearidade de Deus. Deus não nos julga pelo presente, mas pelo futuro, ele sabe onde chegaremos e se a nossa sinceridade é ou não benigna. Deus não tem tempo, contempla todas as existências e todos os tempos ao mesmo tempo e de uma vez. Você está orando aos prantos, confessando um pecado e assumindo que não vai mais cometê-lo, consciente que magoou muitos com ele? Deus sabe se você daqui a um tempo se esquecerá da promessa e cometerá de novo o mesmo pecado, mas ainda assim ele te perdoa e cuida de você. 
      O verdadeiro filho de Deus sempre tem um final feliz, ainda que esse final seja bem lá no fim e por um curto período de tempo. Isso não importa, importa que ele alcançará o centro da vontade do Senhor para sua vida e ficará nesse lugar. Deus sabe disso, antes, e por isso cuida e protege o sincero, ainda que no presente esse esteja fazendo más escolhas e pagando preços por isso. Assim, é sábio não julgarmos ninguém, muito menos condenarmos alguém por erros passados, só o Senhor sabe quem sinceramente se arrependeu, mudou de vida e segue obedecendo-lhe. 
      É essa boa sinceridade que será procurada na eternidade em nossos homens interiores. Se existir nos liberará para subirmos para o amor de Deus, o céu, caso contrário estaremos vazios para cairmos mais profundamente num inferno, cuja semente já habita o espírito do falso. A falsidade é mentira que não segura virtudes, ainda que no mundo, no meio dos homens, o falso grite a plenos pulmões que possui virtudes, não são as palavras que compravam sinceridade, mesmos algumas ações. A boa sinceridade não pode ser falsificada, é uma intenção pura no íntimo do ser. 
      O texto inicial de I Timóteo 1.5 define o que o bom sincero tem, amor de um coração puro, de uma boa consciência e de uma fé não fingida. Quem é sincero tem um amor verdadeiro dentro de si anexado por obras, a marca dos que têm o céu, já que o céu é uma posição espiritual construída com o amor de Deus. Esse amor é puro, sem malícia e sem segunda intenção, fruto de uma boa consciência, que não guarda mágoa nem inveja, e de uma fé verdadeira, não fingida, que não só aparenta ser justo, é de fato, porque conhece o Deus em quem confia e a ele consegue agradar. 
      “Julga-me, Senhor, pois tenho andado em minha sinceridade, tenho confiado também no Senhor, não vacilarei, examina-me, Senhor, e prova-me, esquadrinha os meus rins e o meu coração” (Salmos 26.1-2). Só o sincero do bem tem essa coragem, de deixar que Deus o julgue conforme sua sinceridade, ele sabe que existe verdade em sua caminhada com Deus e não teme nenhum juízo. “Quanto a mim, tu me sustentas na minha sinceridade, e me puseste diante da tua face para sempre” (Salmos 41.12). O sincero do bem tem livre acesso ao Altíssimo, no mundo e para sempre no céu. 

32. Onde está tua paz?

      “Mas nós, segundo a sua promessa, aguardamos novos céus e nova terra, em que habita a justiça. Por isso, amados, aguardando estas coisas, procurai que dele sejais achados imaculados e irrepreensíveis em paz.” 
II Pedro 3.13-14

      Onde está tua paz? Se descobrir isso achará teu céu. A vida é uma constante procura por paz, e muitas coisas podem nos dar paz, agora, se essa paz é passageira ou duradoura, vã ou nobre, isso é algo que só darão valor os maduros ou espirituais. Você não precisa ser espiritual para ser maduro, mas todo espiritual com certeza amadureceu. Depois de uma redação sexual sentimos paz, também após uma refeição, quando vamos bem em uma avaliação na faculdade também sentimos paz, assim como quando somos aplaudidos por termos realizado uma apresentação musical. 
      Uma criança, criada com equilíbrio e amor, está em paz, o jovem terá paz rapidamente, e ainda que também a perca em pouco tempo, experimentará de novo paz com facilidade. Um corpo sadio, com emocional apaixonado e espírito novo, ajudam-nos a não permanecermos presos a espaço e tempo, jovens ainda não temos passado e futuro, só presente. O maduro, contudo, não se acomoda a uma paz experimentada, ele sabe que a vida segue, que as coisas mudam e a paz não fica, novos desafios precisam ser superados, ele precisa estar de pé, com ou sem paz. 
      O espiritual tem uma experiência com Deus e sabe que a paz que advém disso é singular e gerará nele virtudes que levará para sempre. Mas qual é a experiência em Deus que nos dá paz? Paz não vem de experimentarmos algo, mas de reconhecermos nessa experiência algo relevante. Muitas vezes temos experiências importantes na vida e por não darmos a elas o real valor não sentimos muita coisa, a vivência passa e continuamos perdidos. Você deve ter tido uma experiência que te foi rara, mas que já tinha experimentado antes e não tinha dado importância.
      Só damos importância para duas refeições no dia quando temos tão pouco dinheiro no bolso que talvez não dê para pagar nem uma. Só damos valor ao nosso cônjuge, parando de brigar com ele por qualquer motivo e não achando que o marido da outra ou a esposa do outro é melhor que o nosso cônjuge, quando ficamos sozinhos, sem alguém sequer para nos acompanhar silenciosamente enquanto assistimos um filme na TV. Só sentimos falta de um culto quando somos obrigados a trabalhar secularmente num domingo até a noite e somos impedidos de ir à igreja. 
      A paz pode ser relativizada, a partir do momento que entendemos o preço que podemos pagar por ela. Paz que não custa muito, quando ainda somos imaturos, é relegada a um nível mais baixo, mas quando amadurecemos sabemos que todo preço deve ser respeitado e nenhuma paz é pequena se for sincera do bem e não fizer mal a ninguém. Mas achamos um mistério espiritual ao descobrirmos aquilo que realmente nos dá a melhor paz, sentimo-nos satisfeitos de um jeito único, de tal maneira que ainda que faltem-nos outras coisas, nos sentiremos serenos e protegidos. 
      Descobrirmos essa paz especial é descobrirmos o centro da vontade de Deus para nossas vidas. Acredite, todos temos uma missão especial, uma provação específica, que temos que vivenciar para acharmos a paz mais profunda, que nos acompanhará até a eternidade. Veja que essa paz não tem a ver com estarmos bem financeiramente, com termos notoriedade diante dos homens, muitos têm tudo isso e não têm a melhor paz. Descobrirmos a melhor paz e podermos retê-la até o fim de nossas jornadas, é acharmos o céu ainda encarnados, estamos no mundo para isso. 
      Como ensina o evangelho, essa paz não tem a ver com ganhar, mas com perder, não tem a ver com ter, mas com ser, num presente constante que não sente saudades ou culpas pelo que se foi, nem ansiedades ou medos pelo que virá. Quem sente essa paz e consegue segurá-la experimenta algo que não vai mudar quando morrer o corpo físico, mas que só será liberado na eternidade com plenitude para existir na luz mais alta de Deus. Quem vive essa paz tem toda a convicção que estará no céu quando partir deste mundo, para esse o plano espiritual não será surpresa ruim. 

33. E alguns, quem serão na eternidade?
 
      “Nenhum homem há que tenha domínio sobre o espírito, para o reter; nem tampouco tem ele poder sobre o dia da morte; como também não há licença nesta peleja; nem tampouco a impiedade livrará aos ímpios.” 
Eclesiastes 8.8

      No dia 25/11/2020, faleceu o jogador de futebol Diego Armando Maradona, com certeza um dos melhores do mundo em seu esporte, e na opinião de muitos argentinos, o melhor, mais até que Pelé (s.q.n.). Pessoas e coisas se destacam das outras em nível mundial e perdurando no tempo não por terem uma coisa diferenciada, mas muitas, um grupo de características contribuíram para que Maradona fosse especial. Primeiro ele tinha uma habilidade singular com a bola, talento e arte que produziam muito em pouco espaço de campo e em pouco tempo, isso não só ganhava jogos, mas nos encantava, vê-lo jogar era (e é, assistindo vídeos) muito prazeroso. Maradona era mais que um excepcional atleta, era genial! 
      Mas Maradona não era só um jogador ímpar de futebol, ele tinha opiniões políticas e não tinha medo de expô-las. Assumidamente de esquerda dizia que Fidel Castro era seu segundo pai, defendia os pobres e até chegou a se posicionar publicamente contra as riquezas da Igreja Católica. Esse misto de deus e bad boy criou um carisma que levantou adoradores na Argentina, passando pela Itália onde jogou e por todo o planeta. Existe até uma “igreja” que celebra Maradona como um ser espiritual especial, a Igreja Maradoniana. Seu enterro teve pompas de rei e movimentou a Argentina como poucas vezes, o falecimento de Dieguito aos sessenta anos, vítima de parada cardiorrespiratória enquanto dormia, foi prematuro. 
      Contudo, se na vida pública ele é considerado um deus, na vida privada foi terrivelmente humano, e isso ele não escondeu de ninguém. A verdade na vida das pessoas, e por incrível que pareça mesmo a ruim, sempre traz mais admiração que aversão, porque sentimos empatia por sabermos que outros têm as mesmas lutas que nós. Vemos, mesmo no gênio, alguém semelhante a nós, se até ele teve problemas, por que nós não podemos ter? Contudo, é bom refletirmos sobre algumas coisas da passagem desse ser humano único na Terra para aprendermos e quiçá, melhorarmos. O que faz alguém, com tantos privilégios, com tantas glórias, que nasceu com ferramentas tão boas para ter prosperidade no mundo, ser presa de vícios? 
      A vida é feita de trocas, deixamos algo que nos faz mal quando temos algo bom, de pelo menos igual tamanho, para trocarmos, não basta tirarmos o mal, temos que ocupar o espaço com algo bom, algo que valha à pena termos e mantermos. Contudo, o que é bom para nós depende de nosso caráter, de princípios de certo e errado que temos e guardamos no fundo do nosso ser, esses princípios ganham relevância quando entendemos o que realmente importa na vida, o que nos traz a paz que permanece. Muitos deixam uma vida de devassidão e de prazeres egoístas quando acham um amor verdadeiro e com ele constroem uma família, outros trocam vícios por profissão, começando pelos estudos até alcançarem um cargo alto e honrado. 
      Tantos que realmente se convertem ao evangelho de Jesus deixam vidas erradas e frívolas para conhecerem, adorarem e servirem a Deus, e essa é a vocação melhor de todo ser humano, a mais eficiente para livrar de ilusões e vícios. Se não paramos de pecar porque não achamos que o pecado nos faz mal, se tivermos alguma índole paramos de pecar porque isso machuca pessoas que amamos, assim o que vence o pecado é o amor. Pecar e seguir pecando, fazendo disso um vício, é atitude de seres imaturos e egocêntricos, que só se importam com o próprio prazer, e quem não morre para si para viver pelos outros, acaba vivendo só para si e morrendo para todo mundo. Viver para sempre do jeito melhor só em Deus. 
      Felizmente existem bons exemplos de gente, mesmo entre artistas e esportistas famosos, que venceram drogas e alcoolismo, mas infelizmente, por mais que a luz de gênios tenha brilhado neste mundo e que até nos acostumemos a dizer que esses continuarão brilhando no céu, a coisa não funciona bem assim. Não, não estou condenando ninguém ao “inferno” pelo simples fato de alguém não ter demonstrado em vida qualquer relação com o evangelho, a coisa também não funciona assim. Ligação íntima com Deus só Deus e quem a tem sabem, não nos enganemos. A vida é uma prova, aptidões, família, intelectualidade, posições, fama e bens, são só ferramentas, não definem as pessoas, mas são usadas para provar as pessoas. 
      Ser famoso no mundo, em tantas áreas distintas, revela-nos uma coisa, algumas pessoas receberam de Deus uma oportunidade especial. Não, o diabo não é pai de nada, não dá nada, mas pode enganar aqueles que de um jeito ou de outro teriam relevância no planeta, dizendo que eles são o que são por causa dele. Mas isso é uma mentira, com as grandes facilidades, que dons e aptidões entregam, vêm grandes responsabilidades, e a responsabilidade maior é contribuir de forma positiva nas vidas das pessoas, isso será cobrado de todos na eternidade, não tenham dúvidas. Quanto a nós, reles mortais, não invejemos a fama, sejamos úteis em amor o mais humildemente possível, o Deus que dá, sabe, e recompensará com justiça. 

34. Carisma, política e pecado

      “Porque nada trouxemos para este mundo, e manifesto é que nada podemos levar dele. Tendo, porém, sustento, e com que nos cobrirmos, estejamos com isso contentes. Mas os que querem ser ricos caem em tentação, e em laço, e em muitas concupiscências loucas e nocivas, que submergem os homens na perdição e ruína. Porque o amor ao dinheiro é a raiz de toda a espécie de males; e nessa cobiça alguns se desviaram da fé, e se traspassaram a si mesmos com muitas dores. Mas tu, ó homem de Deus, foge destas coisas, e segue a justiça, a piedade, a fé, o amor, a paciência, a mansidão.” 
I Timóteo 6.7-11

      As cartas de Paulo a Timóteo constituem um verdadeiro manual do pastor, não só sobre os deveres desse, mas também sobre seus direitos. Um pastor tem direitos? Tem, mas bem menos que muitos pastores querem ter nos dias atuais. A palavra chave do texto bíblico inicial é piedade, piedade é devoção, amor pelas coisas religiosas, mas mais que religiosidade pessoal, é compaixão pelo sofrimento alheio, misericórdia pelos outros. Em piedade está também incluído o termo servo, que é ocupar-se em servir o outro, não a si mesmo, é se dar, não receber, desaparecer, não ser visto. 
      Se a pergunta “quem você será na eternidade?” é relevante para todos os seres humanos, para os pastores em especial tem uma importância ainda maior. Quem será você, pastor, na eternidade? Quem será você diácono, presbítero, missionário, reverendo, padre, bispo, papa, monge? Vocês que pregam que na eternidade não valerão títulos do mundo, status de profissionais em empresas, adquiridos com estudo, trabalho e mesmo valor da conta no banco, não se enganem, títulos em instituições religiosas, em ministérios, em igrejas, também pouco ou nada poderão representar. 
      Quando os homens entenderam o poder do cristianismo, que esse contém o Cristo e o Cristo pode transformar as vidas dos homens, em primeiro lugar muitos homens receberam essa transformação, entretanto, alguns outros, depois, perceberam que esse poder poderia ser usado para beneficia-los no mundo. Assim nasceu a igreja católica no quarto século e depois tantas igrejas evangélicas como empresas e negócios lucrativos, daí outra coisa ocorreu, proeminência religiosa potencializa influência política, assim homens manipulam homens não só em templos, mas na sociedade. 
      A relação entre papas e imperadores é histórica no catolicismo, no protestantismo isso se repete, pastores, missionários, pregadores, diáconos usam a popularidade que possuem em congregações para construírem eleitorado e conquistarem cargos políticos em suas cidades, estados e mesmo no âmbito federal. Ainda que eu acredite que cristão não deva ter cargos políticos de forma alguma, posso até fazer uma excessão, mas desde que o cristão abra mão de cargos e títulos na igreja, não usando isso para ter votos de cristãos, mas sendo representante político de todos, mesmo de não cristãos. 
      Mas quem resiste à tentação? Quem percebe que nasceu com uma persona marcante, com jeito carismático que encanta as pessoas, principalmente por seu modo de falar, e toda sedução implica em boa lábia e energia sexual, que necessariamente não requerem boa aparência, esse não resiste à tentação de expandir a influência que tem em púlpitos, em igrejas, para toda a sociedade. Carisma independe de dons espirituais, mesmo de formação intelectual, e hoje, com a internet, popularidade se constrói ainda com mais facilidade. Eu pergunto se carisma pessoal é bênção ou maldição. 
      Fica fácil para quem não precisou investir trabalho e dinheiro no desenvolvimento de uma competência, conseguir as coisas com algo que recebeu de graça, não precisar nem de vida espiritual para impressionar as pessoas, basta-lhe encenar um personagem. Carisma pessoal mais cristianismo podem acabar em política, mesmo que seja só para administrar interesses numa igreja. Políticos, contudo, poderão cair nas armadilhas dos valores mais cobiçados no mundo, dinheiro e sexo. Estou generalizando, sendo injusto? Nem todo líder de igreja é político e nem todo político é ganancioso e lascivo? 
      Mas para quem começa errado é mais fácil acabar errado, o erro inicial é confiar em si mesmo para ter aquilo que não era para se ter, pelo menos não do jeito que se teve, assim o carismático deve ter mais cuidados, não menos. A pergunta que deve ser respondida é: o que nos torna carismático, o Espírito Santo ou o nosso ego? Grandes egos devem ser ainda mais moldados por Deus e pelo tempo. Se não tocarmos as vidas das pessoas com justiça, piedade, fé, amor, paciência e mansidão, como orienta Paulo a Timóteo, seremos nós que faremos algo e para a nossa glória, não Deus e para Deus. 
      Aparta-te deles, foge dessas coisas, eis as orientações de Paulo a Timóteo sobre como devemos nos comportar com homens e mulheres que usam o cristianismo para benefícios próprios. Será que nós, como ovelhas ou como líderes do segundo escalão, fazemos isso? Ou somos seduzidos por pastores carnais e nos colocamos debaixo deles para sermos promovidos com eles, aprovados por eles, ainda que digamos para nós mesmos que queremos só servir a Deus em boas igrejas? É tentador ao carismático seu carisma, mas também aos outros, seduzidos sentem-se amados e todos querem ser amados. 
      Seremos avaliados na eternidade pelo nosso interior e não pelo nosso exterior, seja pela nossa aparência, pelo número de pessoas que se encantam com nossa simpatia, por títulos ou fama em igrejas, e mesmo por sermos líderes ou “donos” de ministérios evangélicos reconhecidos. Infelizmente como tem pastor, principalmente de um tempo para cá quando ser evangélico e pastor virou moda, não querendo fazer a vontade de Deus, mas ser um novo Macedo ou um novo Hernandes, e aqui não vai necessariamente crítica a esses. Poucos querem ser como Paulo, e menos ainda como Jesus.   

35. Pastor, quem você será na eternidade?

      “Milita a boa milícia da fé, toma posse da vida eterna, para a qual também foste chamado, tendo já feito boa confissão diante de muitas testemunhas. Mando-te diante de Deus, que todas as coisas vivifica, e de Cristo Jesus, que diante de Pôncio Pilatos deu o testemunho de boa confissão, que guardes este mandamento sem mácula e repreensão, até à aparição de nosso Senhor Jesus Cristo; a qual a seu tempo mostrará o bem-aventurado, e único poderoso Senhor, Rei dos reis e Senhor dos senhores; aquele que tem, ele só, a imortalidade, e habita na luz inacessível; a quem nenhum dos homens viu nem pode ver, ao qual seja honra e poder sempiterno. Amém.” 
II Timóteo 6.12-16

      Para entendermos melhor a jornada de Jesus e de outros mestres do primeiro século, é importante conhecermos como funcionava a educação nesse tempo. Parte importante do ensino era itinerante, os alunos andavam com o professor de cidade em cidade, era um costume da época, o professor e seus alunos não eram andarilhos desempregados por causa disso. Alunos podiam ser sustentados pela família, mas os que não podiam dependiam da ajuda dos moradores das cidades com alimentação e moradia, vemos um exemplo disso em Lucas 10.1-16 quando Jesus envia os setenta (veja mais neste link). 
      Jesus era rabino, mestre, era professor, essa era sua profissão, ele escolheu alunos, os discípulos (Mateus 4.18-22). Jesus tinha experiência e conhecimento, obtidos antes do início de seu ministério, para desempenhar sua atividade. Jesus não era só alguém tentando divulgar uma nova religião ou a reforma de uma antiga. Hoje temos esse costume no ensino? Não, hoje o ensino é feito em lugares fixos, há leis que certificam escolas e faculdades como oficiais, entretanto, mistificando a vida de Jesus, muitos pastores tentam romantizar um costume antigo para dar legitimidade a seu despreparo. 
      Hoje, um pastor deveria ser um profissional legalizado, e nessa afirmação usei o termo “profissional” na melhor das interpretações. Profissional no sentido de ser alguém, após ser chamado espiritualmente, preparado intelectualmente em faculdades e seminários teológicos sérios, depois ser devidamente consagrado numa igreja por um grupo de pastores idôneos, para então começar a trabalhar. Infelizmente o termo profissional é interpretado do jeito errado, como empresário vendendo um produto para obter lucro, ainda que não se tenha preparo e muito menos chamada espiritual para tal.
      Não é fácil o trabalho de um pastor que milita a boa milícia da fé, ocupar-se em servir o outro, em tempo integral, atender os pedidos dos que sofrem, ter sempre uma palavra de esperança para dar, estar sempre de pé. Se para viver é preciso resiliência, muito mais para ser pastor, e não só para a própria sobrevivência, mas para ajudar outros a seguirem vivendo em Deus. Existem pastores verdadeiros hoje em dia? Sim, muitos, Deus os conhece e deles cuida, ainda que sejam menos “famosos” entre os homens. Quem deles precisou nunca deles se esquece, louva a Deus por eles, servos leais de Jesus. 
      Pastor, quem você será na eternidade? Seu homem interior estará coerente com o que você pregou? Que você seja um ser humano feliz por estar fazendo o que lhe é pedido por Deus. Se não sentir-se melhor pelo que se faz é consciência que deve haver em todo aquele que decide pelas vidas de muitos em áreas materiais deste mundo, também é consciência que será cobrada de pastor. Esse tem a missão de servir, não de ser servido, de entender que foi chamado por causa de ovelhas que precisavam do alimento que Deus lhe deu para dar a elas, e não para ser sustentado materialmente por elas. 
      Nem sermos líderes religiosos, por si só, nos faz melhores e com mais direitos na eternidade, o pastor não terá entrada no céu na frente de outros só por ser pastor, ninguém se engane. Se estamos fazendo o que Deus quer de nós, temos capacidade do Senhor dada a nós no tempo para fazer isso, por isso, ainda que fazendo com muito amor, não fazemos mais que nossa obrigação. Mas se alguém acha estar fazendo mais que deve, por isso os homens e Deus estão em dívida com ele, e que isso lhe deverá ser pago, se não aqui no céu, entenda melhor sua chamada e como desempenhá-la ou mude de área. 
      Como outras vezes já foi dito aqui, haverá muitas surpresas no exato instante após o corpo físico parar de funcionar e o espírito estiver livre para a eternidade, muitas surpresas serão para melhor, mesmo que se veja que as coisas não são bem como se pensava ser. O humilde sempre acha paz e luz. Contudo, haverá surpresas tristes e outras até piores. Os que experimentarem as tristes passarão por um tempo de aceitação, não do que o céu é, mas do que eles de fato são construído em seus homens interiores no mundo, por anos de escolhas equivocadas sobre o caminho da piedade e do temor a Deus. 
      Haverá, entretanto, os que experimentarão terríveis surpresas, esses se revoltarão por não receberem o que achavam que tinham direito, esses se escandalizarão com a verdadeira eternidade confrontada com as superstições e fantasias que a religião de homens construiu em suas mentes, ainda que o Espírito Santo lhes mostrasse a verdade. Esses terão um inferno para alojar invejas, ódios, vícios, culpas e revoltas contra tudo, principalmente contra Deus, que não sejamos um desses, antes andemos sempre no amor de Deus. Deus sempre nos conduz à verdade, o humilde sempre a encontra e a tempo. 
      “Rei dos reis e Senhor dos senhores, aquele que tem, ele só, a imortalidade, e habita na luz inacessível, a quem nenhum dos homens viu nem pode ver”, lindíssima essa descrição que o texto bíblico inicial faz sobre o Cristo espiritual que nos será revelado na eternidade, me chamam a atenção os termos imortal e luz inacessível, que mistério profundo há nisso. Entendemos de fato o que isso significa? Muitos cristãos não entendem, ainda que creiam que terão vida eterna no céu. Imortalidade não é só nunca morrer, mas ser eternamente atraído pelo amor de Deus à sua mais alta luz e dizer sim. 

36. Que pessoas vos convêm ser?

      “O Senhor não retarda a sua promessa, ainda que alguns a têm por tardia; mas é longânimo para conosco, não querendo que alguns se percam, senão que todos venham a arrepender-se. Mas o dia do Senhor virá como o ladrão de noite; no qual os céus passarão com grande estrondo, e os elementos, ardendo, se desfarão, e a terra, e as obras que nela há, se queimarão.
      Havendo, pois, de perecer todas estas coisas, que pessoas vos convém ser em santo trato, e piedade, aguardando, e apressando-vos para a vinda do dia de Deus, em que os céus, em fogo se desfarão, e os elementos, ardendo, se fundirão? Mas nós, segundo a sua promessa, aguardamos novos céus e nova terra, em que habita a justiça.” 
II Pedro 3.9-13

      A vida urge e nos conclama em todo o tempo a compreendê-la. Aqui no mundo ela não é eterna e segue para a desintegração, quem tiver olhos e ouvidos espirituais abertos compreenderá a existência neste plano e poderá retirar dela algo bom e eterno. Sofremos esperando, os que não querem sofrer negam a necessidade da espera fazendo uso de subterfúgios, que potencializam as ilusões da vida material dando uma falsa impressão de eternidade na carne, eternidade que só é viável no espírito. Mas quem tem o Espírito Santo tem a eternidade em si, para a vida, não para a morte, e ainda que veja o corpo morrer pode conhecer e usufruir o Deus eterno de luz e paz. Basta-lhe lutar contra as baixas tendências da carne e deixar subir a vocação mais alta do espírito, que habita essencialmente todos os seres humanos.
      Para Deus o tempo não funciona como funciona para nós, seres encarnados, ele sabe do futuro porque tudo já fez no passado, existindo num eterno presente. Os que sincronizam suas vidas com ele não sofrem com prazos de entrega, nem se surpreendem com recebimentos, se para nós parece demorar é só o Senhor aguardando que nós, na carne, estejamos melhor preparados para receber. Justos e ímpios, salvos ou perdidos? Deus ama a todos igualmente, todos provarão o seu amor em algum tempo, não duvidem disso. São os próprios homens, não Deus, que podem impedir os homens de receberem as bênçãos e serem satisfeitos com a felicidade. Quem ainda não recebeu um bem é porque ainda não se preparou para isso, colocando-se na posição onde todas as bênçãos, espirituais e físicas, podem ser usufruídas. 
      Haverá juízo, um julgamento final? Haverá um momento onde todos os seres humanos serão avaliados por um juiz, mais elevado e puro, para que recebam uma sentença? Sim, não da maneira como muitos, incluindo cristãos e evangélicos, acham que será, mas com certeza confrontará causas e efeitos de todos os seres. Tudo será recompensado, também não do jeito que muitos acham que será, não necessariamente conforme o que foi feito, mas conforme a intenção de quem fez. É assim para que haja justiça e crescimento para o alto, onde habita o pai das luzes, de todo o bem, de todos os espíritos criados e colocados no mundo para serem provados. Esse mundo, apesar de ser tão importante para tantos, será totalmente transformado pelo “fogo”, fogo que também não será o que muitos acham que será. 
      Roupas caras, produtos de embelezamento e estética, comidas sofisticadas, bebidas raras, joias, ouro, pedras preciosas, carros luxuosos, tecnologias de última geração, dinheiro, cartões de credito, lugares seculares e históricos, belezas naturais e construídas pela humanidade em milênios, quadros, instrumentos musicais, toda a arte avaliada em milhões, tudo isso passará. Mas se tudo o que vemos, se tudo o que muitos chamam de a única realidade, se tudo o que tantos pagam preços de sangue para possuir, para que possam se sobrepor sobre pares e gozar de prazeres físicos, se tudo isso acabará, o que de fato levaremos para aquilo que não tem fim? Chegamos ao questionamento que Pedro nos faz em sua carta: que pessoas nos convêm ser, quais os valores que verdadeiramente nos salvarão do “fogo do inferno”? 
      Em santo trato e piedade, aguardando e apressando-vos para a vinda do dia de Deus, em que habita a justiça, eis as melhores condições para vivermos um estado de vigilância que nos dê direitos a uma boa sentença no juízo. Santo trato e piedade, é mais que aparência de santidade, que simplesmente obedecer certas regras que muitas vezes só protegem o exterior, é mais que educação e discurso de amor. É vida prática como fruto de um homem interior limpo, é amor que age e serve os semelhantes com misericórdia e caridade. Quem está em Deus sente a urgência da existência e não se faz de morto, não perde tempo, mas toma, a tempo, a iniciativa para fazer o bem, vencendo o orgulho e a vaidade, dando a outra face e de fato andando em humildade, discreta e do coração, como é a verdadeira humildade. 
      A pressa de ver justiça sendo feita neste mundo e principalmente nas próprias vidas, é o que leva muitos a se afastarem de Deus e a se colocarem debaixo de homens e de seres espirituais rebeldes, que se achando maiores que Deus enganam a muitos dizendo que são defensores de seus direitos. Apressemo-nos, sim, mas para conhecermos e obedecermos a Deus, nem a justiça, o amor e a paz estão acima de Deus, quem busca tudo isso e despreza Deus, no final só achará desgosto e tormento. Não se enganem, fins não justificam meios. Sim, podemos e devemos buscar direitos iguais e qualidade de vida para todos hoje, mas cientes que a justiça maior só vem de Deus que só a manifestará plenamente no futuro, nos novos céus e na nova terra. Que pessoas nos convêm sermos, nós que aguardamos o cumprimento da promessa de Deus?

37. Até que ponto seremos provados?

      “Bem-aventurado o homem que suporta a tentação; porque, quando for provado, receberá a coroa da vida, a qual o Senhor tem prometido aos que o amam.” 
Tiago 1.12

      Até que ponto de nossas forças seremos provados nesta vida? Até que tempo seremos provados? Qual será a extensão máxima de nossas provações? Sabemos em algum momento que já fomos provados o suficiente, para que possamos então descansar e só usufruirmos? Ou a existência no mundo constitui provas até nosso último instante de vida no corpo físico? Temos que entender que viver é ser provado, esse é o objetivo da vida, e provados para que sejamos seres humanos melhores no espírito. O ponto, então, não é como encerrarmos provas, escaparmos delas, mas como administrá-las e sermos felizes, fazendo os outros felizes também, saindo do egoísmo para o altruísmo. 
      Alguns são provados para terem e manterem um trabalho simples, mas suficiente para sobreviverem de maneira honesta e independente. Esses não nasceram com muitos privilégios, mas terão que dizer não à tentação exercida pela marginalidade, que oferece lucros financeiros fáceis, sem exigir qualificações profissionais ou morais, obrigando o ser humano a ser desonesto, mas sujeitando-o a penas e cárceres caso seja descoberto e condenado. Como tem crescido essa tentação, sendo prova para uma grande maioria da população desempregada ou mal empregada, desprezada por governos, pessoas que não têm o luxo de se preocuparem com os outros, só com elas mesmas. 
      Outros, por um motivo ou outro, já possuem alguma estabilidade financeira e ganham mais que o mínimo, suficiente para terem filhos e pagarem formações acadêmicas melhores para esses, assim como para usufruírem lazeres e outros prazeres com mais assiduidade e qualidade. Esses são provados, não pela sobrevivência básica no mundo, mas para fazerem escolhas intelectuais, morais e espirituais mais profundas. Não que o outro grupo não tenha também esse tipo de prova, mas esse segundo grupo pode abrir mão de certas obrigações porque pode, digamos assim, pagar por isso, dessa forma pode cuidar não só de si mesmo, mas também de outros mais necessitados. 
      Em maior ou menor proporção todos somos provados dessas duas maneiras, para sermos indivíduos melhores e para ajudarmos os outros a serem. Sair de um grupo para o outro depende de disponibilidade material, sim, mas muito mais de virtude moral, já que quem tem amor pode ajudar o próximo mesmo tendo pouco. Por que temos que temer a Deus em todo o tempo? Porque neste mundo, enquanto no corpo físico, as provas não terminam, só quem teme a Deus o tempo todo está devidamente preparado para tudo. O “universo” pode nos surpreender com provas que não acharíamos que passaríamos, ou pelo menos não mais, fazendo-nos de ajudadores, os ajudados. 
      Quem teme a Deus respeita os homens, todos eles, não diz em seu coração, “quero distância desse pois não preciso dele”. Não sabemos se Deus nos colocará numa prova onde seja justamente uma pessoa que desprezamos a única que poderá nos ajudar. Deus é justo, não pedirá de nós algo que não podemos suportar ou que pode nos humilhar excessivamente, pelo menos isso não é regra, ainda que nos prove para nos ensinar sobre humildade e nos conduzir à santidade, usando qualquer um para isso. Nossas vidas podem sofrer viradas extremas até nosso último instante aqui, como se diz, “o mundo dá voltas” e “ninguém sabe o dia de amanhã”, por isso tenhamos sabedoria. 
     Isso não é um Deus prepotente e exigente tendo prazer em nos ver sofrer, isso é a porta para a melhor eternidade sendo mantida aberta, o máximo possível, para entrarmos. Quanto mais nos aperfeiçoarmos, seguindo o exemplo de vida e morte do Cristo homem, e dando liberdade para o mestre Espírito Santo, mais essa porta nos será aberta. Não, meus queridos irmãos evangélicos, não é uma decisão de fé no momento do batismo cercados de crentes, que nos garante o céu, não se enganem com isso, mas é trabalho persistente. Não viemos ao mundo para conquistarmos direito a férias, se haverá descanso será na eternidade, e mesmo esse não será como muitos acham. 

38. Expiação ou missão?
 
      “Portanto, irmãos, procurai fazer cada vez mais firme a vossa vocação e eleição; porque, fazendo isto, nunca jamais tropeçareis.” 
II Pedro 1.10

      Algumas religiões explicam a passagem do ser humano pelo mundo em duas experiências, expiação e missão. Nós cristãos protestantes, na prática de nossa doutrina, entendemos essa passagem sob dois resultados, salvação e perdição. Reflitamos um pouco sobre esses quatros termos. Algumas pessoas parecem ter nascido para sofrer, e se não é de fato assim, algumas pensam que é assim pelo menos com elas, contudo, quem faz uma avaliação lúcida do mundo entende que existe muito sofrimento e muitos parecem sofrer sem merecerem. Muitos experimentam pobreza, falta de infraestrutura básica para uma vida digna, limites de oportunidades para estudar e trabalhar, que os prenderão a existências limitadas. Cristãos evangélicos precisariam olhar além de seus próprios umbigos e aceitarem, que muitos sofrem sem terem noção de que podem buscar a Deus do jeito que eles buscam, sofrem e não têm condições físicas nem intelectuais para fazerem decisões morais e espirituais de mais qualidade. 
      Muitos cristãos estão escondidos dentro de templos, cegos sobre o que de fato ocorre na vida de gente de países distantes, e mesmo das periferias de suas cidades. Se a coisa realmente funcionasse como eles acham que funciona, não haveria tanta injustiça no planeta sendo provada por pessoas sem condições de lutarem por justiça. Que justiça há num conceito do “divino justo” que permite que alguns nasçam com e em certas condições, e em níveis de privilégios, enquanto outros não? De fato, parece, e eu repito, parece que muitos nasceram nesse mundo só para sofrerem e com isso expiarem pecados. Mas não podemos negar que outros sofrem por escolha, até receberam condições de terem alguma dignidade na vida neste mundo, mas ainda assim fazem escolhas erradas, sejam materiais, morais ou espirituais, que terão como efeitos o sofrimento. Muitos são orgulhosos e colocam a culpa de seus problemas nos outros, no mundo e mesmo em Deus, não assumindo responsabilidades por seus erros e consequentes dores. 
      Mas sob outra ótica, alguns podem ser salvos e outros não. Alguns aceitam a salvação que o cristianismo oferece e outros a negam, simples assim? Sim, se analisarmos a passagem neste mundo sob esse ponto de vista muitos se convertem em igrejas cristãs, sejam católicas, protestantes, evangélicas ou outras, e se tornam filhos de Deus, e outros não, assim, de acordo, e repito, com a doutrina cristã, alguns irão para o céu e outros para o inferno. Os que se “convertem”, além de irem para o melhor de Deus no plano espiritual, terão neste mundo uma proteção maior do Senhor no plano material, assim poderão vivenciar aqui menos sofrimento físico. Para esse ponto de vista eu faço uma pergunta: o que realmente mostra que alguém é filho de Deus ou não? São compromissos com religiões, com homens, mesmo com o cristianismo, ou são frutos de justiça e amor, fatos que comprovam a teoria? Bem, existe muita gente que não tem ligação oficial com o cristianismo, mas dá melhores frutos que cristãos. 
      Contudo, nos olharmos não como expiando erros e defeitos, mas como missionários de passagem por uma terra distante de nosso verdadeiro lar, talvez seja o ponto de vista mais espiritual de todos. Esse olhar não procura culpados nem se faz de indiferente, mas busca fazer a diferença, cada indivíduo do seu jeito para ser melhor no mundo. Quem cumpre uma missão também expia pecados? Sim, é um jeito de anular o mal que se fez e que outros fizeram, principalmente com ações e não só com orações. Acima de tudo, o missionário se põe como um ser maduro que tanto trabalhará materialmente como acionará o divino e o mundo espiritual. Com missionário não me refiro àqueles que trabalham com evangelismo em igrejas cristãs, trazendo adeptos para suas religiões, pelo menos não me refiro necessariamente a esses. Me refiro a todos aqueles que desempenham trabalhos honestos no mundo, religioso mas em grande parte secular, não só para sobrevivência e prosperidade pessoal, mas também para beneficiar os outros. 
      Missionário é todo ser humano que venceu as barreiras do egoísmo e da vaidade e foi além de suas próprias necessidades, isso sempre agradará a Deus e contribuirá para que a humanidade evolua. Se a visão de quem vê sua vida como um missionário abranger todos os planos, material, moral e espiritual, seja para si mesmo, para os outros como para Deus, sua missão terá mais eficiência pois contemplará o ser humano e tudo o mais de maneira mais completa, não só no plano físico como também no espiritual. Quem pode estar no mundo como missionário? Todos os seres humanos, mas o cristão, pelo que ele conhece do evangelho, deveria ser aquele com mais condições para isso, pelo menos na teoria, infelizmente, na prática não acontece assim. Evangélicos estão nos templos cantando um Cristo salvador, cheio de amor e que pode abençoar toda a humanidade, mais que qualquer outra religião, mas ainda assim estão, muitos deles, ocupados só com prosperidade material e pessoal. Para que você está no mundo? 

39. Que legado deixaremos?

      “Melhor é a boa fama do que o melhor ungüento, e o dia da morte do que o dia do nascimento de alguém.” 
Eclesiastes 7.1

      Que legado deixaremos quando partirmos deste mundo? Depende de para quem deixaremos. Alguns deixam reputações honradas para o mundo, para colegas de trabalho, mesmo para irmãos da igreja. Por esses alguns serão lembrados nos velórios como bons amigos de bares, colegas honestos de trabalho, mesmo bons cristãos em templos, e isso tudo pode ser verdade. Muitos funcionam bem publicamente, são atenciosos, educados, mesmo afetuosos, esses talvez tivessem que se limitar a esses círculos, durante o dia e só socialmente, como profissionais, não se envolvendo com famílias, cônjuges e filhos. 
      Contudo, muitos se casam, constituem famílias, e voltam à noite para seus lares. Como esses serão lembrados por maridos, esposas, filhos e outros familiares próximos? Muitas vezes os amigos do mundo são os inimigos da família, no lar não têm paciência com cônjuges, nunca têm tempo para os filhos, não conseguem praticar amor justamente com quem mais importa. Sim, quem mais importa em nossas vidas são nossas esposas, nossos maridos e nossos filhos, esses existem por escolha nossa e são o que fazemos deles, são nossa maior responsabilidade e consequentemente representam nosso legado mais importante.
      Alguns podem dizer que não se importam com o que os outros pensam, de fato isso está certo, a opinião de quem nunca se importou em nos conhecer melhor, em entender nossas lutas e escolhas, não importa, não se de fato estamos procurando no tempo presente viver com temor a Deus. Quem segue a Jesus tem o passado perdoado, e mesmo se não for entendido pelos de fora pode ser alguém do bem, que convive com família em humildade e amor. Mudança legítima quem vê é a família, “mas, se alguém não tem cuidado dos seus, e principalmente dos da sua família, negou a fé, e é pior do que o infiel.” (I Timóteo 5.8).
      Depois do que Deus pensa de nós e do que nós pensamos de nós, e isso é muito importante, nos perdoarmos e nos gostarmos, importa o que cônjuges e filhos pensam de nós. É claro que o ideal seria podermos dar bom testemunho a todos, e depois de partirmos deixarmos legados de boas lembranças nos corações do maior número de pessoas possível, sejam nos lugares que forem. Nunca nos esqueçamos que Deus tudo vê e considera, não estamos protegidos do olhar do Senhor só por estarmos longe do templo da igreja, “seja a vossa eqüidade notória a todos os homens, perto está o Senhor” (Filipenses 4.5).
      Mas a vida é um processo e ninguém precisa começar de cima, a realidade é que muitos de nós começam embaixo, e infelizmente muitos nos julgam só pelo nosso começo. O justo, contudo, não deve ser julgado pelo seu início, mas pelo seu fim, e o realmente justificado por Cristo sempre terá no final de sua vida, ao menos nesse momento, um tempo de vitória plena, creio assim e experimento isso em minha vida. “Mas a vereda dos justos é como a luz da aurora, que vai brilhando mais e mais até ser dia perfeito” (Provérbios 4.18), tenho certeza que deixarei um bom legado no coração de minha esposa e de minhas filhas. 
      Quer deixar um bom legado? Não precisa deixar bens materiais, mas não deixe dívidas, não precisa mudar o passado, isso não pode ser feito, mas viva um presente de qualidade que permaneça depois de você partir. Você não precisa nem anular certos erros, mas deixe um pedido de perdão, deixe a humildade de quem reconhece os limites, o egoísmo, a vaidade e a arrogância que cada um de nós carrega dentro de si. Entregue sua vida nas mãos de Deus e peça que ele resolva o que você não pode resolver, Deus tem seus caminhos e pode manifestar um legado para você que você nem imagina ter ou merecer.

40. Que morte merecemos?

      “Aqueles que confiam na sua fazenda, e se gloriam na multidão das suas riquezas, nenhum deles de modo algum pode remir a seu irmão, ou dar a Deus o resgate dele.” 
Salmos 49.6-7

      A morte do corpo é inexorável, todos vão prová-la, indiferente de qualquer coisa, status social, nível financeiro, intelectual, raça, idade e mesmo religião, ela não pode ser trocada por bens materiais, não podemos comprar a vida para nos livrarmos da responsabilidade de vivê-la corretamente. A morte pode acontecer de diversas maneiras a seres humanos diferentes, pode vir cedo demais, ou antes do tempo melhor, pode ser no tempo certo, pode ser sofrida e demorada, pode ser abrupta e fulminante, pode ser tranquila também. Pode ser por um acidente, por uma violência, por um descaso, mas pode ser somente a parada do funcionamento do corpo, que mesmo que tenha sido bem tratado, respeitado, teve sua “data de validade” vencida. Ela é a única certeza que todos podem ter em suas jornadas neste mundo, ainda que seja só a passagem do plano físico para o espiritual. O plano espiritual será aquilo que construirmos dele no plano físico, efeito espiritual de uma causa no plano material. Só entende a vida quem entende a morte, e vice-versa. 

      “Certamente que a bondade e a misericórdia me seguirão todos os dias da minha vida; e habitarei na casa do Senhor por longos dias.” 
Salmos 23.6

      Que morte merecemos? A morte que precisamos ter. O entendimento inicial é que nossa passagem do plano físico para o espiritual, nossa morte no corpo, seja de acordo com o bem que plantamos na vida, seguindo o ensino do Salmo 23. Quem temeu a Deus, obedeceu ao Senhor, trabalhou pelas prioridades corretas, não foi ganancioso ou vaidoso, buscando nos bens materiais uma honra maior para aparentar para os homens, mas se aproximou mais de Deus, e ainda mais à medida que os anos passaram, esse merecerá uma morte tranquila, rápida, com o mínimo de sofrimento. Quem equilibra corpo, alma e espírito não permite que se instale em si doenças mais terríveis, sejam físicas ou emocionais, mas mesmo que tenha vivido algum tempo de maneira errada, se humilhou-se a tempo de todo o coração diante do Senhor, também achará no Espírito Santo cura e vitória que o preparem para uma boa morte. O justo vive bem, principalmente no fim, porque plantou para isso, sua luz ainda que pequena no início, será grande no final, consequentemente viverá muito e terá uma passagem serena. 

      “O Senhor me castigou muito, mas não me entregou à morte.” 
Salmos 118.18

      Contudo, podemos ter um entendimento mais profundo sobre a morte, baseados no seguinte questionamento: quem conhece o plano real de Deus para cada ser humano? Ou então, o que precisamos passar neste mundo, até nosso último suspiro, para chegarmos ao melhor de Deus para nossas vidas, o melhor que levaremos à eternidade? Essa pergunta não é tão fácil assim de ser respondida, uma coisa eu creio que seja certa, todos nós passamos por este mundo, num instante de tempo comparado a toda eternidade, para que tenhamos a oportunidade de abrirmos mão de nós mesmos e darmos prioridade para o outro e para Deus, viver bem de fato nada mais é que morrermos para nós mesmos. A vida é um confronto com morte para que tenhamos direito à vida, vivemos para morrer, quem não vive preparando-se para morte, morre, porque morre a segunda morte que é espiritual ainda vivo fisicamente. A morte do ego, todavia, é algo pessoal, específico para cada um de nós, e alguns podem precisar de uma morte demorada e doída para que possam abrir mão do ego e terem direito à vida eterna em Deus. 

      “Preciosa é à vista do Senhor a morte dos seus santos.
 Salmos 116.15

      Aqueles que verdadeiramente obedecem e adoram a Deus são especiais para Deus, porque estão em Cristo, fazem parte dele, conheceram sua luz, para ela olharam e nela fizeram refúgio, contra o mal, as trevas e a morte, dessa forma para a luz irão quando seus espíritos forem desprendidos dos corpos. A morte só é violenta para os violentos, só é enganosa para os enganadores, só será uma surpresa ruim para os que amaram a mentira e não foram humildes o suficiente para se revelarem em verdade. Livrar-se de uma morte ruim não é fácil, pode custar um vida longa e difícil, nossos corações orgulhosos e egoístas, muitas vezes viciados nos apetites da carne e nas vaidades, podem precisar de muita vergonha, perdas e humilhações para se renderem a Deus. Tenhamos a lucidez de entendermos o que Deus tem para nós e obedeçamos isso enquanto há tempo, para que mereçamos uma morte em Cristo que alegre o Pai, e Deus contempla o final da vida física de um filho obediente, que foi útil para abençoar outros seres, que achou a luz, nela ficou e nela será espiritualmente consumado por seu amor. 

      “E digo-vos, amigos meus: Não temais os que matam o corpo e, depois, não têm mais que fazer. Mas eu vos mostrarei a quem deveis temer; temei aquele que, depois de matar, tem poder para lançar no inferno; sim, vos digo, a esse temei.” 
Lucas 12.4-5

      Inferno se constrói aqui e se leva para lá, quando não se humilha diante de Deus e não se conhece a Jesus como salvador. O pior tipo de inferno, se é que há tipo de inferno, é aquele construído na alma de um suicida. O suicida não quer exterminar o corpo, ele tenta calar o espírito que sofre dentro dele, ainda que o espírito não possa ser morto em sua substância, só em sua moralidade, e ele pode fazer isso ainda em vida física à medida que foge da luz, da verdade, de Deus, e nega a si mesmo cura e paz. O arrogante e vaidoso, que quer viver de aparência para mostrar aos outros o que não é e nem precisa ser, mortifica seu espírito, e se não conseguir manter a farsa matará o corpo para tentar acabar com sentimentos e pensamentos de dor, isso só apressará um inferno terrível. O que se mata não amaldiçoa somente a si, mas à sua família, que ficará e terá que conviver emocionalmente com uma perda estúpida, que aconteceu antes do tempo melhor, e com consequências materiais que terá que administrar, como dívidas e alianças profissionais quebradas. Se o suicida pensasse um pouco em quem terá que continuar vivendo, se tivesse ao menos algum amor pelos outros mais que por si, não cometeria tal insensatez. 

      “Porque para mim o viver é Cristo, e o morrer é ganho.” 
Filipenses 1.21 

      Longe de nós nos compararmos a Paulo, pelo menos, longe de mim, para podermos afirmar com total propriedade o texto acima. Mas Deus, em sua graça, permite aos seres humanos, indiferentemente de suas vocações, trabalhos seculares e ministérios eclesiásticos, viverem em Cristo e serem felizes. Para que isso aconteça precisamos ser obedientes até o fim, nos libertarmos de ilusões, sejam elas quais forem, as materiais e também as religiosas, e existe muita ilusão em igrejas cristãs. Mas quem de fato viver em Deus, confiando nele e pagando todos os preços para agradá-lo, entenderá que tanto faz morrer ou viver, dos dois jeitos estamos na luz do Altíssimo, protegidos por ele, cuidados pelo seu amor, honrados pelo Senhor e criador de todas as coisas. Quem vive para abençoar o próximo servindo a Deus, será servido pelos anjos do Senhor na eternidade, mas quem descobre que servir ao próximo é sua maior vocação, tem no mundo alegria semelhante a que terá no céu, e eis um dos grandes mistérios da existência, entender que o espiritual importa mais que o material. 

41. Não negue o convite para a festa

      “Porém, ele lhe disse: Um certo homem fez uma grande ceia, e convidou a muitos. E à hora da ceia mandou o seu servo dizer aos convidados: Vinde, que já tudo está preparado. E todos à uma começaram a escusar-se. Disse-lhe o primeiro: Comprei um campo, e importa ir vê-lo; rogo-te que me hajas por escusado. E outro disse: Comprei cinco juntas de bois, e vou experimentá-los; rogo-te que me hajas por escusado. E outro disse: Casei, e portanto não posso ir. 
      E, voltando aquele servo, anunciou estas coisas ao seu senhor. Então o pai de família, indignado, disse ao seu servo: Sai depressa pelas ruas e bairros da cidade, e traze aqui os pobres, e aleijados, e mancos e cegos. E disse o servo: Senhor, feito está como mandaste; e ainda há lugar. E disse o senhor ao servo: Sai pelos caminhos e valados, e força-os a entrar, para que a minha casa se encha. Porque eu vos digo que nenhum daqueles homens que foram convidados provará a minha ceia.” 
Lucas 14.16-24

      Talvez a parábola do texto inicial, como vários outros textos do novo testamento, principalmente certas cartas de Paulo, se refira só à Israel e os gentios. Tendo os judeus, no papel de suas lideranças religiosas do primeiro século, negado a nova aliança de Cristo, essa foi oferecida a outros povos. Mas a lição serve para todos, faz alguns alertas sérios e mesmo trágicos, com relação ao melhor que podemos desfrutar no mundo, mas principalmente na eternidade. Quando lemos o texto podemos ficar espantados com a atitude dos convidados inicias, podemos dizer que nós no lugar deles não agiríamos da mesma maneira. Normalmente os primeiros convidados a uma festa são parentes e amigos mais próximos, e foram esses que negaram o convite.
      Interpretemos assim a parábola, o dono da festa é Deus, Jesus é o servo que sai fazendo os convites. Os mais próximos são os que se dizem religiosos, principalmente cristãos, que se identificam como conhecedores do evangelho, das doutrinas cristãs, assíduos em cultos e missas, conectados oficialmente a denominações católicas, protestantes e evangélicas. São justamente muitos desses, e aqui não posso generalizar que foram todos, que deram mil desculpas para não poderem ir à festa. O dono da festa deve ter se entristecido, como, justamente aqueles que ele considerava mais próximos a ele, lhe faziam essa desfeita? Negavam convite para algo especial, no qual eram convidados privilegiados, com prioridade sobre outros? 
      Interessante que as desculpas não eram porque coisas ruins tinham lhes acontecido, essas até poderiam ser entendidas, alguém não poder ir a uma festa porque tinha falecido alguém próximo, porque tinha perdido bens, porque estava enfermo, contudo, as desculpas foram porque coisas boas tinham acontecido a eles e eles precisavam administra-las. Saber disso deve ter entristecido ainda mais o dono da festa, mas não tinha jeito, a festa seria dada, alguém precisaria usufruir dela, dessa forma o convite foi aberto. No lugar de convidados, aparentemente mais preparados para uma festa, foram chamados estranhos e marginalizados, pobres e aleijados, mancos e cegos, que talvez, por não poderem trabalhar, fossem pedintes sem teto.
      A abertura do convite é uma simbologia para a abrangência do amor de Deus, que não considera privilegiados religiosos, cristãos oficiais, mas todos são chamados para usufruírem da intimidade do Senhor, mesmo que aparentemente não sejam os mais adequados. Deus não ama pela aparência a alguns, Deus ama todos pelo coração, não faz diferença entre quem conhece a doutrina cristã e quem não sabe nada de cristianismo. Mas o amor de Deus é ainda mais maravilhoso, mesmo os que dizem não por falta de consciência, de entendimento, diferente dos primeiros convidados que disseram não com consciência, Deus acha um jeito de convencer para que festejem com ele, no mundo e na eternidade. Deus não deseja inferno a ninguém. 
      Muitos, que tantos evangélicos marginalizam, condenam ao inferno, tratam com preconceitos, podem experimentar na eternidade uma condição de paz e luz melhor que a de muitos cristãos, a parábola é bem clara sobre isso, quem tem olhos para ver que veja. Poderão experimentar um “céu”, não os que se acham preparados para isso por serem religiosos, nem os que intimamente se acham mais merecedores por sofrerem mais injustiças no mundo, mas os que são convencidos sinceramente pelo amor de Deus, sem qualquer segunda intenção. Esses são aqueles que estão pelos caminhos e valados, meio escondidos no mundo e de igrejas, que podem nem aparentar espiritualidade ou mesmo qualquer anelo por ela, surpresas haverá. 
      O relógio anda, Deus tem eventos a serem cumpridos no tempo, isso faz parte de um plano muito maior, que a maioria não tem noção de como funciona, nada pode impedir isso. Mas tenhamos cuidado, a exortação final é trágica, nenhum daqueles homens que foram inicialmente convidados provou a ceia. Sabe o porquê? Porque esses não negaram só um convite, negaram vários convites. Se convidados desprezam a festa de alguém querido e muito poderoso porque consideram suas alegrias mais importantes, é porque não querem estar com esse alguém, com ou sem festa. Poderiam ir, nem por gosto, mas ao menos por temor, isso pelo menos mostraria que respeitam o dono da festa, mas temor é algo que muitos perderam há muito tempo. 

42. Sete anjos e Sete igrejas

      “Escreve as coisas que tens visto, e as que são, e as que depois destas hão de acontecer; o mistério das sete estrelas, que viste na minha destra, e dos sete castiçais de ouro. As sete estrelas são os anjos das sete igrejas, e os sete castiçais, que viste, são as sete igrejas.” 
Apocalipse 1.19-20

      Esta e as próximas sete partes da reflexão “Quem você será na eternidade?”, não constituem um estudo detalhado das sete cartas aos anjos das igrejas, registradas no livro de Apocalipse, nos ateremos com mais cuidado às promessas “ao que vencer”, que encerram cada carta. Esta primeira parte é uma introdução, mas veremos que em cada promessa há mistérios profundos, que ensinam muito sobre a razão da existência para aqueles que buscam a Deus e abrem olhos e ouvidos espirituais para o Espírito Santo, que desejam e podem saber mais que aquilo que a tradição cristã de homens ensina. 
      A visão começa com a voz do Filho do Homem apresentando os símbolos das cartas. Há entendimentos diferentes sobre o que são anjos e igrejas. Uns dizem que os anjos são anjos mesmo, seres espirituais sob autoridade de Deus que guardam indivíduos, famílias, igrejas, regiões e nações. Outros dizem que os anjos são pastores de igrejas locais, os nomes das cidades citadas são contemporâneos a João. Como igrejas também há opiniões divergentes, podem ser igrejas locais da época de João, mas podem ser eras, dividindo a história da humanidade da época de João até o final dos tempos. 
      Um conceito que o cristão protestante não dá muito valor e o de anjo da guarda, aprendem a falar diretamente com Deus através de Jesus, creem que o Espírito Santo os unge para vencerem o pecado e o diabo e para entenderem e ensinarem a palavra, mas mais nada. Em anjos, até creem que Deus pode usá-los, mas como homens muitos cristãos creem que não podem ordenar que anjos façam isso ou aquilo. Talvez, com medo das práticas mágicas e ocultistas, o catolicismo tenha dogmatizado cristãos para não crerem em anjos, mas até católicos pedem a anjos por proteção. 
      O texto sobre os sete anjos do livro de Apocalipse pode indicar que Deus usa seres espirituais de luz para exercer sua vontade, para proteger, ensinar e consolar o homem. O arcanjo Miguel é citado no livro de Daniel várias vezes (Daniel 10.13,21, 12.1), em uma delas dá-nos a entender que seria o ser espiritual protetor da nação de Israel. O anjo Gabriel também aparece a Daniel (Daniel 8.16, 9.21). Daniel e João o evangelista podem estar entre os homens com mais experiências com o mundo espiritual registradas na Bíblia. Qual seria a verdade por trás dos sete anjos e das sete igrejas? 
      Penso que é tudo isso que citamos, ao mesmo tempo e mais algumas coisas. A Bíblia sempre fala pelo menos de três maneiras diferentes, em textos com profecias. Em primeiro lugar fala sobre o futuro imediato do profeta, afinal de contas Deus responde ao que o busca, se o profeta quer uma palavra sobre sua realidade, como no exemplo de Daniel, Deus falará a ele sobre isso. Deus é sempre direto e fiel, amoroso e paciente, quem complica as coisas, não cumpre o que promete, diz uma coisa, enquanto faz e sente outra, somos nós, homens. A espiritualidade mais alta é simples e objetiva. 
      Contudo, uma resposta de Deus sobre algo próximo e direto pode conter revelações mais profundas e futurísticas. Deve haver busca no Espírito Santo para entendermos além do óbvio, que não está aberto a todos. É assim porque são informações proibidas? Não necessariamente, é proibido para quem não está preparado para saber, e não está porque não paga os preços para ir além do superficial. Mas para quem sabe perguntar nenhuma resposta é negada, guardando depois o que se recebeu com temor a Deus, não revelando para qualquer um, por pura vaidade, o que nem o Senhor revela.
      A última maneira que uma revelação de Deus fala é a mais simples e atemporal, nem é profética, no sentido de revelar algo que vai acontecer, seja para a realidade do profeta que a registrou, seja para uma realidade distante. Isso ocorre por causa do motivo principal da Bíblia existir, confortar o ser humano, de qualquer tempo, com qualquer nível moral ou intelectual, seja da cultura que for, sem que haja necessidade de estudo teológico mais técnico. Qualquer um que ler um texto bíblico, se houver nele sincera intenção de ouvir a voz do Deus verdadeiro, ouvirá e sairá fortalecido. 
      O termo “ao que vencer” aparece sete vezes no livro Apocalipse nos textos com as promessas aos anjos das sete igrejas. Ele implica em algo importante, que a melhor eternidade não será para todos, mas só para os que vencerem. Quem são os vencedores? Os que crerem em Cristo como salvador ou os que persistirem em andar no mundo seguindo o exemplo de Jesus homem? A teologia protestante tradicional diz que o céu será para os que crerem em Cristo, mas pensemos nas promessas “ao que vencer” não só como maravilhosos direitos, há também sérios deveres nelas. 
      João usou de metáforas em seu texto, que ele conhecia da mitologia bíblica já antiga, mesmo para seu tempo. Mas será que hoje temos que estar limitados pelo mesmo nível de entendimento dele? Deus não sofre mutações, o homem, sim, hoje talvez possamos entender o livro de Apocalipse de um jeito que nem o próprio apóstolo do amor entendeu, ainda que tenha registrado com fidelidade e temor a Deus profecias que recebeu na mente de homem do final do século I. O certo é que “ao que vencer” será dado na eternidade, bem mais que um lugar para descansar e adorar a Deus. 

43. Árvore da vida

      Ao que vencer, dar-lhe-ei a comer da árvore da vida, que está no meio do paraíso de Deus.
Apocalipse 2:7b

      Em Gênesis o homem caiu porque comeu o fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal, o fruto da outra árvore, a árvore da vida, ele não comeu (Gênesis 2.9, 3.22). Essa promessa de Apocalipse diz que o que vencer poderá, enfim, comer do fruto dessa segunda árvore, entendemos por Gênesis que se o homem original tivesse comido desse fruto, viveria para sempre, e como já tinha caído moralmente, seria eterno e mal. Isso seria terrível, uma capacidade a mais para o homem seguir distante de Deus, já que por mais que pecasse, agora com conhecimento moral maior, não morreria. 
      A morte tem um peso muito importante na avaliação que o ser humano faz de sua jornada na Terra, envelhecer e perder aos poucos liberdade, forças e prazer no plano físico, o conduzem a entender que a existência não é só material, que deve haver algo além, melhor, que dá sentido à sua existência. O homem morreria fisicamente, a primeira morte, se não tivesse pecado? Podemos entender que não (Êxodo 32.33, Romanos 6.23), as mortes, física e espiritual, são consequências da queda do homem no pecado, senão a árvore da vida não teria utilidade para um homem que tivesse caído. 
      Em Jesus, a segunda morte, a espiritual, pode ser anulada, mas a física continua válida, contudo, na eternidade, os que estiverem libertos em Cristo da segunda morte terão direito ao fruto da árvore da vida. Qual exatamente o significado disso? Que efeito faz o fruto dessa árvore num espírito já liberto do corpo? Se o homem já estiver no plano espiritual, e salvo em Cristo, já terá vida eterna, e mesmo que esteja condenado ao inferno, terá morte duradoura, de nenhuma maneira há necessidade de algo que o livre da primeira morte, ele não está mais encapado com matéria que perece.
      Essa interpretação da árvore da vida é a dada pelo cristianismo tradicional, mas o que mais podemos entender, que vai além do que estamos acostumados a saber pela doutrina que os homens dogmatizaram? Há uma vida além da vida eterna? Só os que vencerem terão direito ao fruto da árvore da vida, assim os condenados, ainda que com existência espiritual eterna, e precisa ser assim quando se admite uma pena duradoura, não comerão desse fruto. Seria esse fruto o que transformaria os salvos, lhes daria um corpo adequado para serem cidadãos da melhor eternidade, o céu? 
      O certo é que uma árvore plantada originalmente no oriente médio, milhares de anos atrás, pela cronologia bíblica original, não deve ser a mesma que existe no meio do paraíso espiritual. Isso nos leva a concluir que os fatos contados no início do livro de Gênesis não são reais, mas metafóricos, ainda que possam ser baseados em história real, contada e mantida pela tradição oral, até chegar em Moisés, escritor de Gênesis, já como mito. A tempo, a humanidade ter alguns milênios de idade não bate com informações científicas que datam um homo sapiens bem mais antigo. 
      Como sempre, não devemos nos prender à interpretação ao pé da letra da Bíblia, importa que tentemos aprender com o princípio, uma “árvore” que está presente tanto no início da humanidade no plano físico, como no final dos tempos no plano espiritual, a relevância que a árvore da vida tem. Podemos entender que um direito que foi perdido com o pecado pode ser reconquistado por Jesus, a vida eterna. Mas porque essa árvore estava no jardim do Éden? Deus disse que era proibido comer da árvore do conhecimento do bem e do mal, mas nada disse sobre a árvore da vida (Gênesis 2.17). 
      Se era um risco ter a árvore da vida no Éden, tanto que querubins foram enviados para guardá-la após a queda (Gênesis 3.24), esse risco deveria ter uma finalidade, que não era provar o homem como a outra árvore. Nos parece que ela representa uma fonte de potência espiritual, que dá e mantém a vida. A simbologia da árvore da vida tem papel crucial no sistema da Cabala (e nem tente entender o que é com a leitura rápida de um texto), o ocultismo judaico e base para outros ocultismos. Aos que estudam isso, a árvore da vida é representação de tudo no universo, nos planos físico e espiritual. 

44. Dano da segunda morte

      “O que vencer não receberá o dano da segunda morte.
Apocalipse 2:11b

      Esse ensino é mais fácil de entender pela tradição cristã, apoiado pelos evangelhos e pelas epístolas (João 3.18 e Romanos 6.23). O texto não diz “não receberá a segunda morte”, mas “não receberá o dano da segunda morte”. A segunda morte vale para os que não creem em Cristo como salvador, ainda que estejam vivos neste mundo. Os que possuem capacidade intelectual e moral para escolherem pecar ou não, que não são inocentes, como crianças e portadores de certas deficiências mentais, e que não estão ligados a Deus pelo Espírito, provam a segunda morte, diz o cristianismo (Efésios 2.5). 
      No mundo, contudo, ninguém prova plenamente o dano da segunda morte, porque até que a primeira morte, a do corpo, ocorra, há oportunidade para se livrar da segunda morte e do seu mais terrível e duradouro dano. O que vence não sofre o dano da segunda morte, assim podemos entender que o dano é a condenação a uma danação duradoura, que só ocorrerá na eternidade, depois da primeira morte. Morte espiritual nos separa de Deus, nela não existe em nós o Espírito Santo, que nos dá vida eterna, nos permite conexão ativa com Deus e recebimento de consequentes direitos morais. 
      Mas será que não provamos o dano dessa segunda morte aqui? Nós cristãos, principalmente quando experimentamos conversão em Cristo muito cedo, nos acostumamos tanto a andar com Deus, mesmo a trancos e barrancos (principalmente no início, quando somos jovens e fazendo más escolhas), que acabamos nos esquecendo de como é andar longe do Senhor. Mesmo que pequemos, corremos para Deus, nos humilhamos e ficamos em paz. Mas como deve ser negar a Deus o tempo todo, tentar se convencer que Deus não existe e que cristianismo é coisa de gente doida ou ignorante? 
      Volto a dizer, para não cometermos o engano de achar que alguém não anda com Deus, só porque não é um cristão no padrão das igrejas evangélicas. Não erremos, a coisa não funciona assim, não no amor de Deus. Mas existem pessoas, sim, que ainda que sejam boas cidadãs, seres humanos que contribuem positivamente no planeta, fogem de Deus como o diabo foge da cruz. Para essas a vida é um inferno e ainda no mundo, antes de provarem a segunda morte. Podemos concluir que inferno é estar longe de Deus, da luz mais alta, do amor que a todos atrai, e quanto sofrimento há nele. 
      Muitos se acostumam a viver na segunda morte, constróem universos nela, se habituam às trevas. Nas trevas não se vê nada, mas pode-se imaginar muitas coisas, mecanismo usado por espíritos enganadores confortáveis com o ambiente sem luz, para enganar os que se sintonizam em suas baixas regiões espirituais. Essa disposição é perigosa, pode conduzir a transtornos psiquiátricos, que mesmo controlados com algum esforço, persistem dentro das pessoas, pessoas cansadas emocionalmente, por viverem vidas duplas, que tentam achar felicidade material ainda que mortas espiritualmente. 
      Podemos não saber se alguém ainda está na segunda morte, mas não é difícil ver se alguém sofre algum dano dela. As pessoas podem enganar por um tempo, parecerem controladas, mas um dia explodem, vindo à tona uma realidade de perturbação. Tenhamos cuidado, não deixemos que se instale o inferno em nós, sejamos humildes ainda que tenhamos dificuldades para crermos no Deus das religiões, ainda que tenhamos tido exemplos ruins do cristianismo dos homens. Nos aproximemos de Deus como estamos, Deus sempre responde ao que o busca e o livra da segunda morte e de seu dano. 

45. Maná escondido e Pedra branca

      “Ao que vencer darei eu a comer do maná escondido, e dar-lhe-ei uma pedra branca, e na pedra um novo nome escrito, o qual ninguém conhece senão aquele que o recebe.
Apocalipse 2:17b

     O que é o maná escondido? Para entendermos temos que saber a importância que teve o maná material original para a nação de Israel no antigo testamento, quando fugia dos egípcios, no meio do deserto, sem água e sem comida. A resposta é simples: foi uma provisão especial de um Deus que pode fazer aquilo que parece impossível aos olhos humanos. O que vencer provará mais que um prazer, e no plano espiritual prazer tem um conceito diferente, não é egoísta e passageiro como no plano físico, o que vencer será alimentado com um alimento especial. 
      Esse alimento será diferente de tudo que o ser humano provou no mundo, não é material, e é melhor mesmo que a unção do Espírito Santo que provamos encarnados, já que o corpo nunca pode perceber e reter toda a relevância que possui uma experiência de plenitude no Espírito de Deus. No plano espiritual, prazer é vida, é qualidade moral, é proximidade da luz mais alta de Deus, são as virtudes do Senhor. No plano espiritual teremos prazer na paz, na santidade, no amor, tudo isso é eterno e incorruptível, não será parcial, mas pleno, dentro e fora de nós. 
      Justamente por muitos não conseguirem no mundo desvencilharem-se dos apetites do corpo, retendo assim carnalidade em seus homens interiores, e consequentemente construindo infernos dentro de si, é que enfrentarão a continuidade desses infernos na eternidade. Se no mundo podemos fugir de Deus nos prazeres do corpo, na eternidade não haverá corpo para escaparmos. O único prazer será estar no amor de Deus para o qual nos decidimos encarnados no mundo, caso contrário, lá só restará a tortura de desejar algo que não se pode ter. Eis uma definição de inferno.  
      Temos tentado insistentemente definir o inferno neste estudo, porque muitos cristãos preguiçosamente aceitam o inferno como dor infinita causada por agente externo. Crer que é Deus quem põe fogo num lugar e lança lá os que considera culpados, de uma certa forma joga a responsabilidade toda em Deus. Coloca o Senhor como uma potência vingativa e capaz de criar e manter um lugar eterno e terrível, mas não é bem assim. O inferno é interior e construído pelos homens, vivenciado no mundo, ainda que aqui os homens tenham meios de anestesiarem a dor infernal. 
      Sobre pedra branca, a primeira coisa que temos que entender é que lugar, objetos e nomes, que no plano físico se referem a coisas físicas, dentro de dimensões físicas, são apenas simbologias para outras referências no plano espiritual. Lugares, por exemplo, podemos entender como posições morais, saindo da dimensão horizontal e indo para a vertical, assim menos moralidade é região inferior, é trevas, mais moralidade é região superior, é luz. Deus é a luz mais elevada. Todo o plano físico, suas leis e seus valores no tempo, são símbolos do plano espiritual. 
      Nome, por sua vez, não é uma denominação, usada para chamar alguém, mas uma graduação e também moral, que coloca a pessoa numa altura espiritual, espiritualidade tem a ver com posição e identificação. O interessante é o texto dizer que ninguém sabe o nome a não ser quem recebe, isso denota uma condição de ausência de vaidades, de não carência de se impor sobre os outros, mas é uma satisfação que se contenta por saber e saber que Deus sabe, mais nada. Nome espiritual define nossa identidade essencial como espírito eterno, é isso que é a pedra branca. 

46. Poder sobre as nações

      “E ao que vencer, e guardar até ao fim as minhas obras, eu lhe darei poder sobre as naçõese com vara de ferro as regerá; e serão quebradas como vasos de oleiro; como também recebi de meu Pai.
Apocalipse 2:26-27

      Antes de iniciarmos a reflexão, algo precisa ser dito. Nós, evangélicos e protestantes, nos acostumamos tanto a ler a Bíblia, que na maioria das vezes não prestamos atenção ao que lemos, aceitamos como dogmas, não questionamos porque cremos que é a palavra de Deus, e só. Hoje temos muitas versões de Bíblia disponíveis em livrarias, e interessantes para serem usadas como consultas secundárias são as versões em linguagem de hoje. É bom usarmos com cuidado, e o ideal é consultarmos mais de uma versão, mas o principal é entendermos de fato as palavras que lemos. 
      Das promessas feitas “ao que vencer”, a do texto bíblico inicial, pode ser a mais difícil de ser entendida hoje, justamente por parecer a mais simples, se interpretada ao pé da letra. Para um homem do primeiro século, debaixo da opressão romana, e como judeu, ainda próximo da realidade do israelita do velho testamento, o que mais representaria uma vitória definitiva? Não seria uma posição militar, política e social, superior, não de oprimido, mas de opressor? Não só como um mero administrador, mas como um juiz que faz cumprir penas, “quebrando as nações como vasos de barro”
     Pois é, essa é a visão de mundo de João, o evangelista, escritor do livro das revelações, a visão de justiça, a visão de vitória, a visão de eternidade, a visão de Deus que ele tinha. Será que entendemos realmente o quanto isso se opõe ao Deus de amor ensinado por Jesus? Você acredita que por crer no Cristo terá o direito de castigar aqueles que não creem? Ou você não acredita, não entende o texto do Apocalipse, mas também não se importa muito com isso. Se for esse o caso, você não está levando a sério a Bíblia, que é ensinada a você como sendo palavra infalível de Deus. 
      Agora, se não for, se houver partes que precisam ser reavaliadas, entendendo diferentemente daquilo que a tradição cristã ensina, então devem haver “verdades” que não são bem o que você acha que são, ainda que estejam na Bíblia. Eu não brinco com a Bíblia, ou ela é, ou não é, não varro para baixo do tapete questões que teólogos chamam de polêmicas, só para não assumir que a Bíblia não é coesa. Será que o que queremos pelo evangelho no mundo hoje, é vingança sobre inimigos, oprimirmos opressores, aqueles que odeiam o cristianismo e são injustos com os cristãos? 
      O evangelho ensina-nos perdoarmos inimigos, orarmos por eles e estendermos a mão para restaurá-los. Se é assim aqui, por que seria diferente na eternidade? O Deus que oprime nações inimigas é o “Deus” do antigo testamento, que João ainda tinha na memória, já que ainda vivia num mundo oprimido por um poderoso império. Se você acha que não existe incoerência nisso, fique em tua crença, mas eu penso que há, principalmente se considerarmos o nível moral do homem civilizado atual, que não aceita mais o modus operandi guerras, como meio das nações se manterem.  
      Mas o mistério que João viu, a relevância que temos que entender hoje e que não pode ser esquecida, ainda que João, autor de Apocalipse, tenha feito um registro coerente com o homem de seu tempo, é que o que vencer fará algum tipo de trabalho, uma administração ativa, no plano espiritual, não para oprimir, mas seguindo o evangelho, para orientar e abençoar. Esse é o conceito eterno que Deus quer nos ensinar por trás da história antiga e da mitologia. Assim, os que no mundo foram injustiçados, desempenharão na eternidade papel de liderança sobre os que foram injustos.
      Esse conhecimento não deve alimentar em nós vingança infantil e carnal, mas madura responsabilidade em humildade e temor. Se essa promessa “ao que vencer” é a que pode ser mais mal interpretada se lida ao pé da letra, é a que pode revelar um dos maiores mistérios da eternidade. Lá não será um lugar só para descanso e adoração, o que muitos que não conhecem a renovadora unção do Espírito Santo podem interpretar como algo tedioso e sem graça. O trabalho espiritual é eterno, irmãos e irmãs cristãs, o que mudará é a qualidade desse trabalho, de físico para espiritual. 

47. Vestes brancas e Livro da vida

      “O que vencer será vestido de vestes brancas, e de maneira nenhuma riscarei o seu nome do livro da vida; e confessarei o seu nome diante de meu Pai e diante dos seus anjos.
Apocalipse 3:5

      Vestes brancas, João transporta o entendimento de uma posição espiritual, de uma condição moral, que ele com certeza discerniu em sua comunhão com o Espírito Santo, para referências materiais e externas. Penso que dessa vez ele não fez um transporte muito diferente daquele que faríamos hoje, se recebêssemos a mesma revelação. Branco, claro, alvo, tem a ver com santidade, com pureza moral, com elevação espiritual, com proximidade da luz, ele deve ter visto vestidos, a roupa típica de sua época. Talvez hoje, como homens ocidentais, víssemos camisas e calças, mas também de uma brancura singular, impedindo-nos de identificar detalhes, numa luz tão clara que deixariam desconfortáveis os olhos espirituais. 
      A cor branca tem uma característica, se juntarmos todas as cores, nas proporções adequadas, nenhuma se sobressairá, todas se transformarão em branca, isso nos diz algo sobre a luz da espiritualidade mais alta. O branco que vemos em várias passagens bíblicas quando se refere a visões, por exemplo de Ezequiel e Daniel, ao céu, aos anjos e a outros seres, à transfiguração de Jesus mais as aparições de Moisés e Elias, é a transferência para o plano físico de uma virtude espiritual, nossos olhos (espirituais) vêm o branco, mas na realidade o que existe é santidade. Santidade por sua vez não é só abstinência de prazeres físicos, isso é mais bons hábitos alimentares e equilíbrio sexual que outra coisa, alguém pode ter isso e não ser santo. 
      Santidade é ausência ou presença? Se a cor branca é mistura de todas as cores, então, ela é presença, não se é santo por se deixar de fazer as coisas, de se sentir as coisas, de se pensar, de se fazer as coisas, mas se alcança santidade tendo noção de tudo e usando tudo na proporção certa. O branco da santidade não é espaço vazio, mas espaço preenchido com equilíbrio. Não se aprende a ser santo retirando-se para o alto de uma montanha e evitando convívio com a realidade, com as pessoas, com as tentações, mas convivendo-se com tudo isso e não sendo contaminado por excessos. Se não fosse assim, não precisaríamos encarnar no mundo, aprendermos a fazer escolhas que nos aperfeiçoam, agradarmos a Deus e amarmos o próximo. 
      Não podemos ser crianças para sempre, uma criança não é santa, só é inocente, não escolhe não errar, só não aprendeu ainda a errar, assim faz a única coisa que sabe fazer. Quando amadurecer emocional e fisicamente poderá errar por escolha própria e terá responsabilidade por isso, portanto perderá a paz que só será reencontrada no reconhecimento do erro e numa prática de boa vida moral. Isso só se consegue plenamente em comunhão com Deus. Só temos forças para sermos santos respondendo sim à atração que o amor de Deus nos faz para sua santidade, isso nos dá direito às vestes brancas que os vencedores receberão de Jesus na eternidade, isso nos confere alvura espiritual ímpar, o objetivo maior de Deus para todos nós. 
      João também cita o livro da vida, termo que aparece muito no livro de Apocalipse, mas que Paulo usa só uma vez, em Filipenses 4.3. Seria um documento divino onde estão listados os nomes dos que venceram? João também diz que os que vencerem seriam confessados por Jesus diante de Deus e de seus anjos. Jesus tem um papel único na humanidade do nosso planeta, mostrou o caminho de salvação, mas também será o responsável por identificar quem é quem na eternidade, separar ovelhas de bodes (Mateus 25.32), salvos de condenados. O “céu” será uma posição elevada onde Cristo passou a habitar, depois que partiu da Terra no século um, mas Jesus pode ser o próprio “céu”, aguardando ser completado por cada um de nós.
      “O que vencer de maneira nenhuma riscarei seu nome do livro da vida”, se nos lembrássemos disso quando desanimamos, quando por coisas tão pequenas perdemos a paz. Diante de Deus no plano espiritual, o vencedor será identificado por Jesus no livro da vida, nada e nem ninguém pode tirar nosso nome desse livro. Se caminhamos persistentemente em santidade e em amor podemos ter certeza disso, usando essa certeza, não para nos protegermos de irresponsabilidades, mas para nos fortalecermos e sermos fiéis até o fim de nossas jornadas no mundo. “Eu sou a ressurreição e a vida, quem crê em mim, ainda que esteja morto, viverá” (João 11.25). Creia, ninguém está definitivamente morto, a vida é eterna, a morte, não é! 

48. Coluna do templo e Nova Jerusalém

      “A quem vencer, eu o farei coluna no templo do meu Deus, e dele nunca sairá; e escreverei sobre ele o nome do meu Deus, e o nome da cidade do meu Deus, a nova Jerusalém, que desce do céu, do meu Deus, e também o meu novo nome.
Apocalipse 3:12

      As simbologias que João usa no texto bíblico inicial são de construção física e delimitação geográfica, coluna no templo e cidade de Jerusalém. A que espiritualmente ele se refere? Haverá mesmo uma cidade e um templo, construídos de pedras e metais preciosos, com dimensões específicas, com paredes, teto, janelas e portas? No livro de Apocalipse João está sempre transportando revelações espirituais, que via, ouvia e sentia em seu espírito ungido com o Espírito de Deus, para referências físicas que ele conhecia como homem de seu tempo. Chama-nos a atenção Jesus dizer que o vencedor será parte de uma construção, coluna no templo de Deus, pondo os vencedores numa posição de íntima comunhão com Deus. 
      Deus constrói o céu com os espíritos dos vencedores? O templo parece ser sustentado por esses seres espirituais, visto Jesus dizer que os que vencessem seriam colunas da construção. Estaremos dentro de um templo ou seremos o próprio templo? Mas não é isso que já ocorre no mundo com os salvos, são templos individuais do Espírito Santo? (I Coríntios 6.19). Num céu em que muitos salvos viverão juntos, onde estará a luz mais alta de Deus, tendo seus corpos espirituais transformados e numa interação plena com Deus, Deus viverá em todos e todos em Deus, por dentro e por fora. Procede João dizer que os vencedores serão colunas num templo, não só habitarão um espaço, mas serão o próprio espaço, e um espaço espiritual. 
      O termo nova Jerusalém deixa muito claro que o uso de um conceito material conhecido é importante para que homens de um tempo entendam e aceitem conceitos espirituais. Ao judeu do século I, Jerusalém é sua cidade mais importante, a capital de seu reino, o orgulho maior do povo israelita, o lugar onde deve estar o templo, centro de sua religião. É mais que uma região geográfica, é a embaixada de Deus na Terra, testemunho para a humanidade que Deus existe, é todo-poderoso, escolheu um povo para ser seu e cuida desse povo. Não existe maneira mais fácil de um judeu entender a importância de um lugar na eternidade que usando o nome de um lugar importante para ele, para um judeu o céu é uma Jerusalém nova.
      Mas que importância tem isso para um japonês, por exemplo? Esse não vê relevância em Jerusalém, muitos menos vê numa nova Jerusalém. Mas a Bíblia não é um livro de judeus escrito para judeus? Sim, mas ainda assim Deus a usa para falar com todos os povos. Escrita por judeus para cristãos judeus ou ainda que gentios, conhecedores da antiga religião dos hebreus. Isso é relevante para entendermos o quanto da religião judaica está contida na Bíblia, assim aceitarmos que muitos símbolos existentes nela existem porque foram interpretados por judeus. Pode-se argumentar: mas são símbolos de uma nação escolhida por Deus desde o início para testemunhar dele ao mundo, é o mundo que tem que se adaptar a isso.
      Sim, mas ainda assim são símbolos e judeus. Sendo símbolos, não podem ser interpretados ao pé da letra, como construções de pedras, tijolos, cimento etc. Mas tudo bem, não sejamos tão extremistas, se um cristão mais simples, sincero em sua fé, espera no céu morar numa cidade luxuosa, condição que nunca teve na Terra, Deus, o pai de amor, aceita isso e respeita. Temos que fazer alguma imagem mental, isso nos dá esperança, nos resolve, ainda que seja só um portal de uma realidade espiritual. Entretanto, precisamos aceitar que num momento onde existem seres libertos de espaço, tempo e matéria, as coisas serão diferentes dos símbolos que mentalizamos no mundo material presos à cultura, religião, inteligência e gostos pessoais.
      João revela-nos que Jesus escreverá o nome de Deus, o nome da cidade de Deus, assim como o novo nome dele, Jesus, sobre os que vencerem. Isso deixa claro a importância da simbologia “nome” no entendimento que João teve da revelação. Entendamos nome, não como uma identificação escrita ou verbal, como uma maneira de chamar alguém, como já dissemos quando refletimos sobre o nome na pedra branca que os vencedores receberão. O nome é mais que uma simples diferenciação de alguém no meio da multidão, que uma identificação, é a própria identidade, a posição e a qualidade moral e espiritual que os seres terão na eternidade, nome que na verdade já existe, mas escondido em nosso homem interior
      Essa qualificação é justa, porque é dada pelo próprio Cristo que nos conhece por dentro, é o nosso homem interior aperfeiçoado no plano físico que será considerado por Jesus. Essa qualificação é exclusiva, pois todos os seres são especiais para Deus, ele não ama ninguém de forma distinta. Contudo, a qualificação poderá ser diferenciada, colocando seres em alturas diferentes, ainda que isso não poderá ser usado por ninguém como vaidade. Paulo cita algo que pode ser base para isso, o conceito do galardão (I Coríntios 3.12-16), muitos serão salvos, mas o galardão poderá variar. Só na eternidade será manifestado o “nome” do nosso espírito, não o que achamos ter baseados em nossas passagens no mundo, mas o eterno. 
      Há uma chave espiritual para um mistério nesta reflexão, como há em muitos conhecimentos profundos da Bíblia escondidos sob a forma de simbologias e parábolas. O nome escondido diz respeito ao nosso espírito, que é eterno, sem começo e sem fim, não limitado à nossa vida encarnada no mundo no presente. Quem somos de fato, homens e mulheres com nomes, documentos, residências, graus educacionais, profissões, estado civil, religião, contas em bancos, tudo isso hoje no mundo? Será que é só isso, uma existência que nos define? Talvez, e estamos dizendo, talvez, se fosse só isso nosso nome na eternidade seria o mesmo que temos hoje, talvez não haveria necessidade de recebermos novos e melhores nomes... 

49. Co-herdeiros no trono

      “Ao que vencer lhe concederei que se assente comigo no meu trono; assim como eu venci, e me assentei com meu Pai no seu trono.
Apocalipse 3:21

      João evangelista parece mostrar o céu de forma gradativa nas sete promessas de Apocalipse. Depois de ser alimentado com alimento exclusivo (árvore da vida e maná escondido), ser livrado do dano da segunda morte, receber novo nome (pedra branca), administrar o plano espiritual (reger as nações), vestir novas vestes e ser um com Deus (coluna do templo e nova Jerusalém), o que vencer se assentará no trono com Jesus, a promessa mais elevada Agora não haverá só diferenciação do ser em relação aos outros, mas o que vencer estará no mesmo nível que o Cristo. Co-herdeiros de Cristo é termo citado em outros textos, por Paulo (Romanos 8.17) e por Jesus (João 14.1-6), quando diz que os salvos estarão no mesmo lugar que ele.
      O mais importante é que Jesus não se coloca como superior, mas no mesmo nível dos que vencem, novamente não interpretemos “trono” como um lugar num castelo, onde o líder supremo é visitado e venerado por súditos. A Bíblia sob os olhos de homens antigos vê poder e espiritualidade sempre de forma estática, chega-se a um final, alguns vencem e outros perdem. Os que vencem, imperam, os que perdem, servem, de maneira que posições sejam definitivas. Isso com certeza era o ideal de civilização dos que viviam para a guerra, construíam e mantinham impérios fazendo guerras e vencendo inimigos. Cristãos, quando vamos entender que não somos mais assim e por isso a Bíblia precisa ser reavaliada? Quando?! 
      O evangelho de Jesus não vê assim a existência humana, por ele as pessoas podem errar e podem se corrigir, nada é definitivo, assim quem está por baixo hoje pode subir, e quem está por cima, se não tomar cuidado, pode cair (I Coríntios 10.12). Como interpretaríamos hoje o lugar de uma pessoa importante? Mesmo que ainda existam reis, tronos e castelos, como na Grã-bretanha e na Espanha, esse conceito hoje é mais folclórico que de fato levado a sério, excetuando logicamente por britânicos e espanhóis. Para o senso comum atual, alguém poderoso é rico ou famoso, não relacionamos isso necessariamente a poder político herdado por sangue real, o que confere status quo é dinheiro e fama, principalmente pela vida virtual. 
      Mas “tudo isto lhes sobreveio como figuras, e estão escritas para aviso nosso, para quem já são chegados os fins dos séculos” (I Coríntios 10.11), que palavra reveladora é essa de Paulo, cabe tão bem a tanta coisa que lemos na Bíblia, não só na velha aliança de Israel em relação à nova aliança da igreja. Deus sempre falou (e fala, e falará ainda por um bom tempo), com figuras aos homens, como a crianças, e mesmo que muitos escritores bíblicos soubessem de mais coisas, o que eu pessoalmente não acredito, e se for isso só em raras situações já que só Jesus homem de fato conhecia todos os mistérios e o significado de todas as simbologias e parábolas, mesmo que homens conhecessem os mistérios eles usaram figuras.
      Por que foi, é e será assim? Por amor, um amor que é paciente, que não se priva de dialogar mesmo com quem entende muito pouco ou quase nada do que é dito. Ah, meus queridos, como existem tanto materialistas como espiritualistas que olham cristãos tradicionais com jactância, achando-se superiores, com mais informações, sejam da ciência ou de suas experiências espirituais mais profundas. Mas esses pequeninos que são muitos cristãos, conhecem o principal pelo amor de Deus, podem não conhecer detalhes, mas experimentam o mais importante. Esses fazem parte do grupo de seres humanos chamados de vencedores, que receberão todas as promessas feitas no livro de Apocalipse aos anjos das sete igrejas. 

50. O que você quer como vencedor?

      “Porque o Filho do homem virá na glória de seu Pai, com os seus anjos; e então dará a cada um segundo as suas obras.
Mateus 16.27

      Nas últimas oito partes da reflexão “Quem você será na eternidade?”, vimos as sete promessas que Deus faz no início do livro Apocalipse aos que vencerem, aos que finalmente, quando estiverem no plano espiritual, tiverem direito ao céu. Mas e você, diga com sinceridade a si mesmo, tendo esse direito, o que você quer como vencedor? Quem você quer ser na eternidade? O que você acha que receberá pelo Cristo no céu? Cada um de nós desejará aquilo que mais deu valor na sociedade e em igrejas. O que podemos esperar na eternidade de Deus não será nada diferente daquilo que desejamos que Deus nos desse no mundo, que pedimos a ele como nossas prioridades, ainda que no plano material e com referências físicas. O que mais fomos na prática, é o que somos de verdade, e isso é o que levaremos para o plano espiritual. 
      “Não quero nada, o que vier, está bom”, essa resposta pode parecer até sensata, mas pode demonstrar um estado de depressão espiritual, de alguém que pode ser membro de igreja há algum tempo, conhecer a Bíblia, ser um cristão reconhecido e equilibrado, mas já desapaixonado pelo evangelho. Tem muita gente assim, até com um sorriso no rosto, mas com um coração frio. Gente que não teve coragem para fazer as melhores escolhas, assim fez as escolhas medianas, as que não colocavam em risco as aprovações humanas que tinha, mas que também não traziam junto grandes desafios. Todo grande desafio traz perdas, mas também traz ganhos ainda maiores, contudo, é preciso coragem para aceitá-lo, senão seremos só joguetes em mãos alheias, e como existem mãos alheias que acham saber o que é melhor para as vidas dos outros. 
      “Quero o que não tive aqui”, essa talvez seja a pior resposta, vinda de alguém insatisfeito, ainda que se ache bom crente. Se o que construímos em nosso homem interior for um ser espiritual incompleto, é esse que levaremos à eternidade, nem mais, nem menos. Essa resposta pode conter o desejo de se querer ser mais do que realmente se é, e que se precisa ser, assim, o medíocre desejará fama, o pobre, riqueza, e ainda que entenda que no céu não haverá necessidade de bens materiais, desejará proeminência espiritual, vendo espiritualidade como vaidade. Como há pessoas em igrejas que por não terem status no mundo, na área profissional ou na intelectual, querem pregar mais, cantar mais, aparecerem mais, e não por terem chamadas para isso. Ainda que esse equívoco siga com elas à eternidade, céu não é lugar para vaidades. 
      Mas a resposta “quero o que não tive aqui” pode conter algo pior que vaidade, e que também caminha junto do vaidoso, a vingança. Meus queridos, como há gente em igreja evangélica atualmente querendo ir à forra, querendo vingança sobre quem a humilhou. Eis uma doença na igreja evangélica atual, gente que por se sentir vítima, se acha no direito de pedir a Deus vingança. Infelizmente isso não se restringe às igrejas, uma vitimização geral, apoiada pela mídia, cai sobre a sociedade. Atualmente há causas legítimas a serem exigidas por vítimas reais, injustiças e preconceitos históricos que precisam ser corrigidos urgentemente. Entretanto, muitos militam errado e ao invés de buscarem justiça sobre opressores, querem só poder para serem novos opressores. Cristãos como falsas vítimas desejarão um céu para se imporem sobre outros.
      Esses esquecem-se que o céu é “lugar”, acima de tudo, para humildes, e eis aí dois conceitos que a sociedade atual não consegue conciliar, não ser vítima e ser humilde. Muitos cristãos têm ainda mais dificuldade para fazer essa conciliação, quando são empoderados por pregadores que dizem que eles podem tudo se crerem. Pastores gananciosos querem ovelhas prósperas para que essas dizimem mais, não porque esse seja o ideal de vida de Deus para elas no mundo, e não é, não para todas. Mas sob essa bandeira muitos se colocam como vítimas dos ricos, não aprendendo sobre a necessidade de serem humildes, e não conseguindo entender que uma coisa nada tem a ver com a outra. É possível ser próspero e humilde, se tivermos a humildade de aceitar a vontade de Deus para nossas vidas, que pode ser não sermos ricos. 
      “Quero o que Deus tem para mim”, essa é a resposta mais sábia, e se querem saber, os sábios sabem exatamente o que Deus tem para eles. Eles guardam isso no coração, não exibem para ninguém, mas não pensam de si mesmos nem menos e nem mais do que são, não possuem falsa humildade, mas também não têm nenhuma apego a vaidades. Eles descobriram o segredo da paz que permanece ainda no mundo, e paz que fica é aquela que não depende de homens, nem de aparências. Sábios entendem o valor do saber e calar, do não ter e se sentir totalmente satisfeito. Será que é isso que queremos ser na eternidade, o que de fato somos, seguros que conseguimos chegar a ser tudo o que Deus tinha para nós na existência encarnada no mundo material? Quem chega a isso morre em paz, parte tranquilo e deixa atrás de si legados de honra. 

51. Pão da Vida

      “Assim como o Pai, que vive, me enviou, e eu vivo pelo Pai, assim, quem de mim se alimenta, também viverá por mim. Este é o pão que desceu do céu; não é o caso de vossos pais, que comeram o maná e morreram; quem comer este pão viverá para sempre.
  João 6.57-58

      Faça o que tem que fazer agora e da melhor maneira, não deixe para depois, nem faça de qualquer jeito. O homem que teme ao Senhor conseguirá sincronizar sua vida com a vontade de Deus, de forma que consiga fazer o seu melhor dentro do plano perfeito do Altíssimo. Achar no coração forças para trabalhar com a força de Deus, faz do homem instrumento de luz que destrói toda treva. A luz, a força, o amor e a justiça de Deus, são eternos e constantes, o ser humano, contudo, neste mundo, sempre tende à morte, ainda que seu espírito possa viver eternamente em Deus, seu corpo físico tem roteiro com começo, meio e fim. A única certeza que temos na vida é que um dia vamos morrer. 
      No jovem existe uma energia natural, efeito de elementos de seu corpo que estão funcionando no apogeu, que são potencializados por um emocional ainda não profundamente impressionado por culpa e dor. Isso conduz à impulsividade que tanto leva a irresponsabilidades quanto a empreendimentos audaciosos. Com o tempo o corpo cansa e o emocional pesa, filtros são criados, mecanismos que tentam impedir que novas culpas e dores se instalem. Isso diminui a velocidade da caminhada e freia a aventura de viver, mas não ocorre na mesma velocidade com todos. Alguns parecem velhos ainda em corpos jovens, e outros, mesmo envelhecidos no corpo, mantêm uma energia jovial na alma.
      Que não cheguemos no final com o arrependimento de não termos feito algumas coisas. Arrependidos de termos feito outras coisas, isso sim, e isso pode nem ser um problema, mas só consequências de quem ao menos tentou viver. O que vier ao teu coração de bom, faça-o, sem timidez, seja um projeto profissional, seja um contato amistoso com alguém, seja um pedido de desculpas, seja uma declaração de amor a quem divide com mais proximidade o curto tempo neste mundo com você. Não se canse de perdoar, de mudar de opinião, de amar, de ler e aprender, não se canse de se transformar para melhor. Vá a pé, se não conseguir vá de bicicleta, se não puder vá de ônibus, mas mova-se, em frente.
      Quando não puder se mover mais, ore mais, para fazer isso só precisa calar a mente, acalmar o coração e abrir ouvidos e olhos espirituais, e eis um trabalho tão maravilhoso quanto necessário, principalmente nos dias atuais, orar. Essa é a última aventura do homem, que ainda que o tenha acompanhado por toda a vida, pode ser instrumento poderoso nas mãos do Espírito Santo no final da jornada humana. Se o corpo cansa, o espírito se renova e se prepara para o melhor que está depois do último suspiro do invólucro material que encapsula a alma. A jornada é sem fim e será de ressurreição para a vida eterna, se o ser tiver comido e bebido, no mundo, do corpo e do sangue do Cristo, eis um mistério. 
      No texto bíblico de Salomão, no final desta reflexão, há sabedoria e poesia, mas não é exatamente isso que o homem é chamado a viver no mundo? A vida não pode ser só fascinação pela paixão dos sentidos do corpo, que encanta-se com a poesia, mas também é inviável para ser só sabedoria espiritual. O desafio está na conciliação de ambos, corpo e alma. A chave do mistério da vida eterna é revelada no texto de João, também no final desta reflexão, que aos olhos desatentos pode parecer descrição de um ato de canibalismo. Não é, é uma experiência plenamente espiritual, de comunhão profunda com tudo que Jesus é. Temos nos alimentado do pão da vida ou apenas celebrado religiosamente o que ele é? 
      Por que Jesus usou simbologia tão forte? Porque se a interação do homem com Jesus não for assim, de integrar de tal maneira, não só ensinos morais evangélicos, mas também a pessoa espiritual do Cristo ao seu ser, o homem não provará tudo que Deus revelou pela obra de seu filho. Jesus é uma manifestação única e poderosa do mundo espiritual, nenhum outro fundador de religião, profeta, sábio, que já pisou o planeta Terra, se compara ao Cristo. Só Jesus é a pão da vida que liberta da morte, mas pão é para ser comido, não só admirado. Infelizmente é isso que muitas religiões cristãs ensinam, com medo dos homens saberem a verdade, a olhar de longe, mas a não provar, como se ensina a crianças.
      Interessante que a Igreja Católica, que defende a eucaristia como um dos sete sacramentos, como algo que vai além da simbologia da ceia protestante, mas como a presença real do Cristo nos elementos, é justamente a denominação cristã que mais impede os homens de comerem do verdadeiro pão da vida. Como? Não ensinando sobre a relevância do Espírito Santo sobre dogmas, teologias, sacramentos e ritos de instituições humanas. Alimentar-se do pão da vida que Jesus se referiu, é possuir e dar liberdade para que o Santo Espírito limpe, ensine, cure e console, é ter uma experiência pessoal e íntima com o Deus vivo, é ser iluminado pelo conhecimento mais elevado do Deus altíssimo. 
      Quem você será na eternidade? Será um espírito vivo, limpo e livre para subir para o amor de Deus, o céu em Jesus, mas isso se tiver se alimentado no mundo com o pão da vida. Se não tiver comido desse pão estará morto, ainda que tenha passado uma vida admirando e cultuando o pão, morto espiritualmente já terá a semente do inferno dentro de você e não experimentará a ressurreição. Quem morre no corpo com o espírito alimentado pelo pão da vida, ressuscitará instantaneamente na eternidade, é promessa de Jesus, mas quem morre sem nunca ter tido coragem e fé de provar desse pão, já está infernizado pela segunda morte, e isso simplesmente não vai mudar, só se manifestar com mais liberdade.    

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      “Lembra-te também do teu Criador nos dias da tua mocidade, antes que venham os maus dias, e cheguem os anos dos quais venhas a dizer: não tenho neles contentamento; antes que se escureçam o sol, e a luz, e a lua, e as estrelas, e tornem a vir as nuvens depois da chuva; no dia em que tremerem os guardas da casa, e se encurvarem os homens fortes, e cessarem os moedores, por já serem poucos, e se escurecerem os que olham pelas janelas; e as portas da rua se fecharem por causa do baixo ruído da moedura, e se levantar à voz das aves, e todas as filhas da música se abaterem.” 
Eclesiastes 12.1-4
      “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia. Porque a minha carne verdadeiramente é comida, e o meu sangue verdadeiramente é bebida. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele. Assim como o Pai, que vive, me enviou, e eu vivo pelo Pai, assim, quem de mim se alimenta, também viverá por mim. Este é o pão que desceu do céu; não é o caso de vossos pais, que comeram o maná e morreram; quem comer este pão viverá para sempre.” 
João 6.54-58
 
52. Dons do Espírito: céu no mundo
 

      “Em verdade que não convém gloriar-me; mas passarei às visões e revelações do Senhor. Conheço um homem em Cristo que há catorze anos (se no corpo, não sei, se fora do corpo, não sei; Deus o sabe) foi arrebatado ao terceiro céu. E sei que o tal homem (se no corpo, se fora do corpo, não sei; Deus o sabe) foi arrebatado ao paraíso; e ouviu palavras inefáveis, que ao homem não é lícito falar. De alguém assim me gloriarei eu, mas de mim mesmo não me gloriarei, senão nas minhas fraquezas. Porque, se quiser gloriar-me, não serei néscio, porque direi a verdade; mas deixo isto, para que ninguém cuide de mim mais do que em mim vê ou de mim ouve.
 II Coríntios 12.1-6

      Quanto tempo você passa orando? Ora só no culto de domingo à noite? Ora nos vários cultos que participa na semana? Ora em casa, todos os dias, agradecendo por estar vivo? Faz jejuns e consagrações ocasionais para clamores especiais? Mas mesmo que você ore todos os dias, o que você busca na oração, pedir e agradecer pelo que recebeu? Já teve experiências com os dons do Espírito Santo? Se tem, o que você experimenta além de louvar e falar em línguas estranhas? Você já buscou e recebeu de Deus a tradução ou o dom de profecia, que entendem a voz de Deus falando contigo de forma clara? Se já teve essa experiência, você a tem sempre ou só de vez em quando? Responda sinceramente essas questões.
      Várias perguntas foram feitas, de forma gradativa, para que você possa avaliar teu nível de intimidade espiritual com Deus. Mas entenda certo, ainda que você não tenha tanta intimidade, não significa que você não tema a Deus e não seja cuidado por ele em amor. Contudo, saiba de outra coisa, nosso período de oração pode ser muito mais que pedirmos e agradecermos pelo que recebemos, podemos provar na oração experiência próxima a que teremos no céu, ainda que limitados por corpos físicos aqui. Sob o ponto de vista de “Quem você será na eternidade?”, como alguém quer ir ao céu sem tê-lo provado no mundo? Provar o céu no mundo é possível, tendo uma experiência íntima com Deus pelos dons espirituais. 
      Percebo algo interessante em igrejas pentecostais, ainda que elas experimentem dons espirituais, isso é feito, na maioria das vezes (se não em todas), de forma aleatória, dificilmente vejo pastores pregando sobre isso de forma didática, em escola bíblica, por exemplo. Mesmo os pentecostais, ainda veem dons do Espírito de forma supersticiosa, acham que a experiência com dons é sinal de espiritualidade, os buscam em vigílias e cultos especiais, louvam a Deus quando um dom é manifestado ou quando alguém é “batizado” no Espírito Santo. Todavia, não existe um ensino aprofundado, uma busca mais focada, e mesmo os que se acham cheios de dons, só experimentam o início da experiência e nem sabem disso. 
      Esse tema já foi estudado aqui em “Espiritualidade Cristã”, mas sinto que preciso ser ainda mais direto sobre ele. Não ter experiências com dons espirituais pode pôr em risco, não a escolha da igreja que frequentaremos, ou a crença sobre dons espirituais serem ou não para os dias atuais. Essa experiência influi na qualidade da eternidade que teremos, assim como em vitória em nossa vida neste mundo. Mas preciso dizer de novo, a exatidão do nosso conhecimento sobre o mundo espiritual não tem a ver com o cuidado que Deus tem com nossas vidas. Deus não depende disso para nos amar e proteger, tem sido assim desde o início do cristianismo, da igreja primitiva à pentecostal, passando por catolicismo e protestantismo. 
      Experiência espiritual mais profunda só acontece depois da oração inicial, aquela que todos fazemos e precisamos fazer. Só depois das ansiedades serem satisfeitas e de nossa alma se calar, com os sentimentos tranquilizados e com a mente silenciada em paz, é que essa experiência pode iniciar-se. Ocorre é que a grande maioria encerra a oração exatamente aí, sente-se em paz, pediu e agradeceu, então, simplesmente abre os olhos e para de orar. Isso é diferente em religiões não cristãs, principalmente nas orientais, essas estudam e praticam exercícios específicos para que os homens se coloquem numa posição espiritual de relaxamento, onde olhos e ouvidos espirituais são abertos, para experimentarem o plano espiritual. 
      Contudo, esses outros religiosos podem querer e ver outros espíritos e seres, e isso pode ser perigoso. Já o cristão tem acesso direto a Deus pelo Espírito Santo, nessa experiência ele tem o amor e a luz de Jesus, nessa experiência ele está protegido, nessa experiência muita coisa pode ser revelada para que o homem cresça espiritualmente. Existe um motivo de porque ser esse assunto tão mistificado, experiência espiritual é muito subjetiva, se passa na mente humana, assim é difícil estabelecer regras que certifiquem se é uma experiência espiritual verdadeira e com Deus, ou se é imaginação humana ou mesmo influência de seres espirituais das trevas. Mas será que isso basta para que o assunto seja proibido e esquecido? 
      Jesus deixou claro que quem esclareceria a humanidade sobre o evangelho (João 14.26) seria o Espírito Santo, assim, ainda que existam dificuldades, presentes em todo processo de aprendizagem, dons são necessários. Mas foi querendo evitar essas dificuldades que a Igreja Católica criou dogmas e extinguiu os dons. Protestantes tradicionais seguiram na mesma linha, a diferença é que limitaram o antolhos à Bíblia, jogando fora resoluções de concílios e legalismos de dogmas e sacramentos. O pentecostalismo fez ressurgir experiência com dons, mas parou no êxtase inicial que provocam no emocional humano, e em profecias num formato estereotipado e veterotestamentário. Isso é menos que a experiência pode ser. 
      Muitos consideram hoje importante voltar a costumes e princípios do antigo testamento, achando que aí está um Deus de poder. Isso é desvio herege, retrocesso, o Espírito Santo nos conduz à frente, não para trás. O que está à frente? Poucos cristãos têm descoberto nos dias atuais, mas isso é só reflexo do nosso tempo, ainda com uma humanidade em níveis morais e espirituais baixos, mesmo que com altos níveis intelectuais e científicos. Mas o que muitos cristãos chamam de fim dos tempos nada mais é que uma iluminação espiritual, que aceitando a incompetência do velho cristianismo, conduzirá a humanidade ao novo, onde o Espírito Santo será o guia da verdade, não as tradições religiosas e seus ensinos ultrapassados. 
      Podemos entender pelo texto bíblico inicial que Paulo teve experiências espirituais profundas, que com certeza não compartilhou com muitos e nem deixou registrado nas epístolas. Se deixou, aqueles que construíram o cânone bíblico que temos em mãos hoje, subtraíram. Paulo reflete a humildade e a sabedoria que tinha, não queria crescer sobre ninguém, contando suas experiências, e mesmo que alguém não queira crescer quem ouve experiências espirituais diferenciadas sempre acha que o que as está relatando é alguém superior e arrogante. Mas experiência espiritual genuína faz justamente o oposto, nos lança na mais sincera humildade, quanto mais próxima a luz do Altíssimo estiver, menor vê o homem a si mesmo. 

53. Espera e vigia em Espírito

      “O Senhor é a minha luz e a minha salvação; a quem temerei? O Senhor é a força da minha vida; de quem me recearei?” 
Salmos 27.1

      Certa vez, quando pedi do Senhor uma orientação, o Esprito Santo me disse de forma bem clara, espera e vigia. Num raciocínio lógico essas duas ordens parecem contradizerem-se, não dá para vigiar enquanto se espera. Com esperar nos vem à mente a ideia de fazer nada e quando nada se faz não se pode estar numa disposição de vigilância. Com a palavra vigiar nos vem a ideia de estarmos numa disposição defensiva, que exige de nós algum trabalho, ainda que só atenção. Seja como for, não parece ser possível vigiar e dormir, por exemplo, para se vigiar é preciso estar bem desperto, mas será que esperar é de fato não fazer nada? É dormir? Não se contemplarmos o ser como corpo, alma e espírito.
      Esperar, sob o ponto de vista de uma orientação recebida de Deus, é parar num lugar, não retroceder nem prosseguir. Existe um descanso nisso, aliás uma orientação de Deus para descansarmos geralmente vem para que relaxemos e renovemos nossas forças, físicas e mentais. Mas esse descansar de Deus não se refere diretamente e necessariamente a atividades de nossos corpos. Podemos descansar em Deus e seguirmos desempenhando obrigações profissionais diárias, acordando cedo, trabalhando até o final do período, enfim, mantendo nossos corpos em movimento. O descansar de Deus é um descansar emocional e racional, e isso tem a ver com limpar a mente e pacificar as emoções. 
      Quando descansamos paramos de gerar ansiedades que se originam de pensamentos e emoções fora de controle, paramos de imaginar coisas desnecessárias, que podem nos prejudicar, nos cansar. Por desejarmos demais algo, podemos acabar criando isso nos pensamentos e nos sentimentos, sem que ainda exista fisicamente no mundo exterior, e não existe porque ainda não é o momento para isso. Por isso Deus orienta-nos a esperar, para pararmos de usar nosso mundo interior desnecessariamente. Mas como seres completos, corpo, alma e espírito, não basta-nos relaxar mente e coração, isso é esvaziar e limpar o templo, e essa situação pode ser perigosa, lugar vazio e limpo sempre interessa ao mal. 
      Nosso espírito deve estar em atividade, mas na atividade correta, em comunhão com Deus pelo Espírito Santo. É essa relação que nos permite vigiar, de forma que mente e coração estejam protegidos contra invasões perniciosas. Ao contrário do corpo, da mente e das emoções, nosso espírito não se cansa, não se estiver em comunhão com Deus, por isso o dom de línguas estranhas, por exemplo, é tão útil. Ele permiti-nos uma comunhão com Deus que nos alimenta espiritualmente e que não estressa nossa mente e nossos sentimentos. Falando em línguas não entendemos racionalmente o que falamos, assim não cansamos nossa mente, só sentimos no espírito a satisfação de estarmos em comunhão com Deus. 
      Ah, se tantos cristãos entendessem a bênção que é falar em línguas estranhas, o quanto descansa ao mesmo tempo que alimenta. É sentirmos as águas vivas do Espírito sendo derramadas sobre nossos corações, o óleo puro, fresco e perfumado sobre nossas cabeças, seja qual for a simbologia, é revigorante. Quantas doenças psicológicas como depressão e fobias são curadas na experiência desse dom tão simples e tão misterioso, que só experimentam os humildes que adoram a Deus de toda sua alma. Sim, dons espirituais são dados por Deus quando damos a ele uma livre adoração, só recebe quem dá, e dá sem segundas intenções, só para agradecer a Deus por ele existir e nos atrair à sua luz. 
      Quantas vezes, quando eu sabia que tinha que esperar, que aquilo que estava querendo não viria de imediato, e que não me restava nada a fazer senão aguardar o tempo de Deus, quantas vezes nessa expectativa, com a mente repleta de imaginações e os sentimentos presos a ansiedades, falei em línguas estranhas. Fiz isso devagar, deixando que novas línguas, e não só aquelas palavras que a maioria fala, viessem ao meu espírito e jorrassem, renovando-me, alimentando-me, libertando-me, me permitindo esperar em Deus em paz. Quantos adoecem mentalmente por tentarem viver um evangelho só intelectual, preso à palavra escrita, negando a si mesmos direito à viva palavra do Espírito. 
      Quem você será na eternidade? Será luz, paz, amor, se aprender a esperar e vigiar ainda neste mundo. Limpe a mente, de vícios, de mágoas, de medos, de imaginações descontroladas, isso é um trabalho de força de vontade. Depois cale suas ansiedades, ache paz no seu silêncio interior, então, mantenha seu espírito na presença de Deus. Tenha uma íntima comunhão com o Espírito Santo, adore ao Senhor, permita que as línguas estranhas venham, eis as chaves para que seus olhos e seus ouvidos espirituais sejam abertos. O mundo passa por um tempo estranho e terrível, perderemos muitas coisas e muitos amigos, só o poder do Espírito Santo nos dará forças para nos mantermos fiéis a Deus.

54. Vocação e Herança

      “Para que o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da glória, vos dê em seu conhecimento o espírito de sabedoria e de revelação; tendo iluminados os olhos do vosso entendimento, para que saibais qual seja a esperança da sua vocação, e quais as riquezas da glória da sua herança nos santos” 
Efésios 1.17-18
 
      O texto bíblico inicial é trecho de uma oração que Paulo faz a Deus pelos cristãos de Éfeso. Apesar do texto ser de imensa profundidade, penso que muitos passam batido por ele, leem, mas sem entenderem de fato o que ele diz. Vou tentar resumir: Paulo pede que Deus dê aos efésios espírito de sabedoria e de revelação, para que, iluminados os olhos de seus entendimentos, saibam qual é a esperança de suas vocações e as riquezas da glória de suas heranças. Entendemos com isso que ser cristão é mais que saber que se é salvo e que se vai ao céu. Paulo enfatiza a necessidade de um conhecimento espiritual profundo, para que entendamos de fato qual é a qualidade da vocação e da herança que recebemos no Cristo.
      Uma pergunta pode ser levantada: “e daí, que importância tem isso para minha vida prática, no que isso pode melhorar meu dia a dia na realidade de sobrevivência no mundo?” Pode não fazer diferença direta nas coisas materiais de tua vida no mundo, mas mudará teu interior, levando você a não sofrer tanto com coisas menos importantes e que são passageiras, para assim ter paz. Em paz você fará menos uso dos escapismos dos prazeres físicos, com isso usará menos dinheiro com coisas erradas, sobrando mais tempo para fazer as coisas certas. Tua saúde física, teu bem estar como cidadão, a prosperidade de tua família podem ser melhores, não por você ter mais, mas por conseguir ser feliz com menos, à medida que é mais espiritual.
      O que sabe qual é a sua vocação em Deus tem a melhor esperança, os mais altos objetivos, os mais nobres propósitos. Fará sua parte no mundo, mas sabendo que não precisa depender das ilusões que são constantemente vendidas pelas mídias. Nossa vocação é o céu, o mundo é só uma passagem, justiça é só a divina que será estabelecida na eternidade, por isso não precisamos confiar em palavra de homens, ainda que se digam religiosos ou representantes políticos de cristãos. Nossa vocação não é apoiar obra humana, ministério de igreja, ideologia política, mas viver o evangelho e dar testemunho dele no mundo. Isso é mais que uma bandeira na mão, é nos apropriarmos de uma herança de glória em nossos homens interiores
      Se a vocação nos dá segurança para desempenharmos um trabalho, pois nos permite saber que temos uma chamada superior para fazer isso, sabermos que receberemos na eternidade uma herança nos consola e nos renova, pois nos dá esperança para persistirmos mesmo após termos feito bastante. Ah, meus queridos, não temos noção da herança que nos espera nas regiões celestes mais elevadas em Jesus no plano espiritual. Paulo usa os termos riquezas da glória, temos de fato entendimento sobre o que é isso? Nós que achamos que o melhor da vida está no que o dinheiro pode comprar e em prazeres que o corpo físico pode usufruir, como pensamos pequeno, como somos materialistas, mesmo orando a Deus e cantando louvores a ele.
      Quando a boca não puder mais comer e beber, quando os lábios não puderem mais beijar, nem os braços abraçarem, quando as mãos não puderem mais acariciar o ser amado, nem os dedos puderem dedilhar instrumentos musicais, quando os ouvidos não puderem mais ouvir sinfonias, quando os olhos não se fascinarem mais com a beleza dos corpos, nem o desejo puder ser seduzido pelo sexo, então, restará só o espírito. Esse poderá experimentar prazeres muito maiores se de fato tiver começado a prova-los no mundo, se de fato tiver aprendido a amar em primeiro lugar a Deus e às suas virtudes. Mas se além de ter conhecido e amado a Deus tiver recebido iluminação, administrará o céu com Jesus e servirá aos homens. 
      O religioso dá o dízimo, o iluminado adora a Deus com tudo que tem, o religioso dá paz do Senhor aos irmãos, o iluminado doa dinheiro ao pobre e estranho e não fala disso aos outros. O religioso conhece a Bíblia, os louvores, porta-se como evangélico decente, o iluminado coloca-se como luzeiro no mundo, intercede pelos necessitados, disponibiliza-se para Deus como soldado numa guerra espiritual em amor. O religioso odeia o diabo, o iluminado ama o endemoniado, o religioso obedece seu pastor, o iluminado sabe da humanidade de seu líder e o ajudará em segredo. O religioso tem certeza de sua salvação, o iluminado constrói o céu dentro de si no mundo, não será surpreendido pelo inferno porque de fato conhece a Deus.

55. Liberte-se de fórmulas

      “Clama a mim, e responder-te-ei, e anunciar-te-ei coisas grandes e firmes que não sabes.
Jeremias 33.3

      O que compartilho neste estudo não é uma teoria para mim, somente coisas que li, que outros me disseram, que ouvi, não é isso, são experiências em primeira mão. Leio muito, estudo a Bíblia, comentários sobre ela assim como outros textos sagrados, mas não bato o martelo em nada antes de Deus me dar sua palavra final em oração. Algo maravilhoso em andar com Deus é ver que as coisas acontecem de forma sincronizada e serena, assim, só fui atrás de alguns conhecimentos, me informando mais intelectualmente, depois que Deus me autorizou em oração. Dessa forma tenho entendido as coisas no tempo melhor, não tenho sido surpreendido, nem tenho me escandalizado, tudo tem caído em meu coração na medida certa.
      Pela misericórdia e vocação de Deus sempre tive vida de oração, mesmo quando andava pelo deserto da vida errando para aprender a acertar. Mas nos últimos anos, coincidindo minha idade com a pandemia, que me prenderam mais em casa, Deus tem me atraído para viver experiências fantásticas em oração. O que quis a vida inteira, e que por muito tempo nem sabia que queria, se realizou. Isso tem levado-me a saber de coisas que desejaria muito compartilhar aqui, mas que Deus tem pedido que eu guarde no coração, assim tenho aprendido a conhecer e a calar. Esta reflexão é sobre oração, como ela nos conduz ao céu, experiência que quando verdadeira é mais ouvir e obedecer, que falar e se explicar, acontece de cima para baixo. 
      Você já deve ter passado por isso, um amigo te conta que achou um restaurante com uma comida ótima e com um preço bom, então, te passa o endereço do lugar. O local não é fácil de se achar, e se for em um grande centro, como São Paulo capital, complica ainda mais. É claro que nos dias atuais, com navegação por GPS, basta digitarmos rua e número num celular, mas antigamente não era simples acharmos endereços desconhecidos. Funciona assim no plano físico, as coisas têm referências, endereços, pontos cartesianos num mapa, ou então medidas, comprimento, largura, altura, uma vez identificado algo as referências podem ser registradas e usadas como fórmulas, para que outros identifiquem algo depressa e com facilidade. 
      O que define, encerra, o que se acha, acaba, o que se controla, falece, no mundo material as coisas funcionam assim. Quanta expectativa acumulamos quando queremos algo, e isso tem um lado produtivo, nos dá energia para trabalharmos para obtermos algo. Todavia, quão facilmente enjoamos, como crianças depois de ganharem um brinquedo e brincarem um pouco com ele. Um tempo depois de adquirirmos algo, aquilo não gerará mais em nós expectativas e prazer, o bem mais caro perderá o valor, então, desejaremos outra coisa. Isso acontece com todos nós e em muitas áreas, as coisas perdem o encanto, entediam. Nem são as coisas que ficam menores, são nossas almas que são pequenas demais para reterem satisfação. 
      Até casamento, se não for administrado em amor verdadeiro, assumindo-se com responsabilidades os desafios que ele traz, poderá cair no tédio e levar à quebra de uma aliança, que no início parecia tão especial, duradoura e satisfatória. No mundo tudo é passageiro, contudo, é diferente no plano espiritual, simplesmente porque lá não existe morte, fim, limites. Não existem fórmulas para acharmos coisas espirituais! Por quê? Porque no plano espiritual tudo é vivo e como tal pede de nós sempre leituras atualizadas, ainda que as referências morais mais altas de Deus sejam imutáveis. Como no plano físico sempre morremos, precisamos de trabalho constante para nos harmonizarmos com um plano eterno. 
      No mundo somos inabilitados para entender plenamente o plano espiritual, o que fazemos é estabelecer comparações, se engana quem lê meras adaptações como informações reais e ao pé da letra. Se não fosse assim bastaria-nos querer que veríamos o mundo espiritual, anjos, diabos, demônios, espíritos e outros seres, o perceberíamos pelos sentidos físicos. É preciso inteligência e imaginação, fé e vontade, numa qualidade moral santa e amorosa, para conectarmos planos opostos. O maior desafio que aprouve a Deus entregar ao homem no mundo, é conciliar plano físico com plano espiritual, matéria com espírito, ciência com fé, materialismo com religiosidade, quem entende isso entende a principal razão de viver encarnado. 
      Todo o estudo “Quem você será na eternidade?” pretende provocar as pessoas para terem vidas espirituais vivas e renovadas, libertando-se de fórmulas religiosas para terem intimidade espiritual com Deus. Isso permite aos seres humanos construirem o céu em seus homens interiores ainda neste mundo. Mas nesta parte, “Liberte-se de fórmulas”, e na próxima, “Para ser íntimo de Deus”, me aprofundarei mais no assunto. Oração é fundamental nesse tema, momento de alimentação espiritual que só será eficiente se feito sem receitas de homens, usando coisas espirituais para entender coisas espirituais, libertando cristãos do materialismo pelo Espírito Santo, levando-os da religiosidades morta para a vivificante espiritualidade.
      Oração formal tem sua importância, principalmente liberar nosso emocional de ansiedades, por isso começar o período de oração falando com Deus sobre nossas preocupações mais diretas, pedindo perdão, solicitando proteção para nós e nossa família, clamando por manutenção material, pelos nossos empregos e atividades profissionais, agradecendo a Deus por tudo, é recomendado, todos os dias. Mas é depois disso que nossa alimentação espiritual mais avançada inicia-se. Você já notou que muitas vezes, depois de ter orado por tudo que precisava, ainda assim se sentiu vazio? Não triste, mas vazio? É porque Deus tinha mais para te dar e você não buscou. Quando razão e emoção cessam é que o Espírito Santo age para nos encher. 

56. Para ser íntimo de Deus
 
     E buscar-me-ei, e me achareis, quando me buscardes com todo o vosso coração.”
Jeremias 29.13

      A boa refeição é aquela que não precisamos deixar a mesa sem estarmos totalmente satisfeitos, contudo, espiritualmente, muitos saem da presença de Deus insatisfeitos e acham que é assim que as coisas têm que ser. Não, as coisas não precisam ser assim, mas para que não sejam temos que nos libertar de fórmulas. Religiões são essencialmente fábricas de fórmulas, receitas podem ser anotadas, registradas, autenticadas e até comercializadas, fórmulas são coisas físicas, ainda que referindo-se ao plano religioso e espiritual, ainda que pondo o nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo no meio. Fórmulas podem até terem tido origens legitimamente espirituais e eficientes, mas se tornaram fórmulas e perderam sua validade espiritual. 
      Qual a chave para acharmos a paz maior que Deus quer nos dar, e não nos acomodarmos às fórmulas, ainda que sejam autorizadas por lideranças religiosas? Trabalho, mas trabalho espiritual. O termo trabalho é adequado aqui para deixar claro que adentrarmos-nos na intimidade de Deus requer esforço, e sempre maior, por isso uma fórmula não serve, ela pode até ter levado alguém até um ponto, mas parou aí, fórmulas nos fazem ociosos espirituais. Ainda que tenhamos tido uma experiência real, profunda, poderosa com Deus ontem, se usarmos hoje a mesma fórmula não conseguiremos ir além. Deus é vivo, sempre nos atrai para mais perto dele, isso exige o trabalho de conhecermos coisas novas que não sabíamos ontem. 
      Na prática isso significa termos um tempo significativo e de qualidade na presença de Deus, não usando mantras emocionais ou mesmo falando as mesmas coisas em línguas espirituais estranhas, mas achando a paz maior no silêncio, descobrindo o segredo que existe em fazer o espírito sorrir para o Altíssimo, isso poderá nos ajudar a abrir nossos olhos e ouvidos espirituais. Nisso tudo nos cinge a fé, nos protege a luz e no atrai o amor, de forma que depois de termos falados tudo o que precisávamos, possamos, e essa é chave de uma oração que acha satisfação na presença de Deus, aprendermos a ouvir, a discernirmos a voz do Espírito Santo. Isso só se experimenta num silêncio espiritual muito especial na presença do Altíssimo. 
      Muitos falam muito com Deus, e Deus os ouve com amor, mas não aprenderam ainda a ouvir Deus falando, pensam que Deus só fala pela Bíblia e pelos pregadores, anulam assim a principal função do Santo Espírito consolador e professor. Me perdoem se eu estiver sendo repetitivo em algumas exortações nos últimos tempos do “Como o ar que respiro”, e em especial no estudo “Quem você será na eternidade?”, mas é que esse assunto é de suma importância. Só o entendimento disso nos libertará de homens, de mentiras, de religiões e de fórmulas que só conduzem à morte e ao inferno. Se queremos o céu, temos que prová-lo ainda aqui no mundo, pelo Espírito Santo, só isso nos fortalecerá contra o pecado e o mal. 
      Entretanto, é preciso que entendamos que diferente das coisas materiais, para as quais podemos usar receitas para acharmos, não funciona assim no mundo espiritual. Creiam, estou tentando de todas as formas usar aqui uma dialética esclarecedora, ainda que experiência espiritual só entende quem a tem. O que posso contar são os efeitos de uma vida com e sem essa intimidade com Deus, se você já a tem experimentado consegue entender o que estou dizendo. Se não teve essa experiência pode entender isso verificando se você não tem os efeitos disso, sabendo assim se tua vida de oração tem sido eficiente e se tuas prioridades espirituais têm sido as mais altas. Se for honesto consigo mesmo entenderá o que estou tentando dizendo. 
      No final o que vale são bons frutos que permanecem: libertação de pecado, que é o fruto da santidade que agrada a Deus, paz diferente que é o fruto que nos harmoniza interiormente e nos dá forças para seguirmos, e vida de amor, o fruto que põe em prática o que cremos com os homens ao nosso redor. Se você ainda segue preso a certos vícios, mesmo que sejam secretos e você diga que não prejudicam a ninguém a não ser a você mesmo, se ora bastante, mas não acha uma paz que excede todo o entendimento, e se depois de tanto esforço devocional você continua sem paciência para amar as pessoas, então, você não experimentou ainda uma oração de qualidade e intimidade com Deus, e pode ainda estar preso a fórmulas. 
      Linhas espiritualistas como ocultismos, cabala, magia e esoterismos, usam fórmulas, protocolos, ritos e sistemas, para terem contato e “controle” sobre potências espirituais. Mas isso é feito em rebeldia à vontade de Deus, propõem conexão com seres das trevas. É exatamente por isso que fórmulas podem até funcionar, seres mistificadores (demônios) gostam de mistificações, de máscaras, de rituais, isso agrada seus egos vaidosos e decaídos. Não funciona assim com Deus, para o Altíssimo basta-nos o nome de Jesus e o caminho de duas vias do Espírito Santo, que tanto permite que Deus nos ouça quanto o ouçamos, e que por isso é caminho reto de vida, não de morte, que nos leva a crescer em virtudes da luz mais alta do Senhor. 
      Não posso deixar de citar aqui aquele povo simples, pobre, às vezes sem formação superior, com um forte doutrinamento católico. Essas pessoas rezam repetindo fórmulas que aprenderam e fazem isso com o coração, colocam Deus em tudo em suas vidas, ainda que sob os filtros do catolicismo, cultuam a Deus ainda que debaixo da fechada liturgia católica. Mas há muitos em igrejas evangélicas assim, pagam dízimos, não faltam a cultos de consagração, mas também estão em cultos da semana que poucos vão, e não fazem isso por vaidade, como fazem muitos músicos que só participam de cultos lotados. Esses, católicos e evangélicos, usam fórmulas tradicionais para buscarem a Deus, isso é o que podem fazer e Deus respeita.
      Deus não ouve as orações desses? Sim, ouve, e com muito carinho cuida deles. Contudo, entendamos uma coisa, Deus tem chamadas diferentes para pessoas diferentes. Quem é chamado para ser ovelha, que seja, uma ovelha humilde, fiel e amorosa, mas quem é chamado para ser mais que isso deve sê-lo com temor a Deus e com muito esforço espiritual. Se Deus quer mais de você, saiba que você não terá paz enquanto não obedecer esse chamado, e se for saber mais que o humilde irmãozinho que só sabe o que lhe é ensinado, você deve buscar isso. Para quê, para ser maior? Não, para obedecer a Deus, e entenda algo, por experiência própria, tua provação pode ser saber e calar, só para que você seja útil orando por muitos. 

57. Justiça, amor, intenção e obras

      “Mas se o ímpio se converter de todos os pecados que cometeu, e guardar todos os meus estatutos, e proceder com retidão e justiça, certamente viverá; não morrerá. De todas as transgressões que cometeu não haverá lembrança contra ele; pela justiça que praticou viverá. Desejaria eu, de qualquer maneira, a morte do ímpio? diz o Senhor Deus; Não desejo antes que se converta dos seus caminhos, e viva? Mas, desviando-se o justo da sua justiça, e cometendo a iniquidade, fazendo conforme todas as abominações que faz o ímpio, porventura viverá? De todas as justiças que tiver feito não se fará memória; na sua transgressão com que transgrediu, e no seu pecado com que pecou, neles morrerá.” 
Ezequiel 18.21-24

      Não é porque o homem peca que a obra de Deus para de ser feita. Deus usa um servo em pecado? Usa. Até quando? Até que o tempo da misericórdia de Deus para esse servo acabe. Misericórdia tem fim? Amor e justiça não têm, mas misericórdia tem fim, misericórdia é bênção de exceção, amor e justiça são as regras e são mutuamente limitáveis. O amor para de abençoar, não de agir, quando a justiça é desobedecida, mas isso não é feito de imediato, um tempo é dado para que o errado se acerte. Deus continua amando o errado, assim como ao que esse está abençoando como servo. Se o tempo de misericórdia acabar e o errado não se acertar, ele será retirado de seu posto e outro será chamado para seu lugar, isso ocorre espiritualmente. 
      Entretanto, isso não significa que o homem sincronizará seu tempo com o tempo de Deus. Muitos que erraram e foram tirados por Deus de suas posições, significando que não recebem mais provisão espiritual para compartilhar com os outros, ainda assim são mantidos por outros homens, também no erro, em seus postos, deixando que alimento não vindo de Deus chegue a quem precisa. Mas no grande plano de Deus, com exceção das crianças e de outros intelectualmente limitados, ninguém é inocente, os que permitem seguir trabalhando o errado, assim como aqueles que se alimentam do alimento espiritual ruim, também serão confrontados pela justiça, quando o tempo de misericórdia de Deus para cada um chegar ao fim. 
      Justiça não é opositora do amor, mas uma outra face dele, no verdadeiro amor não há convivência eterna com o erro, assim ser disciplinado pela justiça é provar o amor. A disciplina existe para que alguém volte a ser beneficiado pelo sim do amor, e não só tratado pelo não dele, amor pode tanto dizer sim como não, e não só sim o tempo todo, como muitos equivocadamente acham. Pecado, misericórdia, justiça e amor, são conceitos espirituais que se cruzam, mas de todos esses o mais poderoso e duradouro é o amor, que sempre tenta levantar, não derrubar, curar, não matar, dar tempo para o arrependimento, não julgar definitivamente. A maior qualidade do amor é a paciência, que sempre acredita que o errado se acertará. 
      Entendamos bem o que o texto inicial fala, ele não diz que o ímpio que se converter de seus pecados viverá e terá seus erros esquecidos. Além da conversão, que é assunção de pecados e pedido de perdão, o ímpio tem que praticar obras, guardar os estatutos de Deus, proceder com retidão e justiça. Mas desviando-se o justo e cometendo iniquidade não viverá, ainda que tiver crido em Deus antes e praticado boas obras isso será esquecido, se fizer conforme o ímpio faz pecará e no pecado que pecou morrerá. Ezequiel ensina sobre penas e privilégios, salvo e perdido, sobre o tempo de Deus para as coisas, que é relativo, não absoluto, mas ele diz muito sobre o amor de Deus. “Quero mais que o homem se converta e viva”.
      Pergunto: ainda que seja só por uma possibilidade, não parece que o texto de Ezequiel, teologia básica da velha aliança, se opõe à teologia da nova aliança do Cristo? O evangelho diz que basta ao homem crer para ser salvo (Atos 16.31). Não estou dizendo que fé em Jesus não salve, mas talvez precisemos reavaliar o que significa de fato fé e salvação. Fé salva, se nos colocar numa posição espiritual elevada, nas regiões celestes onde Jesus habita espiritualmente hoje. Isso nos transforma aqui no mundo, nos dá novos valores e novos objetivos, assim o velho homem preso aos pecados da carne é retirado das posições inferiores do inferno e é salvo. Contudo, se entendemos fé só como uma convicção racional, não significa muita coisa. 
      Obras salvam? Não se nascerem de intenção errada. Intenção errada é aquela que existe no coração que não tem comunhão com Deus pelo Espírito Santo e não vive os ensinos do Cristo homem. Intenção certa naturalmente gera boas obras, pois começa e acaba em Deus, assim como salva quem a possui. Mas ainda que haja objetivos positivos no coração, que pratique obras úteis para outros homens, pois Deus usa todas as obras, intenção errada não salvará o mal intencionado. É isso que Jesus ensinou no evangelho, a importância da intenção certa nascida da qualidade do homem interior, que pratica no mundo uma vida, não hipócrita ou de aparência, mas de real intimidade com Deus e para a glória do Senhor, não do homem. 

58. Andemos por fé, não por vista

       “Porque sabemos que, se a nossa casa terrestre deste tabernáculo se desfizer, temos de Deus um edifício, uma casa não feita por mãos, eterna, nos céus. E por isso também gememos, desejando ser revestidos da nossa habitação, que é do céu; se, todavia, estando vestidos, não formos achados nus. Porque também nós, os que estamos neste tabernáculo, gememos carregados; não porque queremos ser despidos, mas revestidos, para que o mortal seja absorvido pela vida. Ora, quem para isto mesmo nos preparou foi Deus, o qual nos deu também o penhor do Espírito. 
      Por isso estamos sempre de bom ânimo, sabendo que, enquanto estamos no corpo, vivemos ausentes do Senhor. (Porque andamos por fé, e não por vista). Mas temos confiança e desejamos antes deixar este corpo, para habitar com o Senhor. Pois que muito desejamos também ser-lhe agradáveis, quer presentes, quer ausentes. Porque todos devemos comparecer ante o tribunal de Cristo, para que cada um receba segundo o que tiver feito por meio do corpo, ou bem, ou mal.
II Coríntios 5.1-10

      Quantos mistérios o texto bíblico inicial nos revela. A casa terrestre que Paulo se refere é nosso corpo físico, o edifício nos céus é nosso homem interior aperfeiçoado, nossa melhor forma de consciência e existência na eternidade. Paulo diz que o normal, enquanto estamos encarnados no mundo, é nos sentirmos desconfortáveis, contermos dentro de nós um gemido, baixo e constante, declarando que nosso espírito não está totalmente satisfeito no mundo e que deseja estar no outro mundo. Eis a primeira lição do texto, aceitarmos que nunca seremos plenamente felizes nesta vida, é certo que isso pode ser por muitos motivos, mas ainda que estejamos andando com Deus, como Paulo estava, sempre gemeremos desejando a eternidade, onde nosso espírito será livre. Não se desespere ao verificar uma angústia que nunca passa, ainda que esteja em paz com Deus, todos a sentimos. 
      Mas liberdade do espírito no céu tem um preço, nosso espírito será liberado para o céu só se estiver com roupa. A que roupa espiritual Paulo se refere? Lembra-se de Adão e Eva, logo após terem desobedecido a Deus? Eles tentaram se esconder do Senhor porque o pecado fez com que eles sentissem vergonha, por isso Deus fez para eles roupas (Gênesis 3.9-11, 21). A vergonha espiritual que eles provaram não seria mais sanada, só em Jesus haveria remédio, e ainda assim só para a eternidade, no mundo o homem sempre se sente moralmente nu na presença de Deus. O vestido que Paulo se refere, que será procurado em nosso espírito, é tudo o que Jesus representa, sua salvação, seu exemplo de conduta. Jesus veste o nosso espírito, se crermos que nele há perdão e que a partir disso podemos praticar obras de virtudes espirituais que construam o céu em nossos homens interiores
      O consolo que temos é o penhor do Espírito Santo, ele não deixa que a vergonha pelo pecado nos vença, que a insatisfação por estarmos encarnados no mundo nos derrote. Só uma comunhão íntima com o Espírito de Deus para fazer-nos olharmos para cima, para frente, para o futuro, para a melhor eternidade de Deus. O Espírito Santo nos faz desejar as virtudes espirituais da luz mais alta, e acharmos nisso o prazer maior, aquele que nos satisfaz e não tem fim. Quem é espiritual não se acostuma com o mundo, não se satisfaz com os prazeres da carne, mas deseja a liberdade da existência espiritual em direção a Deus na eternidade. Mas ainda que sabendo que aqui estamos longe da nossa vocação maior, vivemos pela fé, não pelo que vemos e sentimos, e pela fé conhecemos as virtudes espirituais e não nos escandalizamos com elas, pois sabemos que elas são verdades eternas. 
      No mundo nunca beberemos o suficiente, comeremos o suficiente, teremos relações íntimas o suficiente, isso tudo nunca bastará, nunca será plenamente satisfatório, mas deve ser assim porque o ser humano não é vocacionado para ser feliz neste mundo. Se assim fosse viveria eternamente no mundo, não teria seu corpo envelhecido, não morreria, mas estamos aqui de passagem, para sermos provados, aprovados e crescermos. Somos como viajantes a trabalho em terra estranha, que guardam no bolso a foto de sua terra de origem, para que olhando para ela sintam-se confortados. Nossa viva foto espiritual do céu é o penhor do Espírito Santo, sem ela não achamos sentido em trabalhar, dia após dia, nessa terra estranha e estéril. O que não possui essa foto, ou ainda que a tenha não olhe para ela regularmente, só sentirá o enfado da existência de vaidades do plano físico. 
      A roupa é espiritual, mas conquistada no corpo material, o juízo verificará isso, assim sigamos, desejando o que está por vir, não o que temos aqui, ainda que tenhamos muito, o mundo não é lugar para a melhor felicidade. Isso é assim, ainda que Deus nos permita momentos alegres, como o nascimento de um filho, sua formatura, seu casamento, o nosso casamento, a nossa formatura, o sorriso da pessoa amada, o abraço da mãe, a gargalhada gostosa daquele amigo que nos faz bem só por estar perto de nós. Mas não nos iludamos, e nem nos desesperemos, no mundo é só uma viagem, curta, não nos sintamos donos de nada aqui, assim também não nos frustemos se perdermos algo aqui, o que é nosso de verdade está lá no plano espiritual. Andemos por fé, não por vista, em todo o tempo, tiremos nossos olhos deste mundo e abramos nossos olhos espirituais para o outro mundo. . 

59. A eternidade revelará
 
      “Eu sou a luz que vim ao mundo, para que todo aquele que crê em mim não permaneça nas trevas. E se alguém ouvir as minhas palavras, e não crer, eu não o julgo; porque eu vim, não para julgar o mundo, mas para salvar o mundo.
 João 12.46-47

      Nem todos adquirem lucidez moral rapidamente, alguns demoram mais, assim a sensibilidade que temos para entendermos o que é errado e o quanto isso machuca-nos e aos outros, é obtida gradativamente. Eu creio num Deus poderoso, vivo, justo e sempre presente em amor nas vidas das pessoas. Ele permite provações para nosso crescimento espiritual, não nos engana impedindo de alguma maneira que os efeitos de causas erradas venham, mas também não cobra mais que cada ser humano pode fazer para não errar. 
      Por isso não devemos julgar ninguém, condenar, tão pouco, mas temer o Deus que tem com cada ser relação única que só ele e a pessoa sabem de fato como é. Devemos orar por todos, sim, ajudar com atenção e palavras, mas sempre com paciência, as pessoas não funcionam como você ou eu funcionamos, os tempos de crescimento e cobrança de cada um são diferentes. Alguém que podemos achar que se perdeu e que não tem mais jeito, pode só estar esperando o tempo de Deus, onde há providências que desconhecemos. 
      O certo é que muitas coisas que vivemos só as entendemos de fato muitos anos depois, e se é assim conosco isso é razão suficiente para exercermos paciência generosa com os outros, afinal, crescemos para isso, para aprendermos a amar mais e melhor os outros. Quanto aos orgulhosos, que usam suas falsas virtudes como referências para tudo, que medem os outros por aquilo que acham que são e têm, seguirão enganados, julgando e condenando, exigindo do fraco algo que ele não está ainda pronto para dar. 
      Vivi por algum tempo equivocado e incentivado a isso pelas igrejas que participava, julgando e me achando no direito disso. Muitos ainda vivem assim e muitos, com as quais eu convivi há mais de trinta anos atrás, ainda estão assim, julgando, inclusive a mim. Esses nunca me conheceram de fato, minha formação familiar, minha infância, as feridas abertas que eu tinha na alma naquele tempo, apenas criam que por eu fazer oficialmente parte de uma igreja, ser batizado e ter cargos, tinha a obrigação de ser perfeito. 
      Na verdade não era a mim e a outros que eles não conheciam, mas a eles mesmos, e parece que isso continua assim para muitos. Eles eram bons cristãos? Eram e continuam sendo, como cidadãos, com boa moral, fazendo bem ao próximo de maneira genérica, mas o problema é o entendimento errado que eles tinham e podem ainda terem do verdadeiro evangelho. Veem a experiência com Cristo como um ato mágico e instantâneo, que se não deixa alguém perfeito deixa-o capacitado para não cometer mais erros graves. 
      A vida não é simples, e se dentro de igrejas podemos ter a falsa impressão que Deus salva alguém e o transforma imediatamente, é porque alguém pode ter vindo já pronto por Deus para essa experiência, não podemos usar isso como regra. Pedro não negou Jesus três vezes, mesmo depois de andar por três anos com o mestre, sendo um de seus amigos mais íntimos, testemunhando milagres e atitudes de amor profundo? Somos semelhantes a Pedro, ninguém se engane sobre isso, nosso caminho só termina quando acaba.
      Só Deus sabe se não nos aguarda, na próxima curva da vida, um tropeção tal que nos fará perder o rumo, mas que será o único jeito de acordarmos de uma posição arrogante e covarde, posição que pode ter julgado por anos muitos fracos que Deus ama e continua cuidando, mesmo depois que os condenamos, paramos de amá-los e sequer tomamos alguma iniciativa para sabermos como eles estão. Essa palavra soa como mágoa? Pois ela é, eu assumo isso, e oro a Deus para que me dê amor pelos que me magoaram. 
      Mas eu tenho certeza em Deus de quem serei na eternidade, sei de todos os meus erros, mas também de meus arrependimentos e de minhas curas, verdadeiras e profundas através do Santo Espírito de Deus pelo nome de Jesus. Sei o que os anos fizeram comigo debaixo da graça e da misericórdia do Altíssimo, assim espero, sinceramente, ver homens e mulheres que ainda amo, que foram importantes para mim e ainda são, ainda que me julguem sem se darem ao trabalho de me conhecerem de fato, a eternidade revelará tudo. 

60. Uma chance de restauração

      “E não sede conformados com este mundo, mas sede transformados pela renovação do vosso entendimento, para que experimenteis qual seja a boa, agradável, e perfeita vontade de Deus.” 
Romanos 12.2

      Um novo amigo é mais que uma oportunidade para conhecermos alguém, é chance para nos aceitarmos. Um novo amigo é uma nova oportunidade de perdão, tanto para nós como para o outro, e não por um erro que cometemos com esse amigo ou cometido por esse conosco. Às vezes, não podemos voltar ao passado e resolvermos certas coisas, consertarmos certos erros, mesmo obtermos certos perdões, assim, por mais que saibamos que temos que depender do perdão de Deus e não do homem, sermos aceitos por uma nova pessoa, quem quer que seja ela, nos consola.
      Uma nova amizade nos permite fazer as coisas de um jeito melhor, mostrarmos para alguém que somos bons, ou pelo menos, que nos tornamos bons, isso permite-nos resgatar nossa reputação, ter ao menos de uma pessoa uma boa opinião sobre nós. Respeite as pessoas, principalmente um novo amigo, ele pode estar buscando em você uma nova chance, que talvez não convença outros sobre o que ele é hoje, mas que se convencer você pode bastar para que ele se sinta melhor. Você pode ser a chance, e talvez a derradeira, que alguém está precisando para restaurar a si mesmo. 
      Qual a duração de nossas amizades? É fato que levados principalmente por carreiras profissionais, podemos nos mudar de cidade, de estado, até de país, isso quebra muitos laços afetivos valiosos. Mas mesmo numa só cidade, você tem amizades que já perduram por mais de cinco, dez, vinte anos? Infelizmente também é fato que muitas vezes nos distanciamos de alguém por algum mal entendido, assim podemos deixar para trás pendências, que nem são pecados, mas só coisas não resolvidas, e nem darmos conta que isso nos desconecta de relações preciosas. 
      Vivemos muitas vidas em uma, principalmente se não temos medo de nos desconstruir para novamente nos construirmos, se não tememos mudar de opinião, e isso leva-nos a migrar de certos círculos sociais para outros. Isso não deveria ser exceção, mas regra, nosso tempo encarnado na Terra precisa ser bem aproveitado, aproveitá-lo bem é nos desafiarmos a sermos melhores a cada dia. Quem não quer isso para si, por orgulhosamente achar que já está bom como é e não precisa mudar, também não verá essa necessidade nos outros, julgará mal e se distanciará de muitos. 
      Quem não vê necessidade de se desconstruir e se reconstruir verá no tropeço de alguém algo definitivo, a consideração que tinha pela pessoa até então não terá mais, porque se acha traído por uma leitura que fazia da pessoa que mudou. Não nos decepcionamos com os outros, a verdade é que não queremos admitir que não sabemos tudo, que fomos nós que nos enganamos fechando alguém numa caixa antes do tempo, se é que há tempo para fechar alguém. Mas se vermos a vida, não como uma, mas como várias vidas, com mortes e nascimentos, entenderemos melhor os outros. 
      Sabe aquela pessoa que você conheceu há vinte anos em uma igreja, e que depois, por algum motivo, que você não sabe bem porque nunca foi atrás para saber, se afastou da igreja e do teu convívio? Ela não é mais a mesma pessoa hoje, não ficou condenada ao inferno por um erro que cometeu, não necessariamente. Ela pode ter feito novas e melhores escolhas e mudado, de maneira extrema. Quem está convivendo com ela hoje pode nem ter ideia de quem ela foi e fez. Esse novo amigo da pessoa é uma nova chance que Deus deu a ela para se restaurar, mudar e ser alguém melhor. 
      Faça novos amigos, se puder, mantenha os antigos, mas se restaure, temos o melhor auxiliar para isso, o amigo Espírito Santo de Deus. Viver é se restaurar o tempo todo, quem acha que acertou depressa e que não precisa mais de reformas e por isso é melhor, engana-se, principalmente se se diz cristão. Alguns creem em reencarnação como meio de evolução espiritual, mas é muito mais efetivo vivermos várias vidas em uma, deixarmos morrer velhos egos, velhos vícios, velhos passados, e nascer novos espíritos no mesmo corpo, numa única e maravilhosa existência em Jesus Cristo. 

61. Poder da fraqueza

      “E quando chegou àquele lugar, disse-lhes: Orai, para que não entreis em tentação. E apartou-se deles cerca de um tiro de pedra; e, pondo-se de joelhos, orava, dizendo: Pai, se queres, passa de mim este cálice; todavia não se faça a minha vontade, mas a tua. E apareceu-lhe um anjo do céu, que o fortalecia. E, posto em agonia, orava mais intensamente. E o seu suor tornou-se em grandes gotas de sangue, que corriam até ao chão. E, levantando-se da oração, veio para os seus discípulos, e achou-os dormindo de tristeza. E disse-lhes: Por que estais dormindo? Levantai-vos, e orai, para que não entreis em tentação.
Lucas 22.40-46

      Quando Jesus orou no Getsêmani até suar sangue, precisando da companhia de seus melhores amigos, que não resistiram ao sono da vigília e o deixaram só, Jesus sentiu toda a dor da fraqueza humana. Racionalmente ele sabia o que poderia passar, o que teria que passar, o que passaria, mas como homem encarnado, e não como Deus, ele fez o que qualquer um de nós, em sã consciência, lúcido e saudável, faria, ele tentou “negociar” com Deus. Procure entender certo o termo, não existe nada de errado nisso e mesmo referindo-se a Jesus. É o mecanismo de sobrevivência do homem tentando manter o corpo físico íntegro, e isso não é necessariamente pecado, covardia ou fuga. Deus espera de nós tal reação, ela é legítima se vivida em Deus, com o temor do Senhor que se coloca humildemente debaixo dele, ainda que procurando um jeito de escapar de sua inevitável vontade.
      Meus queridos, muitas vezes a dor de viver é enorme, insuportável, e todos passamos por ela. É a morte levando um ente querido, às vezes antes daquilo que achamos ser o melhor tempo e a melhor maneira, é a injustiça do poderoso que pode deixar mesmo crianças sem terem o que comerem, é a violência dos egoístas e devassos, que pensando só em seus prazeres e vaidades não se importam em machucar os outros. Contudo, também pode ser algo que pouco representa para os outros, mas que nos fere de maneira avassaladora. A dor pode parecer infinita e com tal potência que achamos que nos levará à morte, sentimos o lado esquerdo do peito comprimido, o coração descompassado, um gosto amargo na boca, achamos que a qualquer momento perderemos as forças e desfaleceremos, vencidos por algo que não temos controle. Jesus sentiu isso e mais, antes de ser preso e crucificado.
      O antigo testamento, a velha aliança, é a vitória do forte sobre o enfraquecido, que está fraco por estar longe de Deus, da força sobre a fraqueza, numa guerra física e externa. O novo testamento, contudo, a nova aliança, é o contrário, é a vitória da fraqueza sobre o forte que se sente enganosamente forte por não se conhecer nem a Deus, do fraco sobre si mesmo numa guerra espiritual e interna. Jesus pregou sobre isso em seu ministério, mas acima de tudo praticou isso, não só para viver como também para morrer. O evangelho ensina que a vitória está, não em reagir, ainda que se tenha razões legítimas para isso, mas em não reagir, não em usufruir, mas em sentir a falta, aceitar isso e ainda estar em paz. Não é só uma questão de ser masoquista, de achar que sofrer a dor nos oferece direito a algum crédito. Isso seria vaidade e pode ser muito mais transtorno psicológico que espiritualidade.
      Não é fácil para ninguém suportar a dor de viver, e viver é administrar uma dor constante. Na verdade, não vamos atrás de prazer, só tentamos fugir da dor, mas crescer espiritualmente é conseguir fazer isso construindo dentro de nós os melhores valores morais, nos libertando dos vícios do corpo, resistindo a toda espécie de vaidade. A luta ocorre todos os dias, e ainda que hoje experimentemos felicidade, amanhã nosso corpo e nossa alma se esquecerão disso e tornarão a sentir dor. “Mas aquele que perseverar até o fim será salvo” (Mateus 24.13), eis algo que temos que repetir para nós mesmos o tempo todo, pedindo perdão pelo pecado, não nos acostumando com o pecado ainda que ele teime em nos subjugar, tendo humildade para reconhecer sempre que pecar é uma escolha pessoal que fazemos, não é culpa dos outros, mas é responsabilidade nossa, tanto quanto é pedir perdão por isso. 
      E disse-me: a minha graça te basta, porque o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza; de boa vontade, pois, me gloriarei nas minhas fraquezas, para que em mim habite o poder de Cristo” (II Coríntios 12.9), Paulo define o conceito “poder da fraqueza” usando experiência própria, e todos que forem amigos genuínos de Deus não só entenderão isso, mas também não terão receio de admiti-lo. Gloriar-se na fraqueza não é alegrar-se pelo prazer que o pecado entrega, não, pecado sempre tem que nos entristecer. Bem-aventurado os que se entristecem profundamente com o pecado, por mais que isso pareça contraditório. Experimentarmos a dor que vem da frustração por não agradarmos a Deus, é estarmos em comunhão com o Espírito Santo, e esse sempre nos diz “mas como é santo aquele que vos chamou, sede vós também santos em toda a vossa maneira de viver“ (I Pedro 1.15).

62. Qualidade da dor

      “Amados, não estranheis a ardente prova que vem sobre vós para vos tentar, como se coisa estranha vos acontecesse; mas alegrai-vos no fato de serdes participantes das aflições de Cristo, para que também na revelação da sua glória vos regozijeis e alegreis. Se pelo nome de Cristo sois vituperados, bem-aventurados sois, porque sobre vós repousa o Espírito da glória e de Deus; quanto a eles, é ele, sim, blasfemado, mas quanto a vós, é glorificado. Que nenhum de vós padeça como homicida, ou ladrão, ou malfeitor, ou como o que se entremete em negócios alheios; mas, se padece como cristão, não se envergonhe, antes glorifique a Deus nesta parte.
I Pedro 4.12-16

      O que nos define espiritualmente é a qualidade de nossas dores, se entendêssemos isso entenderíamos o real motivo de vivermos no mundo. Os textos de Moisés deixam isso bem claro nos primeiros capítulos de Gênesis. Ainda que sejam entendidos só como mitos, e como tais podem ter significados ainda mais profundos que se entendidos só ao pé letra, Adão, o Éden, a árvore do conhecimento do bem e do mal, a serpente, o pecado original e as consequências desse pecado, mostram que a vida no planeta Terra pós-queda é de dor. A civilização evoluiu, a ciência permitiu confortos que não se tinha há quinhentos, mil anos atrás, mas a dor segue, só mudaram os motivos para que ela exista, nesse mundo continuará até o juízo. Na verdade as dores aumentaram, mesmo numa humanidade com tantas facilidades tecnológicas, hoje existem sofrimentos que não existiam no passado. 
      O homem não evolui sem sofrer, negar a dor é negar a evolução. Jesus lutou contra uma dor que sentia por ter que salvar a humanidade, não foi pelo remorso de um pecado cometido, pela culpa de um prazer do corpo desfrutado na hora, no lugar ou com a pessoa errada. Paulo sofreu na prisão (II Timóteo 4), abandonado por muitos companheiros, só por ter pregado o evangelho de amor do Cristo aos homens de seu tempo. Muitos cristãos atuais estão sofrendo por não fazerem conchavos sujos com homens, o que poderia lhes render mais prosperidade nos negócios, status e aprovação no mundo. Alguns sofrem por não conseguirem vencer vícios como tabagismo, alcoolismo e de outras drogas, contudo, muitos de nós sofremos só por não termos resistido a um sentimento de vingança, ou talvez só por termos assistido um vídeo impróprio ao invés de amarmos nossos cônjuges. 
      Por um amor fraternal que se sacrifica, ou por culpa por prazeres egoístas, o que nos causa dor? Medo ou culpa? Orgulho ou frustração? Quebra de alianças que fizemos com nós mesmos, com nossos corpos, com nossas saúdes físicas e mentais, ou quebra com aqueles compromissos que fizemos com Deus quando entendemos que viver melhor é ajudarmos os outros e não só satisfazermos a nós mesmos? A qualidade de nossas dores nos define muito mais que a qualidade de nossos prazeres, porque só a dor mais pura e altruísta nos dará direito ao melhor de todos os prazeres, o espiritual que agrada a Deus. Na eternidade seremos só isso, nossa intenção mais interior de agradar a Deus. Se ela existir teremos direito ao melhor céu, caso contrário, ainda que tenhamos sido bons cidadãos e ótimos religiosos no mundo, nossa intenção de só usufruirmos para o próprio deleite já construiu um inferno em nós. 
      Se sobre nós repousa o Espírito Santo do Altíssimo, e se somos verdadeiros e respeitosos com sua voz, sempre sofreremos por Deus. Quem sofre por si não sofre por Deus, se o sofrimento teve como causa sentimento de vitimização ou pecado, não há glória nele, só egoísmo ou efeito de erro. Mas no arrependimento sincero e no desejo de não se errar mais, existe uma dor que agrada a Deus, ainda que seja efeito de pecado nosso, pois nisso o Senhor vê que ainda que pequemos não queremos pecar, porque entendemos que isso desagrada a ele. O ímpio segue errando e errando, não sofre porque erra, joga a culpa de seus erros nos outros, na vida, no destino e até em Deus, não assumirá seus “b.o.s”, como se diz hoje. A dor de qualidade é a que vem não como efeito de pecado, mas como temor de algo que teremos que passar, e não nos negamos a isso por querermos agradar a Deus. 
      Não somos transformados da noite para o dia, não nos libertamos de vícios rapidamente, e com muitos vícios lutaremos por toda a vida. Por isso a dor é constante, mas temos que lutar contra o pecado, até o fim, e lutarmos com a arma certa. A arma certa é acostumarmos todo o nosso ser com o bem, com a paz, com o amor, com a confiança num Deus que nos conhece, cuida de nós e nos conduz em vitória. Damos início a isso com uma vida de oração no Espírito Santo, experiência que impressiona todo nosso ser, razão e emoção, corpo e espírito, só assim mudaremos nosso espírito diante de Deus, não só nosso corpo e nossa vida social, que exteriormente podem até estarem corretos diante dos homens. É a qualidade de nosso espírito que definirá nosso céu e nosso inferno, nosso melhor homem interior que será manifestado no plano espiritual e que seguirá conosco para novos céus e nova Terra. 

63. Escolhas terminais

      “Não erreis: Deus não se deixa escarnecer; porque tudo o que o homem semear, isso também ceifará. Porque o que semeia na sua carne, da carne ceifará a corrupção; mas o que semeia no Espírito, do Espírito ceifará a vida eterna.
 Gálatas 6.7-8

      Se a salvação está na persistência, primeiro para crer e depois para praticar, a perdição também está, na teimosia primeiro em pecar e depois em não pedir perdão pelo pecado. Nossa insistência define o que somos e o que levaremos para a eternidade. Ela é um processo que pode mudar até uma intenção, que a princípio era boa, já que com o tempo harmonizam-se intenção e prática. Quando a prática do pecado estabelece uma intenção de não se importar mais em pecar, a pessoa pode chegar a um ponto sem volta, onde será feita uma escolha terminal. Por mais que Deus ame a todos e tenha sempre a porta aberta de sua melhor vontade, ele respeita o livre arbítrio, que pode encerrar as chances que alguém tem neste mundo para mudar de vida. O amor de Deus desiste de alguém? Não, só a vontade do homem é que desiste de se arrepender e de seguir no melhor de Deus para sua vida.  
      Deus não tem limites, o homem tem. Uma escolha de reação emocional errada, mantida por tempo demasiado, pode instalar doenças emocionais, síndrome de pânico, depressão, ansiedades, que de mentais passam a ser doenças físicas, levando a dificuldades para dormir e outros males. Quando se trata de doenças emocionais não podemos cometer a irresponsabilidade de generalizarmos, várias são as causas, inclusive no sentido inverso, ao invés do emocional interferir no físico, um desajuste químico, que é físico, poder interferir no emocional. Mas seja como for, o homem tem limites, se não administrar bem corpo e mente, dores que começaram como eventos mentais, podem se tornar físicas, para quem lidou mal por muito tempo com pensamentos e sentimentos. Isso também é o poder, negativo, da fé, acabamos nos tornando o que cremos ser, seja para o bem, seja para o mal. 
      Por um bom tempo em nossas vidas ainda tentamos nos convencer, às vezes por estarmos frequentando igrejas onde ouvimos um ideal de Deus para nossas vidas e que constitui o único caminho para o céu. Dessa forma dizemos para nós mesmos, “cometo esse erro o tempo todo, mas não sou isso, Deus conhece minha sinceridade, sabe de minha intenção”, contudo, não conseguimos fazer isso para sempre. Quando existe essa incoerência um dia poderemos desistir de nós, e isso para podermos ter alguma sanidade mental, para que cesse o conflito dentro de nós, entre o que queremos ser e o que vemos que somos. Dessa forma acabamos assumindo o que a nossa prática, e não a nossa intenção, mostra que somos. Eis um momento crucial nas existências das pessoas, que define o motivo principal de porque estão neste mundo, assim como o que serão na eternidade. Pode ser um triste momento. 
      Como a depressão é algo que se instala em nossas cabeças, e que num determinado momento de nossas vidas pode ser de difícil cura, ainda que administrada com medicamentos, o inferno também é instalável em nossos espíritos, e num determinado momento de nossas vidas pode ser irreversível. Quando não queremos pensar sobre algo ou aceitar algo, temos a tendência de generalizar e jogar num extremo, assim, não entenda inferno como uma vida dominada pelos prazeres do corpo, na devassidão, em pecado, não, inferno não é só isso. Inferno é dor sem fim, e dor pode estar bem escondida em vidas que desistiram de anulá-la com fugas. Existe gente dentro de igrejas assim, controladas exteriormente (por remédios), socialmente resignadas, mas sendo “cavalos” de terríveis sofrimentos, muitos que de boca confessam o céu, mas que no coração já se condenaram a um inferno há algum tempo.
      A maneira de ver muitas coisas deste que vos escreve, não é melhor e acho que também não é pior que a maneira de outros cristãos, mas a maneira de ver deste espaço virtual é diferente. Geralmente sou levado pelo Espírito Santo a não tirar aquelas conclusões mais óbvias, tento ver aquilo que pode estar escondido, que a princípio pode parecer uma coisa, mas que se olharmos com atenção veremos que é outra. Penso que Jesus trouxe uma crítica assim para a religião tradicional de sua época, viu além do óbvio, discerniu o pecado não na aparência, mas na intenção, assim a minha interpretação do termo “carne” do texto bíblico inicial tenta ir além daquilo que muitos ensinam. A leitura que faço desse termo não se refere aos pecados dos prazeres do corpo, mas a uma disposição mais interior, que ainda que explicitamente não peque também não coloca Deus no melhor lugar do ser humano.
      Por que isso é relevante? Porque a abundância de igrejas e pregadores, principalmente na internet, com sites e canais de vídeos, popularizou o ensino evangélico. Hoje muitas pessoas conhecem a Bíblia, contudo, conhecem do jeito tradicional e superficial, assim só mais do mesmo. Muitos se acostumaram a pregar o que a maioria gosta de ouvir. Suponha, que em uma igreja pentecostal, onde vários pregadores podem usar o púlpito e não só o primeiro pastor, como acontece em igrejas protestantes tradicionais, fosse feito o desafio de durante um certo tempo não se pregar sobre os milagres de Jesus, a cura da mulher com o fluxo de sangue e outros. Acho que os pregadores teriam dificuldades para entregarem palavras diferentes, mesmo para olharem um Deus que faça coisas mais importantes que milagres físicos. Bem, esse é o jeito óbvio de se ver a palavra de Deus, tento ver diferentemente.
      Sobre o que temos semeado, sobre a carne ou sobre o Espírito? Todos precisamos trabalhar, mas até que ponto exageramos no esforço pessoal para não termos fé em Deus? Ambos os extremos são inadequados, não é sábio dependermos só do que é feito diretamente pelas nossas mãos, tanto quanto não é sábio só dependermos daquilo que vem das divinas mãos, é preciso equilíbrio, pés na Terra e olhos no céu. Quem chegou num ponto onde não acredita mais num Deus que tudo controla, e que conta com nossos esforços tanto quanto com o que não podemos fazer, quem acha que só depende do próprio trabalho, parou de olhar para o céu e semeia na carne. Muitos até respeitam Deus, mas se negam a depender dele pela fé, dependem só deles mesmos. O tempo, ainda neste mundo, mostrará os frutos de tal escolha, mas tenhamos cuidado, algumas escolhas podem ser irreversíveis e terminais. 

64. O transporte do amor

      “E eis que se levantou um certo doutor da lei, tentando-o, e dizendo: Mestre, que farei para herdar a vida eterna? E ele lhe disse: Que está escrito na lei? Como lês? E, respondendo ele, disse: Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todas as tuas forças, e de todo o teu entendimento, e ao teu próximo como a ti mesmo. E disse-lhe: Respondeste bem; faze isso, e viverás.” 
Lucas 10.25-28

      Quem seremos na eternidade? Seremos o homem espiritual que construímos dentro de nós aqui no mundo. A qualidade desse homem interior está diretamente relacionada a quanto praticamos os mandamentos de Deus. Jesus resumiu todos os mandamentos em um, amar a Deus, assim, construir o céu dentro de nós ainda neste mundo é amar a Deus. Quem ama a Deus, ama a si mesmo e ao próximo. Mas o que exatamente é amar a Deus? Entendemos o conceito espiritual disso ou confundimos com o apreço afetivo que temos por coisas físicas, pessoas, e mesmo por animais?
      O que nos vem de imediato à cabeça, quando pensamos no termo gostar, é aprovar. Se aprovamos alguém, gostamos desse alguém, do que ele faz, nisso pode estar incluído um relacionamento físico íntimo, assim, podemos gostar sem amar. Já amar podemos relacionar com um afeto maior. Um amigo, por exemplo, podemos amar ainda que não aprovemos tudo que ele faz. Mas com um companheiro afetivo, um cônjuge, é semelhante, ainda que não gostemos de tudo que ele faz, nós queremos continuar vivendo com ele, nos compartilhando fisicamente com ele, porque o amamos.
      Isso são manifestações emocionais e mesmo físicas de afeto, contudo, o amor espiritual que exercemos para Deus é algo mais. Nem estou falando de amor sacrificial, que também é uma alta expressão de afeto, que sofre pelo outro, que tem paciência mesmo com o desafeto do outro, que pode dar a própria vida pelo outro, como Jesus fez. Apesar disso ser uma expressão elevada de amor, ainda é amar no plano físico. Deus está no plano espiritual, ele não precisa que nos sacrifiquemos por ele, ainda que encarnado em Jesus tenha se sacrificado por nós, como espírito ele pode viver em nós. 
      Muitos cristãos percebem na prática o poder que tem o louvor, mas muitos não entendem o que de fato ocorre espiritualmente quando adoram Deus, Jesus e o Santo Espírito. Não são só palavras de aprovação por tudo que Deus é e faz que dizemos em hinos e cânticos, não é só o sentimento, que encharcado pelos dons espirituais entrega ao adorador um êxtase singular. Quem adora, ama, não se pode adorar sem amar. Amar um ser espiritual nos aproxima desse ser, mais ainda, nos coloca espiritualmente na posição espiritual que esse ser está, transporta-nos espiritualmente a um lugar. 
      Endemoniados são seres humanos que amam o mal, seja pelo que for que o mal se manifeste neles, vícios do corpo, ódio, inveja, lascívia. Quando amam o mal se colocam na mesma “frequência” espiritual de seres espirituais do mal. É simples, iguais se atraem, assim funciona no plano espiritual, por isso precisamos ter cuidado, gostar demais de algo que sabemos que nos afasta das virtudes morais lançadas sobre nós pela luz do Altíssimo, “endemonia-nos”, ainda que num grau menor, que não controle nosso corpo e nossa mente o tempo todo. O que adoramos nos possui. 
      Moisés ensinou e Jesus enfatizou, amar a Deus é o mais importante dos mandamentos. Eles não falaram só sobre o amor que sentimos no plano físico, uma preferência que temos por algo ou por alguém, é muito mais que isso. Há poder espiritual no amor, ele nos leva a adorar algo, assim nos coloca na mesma posição espiritual do objeto adorado. Se amamos a Deus naturalmente o adoramos. Isso é mais que palavras e emoções, é transporte espiritual para uma posição elevada, através de Jesus e pelo Espírito Santo. Nessa posição temos proteção, paz e luz, para resistirmos a todo o mal. 
      Por isso Paulo encerra o ensino sobre o amor em I Coríntios 13.13 dizendo, “agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor, estes três, mas o maior destes é o amor”. Na eternidade seremos confrontados pelo amor maior que chega a todos através da luz do Altíssimo. Quem já tiver o penhor do céu em si, subirá para a luz mais alta de Deus, sem medo, sem culpa, sem perturbação, não será surpreendido, se não para melhor. Quanto aos que não amaram os homens, porque não amaram a Deus no mundo, se sentirão desconfortáveis com a luz, se esconderão nas trevas infernais. 

65. A luz da aurora

       “Mas a vereda dos justos é como a luz da aurora, que vai brilhando mais e mais até ser dia perfeito.
  Provérbios 4.18

      Lindíssimo o versículo inicial, poético e espiritual. Muitos não entendem, mas tudo no mundo físico é metáfora do plano espiritual, a arte criada por escritores, músicos, pintores, diretores de cinema e outros, nasce da mente que conhece um mistério espiritual, ainda que o homem não tenha consciência disso. Mesmo que seja a Terra que se movimente em torno do Sol, o dia começa quando vemos a subida do astro rei no horizonte, pouco a pouco se eleva e a Terra é iluminada, o que está escondido é revelado, seres humanos acordam e saem para trabalhar, estudar, amar, se divertirem, banham-se de luz. 
      Quanto aos temerosos sentem-se desconfortáveis com a claridade, se as janelas estiverem abertas eles as fecham, se antes estavam ao ar livre, protegidos pela escuridão da noite, buscam esconderijo em quartos fechados. Esses são os descritos no verso seguinte ao inicial acima, “o caminho dos ímpios é como a escuridão, nem sabem em que tropeçam” (Provérbios 4.119). As poucas decisões que tomam fazem na passagem, entre noite e dia, e não percebem que só conseguem fazer isso por terem uma rápida visão que o Sol, aquele do qual fogem, lhes permite terem, eles sentem-se mal com a luz.
      Quando entramos numa casa abandonada, que ficou com portas e janelas fechadas por muito tempo, sem receber qualquer claridade, temos que tomar cuidado. Ao primeiro raio de Sol que adentra o recinto vemos no chão baratas, aranhas e até ratos, fugindo da claridade para os cantos ou para quartos no interior da casa, onde a luz ainda não alcançou. Esse bichos gostam das trevas, podem ter vivido por anos naquela casa fechada, e na verdade, se tivessem inteligência, diriam que aquela moradia lhes pertence, ainda que por usucapião, só saíram de lá à noite para se alimentarem e logo retornavam. 
      Infelizmente a mesma coisa pode acontecer com nossos corações, com nossos homens interiores, ficarem por tanto tempo em trevas que acabam sendo moradas de todo tipo de mal, de vício, medo, rancor e desconfiança. Podemos administrar casas abandonadas assim dentro de nós, ainda que em nossas aparências externas mostremos para as pessoas faces sorridentes, corpos asseados, palavras refinadas. Contudo, quem olhar com cuidado nossos olhos verá, lá no fundo, insetos e roedores, correndo rapidamente para algum canto, buscando esconderem-se de quem os confronta com a luz espiritual. 
      Mantemos luz ou trevas dentro de nós? É fácil sabermos, só respondermos outra questão: existem muitas coisas que tentamos esconder das pessoas? É precioso entender que ninguém é um livro totalmente aberto, sim, todos nós escondemos coisas dos outros. Algumas coisas porque, ainda que resolvidas no presente, são assuntos sensíveis, difíceis, que nenhum proveito existe em serem mostradas. Mas tem coisas, que ainda que não estejam solucionadas, e Deus tem muita paciência conosco, podem representar, não “seres estranhos da noite”, mas pendências temporárias que serão resolvidas.
      Uma barata pode entrar de vez em quando em casa, mas uma faxina e ela será descoberta e retirada, contudo, ter um ninho de ratos morando num canto escuro e esquecido da casa, representa mal maior, a insistência em não limparmos certos lugares ou em mantê-los abertos para entrada de bichos. Vida de oração é raio da luz do Altíssimo lançado sobre nosso homem interior, nisso o mal é revelado e pode ser expulso, depende só de nós buscarmos a Deus, conhecermos sua vontade e obedecê-la. O que ama a Deus terá uma trajetória como a descrita no versículo inicial, mais e mais iluminada. 
      Sob a luz a verdade se revela, boa ou ruim, sob a claridade do Sol as rugas aparecem, mesmo a maquiagem exagerada para tentar escondê-las, sob o Sol a vida solicita movimento, ânimo, trabalho, evolução. Os que amam a morte escapam para as trevas, para as luzes artificiais, que mostram o que eles desejam que seja mostrado. Na noite a verdade é manipulada, distorcida, e aí não é mais verdade, é ilusão, é fuga, é malícia. Na eternidade todos nós enfrentaremos a mais forte das luzes, a luz espiritual da moralidade mais elevada de Deus em Jesus, sob ela destinos eternos serão estabelecidos. 

66. Tenha paciência

      “Então dali buscarás ao Senhor teu Deus, e o acharás, quando o buscares de todo o teu coração e de toda a tua alma.” 
Deuteronômio 4.29

      Deus pede paciência de nós, mas isso não deve ser encarado como algum tipo de castigo. O interesse de Deus em nos fazer passar por experiências que exijam que sejamos pacientes, não é uma punição, a não ser que entendamos paciência do jeito errado, como a agonia por perdermos tempo deixando de fazer alguma coisa, deixando de executar um trabalho. Se for assim será uma visão material da existência, só física. No mundo fazer é ganhar, e fazer mais é ganhar mais, mas tudo que fazemos no mundo fica no mundo. Só levamos para a eternidade aquilo que fazemos no nosso espírito e nos espíritos dos outros pelo Espírito de Deus, o trabalho para fazer isso é o oposto do trabalho físico que exercemos no mundo material. 
      Para o mais nobre dos trabalhos, o espiritual, paciência é fundamental, nela acalmamos sentimentos e pensamentos até que nosso corpo seja controlado pelo espírito, no quanto é possível que isso seja feito enquanto encarnados no mundo. O fato é que entendemos tudo errado, a agitação, a ansiedade, a pressa, que achamos que nos darão alguma vantagem no mundo, só fazem nossos corpos físicos adoecerem. Quantas enfermidades, físicas e emocionais, construímos por não termos paciência, eis aí o espírito eterno dando uma lição ao passageiro corpo físico. Não corra, ande, não discurse, cale-se, não flerte com a loucura elaborando armas para destruir quem nem se importa com você, nem sequer imagine bobagens. 
      Que Deus não tenha que “quebrar nossas pernas” e nos prender a um leito para, então, sermos forçados a ter paciência, ainda que só para aguardarmos o restabelecimento de “nossas pernas” para continuarmos fugindo de Deus e de nós mesmos. Esse restabelecimento nunca chegou para muitos que teimaram em não passar pela maior prova da vida, serem pacientes o suficiente para acharem a paz. Deus está na paz, não na ansiedade, na pressa ou no muito fazer, mas no fazer o suficiente para que sobrem tempo e energia para pararmos e ouvirmos sua voz. A voz de Deus só ouvimos quando estamos na mais profunda paz, para acharmos essa paz é preciso paciência, e tomara que seja pelo menos enquanto ainda temos “pernas”. 
      Então, passamos dos quarenta anos de idade, caminhando para os cinquenta, é nesse momento que as consequências de toda a pressa que tivemos até então aparecem. Temos dificuldade para dormir, nossa alegria de viver, mesmo nosso desejo de “namorar”, diminui, o fogo da paixão esfria-se, nosso corpo até está bem, mas nossa cabeça parece desconectada. Mas pode ser pior, ansiedades geram tanto tumores quanto transtornos psiquiátricos mais sérios, além de desregularem nossa alimentação, de nos levarem a vícios, tornando nossos corpos presas de excessos e de prazeres estranhos, que nos matam por dentro. Tudo isso porque passamos uma vida dizendo a nós mesmos que não tínhamos tempo para sermos pacientes. 
      Por que o budismo e o hinduísmo ganham tanto apoio da mídia e mais adeptos entre as pessoas mais esclarecidas, com mais formação intelectual, enquanto o cristianismo é visto como religião de ignorantes e preconceituosos? Por que ioga é orientada como terapia pela psicologia mais que oração a Deus por meio de Cristo? Porque essas religiões e técnicas conduzem o homem à paz, ensinam disciplina, autocontrole, serenidade, enquanto que em muitas igrejas cristãs as pessoas só querem dizimar e fazer orações curtas e de fé para receberem, sem tempo a perder, prosperidade no mundo. Muitos cristãos ficariam surpresos e até se escandalizariam, se pudessem conviver com o Cristo encarnado, vivendo como homem entre os homens. 
      Se paciência pode ser nosso modus operandi para tudo, para orarmos não é opção, é o único modo. Deus ouve a todos e seja lá qual for o jeito que o homem ore, mas para um crescimento espiritual mais profundo é preciso muita paciência. Neste ponto chegamos ao texto bíblico inicial, só achamos a Deus quando o buscamos com todo o coração, e o termo “todo o coração” implica não só em fé forte e rápida, mas em um longo e paciencioso período de busca, onde conhecemos a nós mesmos, então, a vontade de Deus. Sem paciência não achamos a paz, sem paz não achamos Deus, e sem Deus não achamos vida em abundância, eis o processo do trabalho espiritual, acontecendo de maneira oposta ao do trabalho físico. 
      Creia, em um determinado momento de tua existência, no plano físico ou no espiritual, você terá que ter paciência, ainda que passe uma existência no mundo material fugindo disso. Quem foge da paciência foge da paz, foge de Deus, foge da vida. Céu e inferno estão diretamente relacionados à paciência que temos para entender e fazer a real vontade de Deus para nossas vidas, não aquilo que achamos que é a vontade do Senhor, nem o que os homens nos dizem que é. O quanto antes entendermos isso, melhor para nós, que seja antes de perdermos as “pernas”. “Perder as pernas” pode ser coisas diferentes para pessoas diferentes, de um jeito ou de outro limita nosso espaço num tempo indeterminado, só para aprendermos a ser pacientes. 

67. Juiz e Senhor, só Deus

      “Quem és tu, que julgas o servo alheio? Para seu próprio senhor ele está em pé ou cai. Mas estará firme, porque poderoso é Deus para o firmar. Um faz diferença entre dia e dia, mas outro julga iguais todos os dias. Cada um esteja inteiramente seguro em sua própria mente. Aquele que faz caso do dia, para o Senhor o faz e o que não faz caso do dia para o Senhor o não faz. O que come, para o Senhor come, porque dá graças a Deus; e o que não come, para o Senhor não come, e dá graças a Deus.” 
Romanos 14.4-6

      Julgamos com frequência as pessoas quando achamos que elas fazem ou são menos que deveriam fazer ou ser, fazemos isso baseados no que nós achamos que elas devem fazer ou ser. Muitas vezes fazemos isso para que de alguma forma sejamos beneficiados e de uma maneira maldosa, diminuindo os outros para que nós injustamente cresçamos. Mas quem é o Senhor, nós ou Deus? A quem as pessoas e nós daremos contas, a nós mesmos ou a Deus? Se só Deus é Senhor só ele sabe o que pede de cada um de nós, e sendo assim só ele poderá julgar se fizemos ou não o que ele pediu, se fomos ou não o que poderíamos ser de melhor com o que dele recebemos. 
      Julgando injustamente achamos que alguém, que aos nossos olhos muito recebeu, fez pouco com isso, foi ocioso, egoísta, poderia ter beneficiado mais pessoas e não beneficiou. Mas quem sabe o preço que alguém paga para crescer, um pouco que seja, para se libertar de vícios, para ser melhor no final de sua vida em relação àquilo que era no início? Muitos trabalhos não são vistos, não aparecem exteriormente, mas são realizados no homem interior, e esses só Deus de fato vê e mede. Nós homens somos moralmente míopes demais, egocêntricos demais, olhamos na maior parte do tempo só para nossos umbigos e ainda achamos que podemos julgar os outros. 
      Alguém ter nascido com mais posses, ter mais facilidade para ser intelectualmente inteligente, ter um aproveitamento mais rápido e mais abrangente de competências, e mesmo possuir inteligência afetiva maior, saber administrar melhor carências e dores, não é por essas capacidades que as pessoas são avaliadas por Deus. Deus avalia o saldo final, o que se acrescentou ao que foi recebido. Para ele cento e cinquenta menos cem, é a mesma coisa que cinquenta e um menos um, em ambas as contas o resultado é cinquenta. Nós, contudo, não enxergamos o saldo, mas só o crédito inicial, vemos o que as pessoas são no início e decretamos que serão isso até o fim. 
      Mas quem cresceu mais no exemplo dado, quem foi de cem para cento e cinquenta, ou quem foi de um para cinquenta e um? Quem trabalhou mais? Sob o ponto de vista da economia, quem já tem cem tem mais facilidade para render mais cinquenta do que quem tem só um, os juros sobre cem rendem mais que sobre um. Mas a coisa pode não funcionar assim, quem tem um acostumou-se com um estilo de vida mais barato, já aquele que foi criado com cem gasta mais com um estilo de vida mais caro, seu valor rende mais, mas ele também gasta mais para viver. Deus considera os limites de cada um, ainda que não julgue pela aparência, mas por intenção que se transforma em obras. 
      Cada um de nós paga preços diferentes para viver e evoluir, somos tentados por coisas diferentes, temos feridas diferentes, e consequentemente buscamos curas e defesas diferentes. Para quem é mais difícil ser humilde, para o pobre ou para o rico? Depende de como a pessoa foi criada e do caráter que ela possui em sua essência espiritual, e isso independe de bens materiais. Contudo, muitos que começaram razoavelmente bem no final continuaram quase iguais, e outros, que tiveram um início de jornada complicado, no final obtiveram libertação de vícios, curas de feridas, saíram do buraco que estavam e se expuseram sem medo à luz, renascendo pessoas melhores. 
      Alguns que perderam bens materiais ganharam a alma, evoluíram moralmente, ainda que no final de suas vidas fossem considerados materialmente perdedores. Já outros que prosperaram, que se tornaram profissionais reconhecidos, acabaram como seres humanos maliciosos, cínicos, ingratos, arrogantes. Mas quem disse que a prova desses últimos não era só trabalho físico árduo e vitória material? Quem sabe se suas vidas duras, que acabaram deixando-os céticos com muitas coisas, não beneficiaram outros na área material? Deus não cobra o mesmo de todos, mas todos temos a oportunidade de sermos aprovados, de um jeito ou de outro, para um ou outro fim. 
      O texto bíblico inicial fala de uma situação um pouco distinta, mas que pode servir de exemplo sobre maneiras diferentes que Deus trata as pessoas. Paulo fala de homens que vêm para o evangelho e mantêm costumes diferentes, de acordo com religiosidades que tinham antes de se converterem ao evangelho, isso ocorria quando judeus e não judeus (gentios) se convertiam. Deus não julgará a tais pelo que eram e mantiveram, mas pelo que se tornaram, assim certos velhos costumes que são mantidos não são relevantes, tanto para Deus como para os homens. Quem mantêm esses costumes não deve se achar melhor nem pior que aqueles que não mantêm tais costumes. 
      Não estamos dizendo que costumes de religiões que as pessoas tinham antes de se converterem devam ser mantidos, não é isso, alguns costumes negam expressamente as orientações do evangelho. Contudo, vemos isso em novos costumes que denominações e igrejas cristãs diferentes possuem. Alguns costumes, por exemplo, se referem a tipo de roupa, mesmo a corte de cabelo, que cristãos devem ter, mas isso não é o mais importante num evangelho que propõe mudança interior como prioridade. Mas quem se veste diferente por ser cristão deve se achar mais santo que o que não se veste? Não, nem o que não se veste deve se achar mais espiritual que o que se veste. 
      Somos todos servos de Deus e só Deus é Senhor, se Deus quer tratar um outro servo de maneira diferente como nos trata, o que temos com isso? A nós cabe fazermos aquilo que Deus pede e em paz, preocupados com o que Deus pensa de nós, na eternidade cada um dará conta individualmente por si. “Quem és tu, que julgas o servo alheio? Para seu próprio senhor ele está em pé ou cai... Cada um esteja inteiramente seguro em sua própria mente”. Nossa referência é Deus, não os homens, juiz só Deus, não os homens, honra por ter feito ou não algo, só na eternidade receberemos. Não nos apressemos neste mundo, querendo receber honras ou tirá-las dos outros. 

68. Nossos filhos na eternidade

      “Rogamo-vos, também, irmãos, que admoesteis os desordeiros, consoleis os de pouco ânimo, sustenteis os fracos, e sejais pacientes para com todos.
I Tessalonicenses 5.14

      Nas virtudes morais os pais são espelhos para seus filhos, 
filhos serão aquilo que seus pais são em suas vidas práticas;
agir certo é o que dá autoridade para ensinar o que é certo, 
e não só falar ou intencionar; a verdade sempre prevalece. 

     Não coloquei passagens do livro de Provérbios (13.24, 23.13-14, 29.15 e 17) como iniciais para esta reflexão, mas vou citá-las. “O que não faz uso da vara odeia seu filho, mas o que o ama, desde cedo o castiga.” “Não retires a disciplina da criança; pois se a fustigares com a vara, nem por isso morrerá. Tu a fustigarás com a vara, e livrarás a sua alma do inferno.” “A vara e a repreensão dão sabedoria, mas a criança entregue a si mesma, envergonha a sua mãe.” “Castiga o teu filho, e te dará descanso; e dará delícias à tua alma.”. Leu com atenção os textos? Tente verificar a austeridade dos termos usados.
      O mais triste é que tem crente sincero, bem intencionado, querendo ser obediente a toda a Bíblia, achando que ter em casa uma varinha para surrar os filhos para discipliná-los é vontade de Deus. Tem até um argumento usado para defender esse costume, bater com a vara faz a criança aliar violência à vara, não à mão do pai que deve ser aliada só a dar carinho. Não consigo entender a lógica dessa transferência, mas o que não se inventa para não se dar ao trabalho de buscar a Deus, e se receber orientação viva do Espírito Santo, ao invés de se seguir cegamente um texto antiquado de uma sociedade do passado.   
      Por que não vou usar os textos de Provérbios como base para uma reflexão cristã sobre como criar filhos corretamente? Porque não devem ser tomados, principalmente se entendidos ao pé da letra, como orientação de Deus para criarmos filhos hoje. Eles estão na Bíblia? Estão. Mas não devem ser considerados? Ao pé da letra, não! Mas mesmo que não forem tomados ao pé da letra é preciso algum esclarecimento do Espírito Santo para retirarmos deles princípios e usá-los adequadamente. Assim é com muitos textos bíblicos, principalmente aqueles relacionados à sociedade, família e sexualidade. 
      Então, como devemos criar filhos para que possam morar no céu conosco, usando um entendimento bem simplista? Da melhor maneira possível. Isso lhes garantirá o céu? Eu até creio que sim, se plantamos, colhemos, mas talvez não do jeito que muitas igrejas e muitos pastores pregam e acham que será. Entendamos uma verdade: não somos donos de nossos filhos, aliás, não somos donos de ninguém, não temos o dever de decidir por eles, nem o direito de que eles sejam o que queremos que eles sejam. Somos mordomos temporários de seres humanos, que devem ser criados no mínimo para serem independentes.
      Essa verdade, ainda que seja o entendimento mais sábio e mais de acordo com a vontade de Deus, pode ser, e é em muitas das vezes, só teoria, a prática é bem mais difícil. Contudo, algumas orientações podem facilitar o trabalho de pais que têm experiências com Deus e que desejam, de todo o coração, que seus filhos também tenham. A primeira delas é: respeite seus filhos como indivíduos, com direito a livre arbítrio e à liberdade para serem o que desejarem ser, mesmo que isso seja muito diferente do que vocês, pais, são, principalmente depois que crescerem e passarem da infância e da adolescência à maturidade. 
      Quem cria filhos sabe que até uma idade podemos aconselhá-los com facilidade, conversar com eles, mas depois isso fica difícil, e por um tempo será mesmo muito difícil. Só algum tempo depois, quando amadurecerem, é que voltarão a dar mais atenção às nossas palavras. Ma não há nada de errado nisso, no período que se preparam para fazer curso superior, que fazem graduações e pós-graduações em faculdades, que se colocam profissionalmente, que namoram, eles estão ocupados se definindo como seres autônomos. Nesse período temos que ter paciência e permitir que eles se decidam e se testem. 
      Os textos de Provérbios citados no início não procedem hoje em dia, mas isso não significa que não temos que usar de autoridade, e eis um termo mal compreendido. Autoridade no evangelho se faz com amor e com um caráter interior, quando isso existe, filhos nos acatam, às vezes só por olharmos para eles. Qualquer espécie de castigo físico que use de violência é no mínimo inútil, mesmo violência verbal também é, que às vezes pode humilhar e machucar mais que a vara. Contudo, fazer trocas, desautorizar atividades temporariamente como punição para erros insistentes, se feito com sabedoria, pode ser útil. 
      As pessoas nos respeitam pelo que somos, somos o que fazemos e é isso que é visto. Se é assim no meio profissional, na escola, na igreja, muito mais em nossos lares, onde nos despimos de máscaras e nos mostramos como somos de verdade. Nossos filhos nos conhecem muito bem, ainda que sejam pequenos, ainda que não falem nada, e eles nos imitam, simples assim. Se formos coerentes e verdadeiros eles também serão. Mas se alguém diz que fez tudo certo, até levou os filhos à igreja, mas ainda assim eles se tornaram pessoas muito diferentes, de duas uma, ou esse alguém está mentindo, ou não se conhece. 
      Muitos mentem insistentemente para si mesmos, no fundo sabem que vivem uma farsa, mas seria muito dolorido e trabalhoso para eles admitirem, teriam que se desconstruir para então construírem algo verdadeiro. Assim, fingem que são cristãos, que são maridos, que são pais, e os filhos que os veem fingirão que são filhos cristãos, funciona desse jeito. Por outro lado, tem gente que não se conhece, acha que é uma coisa quando não é, novamente os filhos se espelharão neles e serão o que eles são, ainda que seja algo aquém do que eles acham serem. Espelho útil é o limpo, que reflete a imagem original sem distorções.  
      Seres humanos podem ser orientados, precisam ser cuidados, devem ser amados, mas o que precisam, no final das contas, é serem eles mesmos. Quem são nossos filhos? Só saberemos se dermos a eles liberdade, liberdade se dá, no tempo certo e do jeito certo. Sim, temos a responsabilidade como pais de dar a eles nossas melhores referências, morais, intelectuais, materiais, mas sem medo de mudarmos de opinião, de nos arrependermos, de pedirmos perdão, de sermos honestos e humildes, tratando-os como iguais, não como inferiores. Quem são de fato nossos filhos e quem serão na eternidade só o Senhor sabe. 
      Se tivermos amor ficaremos satisfeitos de vê-los como Deus quer que eles sejam, aprenderemos com eles, mudaremos para melhor vendo seus exemplos, seremos felizes por termos cuidado de seres que Deus nos permitiu ter por perto por um tempo. Filhos criamos para o mundo, deixamos voar, não prendemos em gaiolas, e principalmente, como cristãos, lhes damos direito ao livre arbítrio religioso. Quando adultos, e quando digo adulto é próximo aos vinte anos, não precisam ser obrigados a nada, nem a irem a cultos! Mas estejamos em paz, se tivermos trabalhado direito, no final eles farão escolhas que nos darão orgulho. 

69. Mais que número numa lista

      “E, Jesus, saindo, viu uma grande multidão, e possuído de íntima compaixão para com ela, curou os seus enfermos.” 
Mateus 14.14
      “E quando Jesus chegou àquele lugar, olhando para cima, viu-o e disse-lhe: Zaqueu, desce depressa, porque hoje me convém pousar em tua casa.
Lucas 19.5
      “E uma mulher, que tinha um fluxo de sangue, havia doze anos, e gastara com os médicos todos os seus haveres, e por nenhum pudera ser curada, Chegando por detrás dele, tocou na orla do seu vestido, e logo estancou o fluxo do seu sangue. E disse Jesus: Quem é que me tocou? E, negando todos, disse Pedro e os que estavam com ele: Mestre, a multidão te aperta e te oprime, e dizes: Quem é que me tocou? E disse Jesus: Alguém me tocou, porque bem conheci que de mim saiu virtude.
Lucas 8.43-46

      A morte, a única certeza que temos em vida neste mundo, pode ser a coisa mais triste que podemos experimentar, para quem vai? Talvez, certeza absoluta sobre o depois muitos só terão após morrerem, mas com certeza pode ser muito triste para quem fica, quando se vai alguém próximo, que se ama. Entretanto, a mesma morte que nos marca de maneira extrema com uma dor irremediável, pode ser banalizada, como em guerras e grandes catástrofes. Nesses casos acaba partindo tanta gente e tão depressa que muitos podem achar que uma morte é só mais um número em uma lista. A pandemia do Corona vírus é uma guerra, contra um inimigo microscópico, mas poderoso, e que não tem lado, está contra todos em todo o planeta.
      A pandemia tem nos confrontado todos os dias com a morte, seja na TV, na internet, mas também na realidade ao vivo bem próxima a nós. Com a precisão e a rapidez que as informações chegam hoje, com nitidez de imagem 4k e qualidade de som surround, a verdade não pode ser negada, só não se sensibiliza quem já está há muito embrutecido pelo egoísmo, ainda que disfarçado pelo negacionismo estúpido de alguma ideologia equivocada. Quando vemos uma família chorando pela morte de uma mãe, de um pai, de um filho, de um avô, porque o vírus não escolhe idade ou sexo, sentimos na carne, sabemos que do jeito que as coisas estão no momento atual, amanhã isso poderá acontecer conosco, isso não é brincadeira. 
      Hoje uma morte não é só mais um número numa lista, quando morre uma pessoa, em qualquer lugar do planeta, todos morremos juntos. Contudo, isso é mais que uma tragédia, é Deus ensinando a todos uma lição, sobre algo com o qual estamos sendo relapsos, que lição é essa? É sobre amar, que se não aprendemos a vivenciar do jeito fácil, aprenderemos pelo jeito mais difícil. É sobre dar valor às coisas certas, que não vale a pena perder tempo com bobagens e prazeres passageiros. É sobre espiritualidade real, que só existe algo que nos prepara para irmos e nos dá consolo se alguém se vai, uma comunhão real com o Deus verdadeiro. Estamos entendendo essa chamada de atenção ou só nos conformando com estatísticas? 
      Como nos escondemos atrás de leituras de estatísticas, de números, jogando as pessoas em pacotes e não enfrentando a individualidade de cada ser e sua consequente relevância. Quando vemos filas e aglomerações na tela da TV ou do celular, para receberem alimentos de uma ação social, esperando notícias de um parente internado num hospital, num velório municipal, não são números, cem, quinhentas, mil pessoas, mas indivíduos. É o José, a Maria, o Tadeu, a Cecília, e cada um desses tem família, necessidades, também sonhos, amam e sofrem, como eu e você, e sendo assim poderia ser também eu ou você em seus lugares. A cada um Deus ama, atrai às regiões celestiais mais elevadas em Cristo, quer dar paz e luz. 
      Você, quando olha estranhos nas ruas, gente que não convive com você, que talvez você nunca conheça de perto, já pensou quem serão eles na eternidade? Irão para o céu, para o inferno? Que experiência eles têm com Deus? Mas tão ruim quanto o desprezo é a arrogância, que muitas vezes nos leva olhar estranhos e pensar que somos melhores que eles, mais privilegiados por sermos cristãos e eles não. Como é cômodo pensar que por mais que o inferno seja ruim e que sofrer nesse mundo é trágico, muitos experimentam isso porque escolheram, porque são maus, assim alguém na danação eterna se torna também só mais um número numa lista de condenados. Essa não é a ótica de Deus, e não deveria ser a de quem se considera seu filho.
     Segue um mistério que muitos não entendem. Em algum momento de nossas existências teremos que exercer nossa missão principal, servir ao próximo, ninguém escapa disso porque esse é o único caminho para alcançarmos o “céu”. Alguém que hoje você despreza, que acha que não é sua obrigação ajudar, que é problema de outro, não seu, que você não tem chamada para ajudar, em um momento de sua existência você terá que ajudar, e bem de perto, de um jeito ou de outro. Dessa forma, o quanto antes você entender, aceitar e praticar isso, melhor para você, e nem é para o outro, porque se você não fizer sua parte Deus levanta outro para fazer, o pequenino de Deus, o pobre, o necessitado, o humilde, nunca é só um número. 
      Deus nos conhece e nos atende individualmente, vê o clamor da multidão, mas reconhece Zaqueu sobre a árvore e a mulher com fluxo de sangue que o toca em meio à multidão. Um Deus antropomórfico não teria essa capacidade, esse poderia amar alguns e desprezar outros, mas Deus não despreza ninguém, nele só há virtudes e no nível mais alto. Muitos, contudo, estão impossibilitados de orar, estão pobres, famintos, acamados, mesmo em coma, enfraquecidos demais física e intelectualmente para clamarem pelas vidas, por isso os que estão mais fortes devem fazer isso por eles. Nesses tempos difíceis é importante que os que podem orem e ajam, alguém não ser só um número numa estatística é responsabilidade de todos nós. 

70. Humanidade tóxica

      “Porque sei que são muitas as vossas transgressões e graves os vossos pecados; afligis o justo, tomais resgate, e rejeitais os necessitados na porta. Portanto, o que for prudente guardará silêncio naquele tempo, porque o tempo será mau. Buscai o bem, e não o mal, para que vivais; e assim o Senhor, o Deus dos Exércitos, estará convosco, como dizeis.” 
Amós 5.12-14

      Em 4 de maio de 2021, após quase dois meses num leito de u.t.i., faleceu Paulo Gustavo, vítima de complicações pela Covid 19. Ator, comediante, casado com um companheiro e com dois filhos, sucesso na TV, no teatro e no cinema, amado por muitos, um talento singular de luz. Muito triste, mas mais triste foi a posição que muitos, que se dizem evangélicos, incluindo pastores, tomaram, condenando o artista por sua sexualidade, vendo em seu sofrimento um castigo por simplesmente ter nascido e vivenciado quem era, tanto na vida pessoal como na vida profissional. 
      Que haja misericórdia para a “cristandade tóxica”, que não pratica evangelho genuíno, que mantém preconceitos por não buscar a Deus e conhecer sua vontade, homens querendo agradar homens e julgando homens, guiando-se por uma interpretação errônea da Bíblia. Fico indignado com algumas coisas, mas essa ignorância com que tantos evangélicos tratam homoafetivos, aliando ao diabo e ao inferno pessoas que nascem diferentes do padrão sexual binário, revolta-me especialmente. Nesta reflexão pensemos sobre a “toxidade” presente no tempo mau em que vivemos. 
      Existe masculinidade tóxica, mas também existe feminilidade tóxica, assim como homosexualidade tóxica, o problema não está em ser masculino, feminino ou homoafetivo, mas em ser tóxico. Da mesma maneira o pecado não está em ser masculino, feminino ou homoafetivo, mas em ser promíscuo, mas enfim, o que vem a ser tóxico nesse contexto? É o uso de certas características em jogo de poder para oprimir alguns e beneficiar outros, de forma injusta e até violenta, usando como justificativa estereótipos que generalizam seres humanos por clichês e exageros.
      Tais estereótipos até foram aceitos no passado como algo normal, usando mesmo argumentos religiosos para defendê-los, mas não podem ser mais aceitos numa sociedade que busca igualdade de direitos, num entendimento, não superficial e exterior, mas profundo e interior de cada ser. É claro que a masculinidade branca tóxica é a mais forte porque foi a que predominou por mais tempo, mas isso não significa que não existam outras toxidades, assim jogar toda a culpa no homem como agressor e entender, quase que automaticamente, os outros como vítimas, não é justo. 
      Na masculinidade, ser tóxico é usar truculência física para obter algum benefício, principalmente na área sexual, de quem está em posição inferior. Na feminilidade, ser tóxico pode ser usar sensualidade, a exibição do corpo e mesmo o jeito de se portar, para manipular alguém e obter algum benefício. Mas a toxidade pode ser usada para se prevalecer em outras áreas, que não a sexual, na área profissional, por exemplo, vemos muitas mulheres sendo tratadas injustamente só por serem mulheres, com salários menores e menos direitos a promoções e planos de carreira. 
      Mas até que ponto sedução é arma de violência, ainda que não seja truculência física? Isso é delicado, e pode ser usada tanto por mulher quanto por homem. Em se tratando de homoafetividade tóxica o assunto pode ficar ainda mais complexo, visto que no conceito de sexualidade atual há muitos tons de cinza entre o branco e o preto, misturando características físicas e afetivas. Uma mulher trans, por exemplo, com características físicas masculinas, pode usar de truculência com um hétero, por ser fisicamente mais forte que ele, ainda que se traja, que se sinta, que se identifique como mulher. 
      Da mesma maneira um gay, se for fisicamente mais frágil, pode ser forçado fisicamente por uma mulher hétero a fazer alguma coisa, assim, toxidade não tem a ver com sexo, com masculino contra feminino, ainda que possa usar sexo para se estabelecer, mas com forte contra fraco, quem é opressor o será seja qual for sua identidade sexual. O mundo está ficando muito complicado, mas homem que se impõe por força bruta é tão errado quanto mulher que usa mal atributos físicos, e vice-versa, a solução está no respeito das competências certas nas áreas certas, indiferente de sexualidade. 
      Na eternidade não haverá homem, mulher, trans ou qualquer outra identidade sexual, só espíritos. O ideal seria as pessoas serem valorizadas por suas essências interiores, não pelos seus corpos, mas no mundo vemos mais facilmente os corpos, para discernir luz espiritual é preciso uma comunhão com o mundo espiritual que muitos não buscam. O que levaremos do mundo à eternidade? Não será sexualidade, mas virtudes morais, estabelecidas pela maneira correta como administramos dores e desejos, se buscamos cura para isso, ou se só inventamos justificativas para continuarmos tóxicos. 
      Infelizmente também existe “cristandade tóxica”, contudo, ainda que muitos cristãos creiam em penas eternas, achem que os conceitos tradicionais sobre sexualidade e família são os únicos agradáveis a Deus, se ainda assim compartilharem o perdão e a paz que existem em Cristo, deixando que Deus faça sua obra, serão bênçãos. Que guardem seus juízos no coração e não tentem convencer ninguém por medo ou violência, mas por testemunho de vidas humildes. Se agirem assim, ainda que crendo em certos equívocos, serão úteis no mundo e atraídos por Deus à sua melhor eternidade, o céu. 
      O problema é que muitos cristãos constróem álibis com textos bíblicos para não precisarem amar, fazem isso com homoafetivos, mas também com religiosos não cristãos. Muitos cristãos creem que todo homoafetivo é “sodomita”, condenado só por ser homoafetivo e não por ter vida promíscua (que é o que a Bíblia pode ensinar em textos sobre “sodomitas”), não entendem que a verdadeira homoafetividade é afeto emocional, não relação física sexual. Por isso se acham no direito de condenar todos os homoafetivos, e se esses estão no inferno são inimigos que não precisam de amor.
      Nisso o amor de Jesus é esquecido e o “diabo” tem vitória justamente no coração dos que se dizem seus inimigos, mas o pior é que o “diabo” vence em nome de uma bandeira que os cristãos acham que é de Deus, irônico tanto quanto terrível. O amor sempre liberta, tanto ao que ama quanto ao que é amado, mas o que ama o oprimido faz mais que sua obrigação, é instrumento de Deus para ajudar o que está em posição de fraqueza. A solução está no amor, só amamos quando recebemos de Deus amor, só o amor pode anular todo tipo de toxidade humana, mesmo a do falso cristianismo. 

71. Parábola das águas

      Nesta parte e nas duas próximas do estudo “Quem você será na eternidade?”, uma parábola original e sua interpretação. Fico muito feliz quando o Espírito Santo me dá graciosamente esse tipo de inspiração. Ensinar conceitos espirituais dessa forma é tão prazeroso quanto didático, poético quanto religioso, por isso o mestre das parábolas, Jesus Cristo, usava tanto esse recurso literário.

      “O Senhor é o meu pastor, nada me faltará. Deitar-me faz em verdes pastos, guia-me mansamente a águas tranquilas.” 
Salmos 23.1-2

      Um homem, cansado, após caminhar por algum tempo em sua viagem, procura pelo cantil com água. Quando o pega dentro da mochila, percebe que está vazio, com a boca seca ele senta-se sobre uma pedra, fecha os olhos, respira fundo e procura se acalmar. Com o coração batendo mais tranquilo, com a respiração espaçada, profunda, mas silenciosa, ele consegue ouvir mais que o próprio corpo, que a própria alma, ele ouve a natureza. Ele procura por algo que vá além do canto dos pássaros, da brisa que bate em seu rosto, ele procura pelo barulho das águas. No meio daquela floresta, se ele subisse numa árvore conseguiria ver melhor, mas está muito cansado para isso, assim decide prestar atenção para ouvir melhor. 
      Após alguns momentos de calma, ainda com a boca seca, ele ouve, baixinho, não muito distante, o som de águas caindo. Que som delicioso, só de ouvir o homem já se sente melhor, já se sente refrigerado. Então, ele se levanta, devagar, ainda com os olhos fechados, mas com os ouvidos bem abertos, afinados. Ele se vira e abre os olhos só um pouco, precisa ver para onde deve ir, mas não quer que seus ouvidos se distraiam. Ele se movimenta devagar, mas com certeza, sabe para onde se dirige, o som das águas aumenta de volume aos poucos, ele percebe que se aproxima do lugar. Ele aumenta a velocidade, agora os olhos já estão abertos, ele pode até sentir o cheiro, então, ele vê, entre as árvores a sua frente, a água. 
      É um pequeno riacho, cercado por uma formação rochosa que abraça as águas, que junto de altas árvores escondem o lugar. Só tem uma entrada, estreita, as pessoas poderiam passar bem ao lado do local e não o veriam, mas escutariam o ruído das águas se prestassem atenção. No lado oposto da entrada, caindo da formação rochosa, um filão não muito largo, mas concentrado de água, é ele que mantém o riacho vivo. O homem não entende, o riacho não é fundo, ainda que a água jorre sem parar ela não inunda o lugar, é como se o líquido caísse ao chão e sumisse nas entranhas da Terra. Ele tem sede, o riacho é raso demais para pegar água separada de areia, assim ele vai até a queda d’água, lá o líquido é puro e fresco. 
      Ele dá alguns passos e coloca a cabeça debaixo do filão de água, mas a água caí com muita força, ele quase se afoga, ele tira a cabeça e tenta de novo, outra vez a água entra pelo seu nariz e ele cai. O homem pensa, tenho uma caneca na mochila, é pequena, mas serve. Ele põe a mão dentro da mochila e acha a caneca, contudo, surpreende-se ao ver que a pequena caneca está furada, ainda assim ele a coloca sob a água que jorra. Pela força da água, pelo tamanho da caneca e pelas condições dela, furada, ele consegue levar pouca água à boca de cada vez, assim, pacientemente ele move a caneca da cachoeira para a boca, várias vezes, tomando só um pouquinho de cada vez, até que tenha sua sede totalmente saciada. 
      Satisfeito, ele senta-se à beira do riacho, lava o rosto e olha para o alto, o céu está azul, o Sol não é forte, ainda que esteja no meio do dia. Ele abaixa a cabeça, vê o reflexo do céu na água e fecha os olhos, pensa no que ficou para trás e no que ele encontrará em seu destino, anima-se, a viagem ainda não acabou, há muito para andar. Ele pega o cantil, quer enchê-lo e seguir viagem, contudo, percebe que o cantil também está danificado, e de um jeito que não pode mais ser usado, assim ele se livra dele. Então, ele olha para a queda d’água à sua frente, ela vem de um leito de rio que está acima das rochas, ele percebe que o rio margeia seu caminho, ele entende que se seguir perto do rio terá água para toda a viagem.

72. Uma caneca furada

      Para melhor entendimento desta reflexão, leia a reflexão anterior. 

      “Porque Deus, que disse que das trevas resplandecesse a luz, é quem resplandeceu em nossos corações, para iluminação do conhecimento da glória de Deus, na face de Jesus Cristo. Temos, porém, este tesouro em vasos de barro, para que a excelência do poder seja de Deus, e não de nós.” 
II Coríntios 4.6-7

      Segue a interpretação da “parábola das águas”. Neste mundo estamos num caminho a pé, não de carro, nossa evolução depende de nossas forças. Podemos até usar mecanismos artificiais para prosperarmos materialmente, mas só o que conquistarmos com nossas virtudes aliarão ao nosso homem interior crescimento moral. Quando iniciamos nossa caminhada recebemos dos que nos criaram um cantil, ele é a forca necessária para o início da jornada. Ele, contudo, dura só algum tempo, não é para sempre, quem quiser essa força inicial por mais tempo acabará sempre voltando ao início do seu caminho, perdendo tempo e não chegando ao destino. Se o viajante quisesse um cantil novo teria que voltar ao ponto de partida de sua viagem. 
      A parte mais importante de nossa caminhada fazemos sozinhos, descobrirmos por nós mesmos os meios para alcançarmos nosso destino. O cantil e a caneca estão furados? Mas é para ser dessa maneira, cantil têm data de validade, um dia devemos nos livrar dele, a caneca não tem, mas tem uso limitado. Nosso passado é um cantil furado, até nos ajuda por um tempo, mas em determinado momento perderá sua utilidade, porque ele é a história dos outros, não a nossa. Como indivíduos devemos construir nossa própria história. Nossa alma é uma caneca furada, ela pode e deve ser usada, não substituída, mas administrada. É nela que construímos nossa história, é ela que é enchida com a água que mata nossa sede, para que tenhamos forças para seguirmos.
      A água que recebemos inicialmente em nosso cantil nos ajuda no início, mas depois temos que descobrir onde está o rio e dele recebermos água para saciarmos nossa sede. O irónico da história é que quem idolatra o cantil não percebe que o rio está perto, margeando o caminho, assim quem se prende às tradições de família e de religião não percebe que isso é base para início, mas não saciará durante todo o caminho. O que nos sacia no caminho é uma experiência nova, viva e diária com Deus, o Espírito Santo é a água limpa e fresca que Deus nos dá à medida que caminhamos em sua vontade. Não é fácil acharmos esse rio, apesar dele estar perto da gente, é preciso a calma que abre os ouvidos espirituais e discerne o ruído das águas. 
      Não há vida sem oração, mas vida de oração é algo que se transforma. Cada vez que buscamos a Deus é diferente, e é assim para que nos esforcemos mais e cresçamos. O caminho se segue com trabalho, mas o trabalho agita nossa alma, que precisa ser acalmada para achar a água viva do Espírito que nos sacia, para que possamos continuar caminhando. Isso estabelece o conflito permanente entre corpo e espírito, que enfrentamos no mundo, para o qual devemos achar equilíbrio. Não devemos anular o corpo, nem iludir o espírito, ambos são necessários para que nosso destino seja alcançado. Além desse conflito temos outro desafio, usar uma caneca furada, isso é um exercício de humildade, eis um mistério que muitos não entendem. 
      Parece que seria bem mais fácil termos uma caneca grande e em perfeitas condições, nos esforçaríamos menos para fazer algo tão importante, saciarmos nossa sede e assim prosseguirmos mais rapidamente em nossa caminhada. Mas não é assim, por quê? A água é o alimento espiritual que saciando nosso espírito fortalece nosso emocional, nosso racional e nosso corpo físico, quando temos um encontro poderoso com Deus em oração somos plenamente fortalecidos. Não seria bom termos um encontro assim é termos forças para caminharmos por muito tempo, sem precisarmos orar novamente? Mas a caneca é furada, não retemos unção do Senhor por muito tempo, temos que enchê-la com a água do Espírito, pacientemente, todos os dias. 

73. Nós seremos água

      Para melhor entendimento desta reflexão, leia as duas reflexões anteriores. 

      “O Espírito de verdade, que o mundo não pode receber, porque não o vê nem o conhece; mas vós o conheceis, porque habita convosco, e estará em vós. Não vos deixarei órfãos; voltarei para vós. Ainda um pouco, e o mundo não me verá mais, mas vós me vereis; porque eu vivo, e vós vivereis. Naquele dia conhecereis que estou em meu Pai, e vós em mim, e eu em vós.
João 14.17-20

      Reflitamos mais um pouco sobre a “parábola das águas”. O viajante tentou beber a água diretamente da cachoeira, mas ela caia com muita força, quase o afogou, por isso usou a caneca, ainda que furada era o meio mais adequado para que ele levasse água à boca. No mundo somos seres divididos, parte de nós é matéria, parte de nós é espírito. Por que é assim, se na eternidade seremos espíritos puros, se esse é o estado onde seremos plenos? Por que apraz a Deus nos colocar no plano físico, ainda que seja por um curto espaço de tempo, num conflito interior insolúvel? Parece até que Deus nos quer fazer sofrer de propósito?
      Entretanto, qual o problema de sofrer? Não, não me refiro a sofrimentos desnecessários, estúpidos, que exaltam agressores, humilham oprimidos, que são consequências de preconceitos e injustiças sociais, contra esses devemos lutar e não aceitar de forma alguma. Me refiro ao sofrimento interior de todos, que existe por causa do nosso orgulho, do nosso medo, de nossa insistência em buscarmos prazer nas coisas materiais e erradas, que são erradas porque fazem mal aos outros e a nós mesmos, e na verdade as duas coisas sempre estão relacionadas, e que só nos prejudicarão espiritualmente, neste mundo e muito mais no outro. 
      Ninguém vence a si mesmo sem aprender a suportar o sofrimento. Isso não é fugir da dor, e nem aceitá-la, mas conviver com ela em paz e com humildade, para isso Jesus veio ao mundo, para ensinar-nos a administrar a dor do conflito entre matéria e espírito. Por isso a caneca furada, por isso não conseguimos viver o tempo todo em um êxtase espiritual, fazer é pôr a cabeça diretamente sob o jato de água, isso pode prejudicar nossa sanidade mental. Pedro, João e Tiago quiseram perpetuar um momento quando viram Jesus transfigurado com Moisés e Elias em Mateus 17.1-9, não entendiam que eram canecas furadas. 
      Na eternidade poderemos ser, não canecas, vasos ou qualquer recipiente para reter água, para conter unção, seremos mais que templos do Espírito, existiremos no Espírito, seremos a própria água, e por isso poderemos nos encher dela sem nos prejudicar. Aqui nos cabe acostumarmos-nos com ela o mais que pudermos, mas sabendo que no mundo água que sacia a sede também afoga, e eis aí uma metáfora de um mistério espiritual. Como algo bom pode fazer mal? Faz se exagerarmos na contemplação e nos esquecemos da realidade, o viajante não podia permanecer à beira do riacho, ele tinha que seguir viajem.
      Por melhor que fosse se saciar e se refrescar com a água do riacho, a missão do homem da parábola não era estar na água o tempo todo, a água devia ser usada de vez em quando, em poucas quantidades, sua missão principal era colocar os pés na terra e seguir. Nossa missão nesse mundo não é estarmos dentro de templos o todo tempo, termos experiências espirituais sempre, nossas mentes não suportam isso. Temos que trabalhar, nos alimentar, descansar e principalmente nos relacionarmos com as pessoas. É administrando essa vivência limitada que atravessamos o caminho, servindo em humildade e amor as outras pessoas.
      Jesus, como sempre, nos mostra como vivermos corretamente. Ainda que tivesse consciência de sua alta espiritualidade, de que, como ensina a tradição cristã, “fosse Deus”, ele não vivia como tal, mas como homem. Acreditem ou não, mesmo o Cristo era uma caneca pequena e furada e ele sabia disso, sim, Jesus homem também era limitado. Mas ele sabia viver com equilíbrio, de modo que interagisse com os homens, em amor, no ensino, no exemplo prático, e ainda assim tivesse muitos períodos solitários de oração e consagração. Ele sabia manter sua caneca cheia o máximo possível e prosseguir até seu difícil destino.

74. Parábola das mochilas

       Nesta parte e nas duas próximas do estudo “Quem você será na eternidade?”, uma parábola original e sua interpretação.

      “Mesmo vós sabeis para onde vou e conheceis o caminho… disse-lhes Jesus, eu sou o caminho…” 
João 14.4, 6a

      Numa terra distante, há muito tempo atrás, uma mãe pede a um de seus filhos que viaje até um lugar. No destino está o pai, que por motivo de trabalho, mora longe da família. Para a viagem, a mãe dá ao filho mantimento na quantia adequada para a jornada e o guarda numa pequena mochila. O filho coloca a mochila nas costas, mas antes de partir a mãe lhe dá uma orientação, “tudo o que você precisa para sobreviver na viagem está na mochila, não pare em lugar algum para comer nada diferente, descanse se for preciso, mas não demais, e quanto à água, os rios no caminho lhe fornecerão”. 
      O filho caminha por um tempo, descansa, se alimenta com a comida que sua mãe lhe deu, mas após fazer isso algumas vezes sente-se entediado, para demais para descansar e não tem mais vontade de seguir, esquece-se da urgência da viajem. Com a ociosidade a descrença o domina, sente saudades da casa da mãe, desacredita que possa haver algo bom em seu destino final. Desanimado, a fome torna-se maior, mas como a viagem parece demorar não sente mais prazer na comida que a mãe lhe deu. O jovem viajante tem vontade de comer algo diferente, ao menos para preencher o vazio de sua alma. 
      Perdido em seu devaneio ele vê, à margem do caminho, uma estalagem. Desobedecendo a orientação da mãe ele entra na estalagem e pede para que lhe sirvam a melhor refeição que o lugar tem. Quando ele termina de comer, cai em si, lembra-se que não tem como pagar pela comida, e quando o dono da estalagem vem fazer a cobrança ele revela sua situação. Ele se surpreende, contudo, quando o dono diz que ele não precisa pagar, basta que lhe faça um favor, levar uma encomenda para o mesmo lugar que ele vai. Ele recebe a encomenda numa nova mochila e a põe nas costas, essa é grande e pesada.
      Revigorado ele anima-se e põe-se de novo a caminhar, ele diz a si mesmo, “agora vou fazer como minha mãe mandou, vou até o fim sem parar”. Contudo, a encomenda que lhe foi dada pesa, com o peso ele se cansa mais facilmente e precisa interromper a viagem mais vezes para descansar, com o descanso exagerado ele volta a ter saudades da casa da mãe. Ele reclama, “viagem inútil essa, vou para um lugar que nem conheço, por que meu pai está tão longe? Se me amasse estaria comigo, na casa de minha mãe, e eu nem precisaria caminhar tanto, trocar o certo pelo incerto, que tolice a minha”. 
      Novamente, perdendo muito tempo reclamando e imaginando, ele vê uma outra estalagem. Ele entra nela e faz a mesma coisa, pede a refeição mais cara, só quando termina de comer é que se lembra que não tem como pagar. Contudo, para sua surpresa, o dono dessa estalagem solicita a ele a mesma coisa que o outro dono pediu, que leve uma encomenda como pagamento pela refeição. Feliz por ter se livrado da dívida, ele aceita o encargo de levar a encomenda, também dentro de uma mochila, nem pergunta para quem deve entregá-la quando chegar ao destino, só quer se livrar da dívida e seguir.
      Com mais peso para levar, mais facilmente se cansa e torna a cair na armadilha de tentar se satisfazer com uma comida diferente. Dessa vez, contudo, ele entra em uma estalagem já com a certeza que não precisará pagar, que o dono vai lhe pedir o mesmo favor, levar uma encomenda. Ele pensa, “deve ser um costume nestas terras, para mim está ótimo, não tenho como pagar mesmo”. Mas essa terceira mochila é fatal, após andar só um pouco ele cai ao chão, exausto de levar tanto peso. Onde caiu ficou e prostrado não teve forças nem para voltar, nem para continuar, só quis ficar lá, quieto e sozinho.

      Meio morto, meio vivo, ele ainda tenta se alimentar com o mantimento que sua mãe havia lhe dado, mas não teve forças para nada, quando esse alimento acabou ele se resignou à morte, e ainda que estivesse às margens de um rio desfaleceu de sede. Num determinado momento, ouve uma voz, reunindo as poucas forças que tinha abre os olhos. Era um velho, de barbas e cabelos longos e brancos, mas com olhos vivos, faces rosadas e um sorriso iluminado. O velho o ajuda a se sentar, lhe dá água do rio, o alimenta e coloca na mochila que sua mãe tinha lhe dado algum mantimento.
      O velho diz ao viajante, “pode seguir viagem”, o jovem responde, “não posso, essas mochilas pesam demais”, o velho diz, “livre-se delas”, o viajante fala, “não posso, são pagamentos pelo que comi”, o velho responde, “venho atrás de você há algum tempo, passei nas estalagens e paguei tuas dívidas, você está livre desses pesos”. Contudo, o jovem torna a reclamar, “não tenho o que comer”, então diz o velho, “coloquei em tua pequena mochila alimento suficiente para você terminar a viagem, se seguir sem parar demais, não enjoará dele e chegará a seu destino a tempo”. 
      O viajante olha sua pequena mochila e há nela o mesmo mantimento que sua mãe havia lhe dado, contudo, não resiste à curiosidade de olhar as outras mochilas. Abre uma delas e se surpreende ao ver que há pedras nela, olha a segunda, a terceira, e vê a mesma coisa. O velho, já se afastando, avisa, “são armadilhas, o dono das estalagens dá pedras para os viajantes levarem, para que se cansem e desfaleçam, quando isso acontece ele vem, os prende e leva-os como escravos para trabalharem nas estalagens”. O jovem percebe, então, os donos das estalagens eram a mesma pessoa.

      Continuando a viagem, o jovem algumas vezes foi tentado a parar demais para descansar, a ter saudades da casa da mãe, a comer algo diferente, mas resistiu, levantou-se e seguiu em frente, ele enfim havia aprendido a lição. Chegando perto de seu destino já podia ver, lá longe, a casa de seu pai, esse estava à porta. Fazia muito tempo que ele não o via, nem se lembrava mais como era o rosto do pai. Contudo, ainda longe, o pai gritou, “venha meu filho, estava te esperando, demorou um pouco, mas você conseguiu chegar, estou muito feliz por isso, aproxime-se e conheça a tua parte na herança”. 
      A voz do pai lhe deu forças, assim ele caminhou os últimos metros correndo, contudo, quando chegou e viu o rosto do pai, ele o reconheceu, era o velho que o havia ajudado no caminho, que tinha pago suas dívidas. O jovem viajante disse então, “era você, não te reconheci”. O filho, então, entendeu, o pai não estava longe dele, mas caminhava secretamente com ele, bem perto, durante todo o caminho. O pai não era seu destino, mas o próprio caminho. Sua missão não era alcançar o destino, mas percorrer o caminho obedecendo as orientações que recebeu, aprendendo a viver bem com pouco. 
      O filho entrou na casa do pai e perguntou, “que trabalho é esse que o senhor faz, que precisa ficar tão longe de mim?”. O pai respondeu, “eu faço dois trabalhos, um é administrar os que trabalham aqui nas terras, e não pense que aqui não há trabalho para você fazer, mas aqui poderá trabalhar perto de mim, administrando tua herança. A viagem foi para isso, para te preparar para estar aqui. O segundo trabalho faço indo até à casa de sua mãe e acompanhando meus filhos até aqui, você tem muitos irmãos e eles também precisam fazer a viagem corretamente e chegarem aqui, o destino de todos”.
      O filho fez outra pergunta, “o senhor nunca fica com a mãe?”. O velho respondeu, “estivemos juntos por um tempo, gerando filhos, e estaremos juntos também no final, quando todos os filhos estiverem aqui, mas neste ínterim é necessário que estejamos separados, cada um cumprindo sua missão. Ela cria os filhos até chegarem à juventude, depois o caminho os amadurece, quando fazem suas jornadas sozinhos, finalmente estão perto de mim, mas ainda aprendendo. Quando estiverem prontos irão a novas terras, conhecerão mulheres e constituirão famílias, serão novos pais, eis o ciclo da vida”. 
      Mas uma terceira pergunta o filho ainda fez, “quem é o dono das estalagens?”. O pai respondeu, “foi um viajante que não quis chegar ao seu destino. No início era só um escravo de um outro dono de estalagens, mas com o tempo até o antigo dono escolheu chegar ao seu destino, partiu e deixou em seu lugar o escravo mais antigo. Trabalhando nas estalagens muitos, com o tempo, até acham terem encontrado um sentido na vida, mas lá eles são apenas escravos, sem direito de ir e vir, sem posses, só assistem jovens iludidos se satisfazendo com o prazer enganoso que se vende nas estalagens”. 
      O filho tornou a falar, “até o dono das estalagens foi jovem? ele parecia tão insidioso”. “Sim”, disse o pai, “todos começamos como jovens viajantes, inclusive eu, enviados à terra de um senhor”, “então, o senhor não é dono de tudo?”, perguntou o jovem, “não, só cuido de quem administra as terras para o dono de tudo, como eu existem outros”, disse o pai. O jovem tornou a falar, “fará isso sempre?”, “não”, respondeu o velho, “só até meus filhos chegarem aqui, minha missão não é cuidar de terras, mas de vidas, quando terminar eu e tua mãe moraremos na casa do dono de tudo, lá há descanso”.  

75. Siga leve, Deus está perto

      Para melhor entendimento desta reflexão, leia a reflexão anterior. 

      “Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração; e encontrareis descanso para as vossas almas. Porque o meu jugo é suave e o meu fardo é leve.
  Mateus 11.28-30
     
      Vamos entender melhor a “parábola das mochilas”, descrita na reflexão anterior. A mãe é a vida, o pai é Deus, os viajantes somos nós, o caminho é o mundo, o estalajadeiro é o mal, as mochilas pesadas são culpas. Temos um pai, mas ele é espiritual, por isso está longe e só o veremos de fato no final, quando passarmos do mundo para a eternidade. Essa é a interpretação de uma primeira camada da parábola, representa o conhecimento básico para que possamos ter uma vida de comunhão com Deus, isso é o que basta para iniciarmos nossas jornadas, focados no objetivo e em paz. 
      Viemos a este mundo com uma missão, percorrermos um caminho, para isso recebemos aptidões naturais, formação familiar, informação moral, intelectual, material, religiosa, suficientes para percorrermos o caminho. Esses mantimentos estão conosco o tempo todo quando iniciamos a caminhada como adultos. Já água e descanso, também necessários para a nossa jornada, devemos administrar à medida que caminhamos, não descansarmos demais e bebermos sempre água limpa e fresca do Espírito. Vida de oração séria e profunda é onde recebamos a água espiritual que nos vivifica. 
      Quando não nos satisfazemos com Deus e fugimos de nossa missão, nos sentimos vazios. Vazios não veremos alimento no que é mais correto, assim acharemos nas opções da desobediência pratos de comida mais saborosos que o alimento de sabedoria que há numa vida de vigilância moral. Mas esses prazeres são armadilhas para nos escravizar, por isso nos enchem de culpas, se fossem coisas de fato benignas não nos deixariam pesados. A culpa dificulta o caminho, pesa em nossas costas, porque nos faz levar algo que não precisamos levar, algo que não pertence à nossa chamada espiritual.  
      Nas primeiras vezes que o provamos, até achamos o pecado saboroso, interessante, mesmo uma saída para conseguirmos suportar a vida e seguirmos caminhando, contudo, com o tempo e em sua reincidência ele torna a vida insuportável. Podemos chegar a um ponto onde nos tornamos só escravos de vícios numa condição de morte. Estagnados no caminho não temos forças para voltar, muito menos para seguirmos em frente, perdemos a fé, as referências, nos esquecemos da mãe vida, e do pai, Deus. Quantas vezes trocamos o mais importante por um prato de comida, por um curto prazer?
      O mal, “diabo”, ou seja lá o que isso represente e use para nos impedir de seguirmos para Deus, é o mesmo, disfarçado com rostos diferentes, ainda que possua lojas diferentes vendendo produtos diferentes. Ele tem sempre o produto certo para tentar a cada indivíduo em cada momento de vida desse. Seu objetivo é um só, nos matar aos poucos, nos cansando, fisicamente, mentalmente, até que morramos moralmente. Mortos glorificamos o “diabo” em nós servindo-lhe de escravos. Nossa mente é o lugar onde ele pode ter inicialmente alguma honra, existência e guerra espiritual são mentais.
      A culpa é um peso. Como nos livramos dela? Largando-a, como uma mochila pesada que se tira das costas e se deixa no chão. Depois disso seguindo em frente com a vontade de fazer diferente e de não mais gerarmos culpas para carregarmos. Não, não é preciso sacrifício para sermos libertos de culpa, rituais, promessas, obedecermos complicados protocolos religiosos, assistirmos liturgias e passarmos por ritos de iniciação. Basta que tenhamos consciência dela, entendamos porque ela se instalou em nós, e depois a deixemos. Deixar é se levantar, seguir em frente e praticar a mudança. 
      Deus não é um ser superior que manda, dá-nos alguma provisão e deixa o resto conosco. Ele mandou Jesus como exemplo de vida e porta para sua espiritualidade mais alta. Pela porta obtemos perdão, que nos cura da culpa e nos dá a paz que nos fortalece para colocarmos em prática o que aprendemos com o exemplo do Cristo. Podemos achar o Senhor a cada passo que damos, se formos simples e humildes, acalmarmos nossas almas e buscarmos experiências profundas de oração pelo Espírito Santo. Não complique a culpa, deixe-a como um mochila pesada e siga leve. 
      Não temos ideia de quantas vezes e por quantas maneiras Deus esteve pertinho de nós, às vezes como um velho de barbas e cabelos longos e brancos, às vezes como um anjo, às vezes como um ser espiritual de luz invisível aos olhos físicos, mas às vezes como um amigo ou mesmo como um estranho, que só queria “fazer o bem sem importar a quem”. Deus está muito perto de nós, o tempo todo, aconselhando-nos, protegendo-nos, com muito amor, bem-aventurados os que não se escandalizarem com ele na eternidade, mas só reconhecerem um rosto amigo que sempre esteve próximo.

76. Viva mais com menos

      Para melhor entendimento desta reflexão, leia as duas reflexões anteriores. 

      “Na casa de meu Pai há muitas moradas; se não fosse assim, eu vo-lo teria dito. Vou preparar-vos lugar.
João 14.2

      Na ”Parábola das mochilas”, que também pode receber o nome de “O ciclo da vida”, são revelados mistérios profundos em seu final, durante o diálogo que o filho tem com o pai dentro da casa. Algumas perguntas são feitas. “Que trabalho é esse que o senhor faz, que precisa ficar tão longe de mim?”, sim, Deus de fato está muito longe de nós, ainda que pelo seu Espírito tenhamos acesso a ele, e esse é só uma emanação, não Deus em sua plenitude, dessa plenitude só faremos parte na eternidade. Mas não devemos nos revoltar, antes aceitarmos em humildade o propósito maior do Senhor.
      “O senhor nunca fica com a mãe?”, no mundo físico matéria e espírito se integram em nós como um só ser, mas são coisas diferentes que devem ser entendidas diferentemente. Por não entenderem o equilíbrio que isso requer, é que tantos se perdem nos extremos, seja no materialismo, seja nas superstições. Experimentar equilíbrio não é fácil, existir no mundo é conviver com uma angústia constante, que não pode ser curada, só administrada. Na simbologia da parábola, a mãe mora num lugar e o pai em outro, um lugar distante, quem faz a união de ambos é o filho. Equilibrar-nos é nossa vocação. 
      “Quem é o dono das estalagens?”, pode representar mais de um ser, escolha quem você preferir. Pode ser o “diabo”, um ser espiritual decaído irremediavelmente, mas pode ser um ser humano que desistiu de seguir para Deus e parou no meio do caminho. “O senhor não é dono de tudo?”, o velho da parábola também representa mais de um simbolismo, a princípio é Jesus, mas também podem ser seus co-herdeiros, seres humanos já aprovados nas provações iniciais, que não vivem mais só para si mesmos, que deixaram de ser filhos e passaram a ser pais, cuja missão é cuidar de outros, ainda filhos. 
      Todos podemos chegar à posição de velhos sábios, não necessariamente no corpo, mas no espírito, todos podemos amadurecer para ajudar os outros. “Fará isso para sempre?”, posições espirituais são definitivas? Ou o ser humano pode mudar, o viajante pode se tornar escravo, depois dono de escravos, então, arrependendo-se, voltar a ser um viajante, amadurecer, para tornar-se pai, cuidar de filhos, e finalmente achar descanso junto ao Altíssimo, o dono de tudo. Agora se mudanças podem ocorrer, não só no mundo, mas também na eternidade, isso fica para cada um crer conforme puder crer. 
      Podemos achar que quando confessamos o pecado no nome de Jesus somos transformados num passe de mágica, que isso faz desaparecer pecado e culpa. Mas não existe mágica na verdade, o trabalho para que a culpa se vá é nosso e realizado por obras, não só por fé. A culpa desaparece quando seu lugar dentro de nós é ocupado pelo desejo de não errarmos mais. Isso, contudo, é só o primeiro passo no processo de anular o pecado. Seguido a isso devemos dizer não quando formos tentados de novo pelo pecado, agindo diferentemente e realizando boas obras, é aí que somos aprovados e mudamos. 
      Qual o papel único de Jesus? Dar-nos uma posição espiritual acima de tudo, do homem, do pecado, do “diabo”, nisso temos libertação da carne e fortalecimento no espírito, que funciona como uma chavinha em nossos pensamentos e sentimentos. Nesse aspecto a coisa parece “mágica”, no sentido de ser algo sobrenatural, que não entendemos racionalmente, que muda nossa mente em um instante, para isso a fé é necessária. Mas essa experiência é só o primeiro passo, os sábios vigiarão e permanecerão nessa altíssima posição espiritual e terão forças para serem aprovados em suas obras no mundo. 
      A melhor qualidade de vida está na resignação que entende que a nossa passagem neste mundo nunca será totalmente satisfatória, nunca teremos tudo o que gostaríamos de ter, nunca seremos plenamente felizes. Nossa atividade profissional, que pode começar como um sonho, nos cansa, nosso casamento, que podemos ter procurado por tanto tempo e que começa como uma paixão poderosa, se transforma em amor, mas também nunca será perfeito. Nossos filhos não serão o que achamos melhor, ainda que nos deem orgulho, igrejas e pastores nos desapontarão, enfim, só Deus é perfeito. 
      Usando as figuras da ”Parábola das mochilas”, o “mantimento” que precisamos para passar pela vida com paz está numa “pequena mochila”, essa é leve. Mas o alimento deve ser aceito com humildade à medida que administramos nosso tempo diligentemente, para que não nos entediemos buscando satisfação nos “pratos das estalagens” que só trazem peso de culpa. No inferno um minuto parece mil anos, mas no céu se vive mil anos em um minuto, assim, o sábio viverá de tal maneira que sua passagem no mundo o canse o menos possível, para que parta para a eternidade do jeito e no tempo certo. 

77. Parábola das casas

      “Eu sou a porta; se alguém entrar por mim, salvar-se-á, e entrará, e sairá, e achará pastagens.
João 10.9

      Três homens viviam felizes na terra natal com um pai, era um lugar onde o clima era equilibrado, nem era quente demais, nem era frio demais. Um dia o pai lhes deu uma tarefa, irem até três terras distantes, lá deveriam trabalhar por algum tempo, conhecerem os habitantes e depois retornarem à casa paterna. O pai conhecia bem os filhos, assim como conhecia as terras para as quais os estava enviando, dessa forma escolheu um lugar diferente para cada um. O primeiro filho enviou a uma terra com clima quente, o terceiro filho enviou a uma terra com clima frio, essas terras eram mais próximas. Já o segundo filho enviou para uma terra com clima semelhante ao da terra natal, essa terra, contudo, era mais distante. 
      Algum tempo depois, dando o prazo que o pai orientou para que ficassem longe, os três filhos retornaram para a terra de origem. O primeiro filho, acostumado ao calor do lugar onde tinha passado os últimos tempos, entrou na primeira casa que achou na terra do pai, mas sentiu que ela era muito fria, depois entrou em outra e em outra, até achar uma casa mais quente. O terceiro filho, também acostumado ao clima do lugar onde tinha passado os últimos tempos, procurou uma casa mais fria, achou na primeira que entrou e nela ficou. Esses nem esperaram chegar à casa do pai, estranharam o clima de sua terra e só queriam uma casa, o mais rapidamente possível, com climas semelhantes aos das terras onde estiveram. 
      Dando o prazo o segundo filho também voltou, mas entrou na terra natal e caminhou até achar a casa do pai, abraçou o pai e logo foi trabalhar. Como os outros dois demoravam, o pai esperou, mas após aguardar um tempo perguntou ao segundo filho, “e teus irmãos, não vão retornar?”. O segundo filho respondeu, “se o Senhor autorizar vou procurar por eles, podem estar em algum perigo”, “vá”, respondeu o pai. Não demorou muito para que o segundo filho voltasse com os irmãos. O pai lhe perguntou, “já voltou?”, “sim, eles estavam perto, aqui em nossa terra, mas em outras casas”. Entristecido, o pai disse, “eu os enviei para aprenderem uma lição, contudo, vejo que a viagem fui inútil, não entenderam o principal”. 
      O primeiro e o terceiro filho responderam, “pai, as terras para as quais nos enviou eram muito diferentes desta aqui, nos acostumamos com o calor e o frio, por isso nos abrigamos nas primeiras casas que achamos com climas semelhantes”. O pai respondeu, “e ficaram dentro delas? se ao menos tivessem saído para trabalhar, ainda que depois retornassem a elas, poderiam ter usado melhor o tempo, o irmão de vocês voltou para a nossa casa e logo saiu para trabalhar”. Os filhos responderam, “mas o lugar para o qual o senhor o enviou tinha um clima melhor”, o pai respondeu, “eu o mandei para lá porque antes, quando ele estava aqui, trabalhava bastante, não ficava em casa, enquanto vocês só descansavam”.
      Os filhos responderam, “mas nós obedecemos o senhor, trabalhamos e voltamos”, o pai respondeu, “mas não para esta casa, o irmão de vocês foi para uma terra mais distante, esforçou-se mais para chegar lá e para voltar, ainda assim chegou antes de vocês, se pôs a trabalhar e achou forças para voltar e procurá-los; se ficassem tempo suficiente trabalhando fora das casas, teriam se lembrado do clima da terra que de fato é de vocês, mas ficaram presos às terras nas quais eram para viverem só temporariamente, não sentiram saudades da casa do pai, cuja temperatura é equilibrada, o lugar onde foram criados, assim, que voltem às casas nas quais estavam e fiquem, até que se lembrem quem são e qual é a terra de vocês”.

      Deus, nosso pai espiritual, nos conhece, sabe de nossas lutas, de nossos esforços, que muitas vezes nada têm a ver com prosperidade material ou com reconhecimento no mundo. Nosso maior trabalho é vencermos a nós mesmos, nossas fraquezas, nossas carências, para entendermos e praticarmos virtudes morais. Assim, o que o Senhor permite que aconteça conosco nesta vida, nos movimentos do mundo, nos jogos do universo, nos sistemas humanos, é o que podemos suportar para sermos melhores, para construirmos o homem interior melhor que levaremos à eternidade.
      Três homens diferentes, três provas distintas, todas autorizadas por um pai justo que conhece o passado, o presente e o futuro de cada um. O que é prova para um por ser quente, pode não ser prova para o outro, mas para esse outro a prova é o frio, que não é prova para o primeiro. Um outro homem, contudo, que já foi provado no quente e no frio, será provado não pela novidade da prova, mas pelo tempo. O segundo filho foi para uma terra com clima mais fácil de suportar, mas passou mais tempo indo e vindo, distante da posição onde já tinha estabelecido suas referências. 
      Se as provas do primeiro e do terceiro filho foram amadurecer experimentando coisas novas e diferentes, a do segundo filho foi manter o amadurecimento  mesmo com tudo igual. O prazer novo prova tanto quanto o velho tédio. As provas do primeiro e do terceiro filho foram externas, do mundo contra o homem à medida que esse põe em prática o que crê, mas a do terceiro filho foi interna, do homem contra ele mesmo, quando ele não terá mais novidades, mas ainda assim deverá manter-se fiel ao que crê e é. Quando tempo demais passa, mesmo que tudo esteja bem, podemos nos perder. 
      Depois de nascermos no mundo aprendemos do zero a nos adaptar a ele, para conseguirmos sobreviver dignamente no corpo físico, mas trouxemos conosco um espírito, essa é a referência de algo maior, do que realmente somos, de onde viemos e para onde voltaremos, a eternidade espiritual perto do pai. Ainda que existir fisicamente tome muito do nosso tempo aqui, nosso trabalho principal é espiritual, devemos suportar o mundo, sermos felizes nele, vencê-lo, mas não nos convencermos que somos parte dele, que ele é o melhor para nós, no mundo estamos de passagem. 
      A prova maior na parábola inicial não estava nas terras distantes, nas quais os três homens teriam que passar um tempo. Cada um de nós tem provas diferentes, e ninguém é melhor que ninguém pelo tipo de prova que passa. Mas a prova estava na volta à terra de origem, qual seria a reação de cada homem. Muitos ganham o mundo, mas se esquecem do céu, até procuram uma religião, mas mais adequada à visão que eles têm do que é melhor no mundo, assim escolhem uma casa, uma crença, e se prendem a ela, sem voltarem à casa do pai. A prova maior estava nas casas. 
      Não podemos evitar sermos enviados pela vida a lugares distantes, para exercermos tarefas na área profissional, para nos relacionarmos com pessoas diferentes e conhecermos coisas em tantas áreas, isso teremos que viver de um jeito ou de outro. Contudo, podemos evitar o pior no final, quando enfrentaremos a morte e a eternidade, para isso podemos nos preparar, pois sabemos que é inevitável. Que no final, depois de termos feito tudo e mantido o que conquistamos, possamos ter o amor que teve o segundo filho, que voltou para ajudar os dois irmãos, ele trabalhou e até o fim. 

78. Parábola dos vasos

      “Ora, o Senhor disse a Abrão: Sai-te da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai, para a terra que eu te mostrarei.
Gênesis 12.1

      Como fazia todos os dias, a mulher levantou-se cedo, pegou seu vaso em forma de cilindro, caminhou até o centro da cidade, chegou ao poço e colheu água. Seria o suficiente para sua família passar o dia, ela sabia que no dia seguinte teria que fazer a mesma coisa, foi ensinada a fazer isso por sua mãe, que fez isso durante sua vida. O vaso cilíndrico que a mulher usava tinha sido passado a ela pela mãe, essa o tinha recebido também de sua mãe, a mulher não tinha ideia da idade do vaso, só o mantinha com muito cuidado, sabia que não poderia quebrá-lo. O vaso era uma tradição, todas as famílias na cidade tinham vasos semelhantes, o poço não podia ser usado sem que fosse com aquele tipo de vaso. 
      Um dia um viajante chegou à cidade, com sede ele perguntou onde poderia pegar água e as pessoas indicaram o poço. Quando ele se aproximou do poço a mulher lá estava, com seu vaso em forma de cilindro, sozinha colhendo água. Enquanto esperava ela terminar outras mulheres chegaram e formaram uma fila. Uma mulher cochichou, “o que faz um homem aqui no poço? a responsabilidade de colher água é de mulheres”, outra mulher respondeu, “ele é um estranho, deve estar esperando para que alguma mulher lhe dê agua”. Outra mulher cochichou, “que ele peça à sua mulher que venha aqui e pegue água para ele, o que colhemos mal dá para nós, quanto mais darmos a desconhecidos”.
      Quando a mulher acabou de colher água ela se afastou um pouco do poço, o homem, então, tirou de sua mochila um vaso, curiosa a mulher não foi embora, ficou olhando. Contudo, as outras mulheres se surpreenderam quando viram que o homem queria colher água, e mais quando viram que o vaso que ele tinha não era no formato cilíndrico, mas em forma de cubo. Nisso começaram a gritar, “não está certo, já não basta um homem estranho querer colher água em nossa fonte e ainda usando um vaso desses? vai ver nem foi passado a ele por seus pais, ele mesmo deve tê-lo feito, esse não é o costume no mundo, ele deve ser um ladrão, um adúltero que traiu a esposa, um endemoniado fugindo de seus crimes”. 
      Discretamente a mulher observou e foi embora, contudo, no meio do caminho, entre o poço e sua casa, incomodada deu meia volta e retornou. Chegando ao poço viu as mulheres colhendo água, mas o homem, cansado e sedento que estava, não teve forças para sair de lá, ficou rendido no chão, ele tinha viajado muito. Ela então se aproximou e de seu vaso deu água ao homem, com as forças recobradas ele começou a contar sobre suas viagens. “Sou comerciante, vendo e compro coisas, mas não faço isso só em minha cidade, visito outras cidades e levo coisas de um lugar para o outro, assim entrego novidades que aqueles que nunca saíram de suas cidades não conhecem, o trabalho é bom, mas cansativo”. 
      A mulher perguntou-lhe, “por que seu vaso é diferente?”, o homem respondeu, “é como os fazemos em minha cidade, nas cidades que conheci, em todas havia um poço, mas os vasos tinham formatos diferentes, alguns eram iguais aos nossos, outros eram em forma de pirâmide e outros em formatos bem complexos; também não eram só mulheres que colhiam água, em algumas cidades eram os homens e em outras, crianças, de ambos os sexos, faziam isso ainda que com vasos menores, adequados às suas forças”. A mulher, caindo em si, disse, “o que matou tua sede não foi o vaso, mas a água, que importa o vaso, seu formato ou mesmo quem colhe a água? contanto que a sede seja saciada?”. 
      A isso o homem respondeu, “está certa, mas não escandalize tuas amigas, elas nunca saíram desta cidade, acham que o costume aqui é o de todo mundo, quanto a mim tomarei mais cuidado, evitarei essa cidade, pelo menos enquanto o costume aqui for tão restrito”. O homem se levantou e partiu, quando saiu da cidade avisou os outros viajantes como ele, pediu-lhes que evitassem aquela cidade por enquanto, ele não tinha a intenção de ofender ninguém, nem de mudar costumes, apenas queria fazer seu trabalho. Qua cada cidade mantivesse sua tradição no tempo necessário, o mais importante é que os poços de água não secassem, afinal, o que importava eram as pessoas terem água limpa e fresca para beberem.

      O mundo físico é uma expressão artística de Deus, como um quadro realisticamente bem pintado não é a realidade, mas uma ótica belíssima dela. O plano material não é a realidade, ele é passageiro, a realidade é o plano espiritual, esse é eterno, o que temos na Terra são meros esboços, metáforas, do céu. Parábola é uma expressão artística literária do homem, é a descrição de coisas e fatos do mundo para explicar conceitos espirituais, quando ela é inspirada pelo Espírito Santo revela mistérios cada vez mais profundos à medida que refletimos nela. Na parábola inicial os vasos são as religiões, a água é o Espírito de Deus, as mulheres são os religiosos, o homem é aquele que foi além de sua cidade, de um vaso, de tradições humanas. 
      Religião é a mãe do preconceito. Veja como as mulheres interpretaram o estranho, equivocaram-se sobre o que não conheciam porque eram equivocadas sobre o que achavam conhecer, seus vasos, sua cidade, sua tradição. O problema principal de uma tradição não é ela ser diferente e se achar com um entendimento melhor de Deus, mas é o fato dela demonizar quem tem uma crença diferente. As mulheres chamaram o homem de ladrão, adúltero, endemoniado, por acaso não é assim que muitos cristãos veem os que têm uma tradição religiosa diferente da deles? A religião limita o amor e  acirra o ódio, usando como álibi a pretenção de ser a única representante de Deus e dona da verdade, é assim enquanto humana e não divina. 
      Ser bom em uma religião é uma escolha, mas é melhor quem respeita a livre escolha do outro. O ser humano e principalmente o cristão, não faz ideia de como Deus respeita as preferências religiosas dos homens, simplesmente porque Deus avalia pelo interior, não pela aparência, assim como considera os limites de fé de cada pessoa. A mulher tinha sido criada numa tradição, que valorizava mais o vaso que a água, mas bastou uma nova experiência para que caísse em si. Ela não mudou de tradição depois de receber do homem informações sobre o mundo, seguiu colhendo água em seu vaso, mas entendendo o que era mais importante. Deus não pede que alguém mude de religião, não a princípio, mas que o conheça com mais profundidade.
      Há outras cidades, outras pessoas, outros vasos, mas a água mais pura é sempre a mesma. Meus caros irmãos protestantes e evangélicos, a água não é Maomé, Buda, Krishna, Nossa Senhora, alguma entidade espiritual ou divindade, mas Jesus, ainda que muitos não saibam disso. Quando o Deus verdadeiro é invocado não há outro meio pelo qual alguém tenha sucesso nisso que não seja pela porta que é o Cristo, esse emana sua dádiva mais alta até o ser humano pelo Espírito Santo. Ocorre que muitos idolatram o vaso e seu formato, afinal é mais fácil crer em algo que se vê, que se toca, que pode ser guardado, que a água, que some dos olhos após ser bebida, que precisa ser colhida todos os dias, tão líquida, como é o Espírito de Deus.
      Os viajantes devem respeitar mesmo os que não querem viajar. A atitude de amor e humildade do viajante, ainda que soubesse mais, tivesse mais experiências, tivesse mais quantidade e qualidade de vida, é a que Deus espera dos maduros, dos que realmente seguem a Jesus e não ficam aprisionados a religiões. Tantos no mundo se acham “iluminados”, com mais conhecimentos sobre o mundo espiritual que os cristãos, mas se há alguma espécie de orgulho, de sentir-se melhor que os outros por se saber mais disso ou daquilo, então, de nada vale a iluminação. A mulher que caiu em si ganhou sabedoria semelhante a que tinha o viajante, não se tornou igual a ele, mas se tornou a melhor em sua cidade, candidata à viajante, ela foi iluminada. 
      Ser viajante tem sua recompensa, assim como seu preço. Por mais que o viajante se abrisse para novos conhecimentos algo continuava igual, algo que o colocava no mesmo nível das outras pessoas, mesmo daquelas que nunca saíram de suas cidades e que consideravam o mundo todo igual. O homem ainda precisava de água para matar sua sede, e ela não estava fora das cidades, assim ele deveria ter a humildade de entrar numa cidade, enfrentar os limites das tradições, interagir com as pessoas, então, ser saciado. Deus é a constante, religiões são as variáveis, a água não muda porque o formato do vaso muda, crescemos convivendo com as diferenças, todos precisamos de Deus, Deus irá conosco à eternidade, o resto fica no mundo.
      Não é fácil nos livrarmos de tradições, elas nos abrigam tanto quanto nos permitem agradar os que nos iniciaram nelas, mas muitos de nós, em algum momento, terão que se livrar delas para se aproximarem mais da verdade de Deus. Isso não é para todos, para muitos pode bastar o bom senso da mulher, entender a relevância da água sobre o vaso, ainda que continuasse usando o vaso e permanecendo em sua cidade. Talvez a decisão mais difícil que podemos tomar nesta vida seja lançar o vaso ao chão e quebrá-lo. Como beberemos água depois? Fazendo nós mesmos nossos próprios vasos, com o formato que acharmos melhor, às vezes em dias diferentes com formatos diferentes, mas sempre priorizando enchê-lo com a água mais pura. 

79. Parábola das lâmpadas

      Nesta parte e na próxima, do estudo “Quem você será na eternidade?”, uma parábola que me foi apresentada pelo Espírito Santo com imagens, só tive o trabalho de ver e registrar. Esteja à vontade para entendê-la, existem bem mais mistérios que são revelados nela que aqueles que coloquei no texto, mas esteja também à vontade para discordar dela assim como para confrontá-la com aquilo que você entende que a Bíblia fala sobre assuntos semelhantes. Que a voz final que te fale seja a do Espírito Santo de Deus, essa quando fala e quando é acatada sempre deixa nos corações uma paz imperecível.

      “Porque o Senhor Deus é um sol e escudo; o Senhor dará graça e glória; não retirará bem algum aos que andam na retidão.
  Salmos 84.11

      Quem está à luz de uma sala dentro de uma casa, quando sai da casa e vai para a luz do Sol, não se incomoda, até senti-se melhor, numa luminosidade mais natural. Mas quem está num quarto escuro e vai para uma sala iluminada, ainda que na mesma casa, sente-se desconfortável, a iluminação fere seus olhos, sua tendência é voltar para o quarto escuro, precisa se esforçar para se acostumar. 
      Nenhum de nós começa sua jornada espiritual neste mundo como um iluminado, quando cometemos o primeiro pecado somos lançados em trevas, saímos da infância e nos tornamos adultos, responsáveis pelos erros que escolhemos fazer. Se permitirmos, pouco a pouco Deus vai nos iluminando, nos ensinando, nos curando, assim aprendemos que estar na luz é melhor, ainda que doa no início. 
      Se formos humildes, de um quarto escuro iremos para uma sala iluminada, e quando amadurecermos o suficiente, poderemos sair da casa e nos expormos à luz forte do Sol. Lá, não somos limitados por cômodos e paredes, a iluminação não é restringida, mas temos liberdade para caminharmos pela Terra, conhecermos os moradores de outras casas, compartilharmos com eles o Sol que é para todos. 
      Alguns até iniciam esse processo, saem de seus quartos escuros e entram na sala mais clara, mas não se adaptam, sentem-se desconfortáveis por saberem que sob a luz eles podem ser vistos, do jeito que são. Se eles têm qualidades, elas são reveladas, se têm defeitos, eles também são exibidos, todavia, orgulhosos, não querem ser totalmente vistos, não são humildes para se aceitarem como são. 
      Ainda que esses tenham entrado numa sala iluminada, seus corações continuaram em trevas, e sendo assim sentem saudades do velho quarto escuro, lá eles não se viam, não se conheciam, por isso se iludiam. No quarto escuro podiam achar que eram quem desejassem ser, e ainda que não fossem, tinham prazer na ilusão da mentira e dos estranhos companheiros escuros que com eles viviam.
      Assim, ao invés de saírem para fora da casa e conhecerem o Sol, ao invés de desfrutarem da liberdade que amadurece à medida que se caminha pela Terra e se conhece outros, forasteiros pares, buscando crescer e entender  a verdade que só a luz do Sol revela, se fecham mais ainda no interior da casa, no quarto mais entrevado, se refugiam nele, trancam a porta e constróem lá seu universo.

      Quem somos nós nessa parábola? Estamos na Terra, debaixo do Sol, caminhando, descobrindo, conhecendo e sendo conhecidos? Ainda estamos dentro de casa, seguros numa sala iluminada, com algum conhecimento das coisas, de nós mesmos, mas limitados a quatro paredes e a uma luz menor? Ou somos o que se trancou no quarto escuro, que não quer a verdade por medo, que acha que é o que não é?
      No quarto escuro estão os que fogem de Deus, por isso fogem deles mesmos, não se conhecem, ainda que possam construir todo um mundo dentro desse quarto. Nesse lugar escuro eles não estão sozinhos, existem seres com eles, que eles chamam de amigos, mas que não sabem de verdade quem são, que no final pularão sobre eles e canibalizarão seus seres para poderem sobreviver, são espíritos vampiros. 
      Na sala iluminada estão os religiosos, sob eles existe alguma luz, mas limitada, assim como é limitado o espaço em que podem se mover. Eles temem a Deus, mas só sabem de Deus aquilo que os homens os deixam saber, os administradores da sala e da luz da sala. Eles são mantidos lá por medo, dos perigos do quarto escuro, e do desconhecido que há fora da casa, que os administradores dizem ser perigoso. 
      Mas fora da casa estão os realmente livres, que não dão satisfação de suas vidas a homens, os donos das casas com salas iluminadas e quartos escuros, mas só ao Senhor da Terra e do Sol. Esses entenderam que não existe só uma casa, só uma sala iluminada, nem só um quarto escuro, mas muitas casas, com muitos quartos e muitas salas, assim como muitos forasteiros, aventurando-se para saber mais sobre tudo. 
      Onde existem mais pessoas? Não é fora das casas, lá existem poucos, a maioria está escondida, dentro das casas. Muitos estão nas salas iluminadas, isso é certo, e em menor quantidade outros, dentro dos quartos escuros. O Sol segue brilhando, forte e eterno, à espera de todos. Entretanto, o que os que estão nas casas não querem saber, é que o tempo se aproxima, quando as lâmpadas das casas se apagarão. 
      O tempo final se aproxima, as luzes já estão fracas, porque elas não eram para estarem acesas por tanto tempo, eram para brilhar só enquanto os homens se acostumassem com a iluminação, depois todos deveriam sair para fora de suas casas e enfrentarem o Sol. Existem muitas casas, muitos quartos e muitas salas, e nas salas lâmpadas diversa e distintas, contudo, só existe um Sol, para todos os homens, Deus. 
      Interessante que só existem locais escuros dentro das casas, assim os mesmos que administram as luzes limitadas, também administram a ausência dessas luzes. Fora das casas, na Terra, não há locais entrevados, porque o dono da Terra e do Sol é luz plena e eterna, impossível para ele gerar trevas. As trevas são construções de homens escolhidas por homens para estarem nelas pelo tempo que quiserem estar. 

80. Saia para o Sol

      Para melhor entendimento desta reflexão, leia a reflexão anterior.

      “E ali não haverá mais noite, e não necessitarão de lâmpada nem de luz do sol, porque o Senhor Deus os ilumina; e reinarão para todo o sempre.” 
Apocalipse 22.5

      Por que as pessoas ficam com conhecimentos limitados e com liberdades cerceadas? Porque temem um passado real e um falso futuro. Na parábola das lâmpadas, apresentada antes, o passado é o quarto mantido escuro por problemas não resolvidos, que na sala iluminada lhes é ensinado como sendo o inferno. Quem sempre esteve no inferno não sabe que está nele, mas a maioria das pessoas, de alguma maneira, um dia teve alguma iluminação. 
      No quarto escuro não se entende que inferno no mundo é só o distanciamento da luz do Altíssimo, negação do amor de Deus. Quem está num inferno ainda no mundo, tem a ilusão de estar num paraíso, senão não permaneceria nele desfrutando prazeres físicos e a falsa segurança que materialismo e irresponsabilidade oferecem. Mas no inferno vivem também os que o escolheram há mais tempo, e esses fazem companhia aos novos inquilinos. 
      Religiões são necessárias como são as salas iluminadas, lugares temporários para crianças espirituais, que ainda não têm maturidade para viverem sem tutores, e que por isso são protegidas e restringidas. Há salas iluminadas diferentes em casas diferentes, algumas até possuem lâmpadas com iluminação bem semelhante à luz do Sol, mas em outras, as luzes podem ser tão fracas que dificultam a visão, só permitem que se veja os contornos. 
      As casas são construções aprovadas pelo criador, Deus permite que religiões se ergam e se mantenham, são administradas por homens que um dia saíram de suas outras casas e, por terem algum conhecimento do Sol, receberam autorização para administrarem casas. Mas essa posição de administrador também deveria ser temporária, mas que pela covardia dos inquilinos que não saem ao Sol, acaba durando mais que deveria. 
      Permanecendo tempo demais onde não deveriam, as pessoas acabam achando que as lâmpadas são o Sol, e que confusão farão quando saírem de suas casas. A princípio entrarão em discussões com pessoas de outras casas, defendendo as lâmpadas de suas casas como mais legítimas que as outras, como mais próximas à iluminação do Sol. Mas isso dura pouco, quem sai para o Sol é iluminado por ele e compreende a verdade.
      Na Terra debaixo do Sol, fora de paredes, teto e portas da casa, está aberto o céu espiritual, essa é uma posição espiritual que permite às pessoas conhecerem a verdade, fora do antolhos das instituições religiosas e de seus líderes. Sob o Sol os seres humanos experimentam um prazer singular, o prazer espiritual de estarem mais perto de Deus, e após o momento inicial de adaptação vivem uma satisfação que nunca provaram. 
      A luz de Deus está por toda a parte na Terra e fora das casas, nada a prende ou submete-a, ela está por fora e por dentro dos seres livres, cabe ao indivíduo, e só a ele, administrá-la. Nessa liberdade o ser se relaciona diretamente com Deus, sem intermediários, sem vigários ou sacerdotes, ele é seu próprio pastor e só tem um professor, o Sol, que é forte e ilumina, mas não queima nem fere, ele é Deus e seu conhecimento é santidade e amor.
      As casas não têm janelas, quem está dentro só sabe do Sol o que lhe é passado pelos que administram as casas. São maus administradores que criam falsos futuros que devem ser temidos, mas esses terão juízo mais severo, quando as luzes das casas apagarem. Quando isso ocorrer, todos, administradores, inquilinos e os livres pela Terra, terão entendimentos iguais sob o Sol, ainda que uns para salvação e outros para danação. 
      No juízo o que mudará não será o ambiente que está fora, a luz de Deus impera por todos os universos e seu amor atrai a todos, indiscriminadamente. Todos estarão sob a luz de Deus e o amor continuará disponível a todos. O que vai definir os destinos está no interior dos seres humanos. Muitos ainda terão dentro de si as trevas, escolheram continuar assim, amaram mais as trevas que a luz, fizeram alianças com os seres das trevas.
      Os que mantiveram um inferno dentro de si não foram humildes para se deixarem conhecer, e assim serem conhecidos e conhecerem a si mesmos, aos outros, a Deus e a tudo o mais. O que pode iluminar um homem com o coração entrevado? Nem se estivesse na superfície de um sol em chamas teria a luz, pois ele não olha para fora e para o alto, mas só para dentro de si mesmo, para sua culpa, e para outros seres de trevas como ele. 
      Quem são os seres das trevas que fazem alianças com os homens que ficam nos quartos escuros? Quando as lâmpadas se apagam um ciclo se encerra e um novo se inicia, os que tiverem a luz dentro deles serão levados para uma nova Terra, onde o mesmo Sol brilha. Contudo, os que tiverem as trevas em seus interiores permanecerão na Terra antiga, presos nos quartos escuros, isso não é feito como castigo, mas por misericórdia. 
      Para o que só acha sentido nas trevas, as trevas lhes serão dadas, mas num novo ciclo terão novamente oportunidade para saírem do quarto escuro, virem para a sala iluminada, se acostumarem com a iluminação, aprenderem a gostar dela, para então escolherem sair da casa e enfrentarem a luz maior do Sol que está lá fora. O que é o inferno? Perda de tempo, ilusão, solidão, ignorância, que se não for desconsiderado poderá ser duradouro. 

81. De olhos bem abertos

      “Certamente o Senhor Deus não fará coisa alguma, sem ter revelado o seu segredo aos seus servos, os profetas.” Amós 3.7 

      Enquanto orava, já no período após pedidos e adoração, quando em silêncio permanecia em comunhão com Deus, uma visão foi mostrada a um homem. À medida que ele via, o Espírito explicava a ele o que era apresentado, antecipando respostas a perguntas que mal tinham acabado de serem mentalmente feitas pelo homem. 
      O homem se viu no topo de um monte muito alto, ele entendia que fazia frio e ventava forte, mas ele se via de bermuda de linho branco, descalço e sem camisa, e não sentia frio. Se via com o corpo de um jovem maduro, apesar de ser velho, mas sentia-se dono de um espírito muito antigo, mais velho que seu corpo físico.
      Ele olhou para baixo e viu florestas e campos verdes, com um rio passando no meio, e lá longe, à frente, o mar. A paisagem passou a ele um sentimento de vida e de liberdade, como se não houvesse morte nem sofrimento. Então, ele voltou o olhar e viu embaixo, não a natureza, mas uma cidade com muitas casas. 
      Na velocidade do pensamento, sem que percebesse como foi ou que algum tempo tenha passado, se viu flutuando sobre uma casa. Existiam teto e paredes, mas para ele eram transparentes, assim ele podia ver as pessoas dentro da casa. Na casa sobre a qual ele pairava viu uma mulher, recebendo suas filhas com muita alegria. 
      Ele olhou para os lados e viu sob outras casas seres como ele, de vestes brancas, alguns de vestidos, outros de calças compridas, que sem palavras, só com olhares, lhe faziam entender que estavam felizes por seres vigilantes luzeiros de Deus sobre outras vidas. Ele viu até sua mãe, sobre outra casa, em uma cidade distante.
      Então, olhou para cima e maravilhou-se. No céu, viu cidades cercadas flutuando, como castelos, muito iluminadas, paralelas e também acima, ficando menores à sua visão, conforme subiam. Ele entendeu que os castelos estavam sob mundos, mais escuros, cada castelo para um mundo. Depois, sem que pedisse, começou a ser elevado. 
      Rapidamente passou por todos os mundos e castelos, então, viu algo que lhe pareceu um lugar especial. Era cercado por muros e tinha uma porta de grades de ouro, que impedia-lhe a entrada. Se aproximou e parou à porta, olhando via lá longe pelas grades, uma luz mais forte que as dos seres como ele e dos castelos.
      Um ser de luz, então, se aproximou, pelo lado de dentro do lugar cercado, e lhe disse: “você não pode entrar, ainda não está preparado para este lugar, sinta-se muito feliz por ter sido revelada a você esta visão, volte ao teu lugar de vigilância”. Imediatamente se viu sobre o topo do monte inicial, sentindo o forte vento.
      Ele temeu, achou que a visão revelava-lhe experiências que teria após a morte, que sua morte estivesse próxima, mas entendeu pelo Espírito que aquilo era sua situação em vida. Ele e os outros seres de branco são luzeiros, que o Senhor tem chamado nos últimos tempos para vigiarem no mundo e orarem pelos santos. 
      Esteja à vontade para aceitar este texto, para interpretá-lo como achar melhor, conforme tua experiência com Deus e teu entendimento bíblico. Contudo, creia, o homem que teve a experiência tem vida séria com Deus, busca consagração inteligente, ainda que tenha se sentido mais humilde e mais responsável após a visão.

      “Não apaguem o Espírito. Não desprezem as profecias. Examinem todas as coisas, retenham o que é bom.”  I Tessalonicenses 5.19-21

José Osório de Souza, 21/11/21

82. Iluminado

      “No semblante iluminado do rei está a vida, e a sua benevolência é como a nuvem da chuva seródia. Quão melhor é adquirir a sabedoria do que o ouro! e quão mais excelente é adquirir a prudência do que a prata!” 
Provérbios 16.15-16

      Iluminado não é um termo que o cristianismo usa com frequência, ele está presente na Bíblia, mas justo e salvo são mais populares, um no antigo testamento e outro no novo. Justo e salvo estão ligados à ideia de se ter virtudes, sejam por mérito próprio ou mérito alheio, o justo o é pelas obras que pratica para obedecer a velha aliança, o salvo o é pela fé na salvação que Jesus dá na nova aliança. Ter implica em algo externo, que é agregado, mas que não faz parte, e que portanto pode também ser desagregado, perdido. Iluminado tem a ver com ser, quem se torna algo o torna para sempre, não muda. Isso não significa que o iluminado não possa melhorar, e melhorar não significa abandonar certas coisas, mas só descobrir coisas mais relevantes. 
      O iluminado recebe uma luz diferente, que o torna mais esclarecido, e em se tratando de iluminação de Deus existe uma peculiaridade, quem é iluminado pelo Altíssimo posiciona-se numa disposição espiritual superior que não pode mais ser mudada, é para sempre. Deus não volta atrás em sua dádiva, o que sabe mais nunca mais será o mesmo, conhecimento é algo que não se pode esquecer, ou fazer de conta que não se sabe. Quem é iluminado por Deus verá tudo com um esclarecimento maior, seus olhos espirituais foram abertos, nunca mais será cego. Se ainda assim tentar viver o estilo de vida que tinha quando era cego, será um homem insatisfeito, já que não sente mais em certas coisas a relevância que sentia antes de ser iluminado. 
      Mas nisso está a sabedoria e o amor de Deus, o Altíssimo só ilumina quem está preparado, de forma que o conhecimento não o escandalize nem a outros, a verdade de Deus nunca é para a perdição, mas para a evolução. Muitos querem insistentemente iluminação e nunca a encontram, o Pai de amor sabe que se esses souberem certas coisas não terão inteligência emocional e moral para administrarem certos conhecimentos, melhor serem crianças felizes que adultos suicidas. Para o pentecostal, iluminação pode ser o dom de profecias, para o protestante tradicional pode ser um estudo mais científico dos textos originais da Bíblia e do processo histórico de como o cânone bíblico atual foi construído. Será que estamos de fato preparados para a verdade? 
      Muitos, querendo iluminação, acabaram em profunda treva, tinham uma lâmpada numa pequena sala e por se acharem preparados para o Sol fora da casa, acabaram voltando ao quarto escuro (lembrando das duas últimas reflexões), aterrorizados pelos conhecimentos que receberam. Esses são os que amam teorias da conspiração, que tentam achar o anti-cristo e o apocalipse em tudo, creem em OVNIs e veem comunismo e globalização como armas do diabo, mas não tiveram fê e humildade suficientes para buscarem a verdade. Tornam-se presas fáceis de homens e seres espirituais enganadores, que têm nas trevas seus domínios, que usam superstições e misticismos como meios de manipular os tolos e obterem alguma vantagem no mundo.
      A maioria dos cristãos não experimenta iluminação espiritual porque insiste em ver coisas espirituais com olhos carnais, ainda que seja de forma racional. Coisas espirituais se entendem com ferramentas espirituais e são aplicadas de maneira espiritual. Coisas carnais são as ferramentas que os homens podem manipular nas religiões, esses homens não têm poder sobre coisas espirituais altas, porque essas não podem ser usadas nem limitadas. Ser iluminado é acima de tudo ser livre espiritualmente, contudo, isso requer coragem e abrir mão de vaidades, para escolher viver para e em Deus. Jesus encarnado fez essa escolha, por isso sua passagem por este planeta foi única e decisiva para toda a humanidade, mas mesmo ele não dizia tudo que sabia. 
      Um esclarecimento sobre o termo espiritual, sê-lo não é necessariamente ser moral, ainda que os cristãos tenham se acostumado a usarem o termo espiritual para denominarem alguém que consideram santo e ungido, e eis aí outros conceitos que precisam ser reavaliados. Há religiosos e espiritualistas que vivenciam, por evocações e outros protocolos mágicos, experiências espirituais profundas e verdadeiras, mas não têm e nem buscam qualidade moral. Por outro lado os cristãos podem ter virtudes morais altas, mas terem pouca experiência com dons do Espírito e o plano espiritual. No mundo atual essas áreas ainda podem andar desagregadas, pela misericórdia de Deus, mas penso que no futuro será diferente, pelo plano maior de Deus. 
      Não creio que todos os seres humanos devam ter o mesmo nível de iluminação espiritual, mas creio que todos precisem e possam ter as mesmos qualidades morais que Jesus nos ensinou, como perdão, amor, misericórdia, caridade, humildade, libertar-se de referências materiais passageiras e buscar as virtudes espirituais eternas. O juízo não será um exame de vestibular, onde serão aprovados os que souberem mais, o juízo será a revelação da luz que cada ser humano construiu em seu homem interior. Nenhuma pergunta será feita, pois os preparados já possuirão a resposta e a praticaram enquanto no mundo. Esses, Jesus conhece profundamente, pois sempre caminharam com ele em intimidade, para esses não haverá surpresas, só luz, amor, paz e céu. 

83. Quando voltaremos ao normal?

      “E se matares este povo como a um só homem, então as nações, que antes ouviram a tua fama, falarão, dizendo: porquanto o Senhor não podia pôr este povo na terra que lhe tinha jurado; por isso os matou no deserto.” 
Números 14.15-16

      Médicos e economistas dizem que demorará para que o mundo volte àquilo que nós chamamos de normal e que mudou por causa da pandemia da Covid 19. O uso de máscaras persistirá por anos, e mesmo assim se as vacinas acompanharem as mutações do corona vírus, dessa forma a aplicação de todas as doses em toda a população brasileira demorará algum tempo. A recuperação da economia também levará algumas décadas, e do mal psicológico, advindo da perda de tão grande número de vidas, não nos recuperaremos faciomente. De fato estávamos mal acostumados, pelo menos a grande maioria da classe média, que não vivia em luxo, mas tinha o suficiente para uma vida digna e que é grande parte da população no Brasil.
      A pergunta que fazemos é: por que isso nos surpreendeu tanto? Como indivíduos temos provações o tempo todo, que nos confrontam com zonas de conforto que precisamos deixar para crescermos, contudo, de tempos em tempos, a providência divina permite provações coletivas, que confrontam países e até o planeta como um todo, com a finalidade de acordar a humanidade para a necessidade de evolução moral e espiritual. Em situações assim, nossas provações pessoais são atropeladas, uma catástrofe climática, uma guerra ou uma pandemia, nivelam todos igualmente e pedem de todos novos posicionamentos para poderem sobreviver num novo normal, que não pode ser disfarçado, nem relativizado, só aceito. 
      O diferencial nessa pandemia é que o inimigo é desconhecido, invisível, pelo menos para quem não é profissional da área biológica, e diferente de uma guerra ou de um tsunami, que são terríveis mas terminam, uma nova doença contagiosa pode demorar muito tempo para ser controlada, se é que um dia poderá ser. Amantes do apocalipse não previram isso, esperando guerras épicas e anticristos não entenderam que um organismo microscópico pode ser instrumento do universo para uma provação coletiva. Isso nos surpreendeu porque arrogantemente nos achávamos uma civilização mais evoluída que as anteriores, mesmo com tanta injustiça social pensávamos ter uma ciência capaz de nos proteger de certas coisas. 
      A covid 19 feriu toda a humanidade como a um só homem, com uma pedrada certeira, bem na fronte, o gigante veio ao chão e não achou quem o erguesse. Morrem no deserto os que não estão preparados para a terra prometida, usando um exemplo bíblico, Deus precisa disciplinar para que o homem não siga enganado, mas toda disciplina não é para a perdição, é para salvação, ainda que tenha um preço tão caro para o disciplinado. Os que escapam, contudo, que por algum motivo são poupados, devem temer a Deus, adquirirem lucidez, deixarem a embriaguez de um cotidiano onde talvez até fossem religiosos, mas superficiais. Quem tem olhos deve ver e entender, não estamos no mundo para perder tempo. 
      Quando voltaremos ao normal? O que é o normal? Muitos se equivocaram com relação a o que pensavam ser o normal, “porquanto, assim como, nos dias anteriores ao dilúvio, comiam, bebiam, casavam e davam-se em casamento, até ao dia em que Noé entrou na arca, e não o perceberam, até que veio o dilúvio, e os levou a todos, assim será também a vinda do Filho do homem” (Mateus 24.38-39). Como será essa vinda do Filho do homem? Talvez bem diferente daquilo que a tradição cristã protestante acredita que será, mas o que importa não é a forma externa, o onde e o como, se será no mundo ou no plano espiritual, importa é estarmos preparados por dentro, o tempo todo, sermos nossa melhor versão possível. 
      Nosso normal neste mundo nunca deveria ter sido só acordar para trabalhar para ter dinheiro para pagar boletos, passear no centro da cidade num sábado de manhã para trocar o celular que temos e que nem é tão velho assim. Sei que muitos não têm o básico para uma vida digna, mas não têm justamente porque outros têm o que não precisam ter, e isso não ocorre só com as classes altas, não, a culpa não é só dos ricos. Quantos, andando com carros caros, que pagarão por anos em longos finaciamentos, sem que tenham necessidade disso, só para aparentarem status quo, enquanto não possuem plano médico decente e filhos estudando em escola melhor. A morte nos confrontará com como investimos nosso dinheiro.
      Sabe aquele pedido de desculpas que sentimos que devemos pedir, mas que nunca achamos tempo para pedir, aquele telefonema que gostaríamos de fazer para dizer a alguém que ele é importante para nós, mas que não achamos espaço numa agenda sempre tão cheia, aquele padrão melhor de santidade que sabemos que seria bom que tivéssemos, mas que sempre trocamos por algum prazer físico que console nosso coração angustiado? Uma morte iminente pode nos fazer partir para a eternidade com essas pendências. É esse o tipo de confronto que uma pandemia permite, com um tempo que achamos que temos e que podemos não ter, que nos faz pensar sobre o que de fato foram e são nossas prioridades morais. 

84. Deus é justo!

      “Regozijar-me-ei muito no Senhor, a minha alma se alegrará no meu Deus; porque me vestiu de roupas de salvação, cobriu-me com o manto de justiça, como um noivo se adorna com turbante sacerdotal, e como a noiva que se enfeita com as suas jóias. Porque, como a terra produz os seus renovos, e como o jardim faz brotar o que nele se semeia, assim o Senhor Deus fará brotar a justiça e o louvor para todas as nações.
Isaías 61.10-11

      Deus é perfeitamente justo em todo o tempo! Isso é uma afirmação, mas que para que sejamos justos deverá ser seguida por outra: não existe justiça no mundo! Ambas as afirmações são verdadeiras? Sim, dependendo do ponto de vista, e temos dois pontos de vista, o ponto de vista de Deus e o do homem. O ponto de vista de Deus é alto, nele o Senhor vê tudo e nada lhe escapa, essa é a referência espacial, a outra é temporal, Deus usa o tempo sem se limitar a ele. O ponto de vista do homem é limitado ainda que o homem não admita que seja. Limitado no espaço, já que na maioria das vezes o homem não vê nem o que está à sua frente, enxerga só seu próprio umbigo. Mas também é limitado no tempo, já que ele colhe o que acontece agora, mas não relaciona isso como efeito de causa que plantou no passado, assim como não aceita que o que planta hoje pode dar frutos no futuro. 
      Mas o que tem a ver ponto de vista com justiça? Pensemos num exemplo, a luta contra o racismo que enfim tem ganhado a força que sempre deveria ter tido. Multidões têm protestado e uma vida não é só mais uma vida, mas “uma vida importa”, forçando a justiça dos homens a dar para negros e brancos os mesmos direitos. Ainda que essa bandeira seja mais que legítima, muitos acusam alguns que a levantam de serem vitimistas, isso não é verdade. Se a luta parece exagerada é porque é efeito de uma causa igualmente exagerada, a crueldade de uma escravidão de séculos que gerou o preconceito. Sim, é a justiça de Deus sendo executada, e a justiça sempre busca isso, o equilíbrio, dar para um o mesmo que dá para outro sem privar ninguém de nada. Mas, então, por que demorou tanto para acontecer? Se Deus é justo, por que a justiça não foi feita antes? Por causa do livre arbítrio. 
      O direito ao livre arbítrio que Deus dá ao homem é o que entrega ao ser humano tanto a oportunidade para ser justo quanto para ser injusto, por ele a injustiça foi feita e só por ele a justiça será restabelecida no mundo. Demora? Não pelo ponto de vista de um Deus que trabalha no tempo ainda que não se limite a ele. Eu e você só temos consciência do presente em que vivemos, mas Deus vê tudo e nada que se planta fica sem colheita, em tempo nenhum. Não pense o homem que o que faz o faz só porque escolheu fazer, tudo faz parte de um plano, e esse plano nada tem a ver com teorias de conspiração. O diabo não faz nada, só é uma possibilidade de escolha ruim na cabeça dos homens, são os homens que realizam, contudo, um ser maior, mais alto, eterno e perfeito, em todas as virtudes, tem o controle de tudo sempre, Deus. Deus nunca deixa de fazer justiça, ainda que os homens achem que deixa. 
      A visão mais lúcida que podemos ter da realidade atual é nada mais, nada menos, que a continuidade da justiça divina agindo, e sempre será assim, se o fruto é amargo é porque a semente plantada foi ruim. A humanidade não pode reclamar de nada, o que tomou com violência com violência será retomado, o agressor será agredido. Entretanto, tome cuidado o que foi agredido, aposse-se de seus justos direitos com equilíbrio, não use mágoa como álibi para vingança, toda vingança, mesmo a aparentemente legítima e contra um opressor, é semente ruim e gerará fruto amargo. A humanidade de fato evoluirá quando parar de plantar errado, quando deixar de ser cruel e egoísta tanto quanto vingativa e rancorosa, quando quebrar o loop, então, a justiça de Deus se cumprirá, o homem achará paz, então, nos novos céus e na nova Terra, haverá harmonia, equilíbrio e vida eterna para todos os seres. 
      Enquanto isso não acontece a Terra muda de era para era, quem estuda um pouco de história universal entende isso, e as mudanças nunca acontecem rapidamente, ainda que à medida que os séculos passem as eras sejam menores. É um movimento semelhante ao de um pêndulo pendendo para lados opostos cada vez mais depressa e mais próximo ao centro, até que atinja o descanso. O século XX foi especialmente rápido, a civilização evoluiu técnica e moralmente em cem anos o que não evoluiu nos quinhentos anos passados. Eu penso que no momento atual estamos no limiar de um novo tempo, mas como em toda passagem existe um caos, um momento de distúrbio onde parece que não há referências. Se é assim conosco como indivíduos, por que não seria com a humanidade como um todo? Quem não se sentiu, quando passava da infância para a adolescência, perdido, estranho, confuso, deslocado? 
      Quem tem certeza não muda, dúvidas são necessárias, elas nos tiram do comodismo, ainda que seja para que no final entendamos que tínhamos desde o início o melhor dentro de nós adormecido, e que precisamos ser provados para que esse melhor viesse à tona e se firmasse. Grandes dívidas estão sendo cobradas da humanidade, a cobrança é para que o homem acorde de séculos de injustiças, de explorar e inferiorizar seres humanos pelo nível financeiro, pela cor da pele, pela sexualidade, pela religião. A justiça procura pela igualdade de direitos para que cada um seja diferente à sua maneira, eis o desafio. Mas se as virtudes mais altas que há na luz do Altíssimo, para a qual todos somos atraídos pelo amor de Deus, se elas são iguais, onde está a diferença? Eis o mistério que nós seres humanos temos muita dificuldade para entender, e todos os seres são singulares e exclusivos. 
      A diferença não está em nossos corpos, em nossas sexualidades, nas famílias em que fomos criados, nas condições financeiras que adquirimos, nas capacidades intelectuais e emocionais que temos, em nossas aparências externas, nem nos círculos sociais em que vivemos ou nos bens que temos. A diferença está em nosso interior, ela é espiritual e iluminada por virtudes morais que praticamos. O mundo até o momento não consegue ver o potencial que cada ser humano tem por ser diferente, ele tem acordado para isso, isso é certo, mas ainda se equivoca em muitas coisas porque valoriza demais a matéria. Se conseguíssemos ver o ser espiritual que habita o interior de cada ser, se conseguíssemos ver a luz espiritual, sua beleza, entenderíamos de fato quem cada homem e cada mulher é, e consequentemente, a vocação de cada um, sua razão de existir eternamente, seu lugar especial no universo. 
      O que segue agora é uma espécie de diálogo, com perguntas e respostas, entre alguém, cristão ou não, mas informado pela tradição cristã, com alguém que entende um Deus justo além dessa tradição. “E quanto a tantos que sofrem hoje, deverão continuar assim, sofrendo? E outros, como esses, sofrerão por anos até que a justiça se faça valer?” Sim. “E onde está o Deus justo?” Onde sempre está, no alto, respeitando o livre arbítrio. “Ele não faz nada por tantos que são injustiçados?” Faz, através de homens, Deus é espírito, não desce à Terra, mas age pelos homens. “Então Deus não é justo!”. Deus é justo, quem não é justo é o falso deus em que muitos cristãos dizem crer, se esse deus existisse não haveria injustiçados, a não ser quem escolhesse isso, mas como existem injustiçados que não escolhem isso, não é Deus quem está errado, mas está errado o que muitos creem que seja Deus. 
      Muitos cristãos, se avaliassem com sensatez o que dizem, não creriam no que dizem, mas mantendo uma espécie de insanidade conveniente, dizem que creem para agradarem a homens e por terem medo do “diabo” e do “inferno”, não por conseguirem praticar o que dizem. Eles não põem em prática porque é impossível de ser posto, é só superstição, que mantém templos lotados e gazofilácios cheios, será que isso será suficiente para encher o “céu”? Deus é justo, o homem não é e paga caro por isso, assim como pagam caro outros sem merecerem. Mas todos serão saciados pela justiça, se não aqui na eternidade, os exploradores serão julgados, os explorados serão consolados, nenhuma lágrima será esquecida assim como nenhum mal, ainda que feito na calada da noite, será olvidado. Deus é Senhor dos Exércitos que luta pela justiça e a faz prevalecer, seu justo reino é para sempre!

      “Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão fartos
Mateus 5.6
 
85. Justiça é eterna, misericórdia, não

      “Quando, pois, o Senhor teu Deus os lançar fora de diante de ti, não fales no teu coração, dizendo: Por causa da minha justiça é que o Senhor me trouxe a esta terra para a possuir; porque pela impiedade destas nações é que o Senhor as lança fora de diante de ti. Não é por causa da tua justiça, nem pela retidão do teu coração que entras a possuir a sua terra, mas pela impiedade destas nações o Senhor teu Deus as lança fora, de diante de ti, e para confirmar a palavra que o Senhor jurou a teus pais, Abraão, Isaque e Jacó. Sabe, pois, que não é por causa da tua justiça que o Senhor teu Deus te dá esta boa terra para possuí-la, pois tu és povo obstinado.” 
Deuteronômio 9.4-6

      Antropomorfismo é atribuir a deuses, a Deus ou a seres sobrenaturais, comportamentos e pensamentos humanos, mas além de características morais, atribuir também formas físicas. É com essa interpretação que escritores bíblicos, por exemplo, usaram termos como mãos de Deus, olhos de Deus, ouvidos de Deus, mas também, ira de Deus, arrependimento de Deus, vingança de Deus. Deus, contudo, é espírito, espírito não tem mãos, olhos ou ouvidos, não físicos, e não funcionando com as limitações que funcionam os membros do corpo físico do homem. Os olhos de Deus, por exemplo, veem tudo, em todos os lados e dimensões e ao mesmo tempo. A mesma coisa com características morais, Deus não se ira, não se arrepende ou se vinga.
      Essa ótica antropomórfica interpreta amor, misericórdia e justiça de Deus, de maneira no mínimo limitada, usando como referência o próprio homem, e ainda que suas virtudes, não as de Deus. Na verdade não podemos usar plenamente Deus como referência porque não o entendemos em sua totalidade, por isso a importância de Jesus. A encarnação do Cristo foi uma maneira de Deus nos ensinar sobre ele de um jeito que pudéssemos entender enquanto encarnados no mundo. Quer conhecer a Deus? Conheça Jesus, mas indo além do registrado na Bíblia, deixando que o Espírito Santo guie nesse entendimento, esclarecendo conceitos que escritores bíblicos registraram com os limites das óticas temporais de suas culturas.
      Justiça é instrumento de equilíbrio, recompensa o que é certo, pune o que é errado, dá para quem merece e tira de quem não merece, ela é universal, eterna e indiscriminada. A misericórdia é uma das faces do amor, beneficia, protege, perdoa, mesmo o que não está agindo de maneira totalmente correta. Por que Deus a usa? Porque ele nos conhece no tempo, sabe de nossa intenção, mas também de nossas ações, não só do passado como também do futuro. A misericórdia, sob o ponto de vista de Deus, também é justiça, só que exercida no tempo que sob o nosso ponto de vista não é o mais adequado. Assim Deus dá tanto para quem fez por merecer, quanto para quem fará por merecer, ainda que não faça por merecer no presente. 
      Misericórdia, entretanto, tem fim, Deus não pode nos enganar desequilibrando a balança da justiça, isso nos desviaria de persistirmos no único caminho que leva a ele, o caminho reto. Pode-se argumentar, “a Bíblia diz que as misericórdias de Deus não têm fim”. E não têm, ao justificado que anda em justiça, mas se cair e permanecer caído a justiça do universo, estabelecida por Deus, o cobrará. Nestes tempos de pandemia, atenção cristãos que não têm se cuidado, por se acharem protegidos pela fé e por negarem doença e vacinas, podem ter sido livrados até agora, pela misericórdia do Senhor, mas essa acaba. Temo que muitos ainda sofrerão com a Covid 19, daqui a um tempo, por não terem sido justos com eles mesmos.
      O texto bíblico inicial ensina sobre justiça, revela a condição que Deus usa para dar algo a alguém, ter que tirar de outro a mesma coisa e no mesmo tempo, para equilibrar as coisas. Nós, seres limitados, só vemos a nossa necessidade, mas Deus administra o mundo e seus sistemas, os bens e as terras do planeta, as hierarquias e posições sociais dos homens, tudo ao mesmo tempo. Por isso a passagem diz que Deus não estava dando terras a Israel porque a nação merecia, mas porque as outras nações não mereciam continuar possuindo essas terras, é claro o equilíbrio com o qual Deus zela o universo. Israel, ainda que pelo mínimo, obviamente também se colocou numa posição de obediência a Deus, que a fez digna da dádiva. 
      Deus não reage, mesmo com os que o rejeitam, que blasfemam seu nome e que o odeiam, com qualquer espécie de sentimento negativo, seja de rancor ou de agressividade, querendo dar algum troco, esse tipo de disposição vingativa não existe no Altíssimo. Ainda que Deus controle tudo, se existe inferno, sofrimento, derrota, perda de bens, de privilégios, de direitos, não existe como ação de contra-ataque de Deus, mas como efeito de escolha errada dos homens dentro deles, quando se colocam como inimigos da justiça e se afastam de Deus. O céu é perto do melhor de Deus, o inferno é longe, a bênção é próxima ao melhor de Deus, a maldição é distante, depende da escolha humana que coloca o homem perto ou longe de Deus.
      A expressão “o melhor de Deus” foi usada, porque o inferno não é um lugar onde Deus não está, Deus está em todos os lugares e tudo administra. Mas quem se afasta de Deus se coloca fora do melhor do Altíssimo, não tem direito às suas bênçãos, não porque está num lugar ruim, mas porque afasta sua consciência, seu espírito de Deus e por isso tem dentro de si um tormento. O plano espiritual é difícil de ser entendido com percepções do corpo físico, mas no Espírito Santo temos alguma iluminação para entendê-lo, ainda que no mundo e presos aos nossos corpos carnais. Assim, depende de cada um de nós buscarmos a Deus, nos libertando de tradições homens, quem buscar, achará, quem bater, lhe será aberta a porta. 
      Os escritores bíblicos, vivendo em civilizações bárbaras, que usavam guerras violentas como meio de existência, que buscavam o mundo espiritual para terem vitórias nessas guerras, obviamente viam Deus como o “Senhor dos Exércitos”, que destruía seus inimigos para beneficiá-los. Eles não tinham evolução moral e intelectual para entenderem a justiça divina do universo, e nem precisavam ter para que Deus os amasse e os ouvisse, mas hoje é diferente. Temos consciências evoluídas o suficiente para entendermos melhor como as coisas funcionam no plano espiritual, para interpretarmos a Bíblia com a ajuda do Esprito Santo, e para sabermos com mais precisão como Deus exerce misericórdia e sua eterna justiça.

86. Quem será Deus na eternidade?

      “Deus é Espírito, e importa que os que o adoram o adorem em espírito e em verdade.” 
João 4.24

      Vou iniciar com uma provocação: outro nome para esta reflexão seria “Mãe de amor”. Mas acalmem-se, evangélicos e protestantes, este texto não é uma apologia sobre colocar um ser, mesmo a mãe física de Jesus, em um nível espiritual semelhante (ou superior) ao de Deus. Por outro lado ele também não é uma crítica aos católicos e outros que aliam poderes especiais a Maria e “santos”, aliás, para entendermos melhor o que esses pensam sobre isso seria necessário um estudo profundo, que talvez escandalizasse muitos evangélicos e protestantes. Vamos refletir sobre a tradição que vê Deus, principalmente no cristianismo, como um ser masculino. Será que é assim, ou será que é necessário que seja assim? 
      O patriarcalismo predominou no mundo por séculos, em alguns países ainda predomina, no Brasil ainda existem fortes influências dele. Isso é parte do machismo que coloca o homem superior à mulher, que o vê como alguém com mais direitos e capacidades para dirigir sociedade e família. Nos tempos bíblicos isso até tinha certa legitimidade, naquele momento histórico a mão de obra humana era a força motriz da sociedade, tanto para produzir bens de subsistência, quanto para manter força militar, esse, um elemento importante na economia, nações cresciam em grande parte guerreando. Assim, o homem, fisicamente mais dotado, fazia o trabalho físico e externo, enquanto a mulher ficava em casa, cuidando do lar e criando filhos. 
      Uma cultura que dava esse valor ao homem não podia deixar de interpretar seu Deus como uma potência, ainda que espiritual, masculina, e mais que um homem, velho, para demonstrar não só força e autoridade como também sabedoria. Isso não significa que não havia religiões que relacionavam o divino com deusas, elas estavam presentes nas mitologias greco-romana, na egípcia, nas do oriente médio, nas africanas, nas europeias etc, e em algumas eram não só coadjuvantes, mas protagonistas. Em algumas vertentes da bruxaria, como a Wicca, as mulheres têm importância não só como sacerdotisas, mas sua deidade principal é feminina, sem falar em tantas entidades do afroespiritismo que são femininas.
      Foi justamente para manter essa tradição, que tanto agrada a pagãos, que o catolicismo, em sua origem mais política que religiosa, empoderou Maria para substituir na cabeça de muitos a deusa-mãe. O evangelho de Jesus ensinou um Deus espiritual, que o é pelas qualidades morais, que conduz o homem, não para vencer guerras físicas, mas interiores, que vencem a violência, a injustiça e o adultério, com amor, justiça e santidade. Um Deus espiritual não precisa ser “macho”, no sentido mais bruto do termo, ao contrário, é pacífico, ainda que poderoso. Na eternidade, onde e quando julgará os povos, Deus não prevalecerá pela força, mas por sua luz espiritual mais clara e alta, que vence pela virtude moral. 
      Na eternidade os vencidos o serão não por terem sido submetidos fisicamente, mas por serem rebeldes, se afastarem da luz de Deus, não se deixarem ser atraídos pelo amor do Altíssimo. Deus não afasta, são os seres humanos que fogem dele, Deus não obriga, são os homens que não o querem. O verdadeiro Deus espiritual não é homem, nem velho, ainda que a imagem mais humana que possamos ter dele seja a de Jesus homem, maduro, mas não velho, masculino no corpo, mas abrindo mão disso, vivendo só e satisfeito, sem praticar vida sexual, tratando todos com igualdade ainda que respeitando as diferenças. Mesmo hoje, quase dois mil anos depois, não entendemos todos os mistérios que Deus revelou no Cristo encarnado.
      Se analisarmos os conceitos feminino e masculino, tentando entender suas diferenças afetivas, e não capacidades intelectuais e morais de homem e mulher, que são as mesmas, e também não levando em conta características físicas originais, mas essência interior que nasce com o indivíduo e não é escolha dele, veremos que Deus tem os dois sexos em si, é homem e é mulher e ao mesmo tempo, assim é pai e é mãe. Contudo, podemos até dizer que à medida que a humanidade evolui, Deus se torna mais mãe que pai, diz-se que o pai cria para o mundo e a mãe cria para si. Pelo evangelho vemos um Deus recebendo de volta filhos que estavam perdidos e retornaram ao lar, se o masculino deixa partir é o feminino que espera em casa.
      Na vida dos seres humanos em família é preciso que um cuidado feminino, que pode ser exercido tanto pela mãe quanto pelo pai, ocorra na infância e na adolescência. Já o cuidado masculino, que também pode ser exercido por pai ou por mãe, prepara o jovem para ser independente no mundo, ter vida profissional, constituir família. Sei que esse assunto é polêmico, muitos cristãos ainda teimam em defender, ainda que só na teoria, a binariedade sexual da tradição judaica-cristã, enquanto o mundo abre demais para liberdade e não faz separação entre sexualidade verdadeira, seja ela qual for, e mera promiscuidade. Isso pode deixar crianças e adolescentes perdidos. São os extremos sempre fazendo estragos, mais prendendo que soltando.
      Não é fácil, mas é importante separarmos os conceitos masculino e feminino de sexo, a parte interior da exterior do ser humano, entender a essência afetiva e mesmo espiritual que existem nesses conceitos, sem entendermos isso sempre confundiremos as coisas. Espíritos não possuem sexo. Mas se na família primeiro vem a criação feminina e depois a masculina, com Deus e a humanidade parece acontecer o contrário, o homem antigo vivia mais para o mundo, o moderno passou a viver mais para si mesmo, isso requer uma presença mais feminina de Deus. No mundo atual, onde a ciência oferece meios para substituir mão de obra humana por máquinas, o ser humano pode ficar mais dentro de casa, mesmo que seja para trabalhar.
      Isso não é para todos, ainda existe muita injustiça social e desnível econômico, mas é uma tendência e realidade para os que podem se preparar melhor para a vida profissional. Além do diferencial na produção de meios de subsistência, que livrou o ser humano do trabalho braçal mais duro e deu a homem e mulher as mesmas possibilidades, outra tendência é o fato da civilização entender que pode crescer sem fazer guerras, assim o inimigo não é mais o outro ser humano, o inimigo do ser humano é ele próprio. Isso também não está acontecendo para a maioria rapidamente, o mundo ainda alimenta e cria conflitos o tempo todo, mas é a tendência. Penso que tudo isso conspira para que o ser humano interaja com a parte feminina de Deus. 
      Povos orientais têm uma experiência maior com o lado feminino do divino e há mais tempo, à medida que aliam alta espiritualidade com uma vida solitária de retiro para evolução pessoal, para negação dos prazeres do corpo, para uma viagem para dentro do indivíduo, abrindo mão da competitividade que a vida social incentiva. Um Deus mais masculino está ligado justamente à competitividade, principalmente em se tratando de ganhar uma competição material com elementos físicos num mundo material. Contudo, o evangelho ensina justamente o oposto, a perder para ganhar, a morrer para viver, a dar a outra face diante da injustiça, a valorizar o espírito, mais que o corpo físico, isso é uma visão espiritual feminina. 
      Muitos cristãos não vão aceitar isso, principalmente pentecostais, mas o cristianismo precisa se espiritualizar mais, deixar os rudimentos da tradição cristã, libertar-se do materialismo e dos antropomorfismos que veem o plano espiritual com formatos do plano físico, para de fato conhecer o mundo espiritual. Isso é possível, ainda no mundo, com oração que dá liberdade ao Espírito Santo. Quem será Deus na eternidade? Com quem seremos confrontados quando nosso corpo físico parar de funcionar e nosso espírito estiver livre? Será com um velho de barbas e cabelos longos e brancos num trono, será com a entidade que nossa religião nos ensinou ser o divino eterno, ou será com um ser espiritual puro de luz? 

87. Deus é uma experiência pessoal

      “Mas esta é a aliança que farei com a casa de Israel depois daqueles dias, diz o Senhor: Porei a minha lei no seu interior, e a escreverei no seu coração; e eu serei o seu Deus e eles serão o meu povo. E não ensinará mais cada um a seu próximo, nem cada um a seu irmão, dizendo: Conhecei ao Senhor; porque todos me conhecerão, desde o menor até ao maior deles, diz o Senhor; porque lhes perdoarei a sua maldade, e nunca mais me lembrarei dos seus pecados.” 
Jeremias 31.33-34

      Em quase cinco décadas vivendo com evangélicos, vi gente diferente convivendo em igrejas diferentes por motivos diferentes. O motivo espiritual inicial, que podia até ter sido uma paixão pura pelo evangelho, e que como toda paixão, mesmo pelo evangelho, passou, deu lugar a um propósito social. Alguns permaneciam em igrejas porque suas famílias estavam lá, outros porque queriam que suas famílias estivessem lá, outros porque os irmãos das igrejas eram as únicas famílias que tinham. Eles concordavam com tudo que igrejas e pastores diziam e eram? Não, mas isso nem importava mais, uma experiência individual tinha dado lugar a uma vivência coletiva que lhes dava a aprovação que careciam. 
      Deus é uma experiência pessoal. Se todos os seres humanos se dessem ao direito de serem livres para buscarem, acharem, crerem e praticarem aquilo que de fato vem diretamente da boca do Deus vivo para eles, eles conseguiriam ser coerentes consigo mesmos, não viveriam hipocrisias e poderiam experimentar de fato verdades espirituais. Isso quer dizer que não haveria igrejas? Haveria, mas não como reguladoras, como limitadoras, como ditadoras, como julgadoras, mas só como espaços para que crentes com uma parte significativa de crenças em comum se reunissem, sempre respeitando o indivíduo e dando oportunidade para que ele compartilhasse o que estivesse sinceramente querendo viver e praticando. 
      Esse tipo de comunidade necessitaria de líderes? Sim, mas humildes, muito mais que muitos que se acham líderes hoje são, ainda que muitos outros líderes, mesmo em sistemas equivocados, sejam humildes. Mas num sistema mais espiritual, líderes seriam mais monitores que donos de empresas, mais gerentes de ordem social, necessária a todo convívio civilizado. Vejo Jesus homem ensinando seus discípulos assim, ainda que fosse espiritualmente superior, ainda que tivesse muita intimidade com Deus, ainda que conhecesse a verdade maior sobre tudo de forma diferenciada, não dava ordens, nada impunha, não julgava ninguém, por isso Judas Iscariotes e outros ficaram com ele até o fim, ainda que mal intencionados.
      Numa comunidade que respeitasse indivíduos que se respeitam como religiosos com direitos a terem experiências pessoais, a verdade seria mostrada pelas prática de vida, pelo amor que age, pela justiça que trata todos com igualdade, pela santidade sincera e interior. Esse testemunho levaria as pessoas a Deus, não qualquer tipo de coação por medo, por preconceitos, por regras. Quanto aos que estivessem no meio dessas pessoas e tivessem outros interesses, que não fosse conhecer de fato a Deus, naturalmente cairiam fora, sem que ninguém os mandasse embora. A mentira não resiste à verdade, nem as trevas à luz, e se ficassem seria porque verdadeiramente Deus teria um interesse nisso, como teve com Iscariotes e outros. 
      Estamos falando uma utopia? Talvez, mas do jeito que as lutas sociais se levantam, que as farsas das religiões estão sendo reveladas, que a hipocrisia está cansando e deixando de fazer adeptos, que o mundo está vendo o preço caro que pagou pelo fato do cristianismo de homens não ter cumprido sua missão, pode não ser utopia. O tempo urge, o universo clama por juízo, a injustiça não ficará impune para sempre, os poderosos, seja pelos motivos que foram que os levaram a serem poderosos, estão com dias contados. Papa, padres, pastores e outros, que talvez até tenham recebido esses cargos por motivos legítimos, mas que não os merecem mais por terem pensado mais em si mesmos que nos pobres, não amedrontam mais. 
      É para padronizar o homem e manipulá-lo, tentando recria-lo à imagem de outros homens, o que acaba glorificando aquilo que chamam ou que se coloca como “diabo”, e não dando ao homem o direito de ser único e diferente, como ele o é no espírito, como Deus, o criador e pai de todos os espíritos, o fez, é que religiões foram criadas e se mantêm. Isso não é culpa só de maus líderes, de donos de igrejas, se um produto é vendido é porque tem quem o compre. Homens escolhem submeterem-se a homens porque lhes é mais cômodo, deixam o Deus Espírito e se rebaixam a ídolos, feitos por homens, à imagem de homens, os próprios homens e suas ideologias, com isso, repito, só o “diabo” e tudo que ele representa lucra. 
      Na padronização não há liberdade e paz, só prisão e agonia, mas na prisão há uma sensação de proteção, de pertencimento, de proximidade de semelhantes, de comunidade, a linguagem é a mesma, as vestes são as mesmas, as identidades são as mesmas, por isso tantas igrejas, tantas religiões, tantas cadeias. Não é fácil ser livre, não é para qualquer um, o horizonte infinito, ilimitado, dá medo, o mistério amedronta, mas por isso o justo deve viver por fé, para crer mesmo que não veja. Mas que fé é preciso para se viver numa prisão? Nenhuma, tudo já está revelado, delimitado, tudo é conhecido, e o que não é conhecido simplesmente é proibido, as paredes estão bem construídas, solidamente enquadradas. 
      Deus é uma experiência pessoal. Por mais que as pessoas tentem se convencer dentro de igrejas que o melhor para elas é serem iguais às outras, por mais que elas achem em homens referências, no fundo elas sabem, só serão felizes quando forem elas mesmas. Só Deus pode atrair as pessoas para serem seus melhores! Meus queridos e minhas queridas, se as pessoas amassem a Deus mais que qualquer outra coisa ou ser, isso as conduziria à verdadeira espiritualidade, à verdadeira religião, ao céu. Para responder com uma única frase à pergunta, “quem você será na eternidade?”: ame a Deus. Faça isso de todo o teu coração, com todo o teu entendimento, se o amor for verdadeiro te conduzirá a Deus, te transformará e isso bastará.
      Todas as religiões, todas elas, enquanto instituições humanas, organizações oficiais no mundo, não devem ser levadas tão a sério, respeitadas, sim, utilizadas (e não usadas) para aprendermos coisas importantes sobre Deus, sim, mas nunca sendo posicionadas acima de Deus ou como vozes diretas do Altíssimo. Jesus é uma manifestação plena, única e muito especial de Deus, acima de qualquer outro personagem de qualquer religião, ele é a porta para o Altíssimo, e o Espírito Santo que enviou, sua presença viva em nós. Nessa iluminação podemos enxergar Deus em vivências espirituais de várias religiões, contudo, não temamos os homens, o diabo, ou o pecado, tenhamos uma experiência pessoal com Deus.  
      O texto bíblico inicial de Jeremias revela algo muito importante sobre os últimos dias, não do mundo, mas de uma era, uma era em que imperou religião de homens. “Porei a minha lei no seu interior… não ensinará mais cada um a seu próximo… todos me conhecerão, desde o menor até ao maior”, essas palavras são de uma clareza profética singular, elas não falam de outra coisa senão da presença do Espírito Santo no interior dos homens. Com essa iluminação a prioridade para se conhecer a Deus não está em acatar púlpitos e mesmo palavras registradas em livros sacros, mas em ouvir a voz viva de Deus que fala diretamente a todos, sem distinção, numa comunhão onde não existem maiores nem menores, isso é o céu. 

88. Um “Deus” que nunca existiu?
  
      “Porque os meus pensamentos não são os vossos pensamentos, nem os vossos caminhos os meus caminhos, diz o Senhor. Porque assim como os céus são mais altos do que a terra, assim são os meus caminhos mais altos do que os vossos caminhos, e os meus pensamentos mais altos do que os vossos pensamentos.
  Isaías 55.8-9

      Muitos têm falado, principalmente nos dias atuais de pandemia, “Deus não pode existir, com tanto sofrimento que há no mundo”, mas a verdade é que o “Deus” que muitos consideram existir e do qual duvidam diante dos sofrimentos, nunca existiu. Esse “Deus” que o cristianismo tradicional de homens prega, em grande parte é falso, ainda que o Deus verdadeiro abençoe todos os cristãos. O Deus verdadeiro não leva em consideração o conhecimento que os homens tenham dele, nem suas arrogâncias em acharem que têm conhecimento que não têm. 
      Protestantes e evangélicos, respondam, vocês são atendidos e consolados porque não acreditam em ídolos e nem em demônios, mas no Deus verdadeiro? Não. Católicos, me digam, vocês são protegidos e ouvidos porque guardam o cristianismo original e oficial do Deus verdadeiro? Não. Protestantes, evangélicos, católicos, espíritas, budistas, islamitas e todos os outros, vocês são ouvidos pelo Deus verdadeiro porque esse Deus ouve a todos e a todos ama, indiferentemente do que creem, mas de acordo com a boa intenção mais profunda de seus corações.  
      Agora, se o Deus verdadeiro fosse o que é definido pelos dogmas católicos e pela doutrina protestante, esse seria um Deus limitado, injusto e incoerente como Deus absoluto e perfeito em todas as virtudes. Teria um amor, que ainda que muitos digam ser irrestrito e eterno, que não harmoniza com a justiça, que também dizem que ele tem. Essa justiça que dizem que ele tem, faz as mesmas exigências de pessoas que vêm ao mundo com capacidades diferentes, tendo oportunidades diferentes, mas que terão a mesma condenação eterna caso não obedeçam às exigências.
      A justiça do cristianismo tradicional é semelhante a uma escola que aplica provas de curso superior, tanto para estudantes do curso superior quanto para estudantes primários, sem considerar o nível dos alunos. Nessa escola injusta, desaprovados de níveis diferentes recebem as mesmas penas. Mas a aprovação nessa escola é dada por fé, não pelo conhecimento adquirido por estudo, assim, ainda que alguém não tenha se esforçado para aprender e nada saiba, é aprovado se crer. Há injustiça para todos, uns são condenados sem saberem e outros mesmo que saibam.
      A justiça cobrada pelo cristianismo tradicional, é tanto injusta quanto irresponsável. O álibi que os homens que a construíram usam para que ela seja assim, é dizerem que ela é a vontade do Deus verdadeiro, colocando em Jesus uma função que ele não tem e nem precisa ter. Jesus salva, mas aqueles que procurarem praticar as obras que ele praticou, não só por crerem nele como um pai rico que paga as dívidas de filhos mimados e ociosos. Transferir a velha aliança judaica para Jesus, mesmo com um formidável upgrade, só mantém uma religião ultrapassada. 
      A culpa de tantos se afastarem do cristianismo, de não apreenderem todas as singulares e maravilhosas relevâncias que somente o evangelho de Jesus tem, por isso sendo o meio mais seguro para que todos os seres humanos sejam salvos de seus infernos pessoais, neste mundo e no próximo, a responsabilidade por isso é de uma tradição humana. Essa tradição, receba o nome de Igreja Católica, de protestantismo ou de qualquer outra seita, se sustenta a custo de vender sua alma aos governantes, para ter poder material controlando adeptos pelo medo e pela ignorância. 
      Em nome de um falso cristianismo, que ainda assim abençoa os homens por pregar o verdadeiro Cristo, ao menos em algumas coisas, a ciência foi reprimida, direitos sociais foram desprezados, a humanidade foi amarrada a superstições e à medida que evoluiu intelectualmente não achou uma fé inteligente e aberta que respeitasse-a. Se o cristianismo ainda insiste em quantidade neste mundo, é por conta de seitas que o usam para fins materialistas, para prosperidade neste plano, não para aperfeiçoarem seres espirituais que serão avaliados por Deus no outro mundo. 
      Se entendêssemos quão alto é Deus, quão espiritual é, sem qualquer vínculo com matéria, com egoísmo, vaidades e ganância do homem, se víssemos quão longo e maravilhoso é o caminho que conduz ao Altíssimo, seríamos melhores pois o Deus verdadeiro é melhor que o “Deus” ensinado por tantas religiões. Deus te ama, se quiser seguir teu caminho como criança espiritual, ainda que seja estranho adulto portar-se como criança, Deus cuidará de você, mas ele anseia que você assuma o adulto que pode ser e conheça a verdade maior, você escolhe. 

89. Só para te fazer pensar

      “Medita estas coisas; ocupa-te nelas, para que o teu aproveitamento seja manifesto a todos.
  I Timóteo 4.15

      Não tenho dúvida que se um grupo de cristãos ler este estudo, “Quem você será na eternidade?”, verá nele heresia. Infelizmente ainda tem muita gente tentando acreditar num cristianismo antigo, que ainda que não fosse verdade antigamente, era mais digerível para massas com níveis intelectual e moral antigos. Mas tem algo pior, sobre um outro grupo de cristãos, maior até que o primeiro grupo. Esse grupo lerá o estudo e não entenderá muita coisa, e mesmo se entender não dará muita importância para as críticas feitas, para os cristãos desse grupo tanto faz, basta-lhes crer. 
      Será que hoje é diferente de há quinhentos, mil ou mil e quinhentos anos atrás? Não, as pessoas sempre transferiram para outros o direito de pensarem mais profundamente sobre tudo, principalmente sobre assuntos mais complicados, como era a ciência antes da educação ser para todos, e como sempre foi espiritualidade e teologia. Lembremos que a Bíblia e mesmo as missas eram em latim, só entendia os padres, nem entoar louvores os leigos podiam na liturgia católica, era função de corais profissionais, assim, muitos se acostumaram a aceitar e crerem. 
      Ocorre é que nos últimos cem, cem e cinquenta anos, a humanidade evoluiu cientificamente, e isso influenciou o cristianismo. O estudo teológico, a relevância de procura por textos bíblicos mais antigos, mas próximos possíveis aos registros originais, principalmente dos autores do novo testamento, deu a muitos cristãos a falsa ideia que conhecem melhor a palavra de Deus, a mais verdadeira que reflete a vontade de Deus e não de homens. Mas isso é um equívoco, o problema não está em ter em mãos o texto original, mas em como os homens usam esse texto. 
      Mesmo os primeiros líderes cristãos, Pedro, João, Tiago, Paulo, não eram homens perfeitos, tinham uma experiência real e profunda com Deus, mas ainda assim eram homens de seus tempos. Creia, no primeiro século havia divisão de igrejas, conflitos teológicos, interesses humanos para se estabelecer liderança, divergências de pontos de vista sobre o ensino original de Jesus, talvez tanto quanto existem hoje, respeitando o tamanho do mundo e da cristandade da época, e ainda que estivessem próximos dos anos em que viveu o Cristo homem. O ser sempre foi humano. 
      Aprendemos a ser científicos em muitas coisas, dependemos da ciência para viver no mundo moderno, sem ela não levantamos da cama de manhã, veja por exemplo a dependência que temos da energia elétrica, tudo depende dela, sem falar obviamente da internet e dos celulares. Mas ainda assim somos inocentes e românticos, aguardamos salvadores da pátria, cremos piamente em religiões, só porque líderes e sacerdotes usam pompa, liturgia, palavras bonitas dentro de tempos luxuosos e catedrais antigas, para dizerem coisas que se pensássemos melhor não fariam sentido.  
      Meus queridos, o objetivo deste texto é exatamente esse, fazer pensar, levar a parar de aceitar muita coisa só porque foi dita pelo papa, por algum padre ou pastor famoso, por bispo ou “apóstolo”, termo usado erroneamente atualmente, que temos que pôr entre aspas, visto que apóstolo de verdade foi só um dos doze originais de Jesus do primeiro século, e talvez Paulo. As coisas não são assim porque Deus quer, quem disse que Deus quer assim? Só homens. Cada um de nós precisa ter uma experiência realmente pessoal com Deus, e que permaneça em nós dando frutos. 
      Tantas pessoas permanecendo em igrejas, por anos a fio, mas Deus já não está nelas há muito tempo, a paixão acabou, mas a vida social, o consolo ainda tênue da religiosidade que virou vício, as seguram sentadas nos bancos, domingo após domingo. Com isso só cresceram os preconceitos, o materialismo, as doenças emocionais, enquanto casamentos acabaram e recomeçaram, pastores foram excluídos por escândalos, dentro de religiões, mas fora do Espírito Santo. Por quê? Porque se acostumou a aceitar as coisas como são, isso não é de Deus, para ninguém. 
      Se você ler postagens significativas feitas nos dez anos do “Como o ar que respiro” verá mudanças nas ênfases. No início a ênfase era a Bíblia, depois passou a ser o Espírito Santo, numa terceira fase foquei em reavaliar o cristianismo tradicional. Nos últimos tempos, contudo, Deus tem me levado a conhecer a ele e ao mundo espiritual com mais intimidade e verdade, retirando véus. Houve mudança de opinião? Sim, mas cada foco é cumulativo, base para o próximo, não existe contradição, só aprofundamento, isso tem feito um menino amadurecer, isso é o que desejo a você. 

90. Onde tua religião te levou?
 
      “Mas Deus, que é riquíssimo em misericórdia, pelo seu muito amor com que nos amou, estando nós ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou juntamente com Cristo (pela graça sois salvos), e nos ressuscitou juntamente com ele e nos fez assentar nos lugares celestiais, em Cristo Jesus; para mostrar nos séculos vindouros as abundantes riquezas da sua graça pela sua benignidade para conosco em Cristo Jesus.” 
Efésios 2.4-7

      Onde tua religião te levou? Como evangélico talvez você vá responder, “me levou a um bom lugar”. Mas algo tem que ser dito, talvez tenha te levado a um lugar tão bom quanto outra religião levou outra pessoa, e não use maus religiosos como álibi para demonizar outras religiões, existem maus e bons em todas as religiões. Assim, a pergunta pode ser outra: como evangélico, você acha que tua religião é melhor que as outras? Se acha que é, então, ela deveria ter levado você a um lugar melhor que aquele que as outras levam. Mas se tua religião é a melhor e você não chegou a um lugar melhor, então, o problema não está na tua religião, mas em você, ou no que você pensa ser tua religião. Por outro lado, se você fez tudo que podia para praticar bem tua religião, entendendo-a como te ensinaram, e ainda assim não chegou a um lugar melhor, pode ser porque talvez a tua religião não seja assim tão boa. 
      Seguindo com a intenção de fazer pensar, algo que muitos cristãos não querem, só aceitam o que aprendem nos púlpitos como vontade de Deus e que como tal não pode ser criticado, creio que a coisa mais importante que temos que entender sobre o cristianismo que praticamos é onde chegamos com ele. Esse onde são lugares em várias áreas, moral, emocional, material, e o lugar espiritual mais alto está em equilibrar todos esses lugares dentro de nós. Em primeiro lugar é preciso deixar algo bem claro, a verdade pela ótica de Deus pai sobre o que Jesus é hoje e será eternamente no plano espiritual, e o que ele ensinou, viveu e representa no mundo, sempre será o melhor caminho para todos os seres humanos chegarem à região celestial mais elevada. Pela fé em Jesus temos o caminho mais reto para alcançarmos o Altíssimo, e a Jesus não cabe crítica, não é sobre isso que falamos neste texto. 
      Contudo, o que os homens entenderam e mantiveram sobre o Cristo, construindo o cânone Bíblico e ensinando nas tradições cristãs, isso é outra coisa, isso é religião, as religiões devem sofrer críticas, e é sobre elas que falamos aqui. A pergunta é “onde tua religião (cristã) te levou”, e não “onde Cristo te levou”. Quem buscar a Deus com persistência, fé e humildade, chegará ao lugar onde Deus tem para ele, o melhor lugar aqui e na eternidade. Muitos dizem: “estou feliz onde cheguei com meu cristianismo, estou satisfeito com minha religião, sei que nada é perfeito, mas confio em Deus, não em homens, não acho que minha religião precise ser mudada, é assim por séculos e existe um motivo para isso, Deus acompanhou os homens nesse processo, o que ele tem para nos dizer ele diz pela religião, duvidar disso é ser rebelde, é se desviar do evangelho, é dar ouvidos a Satanás e à carne”. 
      Não são poucos que pensam assim, é na verdade a grande maioria, se não fosse assim templos cristãos não existiriam em tão grande quantidade e não estariam cada vez mais lotados. O cristianismo continua sendo um bom negócio, tenta vender um produto único e resistente ao tempo, Jesus, e mesmo quando líderes, padres e pastores, pecam descaradamente, um argumento faz com que igrejas não fechem, “estamos aqui por Cristo, não pelos homens”. Mas alguns, e esses justamente entre os cristãos de mais qualidade, nem digo sinceros, o termo sinceridade pode justificar tantas coisas e muitas danosas e violentas, mas alguns, após anos de caminhada em igrejas, sabem, lá no fundo de seus corações, que algo está errado, que a coisa não funcionou, que existe mais hipocrisia e superstição que de fato prática de vida segundo o modelo de vida do Cristo homem. Será que esse é teu caso?
      Em décadas trabalhando em igrejas cristãs de todos os tipos, e por trabalhar, não só assistir cultos, sempre tenho acesso a informações que muitas ovelhas não têm, eu testemunhei muita coisa ruim em ministérios protestantes e evangélicos. Principalmente na liderança, tanto de igrejas, quanto de denominações, assim como de ministérios interdenominacionais, escândalos principalmente nas duas áreas de poder da matéria, dinheiro e sexo. Não foram só em servos em que já se sentia algo esquisito em seus ministérios, mesmo quando o escândalo ainda não havia vindo à tona, mas também em ensinadores protestantes relevantes, que ainda hoje me influenciam e continuam ensinando, mesmo depois de terem sido desligados de grandes ministérios. Posso concluir que a maior parte dos líderes tem vida secreta errada? Talvez, ocorre é que muitos conseguem esconder isso melhor. 
      Isso é mais que um bom argumento para entendermos que a religião cristã, como foi definida por católicos e protestantes, não está certa, ainda que homens tentem a todo custo serem fiéis a elas, e esses estão justamente no segundo escalão. Os piores problemas estão no primeiro escalão, líderes que estão errados, sabem disso e seguem manipulando principalmente os do terceiro escalão, mas os do segundo escalão são os que mais sofrem e mais trabalham. Entre hipócritas e ignorantes estão os que levam a sério o que aprendem, até as últimas consequências, por isso se frustram mais e são os mais fáceis de caírem em certas armadilhas. É justo aceitarmos que os homens têm níveis espirituais diferentes, assim Deus não cobra de todos as mesmas coisas, muitos deverão seguir na ignorância, mas outros precisam ter a coragem de acordar, pararem de servir a homens e servirem a Deus.
      Deus tem chamado muitos para uma iluminação espiritual diferenciada, mas por medo ou orgulho, esses só respondem à chamada após o escândalo, depois de caírem por estarem fracos demais para resistirem tentando fazer funcionar uma máquina que já nasceu quebrada. Não é fácil dizer não para um sistema que te condena ao inferno infinito, caso você ao menos duvide dele silenciosamente e secretamente em teu coração. Assim as religiões seguem mantendo adeptos por medo do diabo e não pelo amor de Jesus. É preciso muita confiança em Deus para se buscar mais dele, receber sua verdade e aceitar esse conhecimento, o justo sempre vive pela fé, não por vista. Mas se não chegamos pelo amor, chegamos pela dor, dói quando pecamos e somos envergonhados, escandalizamos quando, lutando por uma religião não funcional e não em Deus, tentamos nos vencer pelas nossas forças. 
      Quem você será na eternidade? Que não tenhamos que morrer e sermos confrontados com a luz do amor de Deus para reconhecermos que fomos teimosos numa militância errada, que fizemos isso por medo do inferno e querendo agradar a homens. Deus “não passa pano”, toda causa tem efeito, um Deus santíssimo e justíssimo nos confrontará com a maior das justiças e a mais pura das santidades. Não nos enganemos achando que basta-nos fé no Cristo para que na eternidade tudo seja esquecido, o céu é muito mais difícil de se “entrar” que muitos evangélicos acham, e o inferno é muito mais abrangente que um fogo central consumidor, ele tem várias camadas. A solução é simples: a verdade. Se formos verdadeiros com nós mesmos saberemos se chegamos com nossa religião ao céu, se não chegamos falemos com Deus e peçamos que ele nos mostre como chegar, não queiramos menos que isso. 

José Osório de Souza