28/03/24

Se cremos, existe? (8/10)

      “Disse-lhe Jesus: Não te hei dito que, se creres, verás a glória de Deus?João 11.40

      Se analisarmos a história da humanidade veremos que a trajetória da concepção que o ser humano faz do diabo moveu-se do distante e genérico para o próximo e específico. Um mal que causava catástrofes sobre a Terra, tornou-se o deus estranho de uma nação inimiga, depois o diabo que trazia pestes e fomes para a sociedade, e finalmente um demônio pessoal que atua sobre o indivíduo. Seja como for, algo há para que o mal seja aliado a um ser espiritual, fé, essa está intrinsecamente ligada a duas coisas, imaginação e evocação. São conceitos espirituais que cristãos usam, ainda que não saibam, mas que ocultistas e esótericos manipulam mais objetivamente, ainda que de forma perigosa e nem sempre bem intencionada. 
      O que tem o diabo com isso? Não usamos fé só para nos ligarmos a Deus e pedir-lhe coisas, e quando fazemos isso imaginamos o que queremos receber, e que ainda não existe, e evocamos a existência disso com palavras pela oração. Mas mesmo inconscientemente geramos um mal e um diabo dentro de nós, que pode mais prejudicar que beneficiar. Também fazemos isso deixando a imaginação correr solta e verbalizando essa fantasia, assim o formato do diabo é ensinado e passado de geração para geração. Nada mais confortável que um mal legitimado por instituição religiosa para receber todo o medo e toda a responsabilidade pelo mal que há em nós. O diabo que há é o diabo que cremos. Em que diabo você crê? 

“Questões sobre o diabo”,
reflexão em dez partes
José Osório de Souza, 19/06/2022

27/03/24

Qual o tamanho do diabo? (7/10)

      “Ora, pois, fala agora aos homens de Judá, e aos moradores de Jerusalém, dizendo: Assim diz o Senhor: Eis que estou forjando mal contra vós; e projeto um plano contra vós; convertei-vos, pois, agora cada um do seu mau caminho, e melhorai os vossos caminhos e as vossas ações. Mas eles dizem: Não há esperança, porque andaremos segundo as nossas imaginações; e cada um fará segundo o propósito do seu mau coração.Jeremias 18.11-12 

Desculpe-me os versículos um tanto negativos,
a ênfase da reflexão é o termo “imaginações”,
todos somos enganados por nossas imaginações
de vez em quando, nelas pode não haver esperança,
em Deus sempre há, se há conversão em nós.

      Histórias (ou estórias) de fantasmas, de monstros, em livros e filmes de terror, sobre o sobrenatural, sobre pactos com o diabo e sobre conjurações demoníacas, quantas coisas medonhas lemos, vemos e ouvimos nisso tudo. Se estudarmos a história da humanidade veremos que a ideia que o ser humano faz do diabo muda, a imagem mais popular que temos hoje de satanás (recomendo leitura do texto desse link, bem esclarecedor) foi construída pelo catolicismo da idade média. Mas essa ideia mudou conforme o medo do ser humano de um tempo, nos tempos mais antigos o medo era dos fenômenos da natureza, do raio, das tempestades, do vento, de desastres naturais e mesmo dos oceanos não mapeados e de meteoros e astros.
      Na antiguidade o medo era de exércitos inimigos de nações distantes, na idade média o medo da peste negra assolou a Europa, mas aproximando-se o século XX o medo tornou-se mais subjetivo, moral, psicológico, espiritual. A ciência colaborou curando muitas coisas e explicando outras, assim como descobrindo mecanismos, que ainda que invisíveis a olhos nus, existem dentro do ser humano e o influenciam, como vírus, elementos atômicos, e mesmo conceitos psicológicos como subconsciente e traumas. Ainda assim muitos insistem numa ideia antiga do diabo como sendo a verdadeira, não aceitam que o diabo tem o formato do mal que fantasiam dentro de suas mentes. Qual o tamanho do teu diabo? 

“Questões sobre o diabo”,
reflexão em dez partes
José Osório de Souza, 19/06/2022

26/03/24

“Sinto algo estranho” (6/10)

      “Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e perverso; quem o conhecerá? Eu, o Senhor, esquadrinho o coração e provo os rins; e isto para dar a cada um segundo os seus caminhos e segundo o fruto das suas ações.” Jeremias 17.9-10 

      Você já deve ter dito, ou ouvido alguém dizer, “sinto algo estranho, não me passa boas impressões”, aliando algo, alguém ou alguma coisa, palavra ou atitude, a algo mau, diabólico. Até que ponto podemos confiar em nossos sentimentos e percepções? Na verdade podemos confiar, se uma percepção existe é porque fomos impressionados de alguma forma por algo diferente, o que não podemos é confiar em qualquer interpretação desse sentimento. Muitos fazem com que nos sintamos mal, não por serem maus para Deus, mas por nos deixarem desconfortáveis, e ficamos assim porque nos baseamos em nós, não em Deus. Quando baseados em Deus, percepção ruim pode de fato ser efeito de ação real de mal verdadeiro.
      Mas quem está pronto para esse discernimento? Mesmo quem busca esse discernimento em verdade e com esforço prova-o de forma gradativa, Deus sempre responde, mas de formas adequadas às limitações do que pergunta. Uns perguntam onde está o mal e Deus diz que está num país, outros fazem a mesma pergunta e Deus responde que está numa região do país, a outros responde que está numa cidade, finalmente a outros Deus diz que está num ser específico. Verdades genéricas também são verdades, mas protegem despreparados para verdades específicas. Para que verdades estamos prontos, já amadurecemos o suficiente para minúcias, ou Deus tem que nos tratar como crianças dando-nos só informações genéricas?

“Questões sobre o diabo”,
reflexão em dez partes
José Osório de Souza, 19/06/2022

25/03/24

Com o diabo na cabeça (5/10)

      “E vos renoveis no espírito da vossa mente; e vos revistais do novo homem, que segundo Deus é criado em verdadeira justiça e santidade.Efésios 4.23-24

      Há um medo intrínseco dentro de todo ser humano, isso desde que o primeiro homo sapiens recebeu um espírito, pôde ter comunhão com o mundo espiritual e interagir com o mundo físico diferentemente de como animais irracionais interagem. De que é esse medo? A mente pode ligar os pontos e aliar medo a coisas diferentes, a homens, à natureza, a espíritos, coisas visíveis e invisíveis, que existiram, existem ou existirão. Que nomes e formas são dados aos medos na mente dos seres humanos? Depende, da formação emocional, intelectual e religiosa da pessoa, da sociedade e da cultura onde vive, do momento histórico em que vive, do grau de desenvolvimento científico de seu meio e do acesso que tem a esse desenvolvimento. 
      Isso nos faz pensar até que ponto o que muitos dizem, pensam e escrevem, incluindo em textos religiosos, sobre o diabo, é sobre um ser real, ou é só criação de mentes humanas, isso ainda que de fato existam seres espirituais malignos e que escolhem ficar assim por muito tempo. Conexão espiritual se faz pela mente, seres espirituais malignos reais se aproveitam de mentes doentes, assim confirmam mentiras que essas criam sobre eles, se falassem a verdade não seriam maus, mentira vangloria o mentiroso. O diabo não pode ser um só para todos, examinemos mitologias de tempos e sociedades diferentes e constataremos isso. O mal é um, o diabo tem muitas caras, será então que podemos limitar o diabo ao conceito cristão? 


“Questões sobre o diabo”,
reflexão em dez partes
José Osório de Souza, 19/06/2022

24/03/24

E se o diabo não existisse? (4/10)

      “Ainda não compreendeis que tudo o que entra pela boca desce para o ventre, e é lançado fora? Mas, o que sai da boca, procede do coração, e isso contamina o homem. Porque do coração procedem os maus pensamentos, mortes, adultérios, prostituição, furtos, falsos testemunhos e blasfêmias.” Mateus 15.17-19

      Alguns dizem que uma das melhores táticas do diabo é convencer as pessoas que ele não existe, concordo com isso. O diabo existe! É real o suficiente para fazer muito estrago nas cabeças e nas vidas das pessoas. Entretanto, a questão é: que estética formal ele tem e que armas ele usa? Isso é muito variável e subjetivo. Por incrível que pareça uma figura que algumas pessoas chamam de Deus dentro delas, pode na prática estar fazendo mais papel do diabo em suas vidas. Quando se crê num “Deus” prepotente, cobrador e punidor, se crê mais na dor que um ser poderoso causa se for desobedecido que propriamente no ser e em seu amor. Muitos respondem, “você está fazendo apologia a um “Deus” que por amor aceita o pecado”. 
      Não estou! Quem quer viver em pecado não busca a Deus, se busca, não acha, e se acha não consegue continuar perto dele. Deus não faz sofrer quem lhe desobedece, é o desobediente que não quer assumir seu erro e deixá-lo que se afasta de Deus. Longe de Deus há inferno, simples assim, e há a companhia de seres, físicos ou espirituais, que também querem ficar longe de Deus, seres que podemos chamar de demônios, também simples assim. Deus nunca deixa de ser santo, assim como nunca deixa de amar e atrair o ser humano, mas só fica perto de Deus, num “céu”, quem se santifica e ama, novamente digo, simples assim! Que papel tem um ser que permanece por muito tempo mau, um “diabo”, nisso? Prejudica só a si mesmo.

“Questões sobre o diabo”,
reflexão em dez partes
José Osório de Souza, 19/06/2022

23/03/24

Deus precisa do diabo? (3/10)

      “Para que se saiba desde o nascente do sol, e desde o poente, que fora de mim não há outro; eu sou o Senhor, e não há outro. Eu formo a luz, e crio as trevas; eu faço a paz, e crio o mal; eu, o Senhor, faço todas estas coisas.Isaías 45.6-7

      A premissa da teologia da tradição judáica-cristã, mais católica que judáica ou cristã, é a de uma eterna rivalidade entre dois polos. Dessa forma Deus é mostrado muito mais como Senhor dos exércitos, que sempre vence guerras aniquilando inimigos, que como Pai de amor, que redime a todos. Apesar do catolicismo ter alinhavado uma doutrina que tenta mixar o Cristo do evangelho de amor com o Senhor dos exércitos da velha aliança, se pararmos para pensar com cuidado isso é inviável, ou Deus é uma coisa ou é outra. Contudo, protestantes e evangélicos aceitam essa doutrina esquizofrênica como verdade, porque ela é razoável? Não, porque eles têm medo de pensar e pôr alguma dúvida nela, dúvida é do diabo, creem muitos.
      O Pai de amor não precisa do diabo, o Senhor dos exércitos, sim, não se pode ser vencedor glorioso em batalha sem ter oponente à altura. Luke Skywalker precisa de Darth Vader, ainda que esse seja seu pai, que ironia nessa ficção, mas com um mistério real. Se um deus precisa manter um mal eterno para ser deus, ele depende do mal, não é cem por cento poderoso e bom. Ou é fraco por não poder aniquilar o inimigo, ou é sádico que mantém criatura sua em infinito tormento. Um Deus cem por cento bom não precisa do diabo, seu amor é suficientemente poderoso para transformar todo mal em bem, ainda que demore uma eternidade, dando a todos sempre livre arbítrio. Se o diabo não existisse, será que muitos cristãos seriam cristãos? 

“Questões sobre o diabo”,
reflexão em dez partes
José Osório de Souza, 19/06/2022

22/03/24

Confortável maniqueísmo (2/10)

      “E o diabo, que os enganava, foi lançado no lago de fogo e enxofre, onde está a besta e o falso profeta; e de dia e de noite serão atormentados para todo o sempre.Apocalipse 20.10

      O versículo acima é a última citação bíblica sobre o diabo, pela teologia cristã tradicional revela um dos eventos terminais da história da humanidade. Creio que ele tem um ensino importante de Deus para o ser humano, mas não penso que seja o ensino da velha e confortável interpretação maniqueísta da Bíblia. Essa entende que o mal do universo está centrado num único ser espiritual, que se não nasceu mau escolheu sê-lo e isso não mudará mais. Ainda que o ser humano tenha livre arbítrio para escolher em que lado quer ficar, se do lado do bem ou do mal, assim, se do lado de Deus ou do diabo, e se escolher o lado do diabo terá o mesmo e eterno fim que ele, o diabo e seus demônios não têm direito a livre arbítrio, não mais. 
      Esse entendimento cria, mantém e empodera o mal quase que com potências iguais a Deus, quase, já que no final ele perde. Católicos e evangélicos aceitam isso como dogma, e questionar isso, mesmo na menor instância, é se colocar do lado do diabo. Esse dogma mantém-se vivo pelo medo do diabo, já que mesmo quem não tem aquela comunhão mais profunda e gratificante com Deus, permanecerá vendo as coisas desse jeito com medo de sofrer as penas reservadas por esse Deus ao diabo. Assim caminha a cristandade, com pouca fé em Deus, mas com muito medo do diabo. Você já se questionou até que ponto se diz cristão e crê na Bíblia, não porque tem paz e vitória com isso, mas porque tem medo de duvidar disso? 

“Questões sobre o diabo”,
reflexão em dez partes
José Osório de Souza, 19/06/2022