28/05/21

Tempo de silêncio (2/2)

      “Jesus, porém, guardava silêncio.” Mateus 26.63a

      O silêncio, de quem ouve e não responde, permite que quem falou pense melhor no que disse, leva esse a entender que quem o ouve não é seu inimigo, não está usando de armas semelhantes para responder, contudo, usando o silêncio como fruto do amor é preciso paciência. Não é fácil nos calarmos diante de alguém que depois que deixamos claro que pensamos diferentemente dele segue, muitas vezes baixando o nível da conversa, tentando nos destruir. Quando uma pessoa não consegue destruir os nossos argumentos, ela tenta destruir a nós, deixa para lá o motivo inicial da conversa e parte para procurar em nossas vidas pontos fracos, ou pontos que ela acha que sejam fracos, para nos diminuir. 
      O que busca a Deus sempre acha nele respostas claras e sensatas para tudo, ainda que elas sejam simplesmente “eu não sei sobre esse assunto”, ou “não tenho posicionamento a respeito disso”, e não tem nada de errado com essas respostas, ninguém precisa saber tudo. Contudo, não podemos nos sentir menores por termos os argumentos que temos, ainda que isso não seja motivo para estacionarmos já que devemos orar mais tanto quanto nos informar mais para saber como procedermos sabiamente num mundo moderno tão cheio de artimanhas de semânticas. Todavia, que tenhamos paz no que somos e no que sabemos, é isso que nos protege de entrar em polêmicas que podem acabar em violência. 
      Só conseguimos calar nossas bocas quando estamos em paz, quando já dissemos tudo o que tínhamos a dizer a Deus, quando achamos todas as respostas que precisávamos no Senhor, quando estamos satisfeitos espiritualmente. Caso contrário procuraremos nos homens o que não buscamos em Deus, defenderemos ideologias humanas, acharemos na política a e na religião bandeiras que deem sentido às nossas vidas e nos tornaremos discípulos, não de Jesus, mas do resto, das forças espirituais do mal, dos homens e de nós mesmos. Se calar assim não significa se alienar, mas significa entender a condição humana com equilíbrio, pondo Deus em primeiro lugar e sentindo-se  totalmente feliz nisso. 
      Sinto no Espírito Santo que o momento atual no mundo, e especialmente no Brasil, é de silêncio, é de calar, e vejam que isso vai contra não só ao que a mídia diz, como contra o que diz uma grande maioria de evangélicos e protestantes, que sentando-se na cadeira chamada “direita” política achou hoje um lugar confortável, para impor em nosso país aquilo que acha ser o cristianismo. Muitos cristãos, pensando que enfim podem levantar a voz e lutar pelo que acreditam, e ainda mais tendo um “presidente” a seu favor, não percebem que estão fazendo o jogo do mal, engajando-se numa guerra que não é deles e que até o momento só tinha um lado, mas para haver uma guerra é preciso dois lados beligerantes. 
      O Brasil passou décadas com uma voz forte arregimentando os pobres materialmente e os não pobres mas equivocados intelectualmente, essa voz é a da chamava “esquerda” política, quando uso termos entre aspas um dos motivos e o termo poder não ter atualmente o significado que teve, esquerda não significa, hoje, seguidores do marxismo, comunistas, a coisa não é mais bem assim. Há algum tempo, a tal da direita, com o passado da ditadura militar ainda fresco, se calava, sentindo-se culpada, mas nada melhor que o tempo para fazer do mau o bom e do bom o mal. O ser humano se esquece depressa ao mesmo tempo que se adapta, assim o tempo levantou uma direita adormecida e forneceu ao embate dois lados. 
      Essa não é uma guerra santa, Deus nada tem a ver com ela, está mais para uma jihadi, e penso que isso possa ser uma estratégia do mal (das últimas? depende do “ponto de vista”) para desviar cristãos de Cristo, usando como argumentos para convencê-los uma Bíblia mal interpretada. Quanto aos que estão buscando ao Senhor de todo o coração, nesse momento tão difícil, sigam em silêncio, que isso possa ajudar os que se desviam dentro de igrejas e seguindo pastores manipuladores e gananciosos a pensarem melhor em suas agendas de ódio. A guerra que o Senhor quer que lutemos se vence como Jesus venceu, calando e morrendo neste mundo como indivíduos, pois o reino de Deus nunca foi e nem será aqui.  

Leia na postagem de ontem 
a primeira parte desta reflexão.

27/05/21

Tempo de silêncio (1/2)

      “Mas Maria guardava todas estas coisas, conferindo-as em seu coração.Lucas 2.19

      Dentro do princípio de que a melhor pessoa para ajudar uma pessoa é a própria pessoa, é preciso entender como funciona o eco das palavras que dizemos e que volta para nós. Jesus era equilibrado, vivia num pleno autocontrole constante, assim sabia quando dizer e quando calar, e quando dizia não era para compensar alguma autoestima baixa, uma insegurança ou qualquer necessidade de vaidade para se impor sobre os homens. Jesus entendia a importância de colocar Deus em seu devido lugar, esperando dele uma ordem, obedecendo essa ordem em amor, dependendo só da aprovação dele para essa atitude, de maneira que o nome de Deus fosse louvado como origem, meio e fim de tudo que fazia. 
      Isso, contudo, não ocorre conosco, falamos demais por orgulho, nos calamos muito por medo, exigimos dos outros o que nós não vivemos, queremos que as pessoas pensem como nós pensamos só para termos seus apoios para nossas tolas opiniões. Não percebemos que muito do que dizemos para os outros não é para os outros, mas para nós mesmos, que toda a argumentação que construímos e despejamos sobre outros não é porque acreditamos em algo como sendo bom e queremos beneficiar os outros com isso, é outra coisa. Mal resolvidos em Deus e consequentemente em nós mesmos, falamos porque não estamos convencidos do que falamos, e quem queremos convencer somos nós mesmos. 
      Cientes disso precisamos nos resolver em Deus e pararmos de ser profetas de ideologias humanas, de posições políticas de homens, de religiões terrenas, de teorias da conspiração que nada mais são que enganos, não nasceram na sabedoria e na providência do Senhor e não concorrerão para que o melhor seja feito no mundo e abençoem os homens. A política, a economia, os governos, e mesmo a ciência, não podem fazer justiça no planeta, não sem que se equilibrem com as verdades espirituais divinas, e essas, repito, não estão ligadas necessariamente a instituições religiosas, assim todo discurso em prol dessas bandeiras, se Deus não estiver no lugar certo, é inútil e só honra homens diante de homens.  
      O que fazer diante de tantas opiniões nas bocas das pessoas e nas redes sociais da internet, legitimadas atualmente pelo doutrinamento da mídia que tenta fazer de cada indivíduo um deus, negando o único e verdadeiro Deus? Nada, deixemos as pessoas falarem, aos que negam a ciência, deixemos que neguem, aos que se acham cavaleiros do apocalipse, deixemos que sejam, aos que se consideram donos de uma lucidez baseadas em fatos, ainda que achem seus fatos só nos lugares que lhes convém, deixemos que se achem melhores e donos da verdade. Que suas palavras batam em nós, ecoem de volta para esses que tanto falam, sem alteração em seus conteúdos originais, e que depois fiquem neles. 
      Se nós respondermos, e às vezes pegos de surpresa podemos responder errado, o que vai ficar nas cabeças dos tolos são as nossas respostas, isso lhes dará mais munição para seguirem argumentando e consequentemente pensando como pensam. Guerras intelectuais não se ganha com contra-argumentação, pelo menos não se ganha quando a retórica que nos lançaram deixou de ser diálogo e se tornou arma de guerra tentando mudar o que pensamos. Quando não há concordância pelo menos um lado deve se calar. O ideal seria ambos os lados se calarem, entenderem que estão diante de pontos de vista diferentes, que isso não pode ser mudado e que para que haja amizade o assunto deve ser posto de lado.  
      Precisamos saber quando parar e respeitar o que o outro pensa, ainda que seja o oposto do que pensamos, isso é sábio para todos os seres humanos que querem viver de maneira civilizada e em harmonia com os demais. Contudo, para os cristãos, essa orientação é ainda mais seria, já que eles dizem ter suas vidas entregues nas mãos de Deus, dizem seguir ao mestre Jesus, dizem ter dentro deles o Esprito Santo, assim eles dizem viver debaixo de uma verdade maior, que não é a deles, mas do Altíssimo. Bem, Deus não precisa de advogados, mas pode usar os pequenos e simples como testemunhas de sua sabedoria e bondade, desde que esses não tomem o seu lugar, querendo vencer embates ideológicos com os tolos. 

Leia na postagem de amanhã 
a segunda parte desta reflexão.

26/05/21

Ansiedade: mundo mental X mundo real

      “Pois, se nem ainda podeis as coisas mínimas, por que estais ansiosos pelas outras?Lucas 12.26

      Alguns dizem, “estou ansioso porque estou esperando o fim de algo ruim que está acontecendo”, outros dizem, “estou ansioso porque aguardo algo bom para acontecer”, outros ainda podem dizer, “estou ansioso pois nada acontece”. Ansiedade é um mal em si mesmo, independe de acontecer ou de não acontecer algo, muitas pessoas estando numa situação confortável e sem problemas maiores ainda assim estão ansiosas, pelo quê? Nem elas sabem direito, assim, o que tem um problema e fica ansioso adiciona a um problema outro, a ansiedade. Podemos ter várias provas que nos levem ao crescimento espiritual, mas muitas vezes, depois de termos sido aprovados tantas vezes, ainda nos resta ansiedades a vencer. 
      A ansiedade é causa de grande parte de enfermidades, sejam físicas ou emocionais, cria um grande número de consumidores para farmácias assim como para restaurantes e bares, já que para tentar anulá-la muitos se entopem de remédios, comidas e bebidas. Nosso organismo até suporta os excessos por um tempo, mas na velhice é quando o ultrapassar de limites pode nos levar ao sofrimento de tantas doenças e finalmente a mortes antes do tempo. Por que tanta dor, tanta angústia? Porque as pessoas não vencem da maneira correta a ansiedade, que muitas vezes não nasce no corpo, como deficiência no funcionamento de algum órgão, o que pode ser corrigido com orientação médica, mas nasce na alma.
      O ansioso não lida com o tempo de forma correta, amarra o passado, adianta o futuro, sem ser feliz no presente, é “viajante do tempo” que não acha satisfação em sua realidade, voador mental que não consegue por os pés no chão e caminhar. A alma se cura com paz que vem de autocontrole, autocontrole se adquire com meditação, com uma mudança mental de comportamento. A mente nos coloca em contato com o mundo espiritual e quem tem essa porta aberta sem controle é influenciado por “forças” e “intenções” de vários níveis, e nem todas são benignas. Só a voz de Deus em nossas almas pode de fato nos dar a paz que precisamos para seguir com a vida sob controle, vencendo ansiedade ou apesar dela. 
      O ansioso alimenta uma incoerência dentro de si, à medida que se preocupa demais com coisas que ele não tem controle e que gastam seu tempo e sua energia, assim não vive as coisas que realmente importam, que ele pode controlar, que ele pode fazer de forma proativa dentro de seus limites. Nossa mente é poderosa, ansiedade é um trabalho mental e pode dar a enganosa impressão de que fazemos algo produtivo, mas é uma mentira. Ansiedade nos tende à alienação, nosso mundo mental não é necessariamente o nosso mundo real, e se esses forem muito diferentes e por muito tempo, se não se harmonizarem, produziremos ansiedade que pode levar-nos à insanidade, impedindo-nos de separar fantasia de realidade. 
      Não há nada de errado em sofrermos com o passado, desde que esse sofrimento nos leve a assumir humildemente nossos erros, para depois tomarmos posse de perdão, principalmente de Deus e de nós mesmos. Também não existe nada de errado em nos preocuparmos com o futuro, desde que a preocupação nos leve a fazer o que podemos no presente, em obras, para construirmos um futuro melhor, e o que não podemos entregarmos nas mãos de Deus e nele confiarmos. A ansiedade pode ser início de algo bom, mas deve ter fim com atitudes realistas e práticas e com confiança em Deus, o que não podemos é nos acostumarmos com ela, mantendo-a viva como um bicho de estimação dentro de nós. 

25/05/21

Vitória contra a intenção maligna

      “Toda a ferramenta preparada contra ti não prosperará, e toda a língua que se levantar contra ti em juízo tu a condenarás; esta é a herança dos servos do Senhor, e a sua justiça que de mim procede, diz o Senhor.Isaías 54.17

      Quando nos sentimos inferiorizados, atacados, acuados, usamos nossas armas para contra-atacar, o que faz de algo uma arma não é a coisa em si, mas a intenção de como ela é usada. Se dermos uma maçã para um esfomeado, a maçã será um alimento, mas se mesmo para alguém faminto jogarmos a maçã com força, ela será usada como arma, poderá machucar o esfomeado, assim não será algo bom, mas ruim. O problema, nesse exemplo, não está na maçã, mas na intenção de quem a lançou, dessa forma muitas coisas podem ser usadas por aquele que se sente em desvantagem, ainda que não exista um perigo real, mas só uma paranoia em sua cabeça e falta de confiança em Deus. 
      Uma pessoa sem instrução, com a mente doente e com o coração cheio de violência, pode usar uma faca, um revólver, ou qualquer objeto, mesmo o carro que estiver dirigindo, como arma para machucar alguém, basta que se sinta em algum tipo de desvantagem. Contudo, um doutor, com títulos acadêmicos, com muito conhecimento e cultura, se se sentir inferiorizado e por orgulho não tiver humildade suficiente para aceitar isso em paz, poderá usar sua posição profissional, mesmo palavras, não de baixo calão mas sofisticadas, para criar uma argumentação que de alguma maneira, não fisicamente mas verbalmente, ataque e fira aquele que ele sente que o acuou. 
      Se o mal é um só, muitas podem ser as armas que ele utiliza, algumas bem sutis, outras mesmo repletas de conceitos religiosos, morais, cristãos, não são as palavras, as ideologias, nem as “teologias”, mas as intenções do coração. Se não houver amor, haverá o intuito de agredir alguém, de destruir, de humilhar alguém, com ódio, com violência, e isso bastará para que algo seja ferramenta do mal, não instrumento do bem. Por isso o silêncio é, não a arma, mas o escudo mais poderoso, além de não usarmos em vão coisas, palavras ou atitudes que deveríamos usar só para o bem, em nosso silêncio autorizamos Deus a agir por nós. Quando Deus age toda arma é anulada. 
      Temos que tomar cuidado, pois algumas vezes, mesmo sem a intenção, podemos tocar pontos nevrálgicos das pessoas, podemos colocar o dedo em feridas abertas e recebermos um ataque de surpresa. Numa situação assim as pessoas não resolvidas em Deus podem usar qualquer coisa como armas, e em seus descontroles elas podem ser ouvidos fáceis de acusadores espirituais, esses são especialistas em saber quais são nossos pontos fracos, nossas feridas. Assim, o que começou numa certa inocência de nossa parte pode acabar em “guerra campal”, nesse caso somos nós que temos que ter a humildade de não contra-atacarmos, mas esperarmos em silêncio em Deus. 

24/05/21

Vitória merecida

      “De sorte que haja em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, que, sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus, mas esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens; e, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até à morte, e morte de cruz. Por isso, também Deus o exaltou soberanamente, e lhe deu um nome que é sobre todo o nomeFilipenses 2.5-9

      A vitória não está em vencer um conflito, mas em merecer ser vencedor. Muitos vencem porque se colocam de forma injusta sobre oponentes mais fracos que eles, e assim têm vitórias fáceis, alguns, ainda que sejam mais fracos, vencem por possuírem algum tipo de merecimento, outros, contudo, nem precisam lutar para terem vitórias, eles as merecem por confiarem não em si mesmos, mas em Deus. Que tipo de vencedores somos nós? Em que espécie de embates nos envolvemos? Quem são nossos oponentes? Merecemos as vitórias que temos? Dar a palavra final numa discussão é vitória?
      Existem vários tipos de violência, mas a mais cruel é aquela que é feita contra alguém mais fraco, não só fisicamente, mas também intelectualmente. Estupros contra vulneráveis são crimes hediondos, existe um embate, existe uma vitória, mas do mal e cruel contra alguém que é submetido a algo a despeito de sua vontade contrária. Mas também existem violências intelectuais, humilhar alguém com argumentos e ideologias, principalmente se o humilhado não tiver o mesmo nível de conhecimento, isso é obter um tipo de prevalecimento injusto, não é uma vitória honrosa, portanto não é merecida. 
      Como sempre, Jesus nos dá o exemplo da maior vitória de todas, e justamente essa ele não obteve ordenando que milhares de anjos destruíssem seus inimigos, mas a teve entregando-se à morte, calado e humilde. Mas durante toda sua jornada, ainda que sempre conhecesse os melhores argumentos, ele nunca humilhou alguém com palavras, em situações bem sérias ele preferiu calar-se que diminuir alguém. A mulher adúltera pega em pecado e trazida a ele por religiosos (João 8.1-11) é o exemplo mais lindo disso, ainda que tivesse a lei a seu favor não a usou para se prevalecer diante de homens. 
      Muitos entram em conflitos e se perguntarmos a eles por que entraram, eles responderão, “entrei porque podia, era o mais forte, tinha os argumentos melhores”, isso são valores humanos que obtém vitórias em embates humanos, Deus não trabalha assim. Aqueles que confiam em Deus e a ele querem agradar, vencem sempre, não lutando, não por serem os mais fortes, mas porque Deus luta por eles. Isso não significa que quem teme a Deus é omisso, covarde ou vagabundo, ao contrário, eles desempenham muitos trabalhos, e o principal deles é o de crerem em Deus, sim, manter a fé é trabalho honrado. 

23/05/21

Não deixe a alma morrer

      “E ninguém seja devasso, ou profano, como Esaú, que por uma refeição vendeu o seu direito de primogenitura. Porque bem sabeis que, querendo ele ainda depois herdar a bênção, foi rejeitado, porque não achou lugar de arrependimento, ainda que com lágrimas o buscou.Hebreus 12.16-17

      Muitos pensam que sentirem-se culpados é fraqueza, existe até um ditado que diz, “arrependo-me do que não fiz, não do que fiz”, o mundo atual tem sido doutrinado por novas ideologias que dizem que todos têm direito a tudo pelo prazer e que nesse estilo de vida não há espaço para remorsos. É claro que existem limites mesmo para essas ideologias, violência, intolerância e preconceitos não são permitidos, mas isso muitas vezes pode ser só um álibi para dar alguma legitimidade às liberalidades, já que principalmente os jovens têm sido incentivados a fazerem o que querem, e se algo ruim acontecer, não é a falta de limites deles que leva a culpa, mas a falta de limites dos outros. O homem atual tem sido levado a achar prazer em fazer uma verdadeira roleta-russa, se sofrer algo nesse jogo estúpido a culpa é do revólver ou da bala, não dele ter puxado o gatilho, isso pode parecer exagero, mas não é.
      O ponto é que existem regras morais no universo, válidas para todos, mesmo com as diferenças culturais o certo e o errado são leis gravadas na alma humana, quem as desobedece não se sentirá bem, não a princípio. Elas são mais que regras religiosas ou civis, são espirituais, creiam nisso ou não aqueles que tentam se convencer que o ser humano é só corpo físico e não tem um espírito. Buscar uma vida em comunhão com Deus nos confronta com uma referência de certo errado superior, e isso não é para que o homem seja condenado, mas para que cresça e busque os melhores valores morais, assim aprendemos que se pecamos desagradamos a Deus e nos sentimos culpados. Deus, por sua vez, em Cristo, perdoa o que assume o erro e busca perdão, e como efeito espiritual o ser humano pode achar a paz, a anulação da culpa, isso dá a ele forças para converter seu arrependimento em obras. 
      Se pecamos, arrependamo-nos, não deixemos que o tempo esfrie nossa alma, mas principalmente se for um erro repetido façamos isso mesmo sem exigir do nosso coração o bom sentimento do arrependimento, com o tempo podemos demorar para o sentirmos. Não tentemos dar justificativas a Deus de porque erramos, com o tempo isso também pode nem ser mais o caso, só tratemos racionalmente o pecado com a seriedade que ele tem, ainda que nossos sentimentos estejam machucados. Um banho basta para lavar o corpo, mas a alma às vezes nem com lágrimas a lavamos, e com o tempo até lágrimas secam, assim, assumamos e esperemos. A criança desobedece e volta correndo para o pai, mais por medo que por sentir-se culpada, mas o adulto sente vergonha, assim precisa agir como tal, mostrar, não com palavras e lágrimas, mas por ações, que de fato se arrependeu e não quer mais errar. 
      Terrível, contudo, foi a condição que chegou Esaú, conforme o texto inicial, que ainda que tentasse e com lágrimas não conseguiu achar “lugar de arrependimento”. Esse “lugar” não é a presença de Deus, Deus nunca nega perdão, mas é o coração humano, esse pode se endurecer de tal forma que ainda que chore não acha sinceridade nisso, são lágrimas falsas, de remorso, sim, mas não de arrependimento. Por isso, enquanto há tempo, sintamos profundamente o nosso erro, o avaliemos de forma racional e depois, com seriedade, entendamos o quanto ele nos afasta de Deus, o quanto ele nos faz perder tempo. Não cheguemos ao ponto que Esaú chegou, e isso só acontece quando erramos insistentemente em algo sem nos arrependermos por várias vezes seguidas, aí não há coração que suporte, de tanto doer, morre e morto fica frio, nada mais sente, só o gosto amargo da segunda morte.

22/05/21

Justiça, amor e misericórdia de Deus

      “Não temas, porque eu sou contigo; não te assombres, porque eu sou teu Deus; eu te fortaleço, e te ajudo, e te sustento com a destra da minha justiça.Isaías 41.10

      Buscando de Deus um consolo sobre uma questão, me veio o versículo acima, me senti confortado, mas a última palavra, justiça, pesou sobre mim de forma distinta, segue o que o Espírito Santo me ensinou a respeito. O amor do Senhor, creia sempre nele, sua misericórdia, solicite-a com muita humildade, contudo, tenha muito cuidado em evocar a justiça de Deus. Fazer isso é a mesma coisa que dizer a Deus, “quero colher conforme plantei, e que aqueles, pelos quais oro, que também colham, conforme plantaram”. Evocar a justiça de Deus é requerer dádiva ou exigir “cobrança”? Nós evangélicos nos acostumamos tanto ao “evangeliques”, à Bíblia, aos versículos, às qualidades divinas, às narrativas dos púlpitos, que muitas vezes não nos atentamos ao significado das palavras. Os termos amor, misericórdia e justiça, são tão sérios quanto diferentes, e precisam ser usados com temor a Deus, principalmente quando se referem não a homens, mas ao Senhor. O amor de Deus, a misericórdia do Senhor, a justiça de Deus, reflitamos nessas três maravilhosas virtudes divinas e porque justiça tem uma relevância diferenciada. 
      Deus ama a todos os seres humanos, que viveram, vivem e viverão no mundo, isso não é só um sentimento, é uma intenção proativa, a prova principal disso é a existência redentora do Cristo. “Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (João 3.16), eis o ensino mais claro sobre o amor de Deus revelado ao homem em Jesus. Mas esse ensino deve ser completado com o de João 16.12-13, “ainda tenho muito que vos dizer, mas vós não o podeis suportar agora, mas, quando vier aquele Espírito de verdade, ele vos guiará em toda a verdade”. A obra de Jesus só é completada com a obra do Espírito Santo, que é divina e muito mais importante que as obras das instituições religiosas e mesma da construção e divulgação do cânone bíblico, ainda que muitos não aceitem isso já que isso tiraria deles o poder de manipular os homens por religiões e leis. O amor de Deus é o que permite, em todo o tempo, que o homem se aproxime mais e mais dele, exercendo o livre arbítrio para assumir erros e trabalhar para não errar mais.  
      A misericórdia talvez seja a qualidade do Senhor que mais evocamos, pois ela nos permite rogar por uma ação milagrosa de Deus, ainda que não tenhamos direito a ela, ainda que tenhamos exercido mal o livre arbítrio numa escolha errada, numa ausência de bom plantio ou no plantio de algo ruim. Mesmo que a lei de causa e efeito seja universal e eterna, pela misericórdia do Senhor podemos provar uma ação extraordinária de Deus, que aos nossos limitados olhos pode até parecer ser um não cumprimento dessa lei, como se Deus nos concedesse colher algo de bom que não plantamos antes. Mas será que isso é possível ou apenas chamamos de misericórdia do Senhor ações de um Deus onisciente que não entendemos? O cristão de intenção pura e humildade de espírito prova dessa misericórdia, ainda que ela seja um mistério para ele, um dom não de um Deus juiz, mas de um pai de amor. Ah, se não fossem as misericórdias do Senhor em nossas vidas, “as misericórdias do Senhor são a causa de não sermos consumidos, porque as suas misericórdias não têm fim, novas são cada manhã, grande é a tua fidelidade” (Lamentações 3.22-23). 
      A justiça é a característica divina mais enfatizada na velha aliança, na religião de Israel registrada no antigo testamento, e ela é simples, “a alma que pecar, essa morrerá; o filho não levará a iniqüidade do pai, nem o pai levará a iniqüidade do filho, a justiça do justo ficará sobre ele e a impiedade do ímpio cairá sobre ele” (Ezequiel 18.20). Ela ensina que nada fica sem recompensa, que para toda causa há um efeito, para os judeus do primeiro século Jesus foi interpretado como um cordeiro perfeito e suficiente, que substituiria os cordeiros imperfeitos, em Cristo um homem, mas puro, sem pecado, substituiria muitos animais, que ainda que perfeitos como animais eram imperfeitos como sacrifico para anular o pecado espiritual de todos os homens. A igreja católica e o protestantismo compraram essa teologia e a ensinam até hoje, entretanto, não basta crer em Jesus, isso só nos coloca em comunhão com Deus e nos dá a paz, é preciso usar a força que essa paz nos concede para transformarmos a nós mesmos. Assim, pela justiça de Deus, mesmo com a paz que o perdão do Cristo concede, precisamos trabalhar para anular nossos pecados, o efeito de uma obra ruim só é anulado com uma nova e boa obra. 
      Meu irmão cristão, não estou dizendo aqui nada que não esteja na Bíblia, veja o que diz Tiago 2.20-24: “Mas, ó homem vão, queres tu saber que a fé sem as obras é morta? Porventura o nosso pai Abraão não foi justificado pelas obras, quando ofereceu sobre o altar o seu filho Isaque? Bem vês que a fé cooperou com as suas obras, e que pelas obras a fé foi aperfeiçoada. E cumpriu-se a Escritura, que diz: E creu Abraão em Deus, e foi-lhe isso imputado como justiça, e foi chamado o amigo de Deus. Vedes então que o homem é justificado pelas obras, e não somente pela fé.”. Ocorre que a tradição cristã muitas vezes insiste em dar aos homens um ensino primário, não se aprofundando, assim muitos são levados a acreditar que lhes basta fé no nome de Jesus, como se isso fosse algo mágico em si só, e que o homem não precisasse fazer mais nada. Tenho refletido profundamente nesse ensino, e é com segurança em Deus que escrevo, crentes, precisamos nos esforçar mais para merecermos o “céu”, “mas aquele que perseverar até ao fim será salvo” (Mateus 24.13), isso implica em muitas obras, não só num único ato de fé, acordemos para que a eternidade não nos seja uma surpresa aquém de expectativas baseadas só em mistificações. 
       No início desta reflexão foi levantada a questão sobre a seriedade de evocar a justiça de Deus, que é diferente de evocar o amor e a misericórdia, mas essas três virtudes do Senhor estão relacionadas. Talvez, justamente por muitos cristãos terem uma visão limitada do amor e mimada da misericórdia, é que tantos evocam a justiça do Senhor equivocadamente. Muitos cristãos até pedem a justiça de Deus, mas muitas vezes só por conveniência pessoal, a favor deles, e em relação a eles mesmos, não tendo como referência a perfeição de Deus, que atrai todos os homens ao trabalho de purificação que os evolui. Justiça de Deus tem a ver com paz, honra e vitória, aos que fizeram por merecer isso, mas também tem a ver com dor, vergonha e derrota, aos que fizeram escolhas erradas. Evocar a justiça do Senhor é conhecer isso e disso não ter medo, assumindo responsabilidades pessoais, sabendo o quanto essa assunção pode ser difícil, e consequentemente tendo muito cuidado em pedir isso para os outros. Só o que provou a misericórdia de Deus conhece o amor do Senhor e só esse pode evocar a justiça de Deus, reclamá-la, com muito temor, pois sabe que quando o Senhor pesa a destra de sua justiça nenhum poder ou ego resiste.