sábado, maio 22, 2021

Justiça, amor e misericórdia de Deus

      “Não temas, porque eu sou contigo; não te assombres, porque eu sou teu Deus; eu te fortaleço, e te ajudo, e te sustento com a destra da minha justiça.Isaías 41.10

      Buscando de Deus um consolo sobre uma questão, me veio o versículo acima, me senti confortado, mas a última palavra, justiça, pesou sobre mim de forma distinta, segue o que o Espírito Santo me ensinou a respeito. O amor do Senhor, creia sempre nele, sua misericórdia, solicite-a com muita humildade, contudo, tenha muito cuidado em evocar a justiça de Deus. Fazer isso é a mesma coisa que dizer a Deus, “quero colher conforme plantei, e que aqueles, pelos quais oro, que também colham, conforme plantaram”. Evocar a justiça de Deus é requerer dádiva ou exigir “cobrança”? Nós evangélicos nos acostumamos tanto ao “evangeliques”, à Bíblia, aos versículos, às qualidades divinas, às narrativas dos púlpitos, que muitas vezes não nos atentamos ao significado das palavras. Os termos amor, misericórdia e justiça, são tão sérios quanto diferentes, e precisam ser usados com temor a Deus, principalmente quando se referem não a homens, mas ao Senhor. O amor de Deus, a misericórdia do Senhor, a justiça de Deus, reflitamos nessas três maravilhosas virtudes divinas e porque justiça tem uma relevância diferenciada. 
      Deus ama a todos os seres humanos, que viveram, vivem e viverão no mundo, isso não é só um sentimento, é uma intenção proativa, a prova principal disso é a existência redentora do Cristo. “Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (João 3.16), eis o ensino mais claro sobre o amor de Deus revelado ao homem em Jesus. Mas esse ensino deve ser completado com o de João 16.12-13, “ainda tenho muito que vos dizer, mas vós não o podeis suportar agora, mas, quando vier aquele Espírito de verdade, ele vos guiará em toda a verdade”. A obra de Jesus só é completada com a obra do Espírito Santo, que é divina e muito mais importante que as obras das instituições religiosas e mesma da construção e divulgação do cânone bíblico, ainda que muitos não aceitem isso já que isso tiraria deles o poder de manipular os homens por religiões e leis. O amor de Deus é o que permite, em todo o tempo, que o homem se aproxime mais e mais dele, exercendo o livre arbítrio para assumir erros e trabalhar para não errar mais.  
      A misericórdia talvez seja a qualidade do Senhor que mais evocamos, pois ela nos permite rogar por uma ação milagrosa de Deus, ainda que não tenhamos direito a ela, ainda que tenhamos exercido mal o livre arbítrio numa escolha errada, numa ausência de bom plantio ou no plantio de algo ruim. Mesmo que a lei de causa e efeito seja universal e eterna, pela misericórdia do Senhor podemos provar uma ação extraordinária de Deus, que aos nossos limitados olhos pode até parecer ser um não cumprimento dessa lei, como se Deus nos concedesse colher algo de bom que não plantamos antes. Mas será que isso é possível ou apenas chamamos de misericórdia do Senhor ações de um Deus onisciente que não entendemos? O cristão de intenção pura e humildade de espírito prova dessa misericórdia, ainda que ela seja um mistério para ele, um dom não de um Deus juiz, mas de um pai de amor. Ah, se não fossem as misericórdias do Senhor em nossas vidas, “as misericórdias do Senhor são a causa de não sermos consumidos, porque as suas misericórdias não têm fim, novas são cada manhã, grande é a tua fidelidade” (Lamentações 3.22-23). 
      A justiça é a característica divina mais enfatizada na velha aliança, na religião de Israel registrada no antigo testamento, e ela é simples, “a alma que pecar, essa morrerá; o filho não levará a iniqüidade do pai, nem o pai levará a iniqüidade do filho, a justiça do justo ficará sobre ele e a impiedade do ímpio cairá sobre ele” (Ezequiel 18.20). Ela ensina que nada fica sem recompensa, que para toda causa há um efeito, para os judeus do primeiro século Jesus foi interpretado como um cordeiro perfeito e suficiente, que substituiria os cordeiros imperfeitos, em Cristo um homem, mas puro, sem pecado, substituiria muitos animais, que ainda que perfeitos como animais eram imperfeitos como sacrifico para anular o pecado espiritual de todos os homens. A igreja católica e o protestantismo compraram essa teologia e a ensinam até hoje, entretanto, não basta crer em Jesus, isso só nos coloca em comunhão com Deus e nos dá a paz, é preciso usar a força que essa paz nos concede para transformarmos a nós mesmos. Assim, pela justiça de Deus, mesmo com a paz que o perdão do Cristo concede, precisamos trabalhar para anular nossos pecados, o efeito de uma obra ruim só é anulado com uma nova e boa obra. 
      Meu irmão cristão, não estou dizendo aqui nada que não esteja na Bíblia, veja o que diz Tiago 2.20-24: “Mas, ó homem vão, queres tu saber que a fé sem as obras é morta? Porventura o nosso pai Abraão não foi justificado pelas obras, quando ofereceu sobre o altar o seu filho Isaque? Bem vês que a fé cooperou com as suas obras, e que pelas obras a fé foi aperfeiçoada. E cumpriu-se a Escritura, que diz: E creu Abraão em Deus, e foi-lhe isso imputado como justiça, e foi chamado o amigo de Deus. Vedes então que o homem é justificado pelas obras, e não somente pela fé.”. Ocorre que a tradição cristã muitas vezes insiste em dar aos homens um ensino primário, não se aprofundando, assim muitos são levados a acreditar que lhes basta fé no nome de Jesus, como se isso fosse algo mágico em si só, e que o homem não precisasse fazer mais nada. Tenho refletido profundamente nesse ensino, e é com segurança em Deus que escrevo, crentes, precisamos nos esforçar mais para merecermos o “céu”, “mas aquele que perseverar até ao fim será salvo” (Mateus 24.13), isso implica em muitas obras, não só num único ato de fé, acordemos para que a eternidade não nos seja uma surpresa aquém de expectativas baseadas só em mistificações. 
       No início desta reflexão foi levantada a questão sobre a seriedade de evocar a justiça de Deus, que é diferente de evocar o amor e a misericórdia, mas essas três virtudes do Senhor estão relacionadas. Talvez, justamente por muitos cristãos terem uma visão limitada do amor e mimada da misericórdia, é que tantos evocam a justiça do Senhor equivocadamente. Muitos cristãos até pedem a justiça de Deus, mas muitas vezes só por conveniência pessoal, a favor deles, e em relação a eles mesmos, não tendo como referência a perfeição de Deus, que atrai todos os homens ao trabalho de purificação que os evolui. Justiça de Deus tem a ver com paz, honra e vitória, aos que fizeram por merecer isso, mas também tem a ver com dor, vergonha e derrota, aos que fizeram escolhas erradas. Evocar a justiça do Senhor é conhecer isso e disso não ter medo, assumindo responsabilidades pessoais, sabendo o quanto essa assunção pode ser difícil, e consequentemente tendo muito cuidado em pedir isso para os outros. Só o que provou a misericórdia de Deus conhece o amor do Senhor e só esse pode evocar a justiça de Deus, reclamá-la, com muito temor, pois sabe que quando o Senhor pesa a destra de sua justiça nenhum poder ou ego resiste.

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