14/06/23

Prazer na justiça de Deus

      “Justo és, ó Senhor, e retos são os teus juízos. Os teus testemunhos que ordenaste são retos e muito fiéis. O meu zelo me consumiu, porque os meus inimigos se esqueceram da tua palavra. A tua palavra é muito pura; portanto, o teu servo a ama. Pequeno sou e desprezado, porém não me esqueço dos teus mandamentos. A tua justiça é uma justiça eterna, e a tua lei é a verdade. Aflição e angústia se apoderam de mim; contudo os teus mandamentos são o meu prazer. A justiça dos teus testemunhos é eterna; dá-me inteligência, e viverei.Salmos 119.137-144

      Este trecho do salmo 119 mostra o sofrimento do justo diante da injustiça dos homens, o justo não convive com a injustiça com indiferença, ainda que cuide de sua vida e não da vida dos outros sente a opressão que existe no universo por causa da injustiça, que muitos fazem e deixam que os outros façam. Isso não significa ser xerife do mundo, querer fazer justiça com as próprias mãos, se achar melhor por ser justo, não, a reação correta à injustiça é calada porque é um efeito espiritual de uma causa espiritual. 
      Não são só os homens no mundo sendo injustos, desobedecendo leis, zombando do que é certo, fazendo outros sofrerem para que usufruam de prazeres egoístas, essa disposição acha empatia em seres espirituais invisíveis do mal, que incitam a injustiça e se comprazem nela. O justo percebe esse clima espiritual pesado e sofre, mas sendo espiritual busca solução para esse desconforto em Deus, o Senhor do universo, tanto do físico quanto do espiritual, Deus pode emanar sua luz mais alta e destruir a ação da injustiça no justo. 
      “O meu zelo me consumiu, porque os meus inimigos se esqueceram da tua palavra”, quem é sensível sente e quem sente sofre, o que aprova o mal ou o despreza não sofre, mas nisso mata sua sensibilidade espiritual e morre por dentro. Não tenhamos inveja do que parece estar inabalável diante do mal, esse pode ser, não um forte, mas um morto, que às vezes se matou porque não teve forças para resistir diante de tanta dor que sentia. Aceitemos uma verdade, viver num mundo injusto dói, refrigério para isso só em Deus.
      “Pequeno sou e desprezado”, ser espiritualmente sensível e sofrer por isso não faz do justo alguém popular no mundo, aprovado, mesmo dentro de igrejas cristãs, mas um marginal, às vezes um pária. Mas nesse caso não devemos sofrer como pecadores e errados, nem com auto-comiseração ou vitimismo, mas como justo que tem ao seu lado Jesus, o justo dos justos. Jesus, que tendo ele mesmo como homem sofrido as maiores injustiças, entende os que sofrem diante da injustiça e os ajuda com carinho especial. 
      “Aflição e angústia se apoderam de mim, contudo os teus mandamentos são o meu prazer”, acharmos em Deus o prazer maior e melhor, eis a única coisa que soluciona a dor de termos os olhos abertos para ver a injustiça, de termos almas sensíveis e vivas, de sermos luz num mundo em trevas. Se não acharmos esse prazer seremos piores que os das trevas, seremos oprimidos por esses, os veremos fazer e acontecer enquanto nós permaneceremos amarrados, ainda que vendo a Deus não conseguiremos testemunhar dele. 
      Achar o prazer maior e melhor e pô-lo em prática implica numa experiência espiritual de duas partes, só a primeira, a sensibilidade viva para o mal, não basta, é preciso que o bem impressione nossas almas, sentimentos e pensamentos, nos eleve e nos liberte. Assim, além de vigiarmos dia a dia para não sermos mortificados pela injustiça do mundo, temos que ter experiências de profunda comunhão com o Altíssimo, pelo mover do Espírito Santo até a porta Jesus que nos dá acesso às regiões espirituais mais altas de Deus. 
      Sempre que buscamos a Deus ele nos fala e ainda que não o busquemos ele nos atrai, nada é desculpa para andarmos sem paz. Se em nós há humilde diligência não existe contingência do impossível fora de nós, o Senhor, de alguma forma, sempre atende ao que depende dele e o consola, de uma maneira tão simples quanto poderosa, de forma que tenhamos forças para seguirmos em paz. O mundo é injusto e o justo sofre com isso, mas esse sofrer aperfeiçoa-o para a eternidade, é propósito dos desígnios de Deus.

13/06/23

Problemas ou oportunidades?

     “No coração dos que maquinam o mal há engano, mas os que aconselham a paz têm alegria. Nenhum agravo sobrevirá ao justo, mas os ímpios ficam cheios de problemas.Provérbios 12.20-21

      Reclamamos de certos problemas, de certas pessoas, de certos esforços, mas será que nossas vidas teriam sentido ou utilidade se tudo isso não existisse? Vivemos para resolver problemas ou será que os problemas existem só para que nós os resolvamos? Será que se os problemas não existissem nós existiríamos, teríamos identidade, mudaríamos o mundo? Problemas realmente existem, são invenções nossas ou são só oportunidades?
      Sei que muitos vão dizer, meus problemas existem, são bem reais, se eu não resolvê-los não sobrevivo, não me alimento, não tenho roupas para vestir nem um lugar para morar, entretanto eu não me refiro a isso. Isso são necessidades, não problemas, são irremediáveis, sempre existirão para quem vive neste mundo, e quem vê essas coisas como problemas pode estar com algum problema emocional, que precisa ser tratado antes de outros problemas.
      Ocorre que justamente na solução dessas coisas inevitáveis é que podemos achar a alegria mais fácil, feliz o homem que tem prazer no trabalho e na convivência diária com colegas de trabalho. Nessa alegria mais simples podemos encontrar forças para não sermos presas de tristezas mais profundas, essas advindas dos verdadeiros problemas existenciais. Alguns problemas mais sérios podem nascer da má administração dos problemas inevitáveis. 
      Outros podem dizer que se não tivessem problemas teriam mais tempo para divertirem-se, descansarem, viajarem, dedicarem-se à arte, à leitura, para cuidarem de si mesmos. Contudo, muitos estão bem financeiramente, têm tempo, e ainda assim não são felizes, são seres estagnados, sem desafios, instalando problemas emocionais e sendo cidadãos inúteis. Ausência de problemas só cria mais problemas, e problemas que para nada servem. 
      Mas existem outros problemas, esses vêm ao mundo conosco, não são gerados pelo meio ou por escolhas ruins, estão latentes dentro de nós durante a infância e início da adolescência e vêm à tona quando adquirimos consciência de nossa existência. Isso normalmente ocorre no início da juventude, mas algumas pessoas, com almas doentes, adquirem essa consciência mais tarde, postergando também a ciência de certos problemas e respectivas soluções. 
      Problemas que vêm “de fábrica” conosco são específicos, cada ser humano tem o seu, são as provações que temos que superar para sermos aquilo que Deus quer que sejamos. Um dos segredos de felicidade na vida é identificar esses problemas e focar neles, obviamente, na escola da vida, só faz curso superior quem é aprovado no fundamental e no médio, assim se não conseguimos nem sobreviver, como venceremos problemas mais profundos? 
      Todavia, pode-se não querer resolver um problema para se achar nele uma conveniente identidade, a de vítima. Há vantagens em estar vítima, nela o agressor é o outro, o problema é causado pelo outro, e a vítima tem o álibi de não ter que resolver o problema porque não foi ela quem o causou. Quando resolvemos o problema que os outros causaram somos confrontados com o problema que causamos, mudamos de personagem, de vítima para agressor.
      Nos encararmos como agressores pode ser muito difícil, assim é melhor seguirmos como vítimas sem resolver o problema, mas também podemos projetar essa disposição equivocada nos outros, muitos gostam de se relacionar com pessoas problemáticas, como amigos, namorados ou até como cônjuges. Será que são almas caridosas querendo ajudar gente com problemas, ou será que só tentam suportar o insuportável para se sentirem especiais? 
      Não há nada de errado em ajudar os outros, como cristãos somos vocacionadas para isso, mas existem limites, principalmente com pessoas que não querem solução, mas só sócios para manterem problemas que lhes dão identidade. Assim, volto às questões iniciais, vivemos para resolver problemas ou são os problemas que existem para os resolvermos? Problemas inevitáveis, problemas ”de fábrica” ou simplesmente oportunidades para sermos úteis?
      Copo pela metade, é meio vazio ou meio cheio? O que vê problemas como oportunidades verá sempre o copo meio cheio, ele não vê barreiras, mas desafios, não vê dificuldades, mas degraus, trabalhando para superar problemas reais, não inventados, e na força sua e de Deus em conjunto. A vida encarnada no mundo é manutenção de uma existência defeituosa, a perfeita só existirá na melhor eternidade de Deus, assim viver é resolver problemas.
      Encarar a vida e seus inerentes problemas assim, só o humilde e temente a Deus consegue, e dessa forma só ele pode achar de fato a felicidade. Os outros, ainda que resolvam grandes problemas, se sentirão injustiçados, achando que fazem o que não era para eles fazerem, serão cobradores e juízes dos mais fracos, não entendem que seus problemas são oportunidades que Deus lhes dá para serem úteis, para crescerem, para serem felizes. 

12/06/23

Você sabe qual é tua prova?

      “E tudo quanto fizerdes, fazei-o de todo o coração, como ao Senhor, e não aos homens. Sabendo que recebereis do Senhor o galardão da herança, porque a Cristo, o Senhor, servis.Colossenses 3.23-24

      Julgar que uma pessoa está sendo ociosa ou que faz mais que precisa, implica, não em saber se alguém é ou não produtivo e próspero neste mundo, mas em saber por qual prova moral essa pessoa precisa passar para ser aprovada no outro mundo. Entretanto, se muitas vezes não sabemos nem qual é a prova na qual temos que ser aprovados, como podemos saber qual é a prova do outro? Vê as pessoas assim, sob o ponto de vista espiritual, quem já se olhou certo, só se olha certo quem olha diretamente para o Deus Altíssimo, com fé, humildade e santidade.
      Tem gente se esforçando para passar em vestibular de medicina, repetindo e repetindo a prova por anos a fio, quando se fizesse vestibular para matemática passaria com mais facilidade. Mas fazem para medicina porque ser médico dá mais aparência que professor de matemática para os homens. Isso é só um exemplo, usando de metáforas, a prova não está em fazer algo mais difícil ou algo mais fácil, mas em fazer a coisa certa. O maior esforço que temos que executar muitas vezes não é exercendo um trabalho, mas descobrindo que trabalho temos que fazer. 
      Muitos passam a vida fazendo coisas erradas, mas no final, já cansados, quando entendem o que de fato têm que fazer, descobrem felicidade fácil em algo simples, tão leve quanto é o fardo que Jesus nos chama a carregar com ele, e não os pesados fardos que os homens e nós mesmos colocam sobre nós (Mateus 11.29-20). A vitória está na obediência, não no sacrifício, está na virtude interior, não na aparência externa, está em Deus, não no mundo. Você sabe qual é a tua prova? Ore mais a Deus e não pare de buscá-lo até ter certeza qual é, depois submeta-se a ela. 
      A prova de Jesus foi uma morte injusta e cruel, e ele sabia disso desde o início. Podemos até achar que temos que pagar preços no mundo, mas sempre para termos um final feliz, principalmente por acharmos que nossa fé nos dá direito à honra. Não digo que podemos ter a mesma prova de Cristo, ninguém neste mundo está preparado para isso, mas pode ser semelhante, ainda que só um pouco. Pode ser que tenhamos que encerrar nossas jornadas com menos que começamos em termos materiais, para levarmos mais em termos espirituais à eternidade. 
      Muitos trabalham bastante, têm retorno financeiro para uma vida digna, mas ainda assim são infelizes, esses não se satisfazem só com trabalho e dinheiro, querem prestígio no mundo. Para esses a prova pode não ser o trabalho físico em si, nem terem que viver nos limites dos salários que recebem, mas em não dependerem de aprovação humana, aliás, essa é prova que a maioria de nós precisa ter aprovação. Quem busca glória humana não está satisfeito com a glória divina, e essa, independente de dinheiro ou erudição, todos nós podemos experimentar. 
      Se as pessoas buscassem mais que religião, se esforçassem-se além de assistir cultos, cantar louvores e fazer orações rápidas, se de fato se alimentassem espiritualmente com o vivo pão e as vivas águas do Santo Espírito, elas sofreriam menos com as ilusões e injustiças deste mundo. Assim entenderiam em que provas precisam ser aprovadas para construírem o céu dentro delas, e terem a melhor eternidade de Deus, ao invés de se gastarem em tolos e inúteis trabalhos, que precisam ser feitos de um jeito ou outro, mas que são menores que a glória de Deus. 

11/06/23

Implacável solidão do ser

      “Porque o Senhor consolará a Sião; consolará a todos os seus lugares assolados, e fará o seu deserto como o Éden, e a sua solidão como o jardim do Senhor; gozo e alegria se achará nela, ação de graças, e voz de melodia.Isaías 51.3

      Na vida, solidão se impõe. Os que ainda não sentiram ou ainda não aceitaram isso, aceitem, muitas vezes somos só nós e Deus, mais ninguém. Não adianta nos iludirmos, por mais amigos que tenhamos, por mais estável e correto que seja nosso casamento, apoiarmos nossa paz e nossa segurança em Deus é a única coisa que pode nos manter de pé. Sozinhos viemos, sozinhos sairemos, na eternidade espíritos não tem sexo, nem se casam, ainda que anjos de luz do Altíssimo possam nos ajudar sempre. Graças a Deus que temos o amigo Espírito Santo, sempre nos ouve, sempre nos responde, sempre com uma palavra simples, mas objetiva, exatamente o que precisamos ouvir para sermos consolados em nossas solidões. 
      “Maldito o homem que confia no homem e aparta o seu coração do Senhor” (Jeremias 17.5), sim, essa é uma sábia orientação da Bíblia. Mas calma, não confiar não significa que o outro seja alguém mal, pode só não ser o que realmente precisamos numa determinada situação, nem por não gostar de nós, só por ser limitado. Sentir-se sozinho e confiar em Deus, mas não guardar rancor contra as pessoas, é o jeito que agrada a Deus, e em muitos momentos Deus faz com que muitos corações se fechem para nós só para confiarmos nele da maneira especial que uma situação especial exige. Muitos têm casamentos bons, mas colocam seus cônjuges em posições de deuses, assim exigem de seres humanos favores que só Deus dá.
      Se não formos completos em Deus, não poderemos ser metade de ninguém, e às vezes até menos, dependendo do respeito próprio que tenhamos. Queira, se esforce e viva um casamento duradouro e feliz, mas não coloque todas as fichas, todos os sonhos de realização, numa aliança com seres humanos, não estou incentivando separação, mas relações afetivas mais leves, com Deus à frente. Mesmo o marido mais apaixonado e a mulher mais carinhosa não ajudarão num momento de solidão, que nos faz avaliar nossas vidas, quem fomos, quem somos, quem seremos. Teu marido, às vezes precisa mais de você como amiga, que como amante, e tua mulher pode necessitar às vezes mais de você como confidente, que como marido.
      É interessante como muitos estão em igrejas pedindo casamento, fazem um monte de sacrifício para acharem seus prometidos, quando no fundo querem um deus para adorar ou um brinquedo para controlar. Muitos acham que se casarem-se resolverão todos os seus problemas, enquanto que a realidade é que casamento não resolve problema, aumenta-o. É isso mesmo, viver a dois, numa relação madura onde dois são dois e não duas metades de um, como alguns dizem, dá trabalho. Há maravilhosas compensações, mas os que não forem tementes a Deus e perseverantes não ficarão muito tempo casados. Como as pessoas têm se separado hoje, ou porque querem beijar muitas bocas, e não só uma, ou por não aceitarem a realidade. 
      A verdade é que todos precisamos de um tempo para nos rever, há quanto tempo você não para e se olha no espelho? Separação em uma última instância pode ser a única solução, mas na maioria das vezes precisamos só nos amarmos mais para podermos amar mais os outros, e quem mais precisa de nosso melhor amor são nossos cônjuges. Precisamos ter um tempo só para nós, para pararmos, nos cuidarmos por dentro e por fora, respeitando a solidão implícita em todo ser. Essa solidão não deve ser a carne pedindo prazeres egoístas, mas o espírito sedento de Deus, e eu disse Deus, não igreja, essa às vezes mais atrapalha que ajuda. Não sofra mais que o necessário na solidão, mas use-a a teu favor, para ser alguém mais forte. 

10/06/23

Tristeza mata aos poucos

      “Compadece-te de mim, Senhor, porque estou angustiado; de tristeza se consomem os meus olhos, a minha alma e o meu corpo. Gasta-se a minha vida na tristeza, e os meus anos, em gemidos; debilita-se a minha força, por causa da minha iniquidade, e os meus ossos se consomem.
      Tornei-me objeto de deboche para todos os meus adversários, de espanto para os meus vizinhos e de horror para os meus conhecidos; os que me veem na rua fogem de mim. Estou esquecido no coração deles, como morto; sou como vaso quebrado. Pois tenho ouvido a murmuração de muitos, terror por todos os lados; conspirando contra mim, tramam tirar-me a vida.
      Quanto a mim, confio em ti, Senhor. Eu disse: "Tu és o meu Deus." Nas tuas mãos estão os meus dias; livra-me das mãos dos meus inimigos e dos meus perseguidores. Faze resplandecer o teu rosto sobre o teu servo; salva-me por tua misericórdia. Não seja eu envergonhado, Senhor, pois te invoquei; envergonhados sejam os perversos, emudecidos na morte.” 
Salmos 31.9-17

      Um dos maiores males que pode acometer-nos é a tristeza, tristeza profunda é doença, a depressão, e essa é danosa tanto para a mente quanto para o corpo. O que nos deixa profundamente tristes? Decepção nos entristece, esperarmos uma atitude, uma palavra, uma atenção das pessoas e essas não darem o que esperamos. Primeiras decepções podem ser justificadas, afinal, acontecem quando ainda não conhecemos certas pessoas, contudo, uma decepção reincidente pode revelar muito mais sobre o decepcionado que sobre o que causa a decepção. Nos mantermos amigos, empregados, membros de igreja, namorados, em alianças que trazem decepções constantes não é saudável, mas são situações das quais podemos sair. 
      Casamento, contudo, é aliança onde deve, ou onde deveria, haver mais responsabilidade. Ainda que passemos anos namorando, conhecendo o companheiro, outros anos de casados mudam as pessoas, assim quem não nos decepcionava no início pode mudar e nos decepcionar depois. Mas nesse caso, amor maduro pode ajudar a adequar as mudanças, de modo que o casamento siga satisfatório e respeitoso a todos. Esposos e esposas nos decepcionam? Sim, assim como nós a eles. O tempo implacável traz à tona o que de fato somos, que pode ter ficado submerso por anos. Decepção em casamento pode nos entristecer bastante, pois sabemos que estamos numa aliança que se quebrada trará sérias consequências a nós e a outros. 
      Nos sentirmos impotentes para resolvermos problemas entristece-nos. Até que ponto devemos lutar? Até nossas últimas forças, isso é o que Deus espera dos que o temem, por isso permite lutas e dores para que sejamos desafiados a sermos melhores, mais santos, humildes e amorosos. Contudo, às vezes temos que parar, pensar e encerrar a luta, não para entregarmos a vitória a quem nos entristece, mas para sairmos de algo que a nada está levando. Mas que fique bem claro, aliança de casados, principalmente com filhos envolvidos, deve ser muito pensada para ser encerrada. Muitos hoje se separam por qualquer coisa, às vezes mais para seguirem solteiros e com liberdades que essa condição lhes permite. Deus sempre honra o fiel. 
      Como em tantas outras questões da vida, tristeza tem mais a ver com nós conosco, que com nós com os outros. Por outro lado, Deus sabe tudo e sempre, assim, o que orar e obedecer, não será presa de relação que no futuro pode decepcioná-lo além do que possa suportar. Aos sessenta e uns anos entendi que se tivesse tido mais paciência, se os outros tivessem tido mais paciência comigo, se tivesse havido perdão, ainda que para situações graves, eu e quem estava comigo teríamos amadurecido mais e depressa, perdido menos tempo e menos dinheiro. Mas quem escolhe certo quando é jovem? Quem sabe dar a volta em situações que o egoísmo o meteu? Sempre parece mais fácil quebrar alianças, que enfrentar decepção. 
      No texto bíblico inicial o salmista descreve em detalhes seu mundo emocional pesado pela tristeza. “Estou angustiado, de tristeza se consomem os meus olhos, a minha alma e o meu corpo, gasta-se a minha vida na tristeza, os meus anos, em gemidos, debilita-se a minha força, meus ossos se consomem”, são fortes as palavras. Tristeza mata aos poucos, o corpo, mas mais, mata a alma com corpo ainda vivo. Tristeza enfraquece nosso sistema imunológico, deixa-nos suscetíveis a doenças, simples resfriado torna-se pneumonia. Mas pior que a tristeza interior, que muitas vezes só nós sabemos, há a humilhação pública, que nos rouba qualquer direito a um sofrimento minimamente digno e a uma sobrevivência mais privada. 
      “Tornei-me objeto de deboche para todos os meus adversários, de espanto para os meus vizinhos e de horror para os meus conhecidos, os que me veem na rua fogem de mim, estou esquecido no coração deles, como morto, sou como vaso quebrado, pois tenho ouvido a murmuração de muitos, conspirando contra mim, tramam tirar-me a vida”. Deus é amor, seu amor só é limitado pela verdade, só a verdade pode curar e permitir que nos movimentemos no amor de Deus para sua luz santa. Humilhações extremas são medidas extremas que Deus toma em uma situação extrema, a dureza persistente de coração. Tristeza sempre é provocada por nós, seja por errarmos, seja por permitirmos que os outros errem insistentemente conosco. 
      Entretanto, ainda que o salmista indigne-se diante de homens maus, que o fazem sofrer, ele não se vitimiza, reconhece sua parte de responsabilidade na situação, “por causa da minha iniquidade”, por isso pode fazer a última parte da oração. “Quanto a mim, confio em ti, Senhor. Eu disse: "Tu és o meu Deus." Nas tuas mãos estão os meus dias; livra-me das mãos dos meus inimigos e dos meus perseguidores. Faze resplandecer o teu rosto sobre o teu servo; salva-me por tua misericórdia. Não seja eu envergonhado, Senhor, pois te invoquei; envergonhados sejam os perversos, emudecidos na morte.” A tristeza pode ser enorme, mas Deus é maior. Olhemos para Deus e ele nos tirará do fundo poço em que a tristeza nos lança. 

09/06/23

Calai-vos com os que se calam

      “Alegrai-vos com os que se alegram; e chorai com os que choramRomanos 12.15

      Já refletimos aqui na passagem bíblica acima, mas desta vez gostaria de pensar nela de uma forma mais abrangente, que vai além da empatia que nosso amor cristão precisa ter com todos. Se a alegria de alguns e a tristeza de outros podem ser compartilhadas com pessoas generosas e amigas, que são empáticas com os sofrimentos alheios e não sentem inveja da alegria dos outros, outras disposições também podem pedir igual reação para que amor verdadeiro, não rancor, seja exercido. Calai-vos com os que se calam! Isso é respeitar, não sentimentos extremos e opostos que gritam por atenção, mas o direito que discretamente alguns pedem por silêncio e certo distanciamento, mas repito, é útil se feito por amor, não por rancor. 
      Alguns choram e não querem que você chore com eles, são tímidos demais para compartilharem fraquezas, para serem vistos fragilizados. Outros se alegram e não expressam isso facilmente, são reservados, não mostram a qualquer um aquilo que lhes faz felizes. Isso também é o orgulho protegendo algo importante para o orgulhoso, orgulhoso é sempre medroso. Algumas pessoas parecem simples, mas no fundo são complexas, nos mostram só a superfície, escondem com fortes mecanismos de defesa suas dores e suas alegrias mais fortes. Ainda que tenham muitos amigos e admiradores, porque não são egoístas, nunca levam o jogo para que seja sobre elas, pode não ser fácil ter acesso ao amor maior de gente reservada.
      Apaixonar-se por pessoa reservada não é fácil. Por orgulho, por timidez, por medo ou por insegurança, pessoa assim se esconde e se sentir-se ferida, não reagirá, se fechará mais, ainda que mantendo calma no rosto. Mas se apaixonar por gente que fala demais também não é fácil, contudo, pessoas extrovertidas, com temperamento oposto ao das reservadas, que dizem com facilidade o que pensam, podem atrair as reservadas. Opostos se complementam, entretanto haverá necessidade de amor paciente de ambos os lados para que a relação seja feliz. O reservado deve confiar no extrovertido e se abrir, mas o extrovertido deve ter cuidado com o que diz, e estar pronto para ouvir mesmo o que não é dito, não por palavras audíveis
      Se houver maturidade, relação afetiva entre opostos será satisfatória e eficiente, como aliança um terá uma capacidade que o outro não tem, o outro um entendimento que o primeiro não possui. Mas achar equilíbrio entre dois extremos não é fácil. Minha experiência como o lado falante é ter muito cuidado com o que digo, e principalmente, aprender a ouvir, contudo, se for necessário calar-me diante de alguém que se cala. Palavras dizem muito, mas o silêncio pode dizer mais, palavras externas só surtem efeito quando palavras internas foram ouvidas antes. Muitos não precisam ouvir, só de tempo para se ouvirem, ninguém convence ninguém, pode ajudar, mas não mudar, as palavras que nos transformam estão dentro de nós. 
      Há outro tipo de pessoa, que muitas vezes necessita de nosso silêncio, não são pessoas ligadas a nós em relações mais íntimas, como em namoro e casamento. Depois de nossa aliança com o Senhor, que é eterna, nossa aliança de casamento é a que mais deve ser duradoura, e o ideal seria durar enquanto estivermos neste mundo, contudo, outras alianças não precisam ser duradouras. Nessas não são compartilhadas tanta proximidade, tanto tempo, outras vidas, como filhos, assim, com certas pessoas, apesar de termos responsabilidade de amor como cristãos e de respeito como seres humanos, não temos responsabilidade de amizade. A muitos podemos amar, todos devemos respeitar, mas só será nosso amigo quem de fato desejar. 
      Realidade que muitos conhecem, a de parentes próximos, dos quais não conseguimos ser amigos, muitas vezes até irmãos de sangue. Temos que amá-los, orar por eles, tratá-los com o respeito que todo ser humano merece, mas por aquilo que eles mesmos permitem não devemos sofrer se não forem nossos amigos. Essas são relações que muitas vezes só podem existir se nos calarmos e nos distanciarmos, caso contrário não teremos disposição nem para irmos a festas e reuniões de pessoas que gostamos muito, e que esses parentes também gostam e frequentam. Calemo-nos com os que se calam, empatia sem rancor, sem o mais sutil desejo de vingança, só para não perdermos a paz com quem não nos quer assim tão próximos. 

08/06/23

O dia do Senhor será contra o soberbo

      “Porque o dia do Senhor dos Exércitos será contra todo o soberbo e altivo, e contra todo o que se exalta, para que seja abatido, e contra todos os cedros do Líbano, altos e sublimes; e contra todos os carvalhos de Basã; e contra todos os montes altos, e contra todos os outeiros elevados; e contra toda a torre alta, e contra todo o muro fortificado; e contra todos os navios de Társis, e contra todas as pinturas desejáveis. E a arrogância do homem será humilhada, e a sua altivez se abaterá, e só o Senhor será exaltado naquele dia. E todos os ídolos desaparecerão totalmente.Isaías 2.12-18

      Não é fácil sermos humildes, mantermo-nos humildes é o trabalho mais difícil de se fazer, somos tentados o tempo todo pela arrogância, que flerta conosco tentando nos seduzir. Exaltar-se é achar que só oprimindo os outros pode-se ser feliz, ainda que seja uma opressão educada. Que valor usamos em jogo de poder para tentarmos nos exaltar sobre as pessoas? É o fato de sermos mais ricos materialmente, mais estudados e mais cultos, mais morais e religiosos, mais espirituais? Que poder as nações usam para prevalecerem no mundo, mesmo para que justifique invadirem outras nações? 
      O Líbano era rico por seus cedros, Basã por seus carvalhos, essas nações tinham riquezas naturais diferenciadas no passado. Outros se achavam melhores religiosos porque faziam sacrifícios em montes mais altos, como tantos que celebram missas e cultos em catedrais e templos antigos e luxuosos hoje. Outros tinham poder de defesa porque possuíam cidades fortificadas e muradas, com altas torres de vigia, como nações atualmente com frotas navais e aéreas, grande quantidade de armas, ogivas atômicas, vastos exércitos. Todo poder em que se confia, mais que em Deus, torna-se ídolo. 
      O profeta Isaías diz que a arrogância do homem será humilhada, só o Senhor será exaltado naquele dia. Quando será esse dia? Acontecerá em tempos diferentes, para pessoas diferentes e para propósitos diferentes de Deus. Em primeiro lugar Deus nos trata como indivíduos, no mundo Deus pode nos quebrar para que nos separemos da arrogância e nos casemos com ele. Esse quebrantamento é constante, interior e discreto para o humilde, mas pode ser extremo, exterior e público para o que insiste na altivez. Quem anda humilde nunca é humilhado, quem permanece de joelhos não é derrubado. 
      Mas todos serão quebrados na eternidade, quando a luz de Deus confrontar as pessoas, isso é o que podemos chamar de juízo. Quantidade de inferno está diretamente relacionada à quantidade de orgulho, e muitos estão orgulhosos mesmo como religiosos fiéis. O humilde tem certezas, mas em Deus e para Deus, não para se prevalecer sobre os outros, assim olha todos com paciência e misericórdia, não julgando nada. Quantidade de inferno está diretamente relacionada à quantidade de julgamento, de pré-conceitos, de certezas que arrogamos ter ou usar sem terem sido dadas e aprovadas por Deus. 
      Contudo, existirá um juízo cósmico, a Bíblia fala sobre ele, ainda que sob compreensões de homens antigos. Para esses homens, vulcões, tsunâmis, queda de meteoros, tempestades, furacões, não eram eventos explicados ou previsíveis, eram interpretados como ações poderosas de Deus para quebrar a arrogância dos inimigos. Mas haverá um quebrantamento planetário, digamos assim, sobre toda a matéria, contudo, esse demorará ainda um bom tempo para ocorrer, talvez nem devamos nos preocupar com ele. A nós importa mais um andar humilde hoje, para não termos surpresas depois. 
      Vigiemos, arrogância, mesmo a mais discreta e não verbalizada, é porta para outros males, discussões inúteis, ira, que nos conduzem para o modo inverso ao do servo amoroso. Vigiemos em primeiro lugar dentro de nós, em nossos pensamentos e sentimentos, não sejamos presunçosos, cobradores e condenadores. O altivo cega-se, assim não sabe por onde anda, perde direito à luz de Deus, e pode cair em armadilha sem saber. Humildade é ter os olhos espirituais sempre abertos, vendo em primeiro lugar Deus, o Altíssimo, depois a si mesmo como um igual aos outros, não como superior.