sábado, junho 10, 2023

Tristeza mata aos poucos

      “Compadece-te de mim, Senhor, porque estou angustiado; de tristeza se consomem os meus olhos, a minha alma e o meu corpo. Gasta-se a minha vida na tristeza, e os meus anos, em gemidos; debilita-se a minha força, por causa da minha iniquidade, e os meus ossos se consomem.
      Tornei-me objeto de deboche para todos os meus adversários, de espanto para os meus vizinhos e de horror para os meus conhecidos; os que me veem na rua fogem de mim. Estou esquecido no coração deles, como morto; sou como vaso quebrado. Pois tenho ouvido a murmuração de muitos, terror por todos os lados; conspirando contra mim, tramam tirar-me a vida.
      Quanto a mim, confio em ti, Senhor. Eu disse: "Tu és o meu Deus." Nas tuas mãos estão os meus dias; livra-me das mãos dos meus inimigos e dos meus perseguidores. Faze resplandecer o teu rosto sobre o teu servo; salva-me por tua misericórdia. Não seja eu envergonhado, Senhor, pois te invoquei; envergonhados sejam os perversos, emudecidos na morte.” 
Salmos 31.9-17

      Um dos maiores males que pode acometer-nos é a tristeza, tristeza profunda é doença, a depressão, e essa é danosa tanto para a mente quanto para o corpo. O que nos deixa profundamente tristes? Decepção nos entristece, esperarmos uma atitude, uma palavra, uma atenção das pessoas e essas não darem o que esperamos. Primeiras decepções podem ser justificadas, afinal, acontecem quando ainda não conhecemos certas pessoas, contudo, uma decepção reincidente pode revelar muito mais sobre o decepcionado que sobre o que causa a decepção. Nos mantermos amigos, empregados, membros de igreja, namorados, em alianças que trazem decepções constantes não é saudável, mas são situações das quais podemos sair. 
      Casamento, contudo, é aliança onde deve, ou onde deveria, haver mais responsabilidade. Ainda que passemos anos namorando, conhecendo o companheiro, outros anos de casados mudam as pessoas, assim quem não nos decepcionava no início pode mudar e nos decepcionar depois. Mas nesse caso, amor maduro pode ajudar a adequar as mudanças, de modo que o casamento siga satisfatório e respeitoso a todos. Esposos e esposas nos decepcionam? Sim, assim como nós a eles. O tempo implacável traz à tona o que de fato somos, que pode ter ficado submerso por anos. Decepção em casamento pode nos entristecer bastante, pois sabemos que estamos numa aliança que se quebrada trará sérias consequências a nós e a outros. 
      Nos sentirmos impotentes para resolvermos problemas entristece-nos. Até que ponto devemos lutar? Até nossas últimas forças, isso é o que Deus espera dos que o temem, por isso permite lutas e dores para que sejamos desafiados a sermos melhores, mais santos, humildes e amorosos. Contudo, às vezes temos que parar, pensar e encerrar a luta, não para entregarmos a vitória a quem nos entristece, mas para sairmos de algo que a nada está levando. Mas que fique bem claro, aliança de casados, principalmente com filhos envolvidos, deve ser muito pensada para ser encerrada. Muitos hoje se separam por qualquer coisa, às vezes mais para seguirem solteiros e com liberdades que essa condição lhes permite. Deus sempre honra o fiel. 
      Como em tantas outras questões da vida, tristeza tem mais a ver com nós conosco, que com nós com os outros. Por outro lado, Deus sabe tudo e sempre, assim, o que orar e obedecer, não será presa de relação que no futuro pode decepcioná-lo além do que possa suportar. Aos sessenta e uns anos entendi que se tivesse tido mais paciência, se os outros tivessem tido mais paciência comigo, se tivesse havido perdão, ainda que para situações graves, eu e quem estava comigo teríamos amadurecido mais e depressa, perdido menos tempo e menos dinheiro. Mas quem escolhe certo quando é jovem? Quem sabe dar a volta em situações que o egoísmo o meteu? Sempre parece mais fácil quebrar alianças, que enfrentar decepção. 
      No texto bíblico inicial o salmista descreve em detalhes seu mundo emocional pesado pela tristeza. “Estou angustiado, de tristeza se consomem os meus olhos, a minha alma e o meu corpo, gasta-se a minha vida na tristeza, os meus anos, em gemidos, debilita-se a minha força, meus ossos se consomem”, são fortes as palavras. Tristeza mata aos poucos, o corpo, mas mais, mata a alma com corpo ainda vivo. Tristeza enfraquece nosso sistema imunológico, deixa-nos suscetíveis a doenças, simples resfriado torna-se pneumonia. Mas pior que a tristeza interior, que muitas vezes só nós sabemos, há a humilhação pública, que nos rouba qualquer direito a um sofrimento minimamente digno e a uma sobrevivência mais privada. 
      “Tornei-me objeto de deboche para todos os meus adversários, de espanto para os meus vizinhos e de horror para os meus conhecidos, os que me veem na rua fogem de mim, estou esquecido no coração deles, como morto, sou como vaso quebrado, pois tenho ouvido a murmuração de muitos, conspirando contra mim, tramam tirar-me a vida”. Deus é amor, seu amor só é limitado pela verdade, só a verdade pode curar e permitir que nos movimentemos no amor de Deus para sua luz santa. Humilhações extremas são medidas extremas que Deus toma em uma situação extrema, a dureza persistente de coração. Tristeza sempre é provocada por nós, seja por errarmos, seja por permitirmos que os outros errem insistentemente conosco. 
      Entretanto, ainda que o salmista indigne-se diante de homens maus, que o fazem sofrer, ele não se vitimiza, reconhece sua parte de responsabilidade na situação, “por causa da minha iniquidade”, por isso pode fazer a última parte da oração. “Quanto a mim, confio em ti, Senhor. Eu disse: "Tu és o meu Deus." Nas tuas mãos estão os meus dias; livra-me das mãos dos meus inimigos e dos meus perseguidores. Faze resplandecer o teu rosto sobre o teu servo; salva-me por tua misericórdia. Não seja eu envergonhado, Senhor, pois te invoquei; envergonhados sejam os perversos, emudecidos na morte.” A tristeza pode ser enorme, mas Deus é maior. Olhemos para Deus e ele nos tirará do fundo poço em que a tristeza nos lança. 

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