01/04/23

Que língua você fala? (1/2)

      “E nós não temos recebido o espírito do mundo, e sim o Espírito que vem de Deus, para que conheçamos o que por Deus nos foi dado gratuitamente. Disto também falamos, não em palavras ensinadas pela sabedoria humana, mas ensinadas pelo Espírito, conferindo coisas espirituais com espirituais. Ora, a pessoa natural não aceita as coisas do Espírito de Deus, porque lhe são loucura. E ela não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente. Porém a pessoa espiritual julga todas as coisas, mas ela não é julgada por ninguém.” I Coríntios 2.12-15 
(amo essa passagem, perdoe-me por usá-la com frequência)

      “São 6.909 línguas diferentes faladas ao redor do mundo, segundo o compêndio Ethnologue, que cataloga os idiomas do nosso planeta desde 1950. Mas a maioria desses idiomas a gente quase não ouve: 6.520 línguas (cerca de 94% do total) estão na boca de apenas 6% dos habitantes da Terra, enquanto o restante da população mundial usa apenas 389 idiomas.” Fonte

      Não somos chamados para falar com todos, sermos entendidos por todos, não com respeito a certas visões de mundo e experiências espirituais. Alguns assuntos muito importantes para nós, somente alguns poderão ouvir, entender, crescer e nos fazer crescer. É como se houvesse um outro idioma, não ligado ao país ou região em que fomos criados neste mundo, nem à formação intelectual e profissional que recebemos, mas à visão e vivência morais e espirituais. Entendermos isso é sermos eficientes, felizes, assim como instrumentos de bênção para pessoas específicas, que podemos encontrar quando ouvimos a voz do Espírito Santo, obedecendo a chamada que Deus nos dá neste mundo. 
      Entenda corretamente o que foi dito, todos temos a obrigação, se não por amor cristão por educação social, de nos comunicarmos com todos, com respeito e objetividade. Isso é necessário não só no nosso crescimento como ser humano, visto que somos chamados para viver em sociedade, como para desempenharmos atividades profissionais, como prestadores de serviço, compradores, vendedores, consultores, empregados, patrões etc. A restrição a que me refiro tem a ver com preferências e percepções mais pessoais, como ideologia política e religião, nessas áreas uma pessoa não precisa pensar como a outra, assim como não deve achar que pode ou deve mudar o pensamento alheio. 
      Ainda assim uma tentativa, serena, educada, com amor, expondo-se, não impondo-se, pode ser feita para compartilhar determinado ponto de vista com quem sabe-se que tem ponto de vista diferente, mas nesse caso, surgindo uma oposição onde não se acha concordância, alguém deve encerrar a polêmica, podendo seguirem como amigos, ainda que com pontos de vista diferentes. O mais espiritual deve se calar primeiro, e de maneira alguma sentir-se melhor por isso, ainda que saiba que tem argumentos mais legítimos. O ideal é que todos sejam espirituais, e se há divergência que não acrescenta algo, alguém não é, espirituais são humildes e aprendem mesmo com as diferenças. 
      Por exemplo, católico tentar convencer evangélico que sua fé em santos é legítima e  não é idolatria, ou evangélico tentar convencer afro-espírita que as entidades com as quais esses se relacionam não são de Deus, são discussões inúteis. O melhor que pode ser feito, quando houver abertura e muitos de nós são amigos próximos de pessoas com religiões diferentes das nossas, é explicarmos nossa maneira de crer, com muita calma e amor, e depois ouvirmos, também com muita calma e amor, a maneira do outro crer, não fazendo juízo de valor, só constatando diferenças. O que pode convencer são nossas obras práticas de vida moral, santidade, amor e justiça, não as teorias e as doutrinas em que cremos.  
      A verdade, contudo, é uma, e agora chegamos no ponto desta reflexão: certas pessoas falam o nosso idioma e outras não. Me refiro a um “idioma” espiritual, moral, afetivo, assim, algumas pessoas, mesmo que tenham religiões diferentes das nossas, nos entenderão e nos ouvirão até que com facilidade. Outras, contudo, ainda que frequentem a mesma igreja que a gente, nunca entenderão de fato o que queremos em Deus e como entendemos espiritualidade. Irmão em Cristo, eis um termo que tenho muito cuidado em usar, já achei melhores irmãos espirituais fora de igrejas evangélicas que dentro, que são amigos para todas as horas, sem falso moralismo, preconceitos ou sob concessões. 

Leia na postagem de amanhã
a 2ª parte desta reflexão

31/03/23

Enoque andou com Deus (4/4)

      “E foram todos os dias de Enoque trezentos e sessenta e cinco anos. E andou Enoque com Deus; e não apareceu mais, porquanto Deus para si o tomou.Gênesis 5.23-24

      Adão gerou a Sete que gerou a Enos que gerou a Cainã que gerou a Maalalel que gerou a Jerede que gerou a Enoque, assim, pela narrativa bíblica, Enoque é a sétima geração de homens na Terra, ou conforme pode ser mais lúcido entender, a sétima geração de homens “selecionados” a partir de Adão, o primeiro homem “selecionado”. Com “selecionado” não entendo que só houve esses homens, essas famílias, mas esses foram selecionados pela narrativa de Moisés como patriarcas da nação de Israel, do povo judeu atual. Enoque, nessa narrativa, gerou a Matusalém, esse a Lameque, esse a Noé e esse a Sem, do qual descendeu Abraão, portanto, Sem é o décimo primeiro homem “selecionado” pela narrativa em I Crônicas 1.1-4 (autoria atribuída a Esdras). 
      Para a Cabala, o esoterismo judaico, assim como para ocultismos e outras filosofias mágicas, essa genealogia e principalmente Enoque e sua experiência peculiar, têm muita importância. Há até um livro aliado a Enoque, com cópia mais antiga de 200 a.C. e considerado apócrifo pelo cristianismo, onde descrições precisas de seres espirituais, suas hierarquias e funções, são colocadas. Judas (1.14-15), livro do cânone bíblico oficial tanto da Bíblia católica quanto da protestante, cita claramente uma passagem do livro de Enoque, prova que esse livro era conhecido e aceito no primeiro século, mesmo por discípulos de Jesus. A religião oficial que Moisés parece começar a descrever com Enos, tem uma excessão em Enoque?
      Enoque andou com Deus e não apareceu mais, com certeza das passagens mais intrigantes da Bíblia, sobre ela não temos maiores explicações, mas podemos conjecturar. Não tem como não aliar isso a arrebatamento do Espírito Santo, experiência que pode-se ter ainda em vida, como teve Paulo (II Coríntios 12.2-4), ainda que no caso de Enoque ele foi e não voltou, assim, experiência mais semelhante com a de Elias, que desapareceu ainda vivo num carro de fogo (II Reis 2.11). Há citações fantásticas na Bíblia, que a rasa doutrina tradicional cristã não pode explicar, se muitos evangélicos quisessem, poderiam perguntar a Deus e conheceriam mistérios, que para eles são assuntos proibidos e mesmo diabólicos, quando não são. 
      Pode-se entender a narrativa de Moisés na Torá como exotérica, isso é, um texto primário e para o povo comum sobre a relação do ser humano com espiritualidade. Algumas coisas até são citadas, mas não aprofundadas, devem ter sido citadas porque já faziam parte da tradição oral, da mitologia israelita, eram de conhecimento popular. A narrativa esotérica, contudo, ficou para outros livros e outros leitores, que textos da Cabala estudam com mais aprofundamento. Sabe quem quer saber, contudo, quem escolhe não querer saber, não fica só com restrições de informações, mas limita também seu fortalecimento moral, assim como pode se tornar presa fácil de manipuladores religiosos, que dominam pelo medo do desconhecido. 
      Penso que o questionamento mais importante, e mais útil, não seja como Enoque sumiu, mas por que ele sumiu. Muitos se atêm a como e a o que ocorreu depois, fazendo uso de especulações, que apesar de poderem revelar mistérios sobre o mundo espiritual não oferecem aquilo de mais importante que Deus quer nos ensinar. É importante conhecermos mais o mundo espiritual? Eu creio que sim, mas o mais importante é termos virtudes morais, sermos mais santos, amarmos mais, sermos mais pacientes, não julgarmos nem termos preconceitos. Enoque foi tomado por Deus ainda em vida, sendo livrado de enfrentar a morte física, porque tinha virtudes morais elevadas, tinha entendido e cumprido sua missão no tempo e na Terra. 
      Muitos querem ser arrebatados no espírito para conhecerem mistérios, e muitos até conseguem isso, ainda que não pelo Espírito Santo. Contudo, poucos querem pagar o preço que Paulo, Elias e Enoque pagaram, com certeza vidas consagradas, humildes e fiéis. O importante é que Enoque andou com Deus, se ele não apareceu mais depois, ou não, se Deus o tomou para si em vida, ou não, isso é com Deus. Sou um ferrenho defensor de que quem quer saber, sabe, e tem direito a isso, ainda que as instituições religiosas digam que não, mas mais importante que isso é termos vidas práticas como a de Jesus. Isso será avaliado em nós na eternidade, e não sabermos nomes de anjos e mesmo termos mais ou menos dons espirituais. 

30/03/23

Origem de uma religião (3/4)

      “E tornou Adão a conhecer a sua mulher; e ela deu à luz um filho, e chamou o seu nome Sete; porque, disse ela, Deus me deu outro filho em lugar de Abel; porquanto Caim o matou. E a Sete também nasceu um filho; e chamou o seu nome Enos; então se começou a invocar o nome do Senhor.Gênesis 4.25-26

      A afirmação de Moisés no final do versículo vinte e seis do capítulo quatro de Gênesis é intrigante: se começou a invocar o nome do Senhor. Mas como assim, antes isso não era feito? A Bíblia não deixa claro o que significa essa informação, assim o que podemos fazer são suposições. Penso que com “invocar” o escritor se refere a uma busca de Deus de maneira mais formal, isso pode ser o registo do surgimento de uma religião, no sentido de se estabelecer um contato com o divino de forma institucional. Pelo time (leia como tempo em inglês) da narrativa bíblica, o período que se passou entre a criação do primeiro casal, o nascimento dos dois primeiros irmãos, o assassinato de Abel, o exílio de Caim, o nascimento de Sete e a vida de Enos, nos parece rápido e ininterrupto, uma pessoa sendo diretamente conectada a outra. 
      Se foi mesmo assim não podemos afirmar, na verdade, e aqui vai uma grande conjectura, nem sabemos se a “história” relatada nos quatro primeiros capítulos de Gênesis se refere à humanidade em todo o planeta Terra, ou apenas a um povo específico, o israelita ou judeu, em uma região no Golfo Pérsico. A favor dessa possibilidade podemos argumentar com a pergunta clássica: como o homem se multiplicou existindo só Caim, Abel e Sete? O mais sábio e para mim o que o Espírito Santo orienta, é entendermos que os personagens selecionados e relatados por Moisés têm o propósito de nos ensinar lições que para Deus são relevantes aprendermos, assim busquemos entender esse propósito divino, e não usar os textos de Gênesis como informações históricas e científicas. Isso não é pecado, meus caros evangélicos. 
      Existe um princípio no estudo científico da história, o texto muitas vezes pode revelar muito mais sobre o escritor e seu tempo, que sobre os fatos, os personagens e os tempos desses no texto. Gênesis pode nos dizer muito sobre Moisés, dito autor do livro, sobre suas relevâncias e propósitos ao ter escrito o livro, assim como boa parte do Pentateuco. Moisés construiu não só a religião e o estado de Israel antigo, quando libertou a nação do Egito e recebeu a Lei de Deus, como também estabeleceu a base cultural dos judeus, e fez isso de uma maneira moderna e eficiente, registrando em textos a criação de Adão e Eva, a seleção de Noé e seus filhos, a chamada de Abraão, até a transformação dos filhos de Jacó em famílias e finalmente numa nação. Se Moisés tinha propósito, Deus ainda mais com a visão de mundo de Moisés. 
     Por isso, ainda que levado como escravo, migrando de um país para outro, vivendo em várias regiões do mundo durante milênios, o povo judeu manteve, não só sua saúde física, visto que a Torá também dá orientações sobre higiene e saúde, mas também sua integridade cultural. Pode-se matar pessoas, mesmo milhões delas, mas não se extermina uma ideia, a “ideia Israel” está bem definida nos textos de Moisés e em outros textos israelitas. Podemos dizer, que mais até que Abraão ou Davi, Moisés é o criador do povo judeu, e é sobre essa cultura que o cristianismo de Jesus, Paulo e João evangelista, foi construído, dando origem depois ao catolicismo e ao protestantismo. Cristãos são muito mais membros de seitas judaicas que outra coisa, retire a história e a religião do povo judeu deles e não haverá cristianismo institucional. 
      Usei o termo institucional referindo-me ao cristianismo como religião desenvolvida neste mundo, já o verdadeiro cristianismo, que está no coração de Deus, no centro de sua vontade, dele podemos retirar muita coisa que não fará diferença. O que deve ficar? Jesus, sua vida e morte como homem e sua existência eterna como Deus. A Bíblia é maravilhosa, aprendo com ela todos os dias, mas como sempre digo, entendemos sua melhor relevância quando a lemos com inteligência científica e unção genuína do Espírito Santo, uma leitura assim nos direcionará a Cristo. Qual o objetivo de Moisés registrando a declaração “então se começou a invocar o nome do Senhor”? Informar a origem de sua religião, aquela que se concretizaria com as leis, os mandamentos e os protocolos de festas e sacrifícios e ofertas oferecidos num templo. 
      Algo precisa ser dito sobre religiões institucionalizadas neste mundo, elas só nascem quando a origem espiritual pura que veio do outro mundo morre. Até Sete o ser humano buscava a Deus? Sim, buscava, mas de uma maneira mais direta, informal, pura, vide a oferta aprovada por Deus de Abel. O homem ainda tinha viva, de alguma forma, o contato original com Deus que Adão e Eva fizeram, assim não precisava de rituais e regras. Quando o Espírito Santo esfria porque os homens se desviam em algum nível, é preciso criar ritos e liturgias para “encenar” (ritualizar) procedimentos que não podem mais ser exercidos de maneira mais viva e livre. O melhor exemplo disso é o catolicismo, ele não é uma evolução do cristianismo, mas uma seita que surgiu desse, uma visão de homens desviados de uma revelação espiritual direta de Deus, o verdadeiro Cristo. 

29/03/23

A ti cabe dominar teu desejo (2/4)

      “E se não fizeres bem, o pecado jaz à porta, e sobre ti será o seu desejo, mas sobre ele deves dominar. E falou Caim com o seu irmão Abel; e sucedeu que, estando eles no campo, se levantou Caim contra o seu irmão Abel, e o matou.Gênesis 4.7b-8

      Pelo texto bíblico abaixo podemos ter a impressão que a vida de Caim e Abel era solitária, que não tinham muita gente para conviver, mas eu não creio que foi assim com Caim e Abel verdadeiros, e penso que houve uma história real na qual o mito foi estabelecido. Que seja, aprendamos a lição como Deus nos permite aprender pelo texto registrado por Moisés, se Caim só tivesse que conviver com Abel isso já seria suficiente para que o ponto de seu caráter que precisava ser tratado fosse confrontado. Ninguém se engane, se Deus quer tratar-nos achará um jeito, independente do ambiente externo, das pessoas com que vivemos, de nossa profissão ou de nosso nível financeiro, ninguém vem ao mundo de férias, sempre há propósito. 
      Há nisso uma lição, o tratamento mais pesado a que Deus nos submete é com aqueles que vivem próximos a nós, principalmente pais e irmãos. Deus insistiu em abrir os olhos de Caim, “se não fizeres bem, o pecado jaz à porta, e sobre ti será o seu desejo, mas sobre ele deves dominar”, simples assim, e eis a luta de todos os seres humanos e de todos os tempos resumida, encarar tendências prejudiciais e vencê-las. Contudo, hoje parece que o mundo incentiva jovens a fazerem justamente o contrário, deixarem correr soltos desejos e impulsos. Por exemplo, se as mulheres querem andar expondo seus corpos, em qualquer hora e lugar, podem, se algo ruim ocorrer a culpa não é delas, mas de homens que não se controlaram. 
      Entendam-me certo, não sou falso moralista e muito menos sexista, não culpo mulheres, não digo que elas se vitimizam, por outro lado não inocento homens e muito menos os demonizo, com equilíbrio e bom senso pode haver liberdade para todos, respeito e boa moral que prioriza o espírito, não o corpo. Mas a orientação de Deus é clara, a ti cabe dominar teu desejo, aqui desejo são coisas ruins, ou inconvenientes que apesar de a princípio serem boas podem desencadear algo ruim. Tem gente tendo intenção boa e não sendo ativamente errada, mas fazendo isso no lugar errado, na hora errada e com pessoas erradas, o resultado é que algo dará errado, numa passividade irresponsável que o mundo chama de direito. 
      Voltemos a Caim e Abel, olhando a história pelo lado de Abel ele parece ter recebido uma injustiça, não tido oportunidade para se defender dela e simplesmente sido mandado para o outro mundo antes do tempo. Mas como sempre o ponto de vista de Deus é o que explica tudo com justiça, Abel cumpriu sua missão, sofrendo violência e traição? Sim, mas que importa, ele estava no centro da vontade de Deus e foi usado pelo Senhor, ainda que fosse só para trazer à tona a verdade sobre Caim, um mal que ele escondia bem. Sejamos sábios, só saberemos de fato nossa missão neste mundo na eternidade, e pode ser algo bem mais subjetivo que achamos que é, algo que homens não dão valor, que só Deus vê e dá um valor eterno. 
      Muitos se acham como perdedores porque não conhecem, e se conhecem não aceitam, suas missões principais no mundo, querem ser uma coisa, acham que isso é o mais importante, e como não conseguem ser, frustram-se. Muitos estão fazendo a vontade de Deus e não sabem, ou não aceitam que estão, Deus os usa e ainda assim não são felizes. Fazer o que se gosta e gostar do que se faz, diz o ditado. Caim queria ser Abel, por isso o invejava, mas não sabia que a missão de Abel era morrer por ele, a exemplo de Cristo. Se soubesse disso será que Caim invejaria o irmão? Quem não ama a ponto de morrer por alguém viverá ainda que matando alguém, não necessariamente matando a pessoa, mas assassinando sua reputação.
      Morremos por alguém quando dominamos nosso egoísmo, nossas vaidades, nosso desejo de prevalecer, de darmos a última palavra, de nos aparentarmos como superiores. Mas quem não se aceita não amará, não se sentirá satisfeito, invejará e será um assassino, ainda que só de reputações. Abel também devia ter desejos que devia dominar, todos temos, mas pelo que entendemos na Bíblia ele teve vitória, ainda que para o violento Caim tenha sido um fraco vencido por sua inveja. Não importa, Deus sabe quem somos, não se deixa enganar pela aparência, por isso aceitou o sacrifício de Abel e não aceitou o de Caim. Felizes os que ainda que tendo que morrer de algum jeito no mundo, terão vidas agradáveis ao Senhor na eternidade. 

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      “E conheceu Adão a Eva, sua mulher, e ela concebeu e deu à luz a Caim, e disse: Alcancei do Senhor um homem. E deu à luz mais a seu irmão Abel; e Abel foi pastor de ovelhas, e Caim foi lavrador da terra. E aconteceu ao cabo de dias que Caim trouxe do fruto da terra uma oferta ao Senhor. E Abel também trouxe dos primogênitos das suas ovelhas, e da sua gordura; e atentou o Senhor para Abel e para a sua oferta. Mas para Caim e para a sua oferta não atentou. E irou-se Caim fortemente, e descaiu-lhe o semblante. 
      E o Senhor disse a Caim: Por que te iraste? E por que descaiu o teu semblante? Se bem fizeres, não é certo que serás aceito? E se não fizeres bem, o pecado jaz à porta, e sobre ti será o seu desejo, mas sobre ele deves dominar. E falou Caim com o seu irmão Abel; e sucedeu que, estando eles no campo, se levantou Caim contra o seu irmão Abel, e o matou. E disse o Senhor a Caim: Onde está Abel, teu irmão? E ele disse: Não sei; sou eu guardador do meu irmão? E disse Deus: Que fizeste? A voz do sangue do teu irmão clama a mim desde a terra.
Gênesis 4.1-10
 
Leia na postagem de ontem
a 1ª parte desta reflexão

28/03/23

Se fizer certo será aceito (1/4)

      “Mas para Caim e para a sua oferta não atentou. E irou-se Caim fortemente, e descaiu-lhe o semblante. E o Senhor disse a Caim: Por que te iraste? E por que descaiu o teu semblante? Se bem fizeres, não é certo que serás aceito?Gênesis 4.5-7a 

      Quando lemos o texto bíblico abaixo (no final desta reflexão), não nos lembrando da história toda, até a primeira parte do versículo cinco podemos não entender a avaliação de Deus, acharmos mesmo que o Senhor tenha sido injusto. Existem algumas interpretações de porque o sacrifício de Abel agradou a Deus e o de Caim não, mas pelo início do capítulo quatro de Gênesis entendemos que ambos se esforçavam em seus ofícios, ambos separaram partes legítimas para ofertarem a Deus. Sim, eles tinham atividades profissionais distintas, Abel trabalhava com animais e Caim com vegetais (como agricultor ou como coletor?), mas como Abel deveria pastorear bem as ovelhas, da mesma forma Caim administrava a terra, não podemos fazer pelo texto interpretação diferente. 
      Essa é a interpretação inicial e humana, que podemos fazer não só dessa tragédia familiar bíblica, como também de vidas de outros homens, próximos a nós hoje, e como temos a tendência de sermos injustos com Deus, defendendo os homens. Mas eu penso que Deus permitiu que a passagem fosse registrada assim para que a ênfase do ensino ficasse clara, a diferença não estava nas coisas materiais, nem no fato de um oferecer o primogênito de suas ovelhas e o outro do fruto da terra. Que culpa tem alguém de ter atividade diferente? Ainda que na religião israelita sacrifício de sangue seja substituto por pecados melhor que oferta de vegetais, ainda que criar uma ovelha empregue mais trabalho que colher frutos da natureza.
      Não penso que o que levou Deus a avaliar diferentemente a oferta de Caim tenha sido isso, o problema era mais profundo, subjetivo, pessoal, interior, tinha a ver com o coração de Caim, esse era diferente do coração de Abel. Ainda que Caim tivesse oferecido oferta errada, se houvesse nele algum temor a Deus, alguma humildade, ele teria recebido a desaprovação do Senhor e reagido corretamente. Ainda que triste a princípio, depois buscando a Deus e perguntando no que poderia melhorar sua oferta para que o Senhor a aprovasse. Mas pergunto: Caim ficou arrasado porque Deus não gostou do que ele ofertou ou porque Deus gostou do que Abel, seu irmão, ofertou? Talvez o problema de Caim tenha sido só inveja.
      A resposta de Deus é emblemática, entendê-la é compreender como o Espírito Santo fala com todos nós até hoje, “se bem fizeres, não é certo que serás aceito?”. Deus não complica, não condena, só ensina, mostra causa e efeito, aja certo e será aprovado, faça isso e resolva a situação, basta que seja humilde, reconheça onde errou e não erre mais. Mas o problema de Caim não era Deus, e que terrível é o ser humano estar nessa condição, de não se importar com o que Deus diz, quando isso ocorre cai-se na idolatria, coloca-se o homem acima de Deus, foi o que Caim fez. Era mais importante para ele ser melhor que o irmão, talvez para chamar a atenção dos pais que ele poderia achar que davam mais importância a Abel que a ele. 
      Caim não se resolveu com Deus e o mal o dominou, inveja tornou-se homicídio, matando o próprio irmão, eis a terrível escalada de pecado não resolvido, o primeiro assassinato registrado na Bíblia, e justamente de irmão contra irmão. Como em outras vezes eu faço um questionamento: por que Deus permitiu que esse crime estive aí, no quarto capítulo do primeiro livro da Bíblia, com o homem ainda tão próximo ao jardim do Éden e a Deus? Pela tradição judaica-cristã, sob os textos bíblicos, podemos nos acostumar a interpretar pecado original como uma exceção, como algo que não devia ter acontecido, e que só foi totalmente resolvido com vida e morte do Cristo no mundo. Mas será que foi isso, só um acidente? 
      Penso que não, o homem é colocado no planeta para ser testado e reprovado, só isso revela ao ser humano a verdade sobre ele, alguém que tem que sofrer e fazer sofrer muito para se pôr a caminho para a região espiritual mais elevada do Altíssimo. Depois de Adão e Eva, na primeira prova que o homem teve, e justamente convivendo com um irmão de sangue, o ser humano é reprovado. O homem só é confrontado consigo mesmo quando vive em sociedade, são os outros que trazem à tona nosso pior e nosso melhor. Se Caim vivesse sozinho não teria quem invejar, mas Deus pôs Abel com ele, com habilidades profissionais opostas as dele, mas talvez com outras características diferentes, que a Bíblia não cita, isso para testá-lo.

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      “E conheceu Adão a Eva, sua mulher, e ela concebeu e deu à luz a Caim, e disse: Alcancei do Senhor um homem. E deu à luz mais a seu irmão Abel; e Abel foi pastor de ovelhas, e Caim foi lavrador da terra. E aconteceu ao cabo de dias que Caim trouxe do fruto da terra uma oferta ao Senhor. E Abel também trouxe dos primogênitos das suas ovelhas, e da sua gordura; e atentou o Senhor para Abel e para a sua oferta. Mas para Caim e para a sua oferta não atentou. E irou-se Caim fortemente, e descaiu-lhe o semblante. 
      E o Senhor disse a Caim: Por que te iraste? E por que descaiu o teu semblante? Se bem fizeres, não é certo que serás aceito? E se não fizeres bem, o pecado jaz à porta, e sobre ti será o seu desejo, mas sobre ele deves dominar. E falou Caim com o seu irmão Abel; e sucedeu que, estando eles no campo, se levantou Caim contra o seu irmão Abel, e o matou. E disse o Senhor a Caim: Onde está Abel, teu irmão? E ele disse: Não sei; sou eu guardador do meu irmão? E disse Deus: Que fizeste? A voz do sangue do teu irmão clama a mim desde a terra.
Gênesis 4.1-10
 
Leia na postagem de amanhã
a 2ª parte desta reflexão

27/03/23

Tempo: amigo ou inimigo?

      “Não me rejeites no tempo da velhice; não me desampares, quando se for acabando a minha força.Salmos 71.9

      Eis a obra do ser no mundo, vencer o tempo e os efeitos que ele impõe ao corpo. Sim, há uma oposição intrínseca na existência de corpo e alma juntos, mas com a qual Deus, criador e elevador de todos os seres, conta. “Pois será como a árvore plantada junto a ribeiros de águas, a qual dá o seu fruto no seu tempo, as suas folhas não cairão, e tudo quanto fizer prosperará” (Salmos 1.3), ainda assim é possível dar frutos no tempo, virtudes que agregam ao espírito as glórias do habitante do céu, a melhor eternidade de Deus. 
      Muitos não entendem o propósito de seus tempos no mundo, e muitos em igrejas e seguindo a Bíblia usam fé e religião só para seus desígnios, não para serem aprovados por Deus. Viemos ao mundo para sofrer? Sim, é isso, ainda que o sofrimento útil não seja efeito de covardia e passividade. Ao contrário, é preciso força e coragem para sofrer do jeito certo, que administra tempo em comunhão íntima com Deus. O importante é aceitarmos que apesar de parecer longa, a vida passa depressa, logo voltamos à eternidade. 
      Mas cuidado, não pense que só a fé pode levá-lo ao céu, e muitos em igrejas evangélicas e católicas estão assim, acomodados a liturgias, rituais e dogmas. Se não houver trabalho persistente no mundo, que faz morrer a carne e viver o espírito, na eternidade será pior. Apetites do corpo, vaidades, sensualidades, ódios e invejas, persistirão e de uma maneira terrível, pois serão sentidos, mas não poderão ser satisfeitos, visto que haverá espírito sem corpo. O tormento vindo dessa situação é o que podemos chamar de inferno. 
      Contudo, os que aprenderam a mortificar as obras da carne no mundo material, ainda que em lutas, já provaram o céu no plano físico, pois olharam para o alto, para Deus, e se colocaram em movimento para ele. Persistamos em nossa luta contra o tempo que enfraquece nossos corpos, e é bom que seja assim, nos traz à realidade, que é a eternidade, não a ilusão do mundo. Quem ama a Deus, de todo o coração e quer conhecê-lo e agradá-lo não é ímpio, mas amado do Senhor e sempre achará a paz que permanece. 
      “Por isso, todo aquele que é santo orará a ti, a tempo de te poder achar, até no transbordar de muitas águas, estas não lhe chegarão” (Salmos 32.6). Dos que temem a Deus o tempo é amigo, retarda efeitos de causas ruins (punições do universo ou infernos) e adianta efeitos de causas boas (recompensas ou o céu). Já os que só confiam em si mesmos e lutam por glória humana no mundo, estarão sempre correndo atrás do tempo, nunca encontrando-o, sempre insatisfeitos, culpando os outros pela insensatez de seus corações.
      “Louvarei ao Senhor em todo o tempo; o seu louvor estará continuamente na minha boca. A minha alma se gloriará no Senhor; os mansos o ouvirão e se alegrarão” (Salmos 34.1-2). Uma arma contra o tempo é louvar a Deus sempre, isso ocupa nossas energias, não com ansiedades, vícios e culpas, mas com adoração que nos coloca em comunhão espiritual com o Deus Altíssimo. Nessa conexão somos fortalecidos, vemos a existência de cima, onde não há tempo, e conquistamos humildade e mansidão. 

26/03/23

Tesouro em vaso de barro

      “Temos, porém, este tesouro em vasos de barro, para que a excelência do poder seja de Deus, e não de nós. Em tudo somos atribulados, mas não angustiados; perplexos, mas não desanimados. Perseguidos, mas não desamparados; abatidos, mas não destruídos; trazendo sempre por toda a parte a mortificação do Senhor Jesus no nosso corpo, para que a vida de Jesus se manifeste também nos nossos corposII Coríntios 4.7-10

      O segredo da vida eterna é separar efeito de causa, matéria de espírito. O corpo físico contém o espírito, mas ele não é aquilo que somos de mais importante, de mais profundo, de mais duradouro, ele só reflete de maneira imperfeita as experiências espirituais. Mesmo boas experiências com o Espírito Santo podem refletir no corpo físico e em nossas almas, efeitos que podem conduzir a equívocos. Muitos procuram experiências, achando que elas são espirituais e por isso as mais legítimas de serem buscadas, mas estão buscando só efeitos de uma experiência espiritual na carne, portanto, buscando a carne e não o Espírito.
      O corpo físico está em constante degradação, sempre morrendo, a partir do momento que somos expostos à luz do mundo, que nascemos das entranhas de nossas mães, iniciamos um processo irreversível de falecimento. A natureza física do planeta emprestou nossos corpos e os cobra de volta, no grande ciclo da vida material, do pó para o pó. Ainda que estejamos sujeitos a acidentes fatais, que podem apressar o fim, até próximo aos quarenta anos nosso corpo consegue repor células mortas por novas células, assim o processo é retardado, mas depois não haverá mais renovação, só morte real que se apressará com os anos. 
      Não só órgãos e membros de nossos corpos morrem, nossos sentimentos também se enfraquecem, nossos mecanismos de percepção emocional e racional da realidade, tanta a física quanto a espiritual, falecem, diminuindo assim nossas capacidades de encantamento e de paixão pela vida, pelo mundo, pelas pessoas, por nós mesmos e mesmo por Deus. Isso é só a causa, não é o efeito, Deus é espírito e como tal, vivo, eterno, benigno, iluminado, imutável, dessa forma as experiências que temos com ele, mesmo em corpos envelhecidos e enfermos, são sempre novas e maravilhosas. Nós morremos, Deus em nós, não. 
      Contudo, nossos corpos são inviáveis, por tenderem sempre à morte, para repetirem a mesma sensação, seja boa ou ruim. A primeira vez que você provou uma fruta, o primeiro trago de uma bebida alcoólica, o primeiro beijo, a primeira relação sexual, deixaram em você lembranças de sensações que nunca mais se repetirão. Poderão até serem semelhantes, até melhores em certas ocasiões, mas nunca iguais. Mesmo uma experiência maravilhosa de oração com Deus, o recebimento de um dom espiritual, a primeira vez que você falou em línguas espirituais estranhas, seu corpo físico não sentirá de novo a mesma sensação.
      Por isso não podemos confiar no efeito, mas na causa, não podemos idolatrar o corpo, mas priorizar o espírito, nem podemos desanimar quando não conseguimos sentir algo bom do mesmo jeito que sentimos antes. Isso não é de forma alguma uma punição ou qualquer espécie de capricho de Deus, mas é o processo que ele usa para nos libertar da carne, do corpo físico, do mundo, e abrir nossos sentidos espirituais, livres das influências das ilusões da matéria, para a vida espiritual eterna. Se no nascimento o corpo reconhece a vida chorando para que respire profundamente, nosso espírito reconhece a Deus vendo morrer o corpo.
      Isso também nos conduz naturalmente a viver pela fé, não pelos sentimentos, aliás, com o tempo fé se torna a única ferramenta confiável para conhecermos e sermos abençoados por Deus, visto que aprendemos a não confiar mais no que sentimos ou deixamos de sentir, mas naquilo que pela fé experimentamos. Não desanime, isso não nos leva a um final de vida sem sabor, sem alegria, sem graça, mas nos faz conhecer sabores, alegrias e relevâncias que sempre existiram dentro de nós, em nossos espíritos, mas que quando éramos jovens e imaturos ficavam sufocados pelos encantamentos e pelas paixões do corpo físico. 
      Por isso dor e sofrimento, causados pelas lutas e também pelas enfermidades, e mesmo que sejam só emocionais, por recebermos as injustiças e egoísmos dos homens e não reagirmos, são tão úteis no tratamento que Deus faz em todos os seres humanos neste mundo. Quem se nega a aceitar isso, nega sua vocação maior de existir, nega o motivo de estar no planeta Terra. Dor e sofrimento nos chamam à realidade do mundo, estamos sempre morrendo, e nos convocam à realidade do outro mundo, o espírito é eterno e precisa ser libertado da matéria, dor e sofrimento nos libertam de nós e nos aproximam de Deus. 
      O texto bíblico inicial nos chama a atenção para uma coisa. Busquemos a Deus sempre e ele nos dará consolo e paz para seguirmos em frente, mas não esperemos ter vidas plenamente sossegadas neste mundo. Quem desiste porque se sente sempre atribulado, angustiado, perplexo, perseguido, abatido, aceite, o espírito habita em vaso de barro, esse vaso traz sempre a morte em si. É assim para que a excelência do poder seja de Deus, não nossa, para que na eternidade queiramos subir para Deus num “céu”, não descer para o mundo num “inferno”. Vivemos para aprender a morrer e então vivermos eternamente.
      A verdade é que paz interior não fica mais fácil de ser achada e segurada com o tempo, à medida que envelhecemos, fica mais difícil, porque nosso emocional se esfria, assim precisamos de mais sensibilidade e fé para percebermos e mantermos a paz. A proximidade da morte deixa o mundo espiritual mais próximo de nós, os que temem a Deus e nele confiam, o sentirão mais perto no final, serão consolados e preparados. Triste, contudo, o final dos materialistas, ateus e céticos, verão escorrer as paixões e ilusões deste mundo, lhes será drenado todo o prazer da carne, e não terão o dom do Espírito para lhes consolar.