Aceitemos, temos que mudar

      “Na vossa paciência possuí as vossas almas.” Lucas 21.19

      Às vezes me pergunto se estamos no mundo para melhorar, para mudar, ou só para admitir que temos que mudar, afinal, lutamos com certos erros por anos, sabendo que eles nos atrasam, e ainda assim tornamos a cometê-los. Não que não haja mudança, mas elas custam caro, vergonhas, feridas, mágoas, perdas, tempo de vida aqui, relacionamentos que sempre nos tomarão como algo que fomos e não somos mais, para enfim mudarmos, vencermos vícios, sermos mais pacientes com as pessoas. A verdade é uma só, eu já a entendi e aceitei-a, com meus sessenta e poucos anos, certas lutas que estavam conosco na adolescência nos acompanharão até nosso último instante de vida aqui no plano físico. 

      Posso dar um testemunho pessoal de libertação e cura de enfermidades, psicológicas, afetivas e morais (além das físicas), bem sérias, hoje muitos pecados que cometi há quarenta, trinta, vinte anos atrás, nem sequer passam pelo meu coração. Entretanto, outros, que parecem não fazer parte das configurações, que podem ser reconfiguradas e aperfeiçoadas, mas de especificações de fábrica, limites que vieram e partirão conosco, com esses pecados terei que lutar sempre. A bênção de entender isso é não desistir de chamar pecado pelo nome, nos arrependermos e lutarmos para não pecar mais, mas também estarmos em paz com coisas que não podemos mudar, só administrar, o lado bom é que isso nos faz humildes. 

Falemos menos

      “Portanto, meus amados irmãos, todo o homem seja pronto para ouvir, tardio para falar, tardio para se irar.” Tiago 1.19

      “Fale o menos possível”, Deus já me deu essa exortação de muitas formas, com amor, no privado, mas também permitiu que isso fosse dito sem amor e publicamente, com certeza porque teimei em não obedecer a orientação inicial. Felizes os humildes que aprendem mesmo pela boca de opositores. Não posso generalizar, dizer que todos devem falar menos, ainda que ouvir mais que falar e calar, para aprender de Deus e mesmo dos que não nos exortam com amor e nem no privado, seja orientação sábia para todos. Contudo, eu em especial, já entendi que experimento minha maior maturidade neste mundo, e com efeito sou mais fortalecido contra o mal, quando controlo minha ansiedade e carência e calo a minha boca. 

      Isso não nos impedirá de ter amigos verdadeiros que gostam de nos ouvir, que nos deixam falar, com os quais não precisamos conversar para provar alguma coisa, para convencer sobre nossos pontos de vista, para ganhar aprovação e reforço para sermos o que somos e falarmos o que falamos. Deus é perfeito, sempre nos dá o escape, o consolo, mas isso se esperamos nele, se buscamos o seu escape e o seu consolo, não as nossas próprias fugas na tentativa de saciarmos nossas carências. Quem fala menos ouve mais, e muitas vezes precisamos ouvir não os outros, nem mesmo a Deus, que já falou tudo que precisava, mas a nós mesmos, que guardamos muita informação em nós, mas que não paramos para digerir e praticar isso. 

Deus é perfeito

      “O caminho de Deus é perfeito; a palavra do Senhor é provada; é um escudo para todos os que nele confiam.” Salmos 18.30

      “Reconhece-o em todos os teus caminhos, e ele endireitará as tuas veredas.” Provérbios 3.6

      É sábio reconhecer o Senhor em nosso caminho, entregar a ele o início, louvá-lo no final, depender dele durante. É maravilhoso constatarmos a perfeição da vontade do Senhor em nossas vidas, e os que têm humildade para admitir isso, que tudo é feito como é feito porque Deus quer e quer sempre o melhor, serão recompensados. Contudo, a verdade sobre se Deus está realmente em nossos caminhos saberemos só no fim. Deus é paciente, sempre espera que nos arrependamos, que nos consertemos, que nos humilhemos e permitamos que ele de fato faça o melhor em nós, por nós e para nós. Um processo longo e sofrido pode ter um fim glorioso, se aprendemos a obedecer a Deus de verdade, não a nós mesmos. 

      Viver no mundo é administrar o tempo, não nos apressemos dizendo que Deus nos aprova quando em nossos corações não andamos em temor a ele, em amor e em santidade. De todas as presunçosas arrogâncias, dizer que Deus está conosco quando não está é a mais grave, dá falso testemunho, não de homens, mas do Senhor. Há muitas pessoas dizendo que ouvem o capeta, outras que seguem só as próprias mentes, mas há os que dizem que são vitoriosos porque Deus é perfeito neles, quando na verdade Deus não está com eles. Os dois primeiros tipos de pessoas pecam menos. Será que Deus realmente se agrada de nós, ou são só nossos egos arrogando agradar a Deus, mas agradando só a eles mesmos? 

Em paz por ter feito tudo que podia

       “Puseste alegria no meu coração, mais do que no tempo em que se lhes multiplicaram o trigo e o vinho. Em paz também me deitarei e dormirei, porque só tu, Senhor, me fazes habitar em segurança.” Salmos 4.7-8

     Nada nos dá mais paz, nada nos fortalece e nos protege mais, que sabermos que fizemos tudo que podíamos fazer, a tempo e da melhor maneira. Por isso é importante sermos diligentes, quando a necessidade aparecer termos a sensibilidade de percebê-la, então, exercermos nosso melhor. Nosso melhor pode não ser o que as pessoas querem de nós, mas nós sabemos que é nosso máximo, não de qualquer jeito, não por qualquer motivo, mas num amor puro e sincero. Os egoístas e amargos sempre acharão que os outros lhes dão menos que merecem, assim um dia poderão cobrar de nós pelo passado, mas se soubermos que em Deus fizemos nossa parte estaremos em paz e desse jeito nada nos abalará. 

      Para algumas pessoas nosso melhor nunca bastará, nosso amor nunca os tocará, nossa boa e prática sinceridade nunca será boa e prática, só semântica. Por isso nossa confiança em Deus e nosso esforço perseverante devem nos sustentar, servimos ao Senhor, não a homens, ainda que devamos amá-los pacientemente e suportá-los misericordiosamente. Se nos cobram, não devemos cobrar, se desconfiam de nós, não devemos desconfiar deles, se duvidam de nós, não devemos duvidar que todos podem e serão pessoas melhores no tempo certo. Ainda que no mundo físico, podemos olhar a vida e os homens como Deus vê, de forma espiritual, perdoando, fazendo nossa parte e desejando o melhor a todos. 

Se a porta é de Deus, só vá

      “Porque uma porta grande e eficaz se me abriu; e há muitos adversários.” I Coríntios 16.9

      No contexto histórico do versículo inicial, Paulo provavelmente se refere a uma oportunidade para ele desempenhar seu trabalho, evangelismo e apostolado, na cidade de Éfeso. Possivelmente os adversários fossem opositores, não dele, mas do evangelho, que poderiam estar colocando algum obstáculo para que ele desempenhasse seu ministério espiritual. Contudo, todos nós temos experiências onde “portas grandes” se abrem por Deus, mas que temos que vencer “adversários” para podermos passar por elas e conquistar o que está para nós além delas. Nesse processo há passos, aguardar a porta se abrir, saber que ela se abriu e que há adversários, e finalmente, passar pela porta, que não fiquemos parados no último passo da bênção.

      Adversários sempre existem, trevas invejam a luz e como são orgulhosas para admitir isso, atacam, caluniam, zombam. Quem não se incomoda, ou porque não tem noção ou porque respeita, não reage com ódio, ao invés disso pode admitir a admiração, e buscar, por meios corretos, ter ou ser aquilo que admira. Mas inveja pode ser o que mais motiva adversários a tentarem nos impedir de entrar por uma grande porta de bênção. Adversários, não de nós, mas de uma porta que Deus abre, são trevas, trevas são mentiras, mentiras não se sustentam, esvaem-se como fumaça de cigarro. Ao que foi autorizado por Deus para entrar por uma porta, descanse, creia e só vá, ninguém pode impedir-nos de viver o que Deus tem para nós. 

Parte de algo maior que nós (2/2)

      “E quando eu for, e vos preparar lugar, virei outra vez, e vos levarei para mim mesmo, para que onde eu estiver estejais vós também.” João 14.3

 

      Raios de sol, emanações da luz mais alta sem início e sem fim, gotas do oceano universal, grãos de areia cósmica, porção de ar movida por um vento suave que nunca para de se movimentar, que não sabemos de onde vem, nem para onde vai, flores de um jardim eterno, únicas, exclusivas. Não fazemos ideia do que somos, de a quem pertencemos, de onde viemos e para onde devemos retornar. Não nossos corpos materiais, esses se formaram neste mundo e aqui ficarão, fragmentados nos elementos, parte da natureza, e apesar de humanos sábios, como qualquer animal irracional. Nossos espíritos são eternos, estarão vivos muitos milênios depois que as estrelas caírem e a Terra virar pó estelar num outro bigbang.

      O caminho é longo, não desistamos, nem por acharmos que não tem fim, nem por crermos que tem fim. Se não há fim nos sentimos fracos demais para seguir por ele, se há fim achamos que tudo acaba breve e em preto e branco. Não, o caminho é multicolorido, entre as trevas e a luz há infinitas nuanças de cor. Isso não é para nos desanimar, mas para nos incentivar, há muito a se viver. Mas para isso temos que aprender a morrer, para egoísmo e vaidades, para preconceitos e intolerâncias, aceitarmos que se todos são parte de Deus, todos são parte de todos. Indiferente de cor de pele, de sexualidade, de idioma, de nível intelectual, de poder aquisitivo, todos são irmãos, filhos do mesmo pai, desafiados a serem amigos íntimos de Deus. 

Parte de algo maior que nós (1/2)

      “Ao que vencer lhe concederei que se assente comigo no meu trono; assim como eu venci, e me assentei com meu Pai no seu trono. Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas.” Apocalipse 3.21-22 

      Pessoas diferentes, com relação a que pensam de fé, religião e Deus, cometem erros diferentes com relação ao entendimento do que é depender de Deus. As equivocadas que são “crentes” acham que depender de Deus é ter fé e pedir coisas a ele, as equivocadas “céticas” acham que dependência de Deus é coisa de gente ignorante e ociosa, talvez baseadas naquilo que veem as equivocadas “crentes” dizerem o que é ser dependente de Deus. Ambas se enganam, ainda que às crentes, Deus ouça com misericórdia e atenda, e às céticas, Deus ame e ilumine. Depender de Deus não é vê-lo como caixa de banco a quem se entrega um cheque assinado por Cristo e se tem direito a coisas, depender de Deus é ser o caixa. 

      Depender de Deus é entender que fazemos parte de algo maior que nós, assim a dependência não estabelece uma relação de respeito distante, mas algo que ainda que comece assim não é para ser isso para sempre. Dependência de Deus autoriza-nos a estar em íntima conexão com o Altíssimo, a dependência não congela-nos num ponto, como súditos ajoelhados diante do trono, mas põem-nos a caminho para nos assentarmos no trono. O catolicismo gravou no subconsciente da cristandade um cristianismo restringente, pode-se olhar o Deus verdadeiro, adorá-lo, mas de longe, sem se aproximar. Mas Cristo nos chama justamente para que nos aproximemos de Deus, para sermos mais que soldados ou servos, mas amigos.