sábado, novembro 25, 2017

A cultura do "não tenho nada com isso"

      Havia um tempo que se o professor perguntasse numa sala de aula quem fez determinada traquinagem, se o traquina não se identificasse, alguém o identificaria. Não, isso não era ser delator, mas era achar o errado e corrigi-lo. No meio marginal, sempre houve o princípio de não "dedodurar" os comparsas, mas em outros tempos, cidadãos corretos dariam sem receio informações sobre bandidos para que fossem achados e presos. Hoje, no Brasil e no mundo, as coisas mudaram.
      Ninguém delata ninguém, principalmente pelo terror que o crime organizado difunde, tornando a lei e a justiça fracas, importa é obedecer ao tráfico de drogas e à bandidagem de forma geral. Hoje o crime, diferente de há tempos atrás, está próximo, não só porque todos estamos reféns dele, mas porque temos gente envolvida em algum grau com traficantes morando na casa ao lado. Pergunte numa escola pública quantos têm parentes dentro do sistema carcerário, é muita gente.
      O ponto, contudo, deste texto não é sobre o poder do crime em nossa sociedade. Tem sido cada vez mais comum ver no noticiário que alguém, do nada, teve uma crise de descontrole e saiu atirando, matando muitas pessoas, o ponto desta reflexão é sobre dificuldades sociais e emocionais, e no final das contas, gente com distúrbios psiquiátricos realmente sérios. Ocore que ninguém, do nada, sai matando gente, não pessoas que não são criminosas, assaltantes, traficantes. O que ocorre é que depois de um longo processo de desconforto social e de uma vida de crescente violência, recebida e dada, algo acontece que funciona como a gota d'água que arrebenda a represa.
      Ninguém viu esse processo evoluindo? Ninguém viu as trincas na represa? Ninguém sofreu parte da violência desse processo? Claro que houve testemunhas, vítimas, foram familiares, vizinhos, colegas de trabalho, de sala de aula, de igreja, e mesmo estranhos, que presenciaram pais sendo violentos com filhos, maridos sendo truculentos com esposas. Contudo, agiram dentro da cultura do "não tenho nada com isso, não é problema meu, cada um que cuide de sua vida". Até que aquele jovem, que foi violentado durante toda a vida, arrumou um revólver e matou o filho daquela pessoa que dizia, "não tenho nada com isso".
      Não estou incentivando qualquer tipo de vigilância da vida alheia, isso é tão doentio quanto ser violento. Contudo, estou chamando a atenção para que paremos de olhar só para o próprio umbigo e assumamos, principalmente nós que nos dizemos seguidores de Cristo, responsabilidade pelo próximo. Se isso for feito com oração, temor a Deus, sabedoria e amor, muita violência pode ser evitada. Agindo assim, poderemos ouvir o grito abafado de um inocente sofrendo uma violência, que se a princípio está ocorrendo dentro da privacidade de um lar, pode invadir a sociedade, trazendo dor a quem nada tem a ver com isso.

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