19/05/22

Não precisamos mover montanhas

      “Porque ainda que a figueira não floresça, nem haja fruto na vide; ainda que decepcione o produto da oliveira, e os campos não produzam mantimento; ainda que as ovelhas da malhada sejam arrebatadas, e nos currais não haja gado; todavia eu me alegrarei no Senhor; exultarei no Deus da minha salvação. O Senhor Deus é a minha força, e fará os meus pés como os das cervas, e me fará andar sobre as minhas alturas.Habacuque 3.17-19

      Não é a primeira vez que medito nesse texto bíblico e não será a última, uma das passagens mais poéticas da Bíblia. “Ainda que falte tudo eu me alegrarei”: podemos de fato vivenciar isso? Duas coisas são necessárias para vivermos a experiência de Habacuque, e a primeira delas não é boa: uma grande e difícil necessidade, uma montanha a ser ultrapassada. Só adquire uma grande fé quem precisa exercer uma grande fé para vencer um grande problema, caso contrário se permanece crendo o minimamente possível já que isso basta para viver e seguir vivendo. 
      Cuidado, quem pede a Deus por fé que mova montanhas (Marcos 11.23), esse na verdade está pedindo que uma montanha esteja entre ele e suas necessidades, uma montanha que nada pode anular, a não ser a fé adequada. Nós seres humanos nos prendemos à quantidade mais que à qualidade, quantidade é aparente, pode ser exibida mais facilmente aos outros, nossas vaidades gostam de ter, mas mais para parecer do que para usufruir. Por isso muitos querem poder, mais que dinheiro, poder dá-nos mais que posse de coisas, dá-nos controle sobre pessoas. 
      Podemos achar que mover montanhas pode mostrar a nós mesmos e aos outros que somos espirituais, mas também podemos querer fé assim para termos acesso a coisas materiais sem termos que nos esforçar por isso. Mas existem montanhas, e essas são as mais importantes, que não pedimos, Deus simplesmente as autoriza em nossas vidas, e se ele faz isso é porque sabe que podemos com elas. Mas podemos para fazê-las sumir, do nada, como por magia, só por fé? Nem sempre, às vezes é para darmos a volta, ou subirmos e descermos, trabalhando mais e crescendo no tempo. 
      A experiência de Habacuque parece-nos ter sido essa, uma montanha havia em sua vida, para a qual Deus não lhe deu fé para mover, mas fé para esperar, e eis uma terceira forma de encararmos grandes problemas. Algumas dificuldade não desaparecem num instante, após uma oração de fé, mas Deus também não nos orienta a pôr pés na estrada para subirmos, descermos, ou darmos a volta, o Senhor simplesmente manda-nos esperar. Nada que o profeta fizesse faria a figueira florescer, a vide dar fruto, as ovelhas voltarem, mas ainda assim ele estaria feliz. 
      Talvez a montanha do profeta não fosse a falta de coisas, mas a falta de alegria, muitas vezes só nos livramos da tristeza quando nos encontramos numa situação onde isso não faz diferença. Muitas vezes fazemos chantagem, ainda que inconscientemente, com a vida e mesmo com Deus, queremos exibir nossa tristeza como um troféu, deixando claro que a culpa dela existir não é nossa, assim nos colocando como vítimas. Nesse equívoco jogamos em Deus e na vida a responsabilidade para mudar nossos destinos, já que achamos que foram eles, não nós, a causa de nossas tristezas. 
      Essa montanha só desaparece quando aprendemos a ser felizes com o que somos e temos de verdade, e eis a segunda coisa necessária para vivenciarmos a experiência de Habacuque, aprender a viver com o mínimo. Uma lição difícil, mas que nos coloca num nível espiritual de maturidade, pois desapega-nos da matéria e das aparências e nos leva a valorizar a essência espiritual, qualidade mais que quantidade. Por isso o profeta pôde dizer “eu me alegrarei no Senhor… o Senhor Deus é a minha força… me fará andar sobre as minhas alturas”.
      Quem é feliz com o mínimo é leve, não precisa mover a montanha, rodea-la por baixo, ou escala-la e depois descê-la, muito menos aguardar passivamente, mas pode flutuar e passar. No mundo material? Não, no espiritual, faz isso dentro de si, e ninguém precisa ver, só Deus. As montanhas mais importantes que Deus autoriza em nossas vidas necessitarão da fé maior, essa fé não faz montanhas se moverem, faz nossos espíritos se moverem. Eis o mistério que Habacuque conhecia, por isso ainda que lhe faltasse tudo no mundo ele era feliz e grato a Deus. 

18/05/22

O humilde acha o amor (2/2)

      “Mas deixarei no meio de ti um povo humilde e pobre; e eles confiarão no nome do Senhor.” Sofonias 3.12

      Os seres humanos não encontram a humildade da mesma maneira, alguns precisam ganhar para achá-la, outros precisam perder, generalizar dizendo que a pobreza conduz à humildade não é correto. Contudo, com certeza o homem acha com mais facilidade a humildade na falta, simplesmente porque nessa condição ele não tem outra maneira para ser feliz, caso contrário permanecerá revoltado contra tudo podendo ser levado à violência e à criminalidade. Mas muitos são humildes na abastança, e nesses, onde a humildade não é obrigação, mas opção, é que ela pode ser útil para muitos. 
      O que pouco tem e é humilde abençoa a si mesmo, principalmente na área material, mas o rico humilde pode ser instrumento de benefício material para muita gente, e ainda assim não sentir-se maior por isso, se for humilde só se verá como instrumento do amor de Deus. Infelizmente a maioria de nós não está preparada para ser rica, por isso, se desejarmos de fato agradar a Deus e servir o próximo, o Senhor terá que nos manter com rédeas curtas, com pouco e sempre dependentes dele. O Senhor, todavia, pode não ter outra opção que não nos empobrecer, para sermos humildes e acharmos seu amor. 
      A humildade verdadeira deixa alegria no coração do homem, não é virtude experimentada com tristeza, ainda que o trabalho inicial para achá-la seja de aceitação de erros e limitações e isso, sim, pode nos levar a certa contrição. Mas a tristeza inicial, se correta, se sincera, se com o objetivo de se apresentar ao verdadeiro Deus com respeito e temor, é só para assentar nossa alma, tranquilizar nossas ansiedades, controlar nossos egoísmos, curar nossas invejas e vaidades, depois o ser se alegra. Por quê? Porque vê que está na luz do Altíssimo e consegue enxergar toda a verdade sobre si mesmo.
      Ao homem de bem a verdade alegra, ele sabe que orgulho é engano, e ainda que dê algum prazer é só por um pouco, por isso quem de fato quer a presença de Deus vem para a luz para achar a humildade pessoal. Quem não quer inventa desculpas, até religiosas, para manter arrogância e malícia, esses não têm paz de fato, não se permitem ser tocados pelo amor de Deus. O humilde quer ser mais humilde, pois a luz fica cada vez mais clara e revela mais sobre ele, o arrogante se exalta nas trevas, sobrecarrega-se de trabalhos, tenta inutilmente criar uma falsa luz, querendo ofuscar a luz do Altíssimo.
      Há pessoas que passam a vida levantando-se e caindo, e achando que caem por causa das injustiças do mundo ou mesmo pelas ciladas do diabo, não entendem que quem as está derrubando é o próprio Deus. Com que propósito? Para que aprendam a ser humildes. Muitos são fortes na queda, se acham mais virtuosos por isso, e portanto mais merecedores de honras, quando na verdade são só rebeldes arrogantes. Por que alguns têm que passar finais de vidas em longos períodos internados em hospitais, sofrendo antes de morrer? Para achar a humildade e experimentar o amor de Deus.
      Muitos levaram a vida fugindo do amor de Deus, e quem foge do amor de Deus foge também do amor das pessoas, portanto são solitários e amargos. Fizeram isso por não quererem se mostrar como humildes aos homens, humildade implica em não ter a aparência de glória que o mundo admira, o status social, os bens, o frequentar restaurantes e hotéis chiques, o uso de roupas caras, a posse de carros luxuosos. Abrir mão de tudo isso não é fácil, e muitos conseguem viver sem abrir mão e resolvendo em suas cabeças que são bons cristãos, ainda que baseados no que tentam ter sem a aprovação de Deus. 
      Nisso a tal “teologia da prosperidade” ganha adeptos, teto para rebeldes arrogantes e materialistas, não para os humildes e espirituais. Então temos que nos contentar com pouco? Sim, se esse for o plano de Deus para nossas vidas, e isso não é ter uma vida material indigna, mas é só aprender a ser feliz com menos. Ah, meus queridos, quando vamos entender que isso não nos faz menores, mas maiores. Maiores no reino de Deus! Mas isso é para quem busca a glória do reino de Deus, quanto aos que querem a glória do mundo, terão que viver sem paz e sem amor, temendo a morte ainda que ricos.  

Leia na postagem de ontem
a 1ª parte desta reflexão
José Osório de Souza

17/05/22

O amor acha o humilde (1/2)

      “Ainda que o Senhor é excelso, atenta todavia para o humilde; mas ao soberbo conhece-o de longe.Salmos 138.6

      Quando o amor de Deus encontra a nossa humildade a paz é estabelecida, o caminho para a vida eterna se abre e entendemos o motivo maior da existência. É algo misterioso, como seres humanos não podemos dizer quem toma a iniciativa em primeiro lugar, o mais correto seria dizer que ambos, o ser humano e Deus, fazem isso ao mesmo tempo. Procurando ser espiritual e conforme a visão do cristianismo tradicional poderíamos dizer que a iniciativa é de Deus, Jesus homem foi isso, uma iniciativa de Deus para fazer algo que os seres humanos não poderiam fazer, dar um meio e um exemplo. 
      Mas se verificarmos que Jesus não veio milhares de anos antes, em algum momento da história logo após o pecado original mítico do primeiro casal no Éden, entenderemos que foi necessária alguma iniciativa do ser humano, preparando-o intelectual, moral e espiritualmente, para receber a iniciativa de Deus em Cristo. O cristianismo tradicional coloca responsabilidade demais em Deus e tira responsabilidade do homem, enfatiza a graça e a fé e diminui o valor de obras e trabalho moral. Sim, Deus pode tudo, mas só realiza tudo quando o ser humano faz por merecer, através de fé e obras.
      A nós neste mundo não compete entender certas coisas, principalmente porque isso não tem utilidade, se fosse para nós entendermos teríamos condições para isso e isso seria útil de alguma forma (e penso que quando for útil teremos condições). O que nos compete? Humildade, e uma das faces da humildade é aceitar limites, principalmente os físicos, emocionais e intelectuais, dessa forma, os que envolvem diretamente nossa vivência no mundo material. Existem limites espirituais neste mundo? Sim, mas menos que muitos pensam, mas também desde que se tenha humildade. 
      Quem quer se aproximar do plano espiritual já tem no mínimo noção que ele existe, e que se relacionar com ele é algo importante, portanto já possui alguma espiritualidade, não é ateu ou materialista, mas essa espiritualidade não é necessariamente a melhor. A melhor espiritualidade deseja Deus, seu amor, sua paz, sua vida, não só responder curiosidades sobre o mundo dos espíritos e entidades ou fazer alguma espécie de troca de favores com o mundo espiritual, para essa boa espiritualidade é imprescindível a humildade. É muito importante entendermos isso: falta de humildade nos afasta de Deus. 
      O humilde ainda que tenha acabado de pecar, busca a Deus, ainda que esteja emocionalmente confuso, persiste em buscar a Deus, e mesmo que esteja bem materialmente e afetivamente, procura a presença de Deus, sabendo que ela é melhor, é perene, e que as outras satisfações ou falta delas, são temporárias. O humilde teme a Deus em todas as situações e respeita todos os seres, humanos e espirituais, não quer usar nem desprezar ninguém, mas amar e servir. Essa humildade acha o amor de Deus e experimenta paz, então, põe-se no caminho do Espírito que conduz a Jesus onde há vida eterna. 
      A coisa mais poderosa e importante do universo ocorre quando um ser humano humilde se encontra com o amor de Deus, há uma explosão de luz que consola imediatamente o ser estabelecendo uma paz única. Esse encontro, que é espiritual, pode, contudo, não ser fácil, isso por causa da matéria, do nosso corpo físico, dos nossos limites. O ser humano deve persistir para achar dentro de si a humildade mais sincera e verdadeira, como quem procura uma pepita de ouro em meio a rochas mais duras. Mas imediatamente após achar será tocado pelo amor do Altíssimo e tudo o mais mudará
     Ainda que o Senhor é excelso, ainda que esteja numa posição espiritual alta de santidade impar e de poder soberano, ele atenta para o humilde, mesmo que a mente do Senhor esteja distante, muito mais que imaginamos, suas mãos estão próximas do humilde (perdoem as simbologias dos termos mente e mãos), mas ao soberbo conhece-o de longe, do arrogante tanto a mente quanto as mãos do Senhor estão distantes. Isso não impede Deus (com sua mente) de conhecer o arrogante, de amá-lo e de aguardar pacientemente que ele se torne humilde e se deixe tocar por suas mãos amorosas. 

Leia na postagem de amanhã
a 2ª parte desta reflexão
José Osório de Souza

16/05/22

Pecar é fácil, se arrepender, não

      “De onde vêm as guerras e pelejas entre vós? Porventura não vêm disto, a saber, dos vossos deleites, que nos vossos membros guerreiam? Cobiçais, e nada tendes; matais, e sois invejosos, e nada podeis alcançar; combateis e guerreais, e nada tendes, porque não pedis. Pedis, e não recebeis, porque pedis mal, para o gastardes em vossos deleites. Adúlteros e adúlteras, não sabeis vós que a amizade do mundo é inimizade contra Deus? Portanto, qualquer que quiser ser amigo do mundo constitui-se inimigo de Deus.” 
      “Sujeitai-vos, pois, a Deus, resisti ao diabo, e ele fugirá de vós. Chegai-vos a Deus, e ele se chegará a vós. Alimpai as mãos, pecadores; e, vós de duplo ânimo, purificai os corações. Senti as vossas misérias, e lamentai e chorai; converta-se o vosso riso em pranto, e o vosso gozo em tristeza. Humilhai-vos perante o Senhor, e ele vos exaltará.” 
Tiago 4.1-4, 7-10

      O contexto do texto bíblico inicial é simples e direto: pecado. Quantas vezes nos vemos sem vontade de orar, sem prazer em buscar a Deus, nos achando mesmo sem fé? Em situações assim nossas cabeças podem fazer longas viagens, tentando achar o motivo de nosso intenso desânimo, mas a razão é uma só: pecado. O que é pecado? Você e eu sabemos muito bem o que é, tudo que nos afasta de Deus. O texto começa justamente fazendo a pergunta cuja resposta explica o motivo de nos vermos muitas vezes sem disposição para sermos espirituais, “de onde vêm as guerras e pelejas entre vós?”, a resposta é, “não vêm disto, a saber, dos vossos deleites, que nos vossos membros guerreiam?”. 
      Não adianta inventar moda, nos afastamos da luz de Deus quando pecamos, pecamos porque gostamos de pecar, ninguém peca porque é ruim, mas porque é prazeroso, ninguém bebe, usa drogas ou comete adultério porque é desagradável, mas porque agrada o corpo. A mesma coisa com iras e invejas, agredimos com ações ou palavras e expressamos desejo pelas coisas dos outros porque é gostoso, melhor que reprimir é desabafar. Isso que estou dizendo parece óbvio, mas mesmo inconscientemente muitas vezes nos portamos negando isso, somos amigos do mundo e inimigos de Deus, por isso demoramos para assumir o pecado, confessa-lo, deixá-lo, e só então termos vitórias em tantas coisas. 
      Acontece o que o texto descreve, “cobiçais e nada tendes, matais e sois invejosos e nada podeis alcançar”, a questão é simples, só um prazer pode ocupar nossas almas de cada vez, se adquirimos o prazer do corpo não há espaço para termos o prazer do espírito, nossa alma não comporta os dois ao mesmo tempo. Mas o pecado, mesmo depois que seu passageiro prazer passa, ainda permanecerá ocupando nossa alma enquanto não for devidamente tratado, tratar o pecado, contudo, pode não ser tão rápido como foi adquirir o prazer que ele entrega. O texto diz “senti as vossas misérias e lamentai e chorai”, é preciso esforço paciente para limpar nosso interior para que o Santo Espírito esteja à vontade nele. 
      Uma vez impressionado pelo pecado nosso mundo interior inverte os valores, para mudar isso temos que nos convencer que a paz que o pecado deu é enganosa, tem que haver libertação de vício, vício dá mais que prazer temporário, cria um caminho errado para o prazer, é esse hábito que tem que ser desfeito dentro de nós. Por isso o texto diz “converta-se o vosso riso em pranto e o vosso gozo em tristeza”, temos que inverter a “chavinha”, sentir profundamente o pecado e buscar intensamente uma nova disposição mental. Se isso não ocorrer nosso arrependimento será só de boca para fora, não nos convencerá e não permitirá que tenhamos uma experiência espiritual real que nos dê a paz maior.
      “Chegai-vos a Deus e ele se chegará a vós, alimpai as mãos, pecadores e vós de duplo ânimo”, isso resume o ensino. Se nos sentimos distantes não é porque Deus se afastou, mas porque nós nos afastamos, Deus nunca se afasta de alguém. Nos purifiquemos, com profundidade e intensidade, com lágrimas, não com alegria ou frieza. Contudo, aprendamos com a lição, duplo ânimo (a N.V.I. diz mente dividida, a versão Nova Almeida Atualizada, indecisos) é característica de homem imaturo, que acha que pode ficar pulando de um lado para outro, que não leva a sério o tempo de sua passagem no mundo, nem a Deus e seu plano para nos fazer seres humanos que amem e pratiquem virtudes eternas. 

15/05/22

Deus não precisa de luvas

      “O Senhor dos Exércitos jurou, dizendo: Como pensei, assim sucederá, e como determinei, assim se efetuará. Quebrantarei a Assíria na minha terra, e nas minhas montanhas a pisarei, para que o seu jugo se aparte deles e a sua carga se desvie dos seus ombros. Este é o propósito que foi determinado sobre toda a terra; e esta é a mão que está estendida sobre todas as nações. Porque o Senhor dos Exércitos o determinou; quem o invalidará? E a sua mão está estendida; quem pois a fará voltar atrás?Isaías 14.24-27

      Deus não precisa de luvas, mas os homens criam luvas para Deus, as religiões. Quando muitos acham terem acesso à palavra direta de Deus têm apenas adaptações, interpretações, não é a mão pura de Deus, mas algo que fica entre a mão e os homens. Uma mão pode ser usada com luva, mas com limites, a pele não está diretamente em contato com o que é manipulado, é o material da luva que está e esse não tem a sensibilidade e a flexibilidade da mão. Deus não precisa de intermediários para tocar os homens, nem os homens precisam de algo que lhes adapte o toque de Deus, mas são os próprios homens que criam luvas. 
      O problema mais sério, contudo, talvez nem seja a criação e o uso de luvas, mas as luvas não terem noção que são luvas, se acharem as próprias mãos, ou pior, até melhores que as mãos. Que as religiões ainda que comecem puras se degeneram com o tempo, isso é fato, e ocorre com todas, ninguém se iluda. O cristianismo, ainda que fundado sobre Jesus, revelação e redenção mais plenas do Altíssimo, também se corrompeu. O protestantismo não purificou o catolicismo a ponto da mão pura de Deus ser apresentada ao homem, ele apenas limpou uma surrada e suja luva, deixando-a menos grosseira, mas ainda uma luva. 
      Como as luvas são criadas? Devagar, como parte do processo de degeneração da religião original, mas o que gera a primeira versão de uma, ainda fina, é a institucionalização da fé. O cristianismo é a crença que mais gerou luvas justamente por ser a crença que pode experimentar a ação mais alta de Deus. Quando os homens viram que Jesus era um “produto” muito bom, que povos e reis se convertiam a ele, eles foram tentados e sucumbiram, quiseram lucrar com isso. Se afastaram de Deus e dessa forma não tiveram mais direito à mão, então criaram uma religião, com o mesmo formato, com função semelhante, mas só luva. 
      A luva por si só, ainda que seja de fios de prata, cravejada com esmeraldas, aparentemente até mais bela que uma mão, é vazia, não tem vida. Em sua misericórdia Deus até veste certas luvas e as usa para abençoar os homens, ainda que de luvas ele aja com limites, não seus, mas da fé de homens que não creem puramente nele, que não querem a mão, só a luva. Contudo certas luvas, apesar de terem o formato perfeito de uma mão genuína, não podem ser mais minimamente usadas por Deus, no lugar do Santo Espírito manipula tais luvas espíritos malignos e enganadores, que dizem ser Deus, mas são seres imitadores. 
      Os homens se acostumam com luvas, com o toque delas, com suas pomposas aparências, e muitos ao verem a mão de Deus a menosprezam, duvidam que seja mais poderosa que a luva. Felizmente outros, que com boa sinceridade procuraram nas luvas a Deus, percebem com o tempo a ineficácia das luvas, que elas são obras de homens, que ainda que se pareçam com a mão de Deus não os abençoa como eles precisam, assim passam a clamar pela mão viva e maravilhosa do Senhor. Deus é paciente, amou e ajudou no que pôde, mesmo dentro de limitadas luvas, mas sorri quando o homem desperta e o deseja mais que religião. 

14/05/22

Acalma-te e serás instruído

      “Na vossa paciência, possuí a vossa alma.(Almeida Revista e Corrigida)
      “É pela perseverança que vocês ganharão a sua alma.” (Nova Almeida Atualizada)
      “É perseverando que vocês obterão a vida.(Nova Versão Internacional)
Lucas 21.19

      Acalmar nossos sentimentos e pensamentos, eis um trabalho importante para que tenhamos uma oração de nível mais elevado. Todos chegam diante de Deus, na maior parte das vezes, ansiosos, angustiados, preocupados, com questões principalmente da área material a serem resolvidas. Deus, pai de amor, recebe a todos e estejam do jeito que estiverem, assim mesmo o alterado pela dor o Senhor ouve pacientemente. Depois de entregarmos nossas causas nas mãos de Deus ele as toma, não precisamos ficar repetindo e repetindo uma oração, contudo, podemos fazer isso quando ainda não convencemos, não a Deus, mas a nós mesmos que Deus nos ouviu, recebeu nossos pedidos e fará, no momento melhor, sua boa vontade.
      Na realidade material Deus realiza sua vontade através de nosso trabalho e do trabalho dos outros, podemos provar o sobrenatural aos nossos olhos através do natural que ainda não conhecemos, por isso chamamos milagroso. Impossível é só algo que ainda não foi feito ou que não sabemos que pode ser feito, “mágica” Deus nunca faz porque ele não precisa fazer. Nossa oração espiritual interfere nisso? Sim, positivamente de maneiras que hoje ainda não podemos entender como, incluindo anular impedimentos espirituais do mal para que algo material se realize no plano físico. Tudo isso é o primeiro momento de oração e o efeito disso deve ser paz em nossas almas, para que então possamos ter o segundo momento. 
      Precisamos entender como nós seres humanos funcionamos: somos seres duplos, corpo físico e essência espiritual, assim, ainda que racionalmente, baseados em experiências anteriores, saibamos que Deus ouve e responde, nossos sentimentos podem persistir na ansiedade e na angústia, impedindo-nos de sentir paz. Por que paz é importante? Porque ela é escudo contra o pecado e porta para ouvir a voz de Deus. Em paz não precisamos de prazeres na carne para anular a dor, assim não recorremos a vícios. Mas só em paz teremos acalmado todo aquele universo interior em nossas mentes e sentimentos, que nos agita, nos confunde e que nos impede de ouvir a suave voz do Espírito Santo. Oração certa é a que nos conduz a uma profunda paz. 
      A maioria de nós, na maior parte das vezes, tem experiência de oração só de nível inicial, falamos e falamos e até experimentamos paz, mas quando ela chega paramos de orar. Por isso até temos resposta para nossas orações, mas uma paz mais profunda, que fica e que nos fortalece contra o pecado, não temos. Nosso espírito precisa convencer nosso corpo, isso deve ser feito todos os dias porque nosso corpo tem “memória fraca” e muda o tempo todo. À medida que envelhecemos, quando adoecemos e mesmo nas mudanças de humor que experimentamos, tristezas, alegrias, dúvidas, certezas, tédios, anseios, nosso corpo é agitado e nisso não retém a paz, o que atrapalha nosso espírito na comunhão com o Espírito de Deus.
      Para entendermos melhor isso basta verificar o costume que temos de fechar os olhos ao orar, ou de preferirmos lugares com menos luminosidade, o objetivo é diminuir as distrações materiais para que as coisas espirituais sejam percebidas com mais facilidade e clareza. Entretanto, em corpos agitados ou torturados por alguma preocupação ou culpa, não haverá ambiente tranquilo ou com ausência de distrações materiais que lhes dê foco e paz. Por isso antes temos que nos colocar em Deus, pedirmos perdão, nos apossarmos do perdão e entregarmos nossas vidas a ele, para depois acalmarmos nossos sentimentos e pensamentos, permitindo que nossos espíritos tenham o controle e ouçam a voz do Santo Espírito de Deus.
      Evangélicos não menosprezem outros religiosos, como budistas e hinduístas, ou mesmo praticantes de ioga só como benefícios emocionais e físicos, quem se acalma pode ouvir o mundo espiritual, e se escolher, pode ouvir o Deus de amor e ser guiado no caminho de luz e paz. Não são as palavras, as rezas, as orações usando essa ou aquela linguagem religiosa, que tocam o coração do Altíssimo, mas a intenção espiritual pura e benigna. Paz real só se experimenta em Deus, e muitos, ainda que cantando a paz, pregando a paz, idolatrando a paz, não a vivem de fato, porque falam de Deus, até pregam Deus, mas não o experimentam de fato. A presença mais santa e verdadeira de Deus sempre traz paz ao ser humano, sem discriminação.  
      Nosso espírito pode até estar pronto, mas se nosso corpo não estiver impedirá nosso espírito de ouvir e entender a voz do Senhor. Isso não é algo que Deus nos impõe neste mundo para nos fazer sofrer, mas para nos fazer crescer. É no constante trabalho de acalmarmos nossos corpos, nossos pensamentos e sentimentos, para que entremos em sintonia com o Espírito Santo e em sincronia com a vontade de Deus, que construímos em nós o céu, aquilo que poderemos ser de melhor na eternidade. Ninguém se engane achando que crer superficialmente e ter a mínima comunhão com Deus, serão suficientes para ter o céu, que só ser cristão e ter fé, ainda que tenha vivido um inferno neste mundo, bastará para ter direito à paz eterna. 
      Acalma-te e serás instruído, ouvi o Espírito Santo me dizendo em meu último período de oração, isso depois de ter colocado minha vida em ordem, pedido perdão, intercedido pela família, enfim, ter seguido o protocolo inicial, e ainda assim estar sem a melhor paz. Ter paz dá trabalho, entendamos isso, e o trabalho que nos traz os melhores benefícios é o espiritual, muitos querendo substituir esse trabalho pelo físico conquistam tudo na vida menos paz. Que se trabalhe no mundo, mas também em oração, que se converse com Deus e nele confie, mas que se ouça a voz do Senhor, que se tenha ânimo e energia para viver, mas também a paz que acalma todo o ser e permite que se aprenda os conhecimentos mais profundos de Deus. 
      No mundo se diz que conhecimento é poder, que quem detém a informação tem controle, a internet tem mostrado a relevância disso, governantes políticos têm sido eleitos difundindo e manipulando a informação, ainda que seja fake news. Mas em se tratando de conhecimento espiritual de Deus, informação é vida, quem tem uma experiência profunda de oração, que vence a ansiedade e a dor, que alcança a paz e então pode ouvir a voz do Espírito Santo, não sairá só informado, com curiosidades intelectuais satisfeitas, mas vivificado, fortalecido. Notará o efeito dessa experiência horas, dias depois, e entenderá que comunhão com Deus permite mais que respostas materiais, que nunca são o suficiente, mas duradoura paz espiritual. 
      O que queremos de fato ganhar, quando buscamos a Deus? Coisas no mundo, posição diante de homens, ou nossas almas? Ganha a alma quem resiste no tempo, ainda que não se importe com ele, quem vence o corpo, ainda que produtivo nele o máximo que puder, num paradoxo de pegar e largar, onde se vive a realidade do plano material, sem medos ou ilusões, mas se abre mão dela para ter paz. Muitos não têm paz porque não pagam o preço por ela, e o preço é desprender-se de vaidades e prazeres, de aparências e poderes, para ser bonito por dentro e abraçado pelo todo-poderoso. Acalma-te e serás instruído, como essa palavra me consolou, me mostra o caminho a seguir para agradar a Deus, ser feliz e fazer felizes os outros. 

13/05/22

Genuíno profeta de Deus hoje!

      “Portanto assim diz o Senhor: Se tu voltares, então te trarei, e estarás diante de mim; e se apartares o precioso do vil, serás como a minha boca; tornem-se eles para ti, mas não voltes tu para eles. E eu te porei contra este povo como forte muro de bronze; e pelejarão contra ti, mas não prevalecerão contra ti; porque eu sou contigo para te guardar, para te livrar deles, diz o Senhor. E arrebatar-te-ei da mão dos malignos, e livrar-te-ei da mão dos fortes.Jeremias 15.19-21

      O homem espiritual discerne orgulho de sabedoria, sabe que não deve tomar a iniciativa com certas pessoas não por ser orgulhoso ou medroso, o que é a mesma coisa (o orgulhoso geralmente é um medroso disfarçado), mas porque é mais sábio, mais útil, e sendo assim, porque entende que Deus lhe dá essa orientação. Quem teme a Deus e quer viver o evangelho de amor algumas vezes pode se angustiar, sabe que é virtude do humilde tomar a iniciativa para estar em paz com o arrogante, essa é a regra, mas sente de Deus que em determinadas situações não deve se aproximar ou buscar diálogo, assim fica num dilema. 
      Quem não tem muito compromisso com o evangelho de amor não se sente em dificuldades numa situação dessa, se alguém lhe desagrada ele simplesmente se afasta, ou, então, toma a iniciativa e agride. Contudo, para o espiritual às vezes é preciso mais coragem para não fazer uma coisa do que para fazer, principalmente se o que pode ser feito é algo certo. O texto “não deis aos cães as coisas santas, nem deiteis aos porcos as vossas pérolas, não aconteça que as pisem com os pés e, voltando-se, vos despedacem” (Mateus 7.6) é a orientação evangélica mais direta para uma situação onde o menos é mais (espiritual). 
      O texto bíblico inicial, numa lida rápida, parece conter um antagonismo, primeiro diz “se tu voltares, então te trarei, e estarás diante de mim”, dando a entender que uma iniciativa deve ser tomada, mas depois diz, “tornem-se eles para ti, mas não voltes tu para eles”, então, podemos entender que uma iniciativa não deve ser tomada. Afinal, devemos voltar ou não? Quem volta a Deus e diante dele se humilha, não precisa voltar para o homem e ser humilhado, muitos precisam ir a homens porque não vão a Deus. Mas a frase “se apartares o precioso do vil, serás como a minha boca” dá a condição para que haja honra de Deus. 
      Não nos esqueçamos que o contexto da passagem é de chamada profética de um homem, eis uma missão que hoje muitos dizem ter e que outros, mesmo sinceramente, gostariam de ter. Contudo, ser profeta não é algo fácil nem prazeroso, e nos tempos atuais Deus chama a atenção de homens diferentes e de maneiras diferentes, assim o arquétipo de profeta bíblico não é aplicado. Para ser boca de Deus é preciso ter boca limpa, é o que é exortado em “apartares o precioso do vil”, muitos querem ser profetas, mas com o coração cheio de ódio, preconceitos e vaidades, poderão ser profetas de outros deuses, não do Altíssimo. 
      “E eu te porei contra este povo como forte muro de bronze; e pelejarão contra ti, mas não prevalecerão contra ti; porque eu sou contigo para te guardar, para te livrar deles”, além de coragem para confiar em Deus, não se preocupar com que os homens pensam, e ter pureza de intenções, atos e palavras, o profeta deve estar preparado para perseguições. Mas entendamos bem, não é porque somos perseguidos que somos profetas, muitas vezes somos odiados pelos homens porque somos seres indigestos, mal educados, grossos, sem amor, ainda que achando que podemos ser tudo isso porque estamos dizendo “palavras proféticas”. 
      O texto é claro quando diz sobre a origem da perseguição legítima, o próprio Deus, “EU te porei contra este povo”, mas diz mais, “como forte muro de bronze”, se Deus nos coloca em um confronto ele nos fortalece para passarmos por ele. “Pelejarão contra ti mas não prevalecerão”, que promessa que o profeta recebe, deve ser a palavra em que ele confie quando estiver no meio do ataque mais mentiroso e cruel dos que não querem ouvir a genuína palavra de Deus que ele está entregando. Tenhamos cuidado em almejar tal missão, muitos foram taxados de loucos e endemoniados e outros viveram na pobreza para serem profetas.
      Por outro lado, Deus não chama profetas por serem os seres mais eruditos e diplomáticos que existem, se fossem isso não dariam profetas adequados. Resistir à oposição e à descrença requer certa dureza, com os duros é preciso ser duro, ferro com ferro se afia. Elias, Jeremias, João Batista e outros, não eram os homens mais afáveis que existiam. Contudo, o maior de todos os profetas, Jesus, era puro amor, boca de doces palavras, modelo de ser virtuoso, talvez porque sua obra fosse única, precisava se revelar em ações. O que ele disse não era especificamente para o seu tempo, naquele momento ele só tinha que ser obediente.
      Jesus estabeleceu novo modelo de “profeta”, a urgência profética não é mais para uma nação no mundo hoje, mas para todos e para a eternidade. Por mais que aprendamos com os profetas do antigo testamento até João Batista no novo testamento, devemos focar em Jesus como exemplo, essa é a vontade mais alta de Deus. Em Jesus é onde as palavras iniciais de Jeremias mais se aplicam, ele teve coragem para confiar em Deus e não se preocupou com que os homens pensavam dele, tinha pureza de intenções, atos e palavras, e estava preparado para ser perseguido e até à morte. Queremos ser profetas? Nos miremos em Cristo.