02/10/23

Em que ponto chegamos? (1/5)

      “Senhor, quem habitará no teu tabernáculo? Quem morará no teu santo monte? Aquele que anda sinceramente, e pratica a justiça, e fala a verdade no seu coração. Aquele que não difama com a sua língua, nem faz mal ao seu próximo, nem aceita nenhum opróbrio contra o seu próximo; a cujos olhos o réprobo é desprezado; mas honra os que temem ao Senhor; aquele que jura com dano seu, e contudo não muda.Salmos 15.1-4

      Em que ponto estamos chegando no mundo, onde santidade está se tornando algo errado? O simples citar da palavra santo já nos coloca na cabeça de muitos como ignorantes, bitolados, na melhor situação como utópicos, mas na pior, como hipócritas. Santidade se tornou hoje, não só um objetivo impossível, mas desnecessário, parece que o chique é ser livre e ser livre, na opinião de muitos, é poder se sujar e não se sentir culpado por isso. A igreja católica tem parte de culpa nisso, construiu no inconsciente coletivo um conceito equivocado de santidade, assim para muitos ser santo é ser louco, alienado. Nós evangélicos já ouvimos muitas vezes os pregadores dizerem que santo é separado, mas separado do quê? Que separação agrada a Deus e tem utilidade maior? 
      Jesus foi o melhor exemplo de santo que viveu neste mundo, era limpo moralmente e íntimo de Deus espiritualmente, mas ainda assim próximo da humanidade, andava com pecadores, tinha amigos, ia a festas e celebrações. Jesus não separava o corpo, não em primeiro lugar, nem a afeição, mas o espírito, que como efeito mantinha o corpo limpo e amoroso, ele não precisava se isolar de convívio social para ter santidade, ainda que separasse muito tempo para buscar a Deus, conhecer sua vontade e receber sua unção. O problema é justamente esse, muitos até querem ser santos, mas sem Deus, só com a religião dos homens, querem privar o corpo físico de seus desejos sem dar liberdade ao Espírito Santo em suas vidas. Só temos santidade quando o santo nos habita.

01/10/23

Onde estão os nove?

      “E aconteceu que, indo ele a Jerusalém, passou pelo meio de Samaria e da Galiléia; e, entrando numa certa aldeia, saíram-lhe ao encontro dez homens leprosos, os quais pararam de longe; e levantaram a voz, dizendo: Jesus, Mestre, tem misericórdia de nós. E ele, vendo-os, disse-lhes: Ide, e mostrai-vos aos sacerdotes. E aconteceu que, indo eles, ficaram limpos. E um deles, vendo que estava são, voltou glorificando a Deus em alta voz; e caiu aos seus pés, com o rosto em terra, dando-lhe graças; e este era samaritano. E, respondendo Jesus, disse: Não foram dez os limpos? E onde estão os nove? Não houve quem voltasse para dar glória a Deus senão este estrangeiro? E disse-lhe: Levanta-te, e vai; a tua fé te salvou.Lucas 17.11-19

      Lepra, uma doença estigmática ainda hoje, afasta as pessoas, e no século um era considerada um castigo, à enfermidade do corpo era aliada fraqueza moral, pecado diante dos deuses. Dez leprosos, semelhantes se agrupam se são descriminados pelos diferentes que se acham melhores, e acham companhia e consolo nos pares, constróem mesmo no isolamento um lar. Esses em especial pareciam crer que Jesus podia curá-los. Jesus fez milagres, mas não de um jeito padronizado, com as mesmas palavras e atitudes, muitas vezes ele usava maneiras peculiares. Dessa vez ele foi direto ao final, orientou os homens e se apresentarem aos sacerdotes, esses eram uma espécie de inspetores de saúde, que atestavam a cura da hanseníase. 
      Jesus não deu qualquer ordem para curar a doença, mas orientou os homens a buscarem aqueles que podiam atestar que eles não estavam mais doentes. Cada milagre que Deus faz em nossas vidas é para provar uma coisa específica, no caso dos homens não era encerrar um período de tratamento, mas verificar a qualidade da relação deles com Deus. Criam de fato em Jesus, ou sabendo da fama do Cristo foram só tentar a sorte? De repente até poderiam se livrar da hanseníase. Mas eles obedeceram a Jesus e foram curados, não na presença do Cristo, mas enquanto caminhavam até os sacerdotes. Memória curta ou ingratidão, essa era a prova daqueles homens, e nessa só um dos dez homens, justamente um samaritano, foi aprovado. 
      Muitos problemas não são nossos problemas principais, mas só meios que Deus usa para tratar nossos problemas principais. O problema principal dos hansenianos não era a hanseníase, e talvez com o tempo nem fosse mais fé, mas era reconhecer a autoridade de Deus, que tanto permite a doença como a cura, com um propósito maior. Deus olha para nós e sabe exatamente o que precisamos viver para sermos espiritualmente mais fortes, Jesus olhou os hansenianos e viu que o que faltava-lhes não era fé, mas gratidão, por isso nem se preocupou em explicitar o milagre na presença deles. Jesus queria ver como se comportariam após a cura, longe dele. Um dos homens ao perceber a cura retornou, parece que antes de ter chegado aos sacerdotes.
      O que é mais importante para nós, sermos reconhecidos por homens por nossas capacidades, ou sermos gratos a Deus por nos amar e proteger, mesmo que sejamos fracos? Para que somos mais rápidos, para pedir ou para agradecer? Será que nossa fé não é mais importante mesmo que Deus? Temos certeza que receberemos por crermos, ou porque apraz a Deus nos dar? Quem tem fé na fé pode até alcançar dádivas, mas essas só beneficiarão seu corpo físico, não seu espírito, só uma relação correta com Deus transforma-nos por dentro. Uma relação certa com o Senhor gera em nós a gratidão dos humildes, onde sabemos que somos o que somos, e temos o que temos, pelo amor e pela graça do Altíssimo, por isso somos gratos a ele. 
      Há algo que chama a atenção na passagem acima, a segurança de Jesus. Se você já teve experiência de oração que fez e que Deus respondeu prontamente, sabe que envolveu muita convicção emocional e foco mental, para mim pelo menos foi assim. Tive que buscar algumas vezes até que sentisse autorização e capacitação espiritual de Deus para fazer a oração que Deus queria ouvir, que me foi revelada, e que teve sucesso. Contudo, Jesus nem precisou pedir ou ordenar nada, apenas orientou os homens a se apresentarem para aqueles que atestariam a cura. A verdade é que o Cristo homem existia o tempo todo numa condição que nós só experimentamos excepcionalmente, ele vivia e andava no Espírito, nossa exceção era regra para ele. 

30/09/23

Jesus usou de violência? (7/7)

      “E entrou Jesus no templo de Deus, e expulsou todos os que vendiam e compravam no templo, e derribou as mesas dos cambistas e as cadeiras dos que vendiam pombas; e disse-lhes: Está escrito: A minha casa será chamada casa de oração; mas vós a tendes convertido em covil de ladrões; e foram ter com ele no templo cegos e coxos, e curou-os” Mateus 21.12-14 

      Jesus usou de violência? Sob certo aspecto, sim, mas Cristo fez isso porque ele podia fazer isso. Ninguém ouse ter a mesma autoridade do Cristo, ela era lastreada em vida de consagração, amor ao próximo e intimidade com Deus. Essa provocação do Cristo está no mesmo tom de outras, o Deus que está acima de família, também é superior às religiões, incluindo a poderosa com sede no Vaticano. Talvez aí esteja um dos enganos que fez parte da humanidade obedecer cegamente a um cristianismo deturpado, que parece ter existido desde o século quatro, pelo menos. Muitos acreditaram, e ainda acreditam, que as religiões cristãs que foram construídas sobre o evangelho são diferentes, melhores, legítimas, assim não podem ser confrontadas, questionadas, mas isso nega o espírito revolucionário do Cristo progressista.
      O motivo da revolta de Jesus foi ver um local com finalidade espiritual ser usado para fins materiais, e venda de material religioso, mesmo de Bíblia, onde o lucro é injusto e não é usado em benefício de pobres e necessitados, merece repúdio. Pergunto se fosse tirado o objetivo de lucros financeiros, o que restaria do catolicismo, do protestantismo, do pentecostalismo? Seria suficiente para manter homens e mulheres incentivados a pregarem o evangelho e manterem ministérios? E ainda que muitos sirvam em igrejas com boas intenções, o fazem de maneira equivocada, debaixo de líderes com intenções diferentes, isso não acontece em toda igreja cristã, mas em muitas. Precisamos reagir a isso, não com violência, mas com ausência, libertando-nos das zonas de conforto das igrejas e buscando a Deus em Espírito e verdade.
      Jesus entrando num lugar religioso e derrubando mesas e cadeiras sempre nos parecerá uma cena estranha, que não combina com o Cristo do amor, mas o registro do acontecimento está na Bíblia, não caiu fora sob qualquer filtro, seja dos escritores originais, das igrejas do século um, ou do catolicismo e da reforma protestante. Deus só age de certas maneiras, que aos nossos olhos parecem excepcionais, em situações igualmente excepcionais, e sujar um lugar santo com ganância material é algo que desagrada muito a Deus. Penso em nossas vidas pessoais, que não cheguemos ao ponto de termos que ser tratados de forma rápida e dura por Deus, virando nossas vidas de cabeça para baixo, como as mesas e cadeiras dos comerciantes de pombas da passagem, para acordarmos para a vontade maior do Senhor para nós. 

29/09/23

Milagres não mudam o interior (6/7)

      “tu, Cafarnaum, que te ergues até aos céus, serás abatida até aos infernos; porque, se em Sodoma tivessem sido feitos os prodígios que em ti se operaram, teria ela permanecido até hoje; e eu vos digo, porém, que haverá menos rigor para os de Sodoma, no dia do juízo, do que para ti” Mateus 11.23-24

      Jesus sabia que milagres não mudam o interior das pessoas. Eis uma verdade que pode escandalizar cristãos que hoje acham que suas crenças são a verdade maior de Deus porque por elas podem experimentar milagres físicos. Jesus fez milagres? Sim. Era essa sua missão principal? Não. Por que ele fez milagres? Por amor, via o sofrimento humano e queria ajudar, esse é sempre o primeiro motivo de Deus, que toma a iniciativa e atrai o ser humano à sua luz. Mas havia um segundo motivo, era importante que o ser humano do século um entendesse que aquele Jesus de Nazaré, filho de José o carpinteiro, em seu espírito era Deus, e no corpo o melhor exemplo de ser humano vivendo a vontade de Deus. Para provar a um homem antigo, que via poder na superação de dificuldades materiais, realizar curas físicas era se mostrar poderoso.
      “Uma geração má e adúltera pede um sinal, porém, não se lhe dará outro sinal senão o do profeta Jonas, pois, como Jonas esteve três dias e três noites no ventre da baleia, assim estará o Filho do homem três dias e três noites no seio da terra” (Mateus 12.39-40). Interessante esse texto, será que o único milagre que Jesus de fato deveria ter feito era ressuscitar depois de morto por três dias? Sob o ponto de vista de sua missão principal no mundo, sim. A missão era vencer a morte espiritual através de sua morte física, não só propiciando à humanidade perdão de Deus e respectiva paz, mas mostrando como praticar obras dignas de um perdoado, que mudam não o corpo, mas o espírito e para sempre. Essa provocação o Espírito Santo nos faz hoje, entendermos que o principal está no espírito e na eternidade, não na carne e neste mundo. 
      Mas mesmo a ressurreição do Cristo precisa ser entendida corretamente, não foi só uma prova que Deus tem poder para ressuscitar mortos, Jesus não reviveu para viver fisicamente no mundo, mas para existir espiritualmente iluminado no céu, e usei o termo iluminado para diferenciar sua existência das de todos os outros seres humanos que morrem no mundo. Jesus era um ser especial, não existiu nenhum outro como ele que tenha encarnado na Terra, assim sua passagem para o outro plano também foi única. Mas novamente precisamos entender que mesmo sua ressurreição foi um evento necessário para convencer o religioso judeu do século um, que tinha poucos conceitos espirituais em sua religião, apesar de fortes conceitos morais. Cristo ensina que o reino de Deus nos céus é superior a um reino da Terra protegido por Deus.
      Ainda sobre ressurreição, o termo no novo testamento, usado por Jesus e muito por Paulo, é importante para trazer principalmente ao povo judeu um conceito ao qual ele não estava muito familiarizado. A religião de Israel era para lhe dar prosperidade na Terra e vitória sobre nações físicas, não havia relevância no que ocorreria após a morte. Mas o novo testamento deixa claro que o túmulo não é o fim, que reviveremos após a morte do corpo, ressurreição (e não ressuscitamento) refere-se a isso, uma existência no plano espiritual onde seremos avaliados por nossas virtudes morais, não por riqueza no mundo, que definirá céu e inferno. Ressureição era um conceito novo ao judeu, e nunca nos esqueçamos, o novo testamento fala em primeiro lugar para ele. Não adianta ser ressuscitado no corpo e não ter ressurreição espiritual para a vida eterna, livrar-nos da morte eterna é o maior milagre que o Cristo faz. 

28/09/23

Seres independentes (5/7)

      “E disse-lhe alguém: Eis que estão ali fora tua mãe e teus irmãos, que querem falar-te. Ele, porém, respondendo, disse ao que lhe falara: quem é minha mãe? e quem são meus irmãos? e, estendendo a sua mão para os seus discípulos, disse: Eis aqui minha mãe e meus irmãos; porque, qualquer que fizer a vontade de meu Pai que está nos céus, este é meu irmão, e irmã e mãe” Mateus 12.47-50 

      Cristo priorizou a ligação do homem com Deus. Se isso hoje é uma revolução nas relações sociais, mais ainda no século um, numa sociedade baseada no patriarcado, no trabalho braçal, na manutenção de heranças, onde se priorizava filhos homens, para que o negócio da família fosse mantido. Jesus fez essa revolução estabelecendo uma nova espiritualidade, onde se constrói um novo tipo de relação entre Deus e o ser humano, um Deus não mais só o todo-poderoso distante e exigente, Senhor dos exércitos, destruidor dos inimigos, mesmo criador do universo, mas simplesmente amigo. Entendamos certo, Jesus não desprezou sua família, mas se houve alguém que deixou pai e mãe e se tornou um ser humano independente, foi ele, contudo, mais que autonomia social e financeira, Jesus tinha consciência de sua missão espiritual. 
      Normalmente, a quem somos mais achegados, a quem amamos mais, quem mais nos conhece e mais conhecemos? A família. Infelizmente isso não é regra, a vida não é filme e muitos de nós convivem com famílias machucadas, mal formadas, que nos deixaram marcas profundas de dor e solidão. Mas Jesus se refere à família ideal, que aprouve a Deus, por algum mistério, dar a ele como homem, eu creio nisso. Pois bem, Jesus disse que aquele que fizer a vontade de Deus, seu pai maior, pai de todos os espíritos, esse tem conexão mais íntima e importante com Deus que com seu pai no mundo, ou com outro membro de sua família. Diz-se que família não se escolhe, amigos, sim, nossa amizade com Deus não é imposta, é escolha que ele permite-nos fazer. Feliz aquele que é amigo de Deus e que faz sua vontade.
      Um ser humano relativizado, que era alguém por ser filho, neto, bisneto de alguém, conceito que fica claro nas incansáveis árvores genealógicas que lemos mesmo no novo testamento, legitimando a descendência davídica de Jesus (Mateus 1), cede lugar a um espírito independente. Algo significativo na vida do Cristo homem é o fato dele ter sido solteiro, não foi casado ou teve filhos, isso reforça ainda mais o novo conceito de espiritualidade que ele entregou, onde o ser é importante em si mesmo, não por fazer parte de um coletivo, seja de um povo ou de uma religião. Ainda assim a Igreja Católica, desde sempre, e as igrejas evangélicas, especialmente hoje por seu grande número, querem viver uma espiritualidade ultrapassada, fora do Cristo verdadeiro, onde são salvos só os que fazem parte de suas fileiras de adeptos. 
      Independência pede pela liberdade e a conquista. Somos seres livres? O evangelho ensina-nos só uma conexão, a do amor, se somos presos a alguém é por amor. Amor, contudo, verdadeiro e puro, conhece-se e a quem ama, não deixa-se ser oprimido e não oprime, amor não sente-se cobrado e não cobra, amor não teme. Liberdade com amor leva-nos a nos respeitar sem sermos egoístas e manipuladores, sermos felizes e não deixarmos outros infelizes por causa disso. Só somos de fato independentes com liberdade em amor. Quando acordarmos livres do corpo físico na eternidade, a avaliação a qual seremos submetidos, nos olhará como seres independentes, não como filhos de quem quer que seja, membros de igreja, de ordem secreta, de grupo religioso. Só viemos e sozinhos voltaremos, sejamos independentes, mas livres em amor. 

27/09/23

Jesus andava com pecadores (4/7)

      “Porquanto veio João, não comendo nem bebendo, e dizem: Tem demônio; veio o Filho do homem, comendo e bebendo, e dizem: Eis aí um homem comilão e beberrão, amigo dos publicanos e pecadores; mas a sabedoria é justificada por seus filhos” Mateus 11.18-19 

      Comparado ao ministério de João Batista, Jesus estabelece dois tipos de espiritualidade, aparentemente opostos, mas ambos úteis aos propósitos divinos. João é o arquétipo da negação de prazeres e vaidades da matéria, usando o isolamento para se manter forte, ele não devia ser alguém agradável, mas também não era subjetivo. João representava o típico profeta do velho testamento, aliás, ainda que sua vida tenha sido registrada em textos do novo testamento, foi o último profeta de Israel. Seu ministério tinha urgência, avisava que o velho estava acabando e que o novo começaria, mas em sua estética bruta, que deixava claro que o reino de Deus na Terra tinha sido abrangido para os céus, foi visto como endemoniado. Isso não devia fazer diferença para ele, sabia a vontade de Deus e a fazia, ainda que fazendo inimigos.
      Jesus apresentava uma nova espiritualidade, não mais para viver em riqueza no mundo, mas para gerar valores para o outro mundo, enquanto se vive aqui com serenidade discreta, ainda que no meio dos homens. É impossível esconder a luz mais alta num mundo em trevas, e ainda que soubesse calar para amar, os homens o identificaram e o mataram. Jesus homem não tinha vaidades, nem se fiava nas referências dos religiosos para viver uma espiritualidade que os agradasse e que os convencesse nas regras de seus jogos, ele tinha amigos no mundo, não na liderança religiosa. Onde fazemos mais amizades que em mesas de bar? Não estou dizendo que Jesus era alcoólatra e fútil, mas não era um falso moralista, fazia aquilo que os que se consideravam espirituais achavam mundano e isso deixava genuínos falsos moralistas confusos. 
      João Batista é bíblico, sua história está na Bíblia e podemos aprender muito com ela, contudo, ele não é o exemplo mais alto de espiritualidade para nós hoje, Jesus é. Há muitos evangélicos achando que santidade e consagração é viver nos moldes de profetas do antigo testamento, ir às praças pregar o fim do mundo e arrependimento para escapar do inferno, sim, Jesus fazia isso, mas de um jeito novo, o jeito que ele veio entregar à humanidade. Espiritualidade hoje não é se abrigar no templo e lutar por um reino de Deus na Terra, como os judeus faziam, mas é ser o templo do Espírito Santo e se preparar para o reino de Deus na eternidade, para isso temos que ser luz no mundo, singulares por dentro, mas plurais por fora.
      Será que entendemos a provocação do Cristo de andar com pecadores? Não é frequentar bares com amigos não cristãos, também não é ser assíduo em templos. Jesus andava com pecadores por amor, não por fuga ou prazer material, aliás, o que movia o Cristo em tudo era o mais alto e puro amor de Deus. Há uma certa esquizofrenia hoje em dia, e perdoem-me o termo que deve ser respeitado, muitos evangélicos conseguem ser uma coisa nas igrejas e outra em outros ambientes. Falam coisas diferentes, se portam diferentemente, têm dificuldades para serem íntegros, quando são os mesmos, são sem amor. Cristianismo do Cristo não é algo fácil de se viver, é preciso coragem, a que João e Jesus tiveram, ainda que sujeitando-se a fins terríveis. 

26/09/23

Cristo não veio trazer paz (3/7)

      “Não cuideis que vim trazer a paz à terra; não vim trazer paz, mas espada; porque eu vim pôr em dissensão o homem contra seu pai, e a filha contra sua mãe, e a nora contra sua sogra” Mateus 10.34-35 

      Seguindo na série de reflexões “Provocações do Cristo”, mais um texto bíblico que precisa ser entendido certo. Jesus não veio unir, veio separar. Esse ensino completa o ensino de Mateus 8.21-22, e de uma forma mais abrangente, aqui o Cristo revela que a diferença entre os seres humanos que o seguem em relação a outros, não só mudaria as prioridades do homem, pondo em segundo lugar mesmo pais e família, mas colocaria o homem em situação de confronto. Citando espada, Jesus fala de guerra física, obviamente esse é mais um daqueles textos bíblicos que temos que reinterpretar as palavras que foram usadas originalmente para falar ao homem do passado. Nesse caso é preciso fazer isso com muita ênfase, já que o ser humano, naturalmente propenso a embates violentos, pode se achar ainda com direitos mais legítimos a isso se acreditar que está lutando numa guerra santa em nome de Deus. 
      A Igreja Católica fez isso por séculos, perseguiu e matou em nome da religião, o pior pecado dessa religião, que ao meu ver inviabiliza qualquer possibilidade de vê-la como representante oficial e exclusiva do Cristo na Terra. Como sempre digo aqui, ainda que Deus tenha usado e use o catolicismo para entregar Jesus à humanidade, violência, de qualquer espécie, e evangelho, não se casam. Mas, então, por que Jesus usou palavras tão extremas no texto acima? Porque a diferença entre trevas e luz é extrema, para ser treva basta um por cento de escuridão, já a luz é sempre cem por cento clara. Novamente o ensino de Jesus é: conhecer a fazer a vontade de Deus é prioridade para qualquer ser na Terra, acima de qualquer outra aliança, ainda que a prática disso seja em amor, humildade, santidade e paz. 
      Se o texto bíblico inicial não nos autoriza de forma alguma a exercer qualquer espécie de violência em nome do Cristo, ele nos alerta que não existe forma de vivermos na prática o evangelho sem termos desafetos, e muitas vezes dentro de nossos círculos familiares mais próximos. O cristão não é inimigo de ninguém, ama a todos, ora por todos, abençoa a todos, mas os outros podem, ainda que às vezes de maneiras bem sutis, se colocarem na posição de inimigos dele. Desanimarmos, querermos desistir da fé, acharmos que é injustiça de Deus, é entendermos a coisa erradamente, provar certas injustiças e reagirmos a elas com espiritualidade é prova que estamos no caminho certo em direção a Deus. Preocupados devem ficar os que têm no mundo só amigos e quem aprove seu estilo de vida plenamente.
      Ser diferente sem ser alienado, eis o desafio. Ser conhecedor de mistérios sem ser arrogante, eis a vocação dos amigos de Deus. Ter entendimento para ser mestre, maturidade para ser ouvido, experiência para curar, mas ainda assim ser sempre aluno, ouvinte e submeter-se humildemente à cura, como irmão de todos, não como patrão ou juiz, eis a experiência que Jesus viveu e nos chama a viver. O mais importante é entendermos que luz e trevas, reino de Deus e reino do mundo, glória do céu e glória do homem, são incompatíveis. Isso pode legitimar ataques de imaturos, alimentar guerras religiosas e moralistas, incentivar agenda de costumes na política, mas fortalecerá no espiritual o foco em Deus. Cristão de verdade não entra em conflitos e dá ao ser humano direito ao livre arbítrio, como Deus dá, respeitando diferenças em paz. A guerra existe, mas está fora, não dentro do amigo de Deus.