18/02/23

Fortes vencem a si mesmos

      “Mas nós, que somos fortes, devemos suportar as fraquezas dos fracos, e não agradar a nós mesmos. Portanto cada um de nós agrade ao seu próximo no que é bom para edificação. Porque também Cristo não agradou a si mesmo, mas, como está escrito: Sobre mim caíram as injúrias dos que te injuriavam.Romanos 15.1-3

      O que é ser forte? Para uns é levantar-se todos os dias às seis horas da manhã disposto a enfrentar o trânsito, de carro ou mesmo de ônibus e metrô, pegar no serviço e só voltar para casa às sete horas da noite, fisicamente exausto, mas com a consciência tranquila por ter ganhado o pão de cada dia com o próprio esforço. Para outros é cuidar de filhos ou de parentes debilitados fisicamente, com enfermidades incuráveis, algumas desde o nascimento, que os fazem dependentes dos outros. 
      Para outros é tomar decisões que decidem o destino de empresas, de centenas de funcionários, que administram recursos e grandes somas de dinheiro num mercado econômico mundial. Para outros é sobreviver a mais um dia sem ser presa de um vício, de drogas, de bebidas alcoólicas, de remédios, de gula, de sexo. Para outros é viver alguns dias em jejum e oração, priorizando santidade e intercessão a Deus por si e pelos outros, buscando salvação de almas para a eternidade. 
      Eu poderia citar outros exemplos, de maneiras diferentes que as pessoas entendem, como jeitos de serem fortes e encararem a existência neste mundo, assim como o futuro no outro mundo. Cada um de nós sabe de suas fraquezas, aquilo que o incomoda e o envergonha, no que gostaria de ser mais forte para ultrapassar obstáculos. E para você, o que exige de você força, o que te permite superar limites e vencer determinadas lutas? É na área física, emocional, moral, espiritual?
      O texto bíblico inicial é uma daquelas passagens do novo testamento que parece dizer o contrário de um entendimento que temos, “nós que somos fortes, devemos suportar as fraquezas dos fracos, e não agradar a nós mesmos”. Se nos acostumamos a pensar que temos que ser mais fortes para vencermos os fortes, o texto diz que ser forte é vencer os fracos, não os fortes. Mas que força precisamos para vencer quem é fraco? A força para vencer a nós mesmos, nossa própria vaidade. 
      Aqueles que vemos como mais fortes que nós podem nos incomodar por acharmos que são melhores que nós, assim, mesmo que não nos tratem mal, que sejam elegantes conosco, poderemos invejá-los, e todos somos sujeitos à alguma forma de inveja, ninguém está isento disso. Já os que temos certeza que são mais fracos que nós, não nos incomodam, mas muitos desses podem não nos incomodar justamente por serem humildes e serenos, isso não os torna piores, mas melhores. 
      Contudo, tem um outro tipo de pessoa, que achamos que são piores que nós, portanto, mais fracos, mas que nos incomodam muito, sobre esses dizemos a nós mesmos, “por que sinto tanto desconforto com essa pessoa? ela não merece meu incômodo”. Se nos sentimos assim o problema não está na pessoa, mas em nós, e alguns nos incomodam justamente por não nos darem importância, e não dão, não por maldade, mas simplesmente por falta de noção. Esses incomodam nosso orgulho.  
      Quem é forte de verdade a ninguém incomoda, pode até parecer-se fraco, e nem se incomoda de ser visto assim pelos outros. Esse é o forte de Romanos 15.1-3, que até poderia com um argumento rebaixar o outro, mas não o faz, para não agradar à própria vaidade. Esse não precisa provar nada a ninguém, nem provar que não precisa provar, porque ele na verdade não se preocupa em se agradar, mas aos outros, “cada um de nós agrade ao seu próximo no que é bom para edificação”.
      Nesse ensino está um dos segredos de se ter paz e não perdê-la, principalmente quando estamos nos relacionando com as pessoas. Nada a provar, mas sem arrogância, nem falsa humildade, com um profundo sentimento de servo, que ama e deseja o bem do outro com muito respeito. Ser forte não é vencer os fortes, esses exigem de nós nosso melhor, ser forte é vencer os fracos, pois esses podem tirar de nós o nosso pior. Nessa luta, não é o outro que temos que vencer, mas a nós mesmos. 

17/02/23

Deus salvará o humilde

      “Se te voltares ao Todo-Poderoso, serás edificado; se afastares a iniquidade da tua tenda, e deitares o teu tesouro no pó, e o ouro de Ofir nas pedras dos ribeiros, então o Todo-Poderoso será o teu tesouro, e a tua prata acumulada. Porque então te deleitarás no Todo-Poderoso, e levantarás o teu rosto para Deus. Orarás a ele, e ele te ouvirá, e pagarás os teus votos. Determinarás tu algum negócio, e ser-te-á firme, e a luz brilhará em teus caminhos. Quando te abaterem, então tu dirás: Haja exaltação! E Deus salvará ao humilde.” Jó 22.23-29

      As palavras de Jó 22 são sábias, apesar de serem argumentos de Elifaz, um dos amigos que não entendia a provação de Jó, defendia Deus e acusava Jó. Nem sempre nossas vidas são simples assim. É uma visão comum, que não era tão errada para homens do passado porque se adequava ao entendimento que esses tinham da existência humana, mas que persiste hoje, que a vida é uma batalha entre o bem e o mal, assim o bem deve triunfar e o mal deve ser destruído. Se fosse assim Jesus não teria sido crucificado, ele mesmo disse, respondendo a Satanás, que se quisesse Deus enviaria seus anjos para o livrar, mas isso, naquele momento, seria tentar a Deus (Mateus 4.6-7). 
      Não meus queridos, num nível mais elevado de espiritualidade que Jesus foi responsável por entregar à humanidade na nova aliança do evangelho, vitória está na perda, na injustiça ser encarada com humildade, e mesmo em deixar esse mundo sem ser entendido e aprovado por homens, incluindo evangélicos que acham que o melhor de Deus só existe quando homens são prósperos e têm honra aqui. Por isso tantos evangélicos apoiando políticos e lutando para que a tradição judaica-cristã prevaleça na sociedade, querem o que nem Jesus teve aqui, por isso terão dificuldades para receber o que Jesus dá na eternidade. Muitos se surpreenderão naquilo que chamam julgamento. 
      Muitos têm tentado a Deus, pedindo que Deus mande anjos e destrua os inimigos, assim têm se afastado do Senhor, permitido iniquidade em suas tendas, na arrogância de se acharem melhores, com mais direitos por se acharem do lado de Deus. Deus está do lado de todos, evangélicos e não evangélicos, dos da direita e dos da esquerda, e mesmo de ateus, ainda que ele seja fiel com os fiéis, mesmo que esses estejam enganados sobre algumas coisas. Sim, meus irmãos evangélicos, Deus tem ouvido vossas orações, pediram Saul e esse lhes foi dado, ainda que o Senhor nunca o quisesse para vocês, mas um pai de amor não pode permitir que seus filhos sigam errados para sempre. 
      Não, evangélicos, terem evangélicos no executivo, no judiciário e no legislativo, terem vossas igrejas fortes na sociedade não é o que faz de vocês mais espirituais, mais agradáveis a Deus, o reino de Deus não é deste mundo. O catolicismo teve isso por séculos e sabemos muito bem todo o mal que essa religião fez ao mundo, ainda que pregasse o nome de Cristo e esse abençoasse a tantos. Humilhem-se, joguem fora o ouro e as pedras preciosas, vocês não poderão levar isso para a eternidade, vosso tesouro é o todo-poderoso. Virtudes morais que começam na humildade, na santidade e no amor, são a prata que poderão acumular e que terá valor no plano espiritual.
      Oração respondida, negócio bem sucedido, clareza para decidir, salvação do opressor, essas promessas não são para todos, mas para os que buscam a Deus, contudo, elas podem não estar sendo cumpridas nas vidas desses porque esses estão lutando em batalhas erradas. Para Deus abençoar o Brasil basta que uma parte do povo o busque, mas se esses se envolvem em guerras ideológicas, em teorias fantasiosas de conspiração, em polêmicas políticas inúteis, toda a nação sofre. A culpa não é dos que estão em trevas, mas dos que deveriam estar na luz e se exaltam quando Deus pede deles humildade. Acordemos enquanto há tempo para que a disciplina não seja dura. 

16/02/23

Humilde para receber

      “Pois qual é maior: quem está à mesa, ou quem serve? Porventura não é quem está à mesa? Eu, porém, entre vós sou como aquele que serve.Lucas 22.27

      O senso comum cristão segue o texto bíblico inicial, onde se entende que mais bem-aventurado é dar que receber, assim o espiritual deve servir, não querer ser servido, isso contém um princípio eterno de espiritualidade, não estou negando isso. Contudo, quase dois mil anos depois do mundo ser evangelizado, muitos têm distorcido alguns valores, muitos fazem de tudo para não serem vistos como menores, como necessitados dos outros, como dependentes, incluindo parecerem-se bons cristãos, fazerem caridade, ajudarem os outros, dizendo que obedecem um ensino evangélico.
      Para quem precisa receber algo, tanto faz de quem recebe, e Deus usa qualquer um e qualquer coisa para abençoar o necessitado, seja qual for a intenção de quem dá, mas para o que dá a coisa não funcionam assim, ainda que seja ferramenta de Deus. Não é porque alguém dá que receberá honra por isso, não se já se exigiu, ainda que na privacidade do coração, quem de alguma forma cobra retorno pelo que faz não será recompensado por Deus. Podemos nos sentir bem por ajudar os outros, por dar sem receber, mas temos que ter cuidado para não nos sentirmos orgulhosos demais por isso.
      Para que precisamos de mais humildade, para servirmos ou para sermos servidos? Servir é chamada de todo cristão, mas mesmo isso pode ser feito com algum orgulho, escondido no álibi que estamos fazendo algo pelos outros e que portanto somos virtuosos. Contudo, sermos servidos, não por sermos arrogantes, por acharmos que os outros têm a obrigação de nos servir, mas justamente pelo contrário, por nos assumirmos como necessitados, carentes da ajuda dos outros, pode exigir de nós ainda mais humildade. Na verdade em tudo deve haver humildade, em servir e em ser servido, é preciso equilíbrio sempre, ajudar quem precisa e receber, deixando que o outro seja bênção no serviço.
      Se como cristãos já aprendemos que é melhor servir que sermos servidos permitamos também que o outro sirva, para ser melhor, percebe que essa é uma reflexão que se aprofunda no princípio evangélico? Tem gente que ama dar presentes, mas não fica à vontade quando recebe, parece que isso os coloca numa situação de dívida com o outro, e o orgulhoso não quer dever algo aos outros. Enquanto dar mostra uma capacidade nossa, mesmo que aparente espiritualidade, permitirmos que os outros nos deem revela o lado fragilizado nosso, é preciso muita humildade para mostrar nossa fraqueza, não nos envergonhando disso, mas admitindo que precisamos do amor voluntario do outro.

15/02/23

Não resista, só aceita

      “Perto está o Senhor dos que têm o coração quebrantado, e salva os contritos de espírito. Muitas são as aflições do justo, mas o Senhor o livra de todas.Salmos 34.18-19

       Certas coisas devemos pedir a Deus para tirar de nós. Nessa situação o tratamento que Deus está nos dando é para aprendermos a identificar o mal, não o aceitarmos e orarmos para que ele nos livre do mal. Outras coisas, contudo, devemos simplesmente aceitar. Deus nos as destruirá, elas não se afastarão de nós, ao contrário, devemos acomodá-las dentro de nós. Isso não é fácil, porque nossa primeira reação a algo desconfortável é de rejeição. Isso poderá nos levar a orar ainda com mais fé, pedindo que Deus lance aquilo que nos causa dor longe de nós, contudo, como nesse caso isso não é a vontade de Deus, não acharemos unção do Espírito Santo para fazer essa oração, assim ela será feita só com nossa humana força de vontade. 
      Não é nossa fé que legitimiza oração que Deus ouve, mas é orar pedindo aquilo que Deus quer nos dar, assim a primeira coisa é receber de Deus aprovação para um pedido, só então exercermos fé para que o Senhor nos permita receber essa coisa. Todavia, se Deus não quer nos dar algo, insistirmos em orar, ao invés de nos ajudar, nos prejudicará, porque usaremos força que Deus não deu, deixando-nos assim ainda mais fracos. Muitos, na teimosia de seus corações, oram por anos por uma coisa, procurando até em igrejas, em pastores e em pregações, palavras que aprovem sua teimosia. Esses poderão até dizer a si mesmos que não recebem porque não têm fé, e como existem pastores mal intencionados que incentivam esse equívoco. 
      A verdade é que teimosos pedem algo que Deus não quer lhes dar, na insistência o universo poderá dar algo parecido, mas isso não lhes fará bem, não a longo prazo, quando Deus não quer dar é porque não é bom. Mas o ponto dessa reflexão não é insistirmos em ter algo que nos parece bom, mas em insistirmos em nos livrarmos de algo que é ruim e que Deus não quer nos livrar. Que objetivo Deus tem nisso? Abrir espaço dentro de nós. Não são as coisas boas que alargam nossas almas, essa se encaixam em qualquer espaço, não dão trabalho, mas são as coisas doloridas, essas a princípio até nos dilaceram, mas depois que cicatrizam nos transformam. Para que isso? Para que depois haja mais espaço em nós para as coisas boas.
      Mas calma, se é vontade de Deus, ainda que seja difícil, o Senhor dá forças, perceberemos esse fortalecimento quando pararmos de resistir e descansarmos. Se estivermos desistindo quando temos que lutar, não sentiremos paz até nos posicionarmos contra o mal, mas se estivermos aceitando humildemente a vontade de Deus, sentiremos uma paz surpreendente. Pensaremos, “como que aceitar algo ruim como sem solução, faz eu me sentir tão bem?”. Resignar-se exigi mais fé que lutar, pois é deixar existir algo doído e maior que nós, ao menos em nossa percepção emocional, contudo, se for vontade de Deus a dor se assentará e desaparecerá, elevando uma tranquilidade profunda, seremos outras pessoas depois disso.
      Exemplos de coisas a princípio desconfortáveis e que depois podem nos tornar melhores, não são relacionamentos abusivos, desses devemos fugir. Exemplos são limites de nossas “especificações técnicas”, digamos assim, características que temos, que mesmo que nos esforcemos, estudemos, trabalhemos ou sejamos mais virtuosos, não mudarão. Querermos ser o que não somos também faz com que não queiramos ser o que somos, e o que somos é tudo que precisamos para sermos felizes e fazermos os outros felizes. Só com temor a Deus e humildade descobrimos a verdade sobre nós e paramos de lutar contra ela, é esse conflito inútil que a princípio pode nos levar a ver algo bom como ruim e que precisamos nos livrar. 

14/02/23

Culpa demais, culpa de menos

      “Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração; prova-me, e conhece os meus pensamentos; e vê se há em mim algum caminho mau, e guia-me pelo caminho eterno.Salmos 139:23-24

      Culpa, algo real, algo positivo como efeito de moral sadia, mas que muitos não administram do jeito certo, ou a ignoram, ou a exageram. O mundo moderno atual pensa em culpa como algo de gente fraca, ignorante, principalmente quando tê-la está diretamente relacionado a medo do juízo de Deus. Precisamos concordar que em parte isso é verdade. A igreja católica dominou a civilização ocidental por séculos através do medo, isso incentivou a culpa assim como aliou sua cura à uma vida de servidão ao catolicismo. Culpa existe e tem que existir, quem tem alguma sensibilidade dentro de si sente-se mal quando faz algo errado, o problema é achar errado coisas que não são, principalmente quando se pensa equivocadamente que é errado porque a religião, a Bíblia ou Deus dizem que é. 
      Muitas culpas não precisariam ser sentidas porque nada errado de fato foi feito, e se foi errado diante de certos homens, mesmo religiosos, não foi errado diante de Deus. Muitos que negam a existência de Deus querem na verdade negar a existência de um juiz que os acusa por suas culpas, assim só querem não sentirem-se culpados. Esses precisam em primeiro lugar conhecerem o Deus verdadeiro, se libertarem da religião que usam como álibi para deslegitimarem a existência de Deus. Muitos ateus o são, não porque não creem na existência de Deus, mas porque não aceitam que Deus seja o que muitas religiões dizem ser, assim creem num “Deus”, só não o aceitam. Se entendessem que as religiões estão erradas e Deus não está, poderiam conhecer a Deus, e não se sentirem tão culpados. 
      Mas muitos de nós, ainda que tenhamos uma experiência afetuosa com o Deus, pai de amor, têm dificuldades para não se sentirem culpados, isso vem lá de nossas infâncias, de falsos moralismos, de famílias que nos acusavam e exigiam demais de nós. Não é fácil desconectarmos a imagem de nossos pais físicos de Deus, pai espiritual, mas é preciso. Deus nunca nos acusa, somos nós que nos sentimos acusados, seja legitimamente quando fazemos algo errado e nos afastamos do melhor de Deus, seja quando aliamos a Deus algo que ele não é. Cuidado com a culpa, não a despreze, mas não se torne escravo dela, culpa é roupa suja, devemos tirá-la de nós, larga-la ao chão no exato instante que a tiramos, colocarmos a roupa limpa da paz do perdão de Deus e seguirmos em frente, simples assim. 

13/02/23

O que podemos fazer

      “De sorte que haja em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, que, sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus, mas esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens; e, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até à morte, e morte de cruz.Filipenses 2.5-8

      Talvez seja mais importante administrarmos o que não podemos fazer, que insistirmos tentando fazer. Isso não significa desistir ou se acomodar com menos, mas significa não sofrer tanto com os limites, sim, eles podem e precisam ser superados, mas com calma. Frustrações, não resolvidas, doentias, que ficamos mastigando enquanto paramos de lutar, podem ser piores que as dificuldades que temos que superar quando lutamos. Nos esforcemos, mas saibamos nos aceitar e nos perdoar, boa resignação pode nos fortalecer mais que idealismo, olhar para o fundo, não para cairmos mais, mas para firmarmos os pés no chão e reconhecermos o que somos. 
      Muitas vezes imaginamos o que poderíamos ser, e como queremos muito ser isso, acabamos achando que somos isso, assim, quando vemos que não conseguimos ser o que imaginamos, achamos que perdemos parte de nós. Mas como podemos perder algo que não somos? Quando formos, de fato, será parte fixa de nós, e essa não pode ser perdida, não mais. Repito, isso não é se acomodar com menos, mas ter certeza do que somos e sermos felizes com isso, ainda que desejando e trabalhando para sermos melhores. Nesse trabalho deve haver tempo para descanso, para recuperar as forças, essa revitalização só existe numa paz profunda com nós mesmos. 
      Há um segredo no texto bíblico inicial quando Paulo diz “esvaziou-se a si mesmo”. Querer ser alguém melhor pode se tornar, ainda que com boa intenção, uma obsessão, como tal glorifica o ego humano, não a Deus, tenta achar capacitação em si mesmo, não no Senhor. Quando nos esvaziamos expectativas e frustrações não ocupam espaço dentro de nós, não somos obcecados com o que podemos ser, nem frustados com o que não podemos ser, simplesmente somos, em paz. Essa condição nos liberta de cobranças, nossas e dos outros, agradamos a Deus e isso basta, deixando espaço dentro de nós para que a presença de Deus nos preencha e nos fortaleça. 

12/02/23

Inimigo é bênção!

      “O Senhor, porém, será juiz, e julgará entre mim e ti, e verá, e advogará a minha causa, e me defenderá da tua mão. E sucedeu que, acabando Davi de falar a Saul todas estas palavras, disse Saul: É esta a tua voz, meu filho Davi? Então Saul levantou a sua voz e chorou. E disse a Davi: Mais justo és do que eu; pois tu me recompensaste com bem, e eu te recompensei com mal. E tu mostraste hoje que procedeste bem para comigo, pois o Senhor me tinha posto em tuas mãos, e tu não me mataste. Porque, quem há que, encontrando o seu inimigo, o deixaria ir por bom caminho? O Senhor, pois, te pague com bem, por isso que hoje me fizeste.” I Samuel 24.15-19

      “Inimigo é bênção? Mas como assim? Quero mais é me livrar desse traste”. Pensar assim não é incomum, é reação normal da maioria de nós, contudo, é preciso entender que isso reflete uma ótica de vida neste mundo, e mesmo se for visão bíblica, é só do antigo testamento. Como vemos nossas vidas? Como guerras contra inimigos físicos para termos sossego e prosperidade material? Ou enxergamos além, como provações para aperfeiçoamento moral que construirá em nós seres espirituais com direito ao céu no outro plano? Entender o conceito “inimigo” é compreender a própria eternidade. 
      Não viemos ao mundo para fazer amigos, mas para desfazermos inimizades. Amigos acharemos e não teremos dificuldades para mantê-los, eles nos ouvirão, nos suportarão, nos ajudarão sem que precisemos ser mais que o que nascemos sendo. Contudo, são os inimigos que nos mudam para melhor, isso não significa que conseguiremos transformar maus em bons, que podemos mudar as pessoas, nem significa que temos que converter todos os inimigos em amigos. Mas se queremos mudar a nós mesmos teremos que aprender a nos relacionarmos com o inimigo do jeito realmente certo. 
      Já refletimos sobre o texto bíblico inicial em “Davi, paciência para militar” (leia todo I Samuel 24 para entender melhor o assunto), essa passagem talvez relate o exemplo bíblico mais emblemático sobre alguém agir de maneira correta com um inimigo. Deus teve vários propósitos com a teimosia de Saul em não mudar de atitude, nem ceder seu lugar de rei a Davi, propósito com a nação de Israel, propósito com Saul, propósitos com as famílias de Saul e de Davi, mas muito propósito com a pessoa de Davi. Davi só ficou totalmente pronto para ser rei depois que enfrentou de forma correta o inimigo. 
      Inimigos são bênçãos de Deus em nossas passagens na Terra, quem acha que só terá paz quando se livrar de todos eles e que isso é imprescindível para que seja feliz, nega o principal motivo de viver neste mundo. Não são os amigos que nos mudam, esses no máximo nos alegram quando atingimos certas posições, são os inimigos, para pior ou para melhor, dependendo de nossa perseverança em sermos seres humanos que obedecem e agradam o Senhor. Superar inimizades de maneira espiritual nos faz subir de nível, quem deseja crescer deve enfrentar inimigos, não fugir deles ou odiá-los. 
      Ninguém teve mais inimigos que Jesus, e nem eram inimigos pessoais dele, ainda que achassem que fossem, eram de toda a humanidade. Cristo os venceu do jeito mais certo, chegando às últimas instâncias disso, dando a própria vida. Jesus ensinou que vitória se conquista superando inimigos do jeito certo, morrendo por eles, isso é bem diferente da ótica do antigo testamento que dizia que inimigos Deus os dá em nossas mãos para que nós os matemos. Inimigos não precisam de aniquilação, mas de transformação, ajudamos nesse processo quando damos a eles exemplos de verdadeiros amigos. 
      Davi venceu seu inimigo Saul dando a esse o resgate de sua vida, podia tê-lo matado, tinha esse direito, teve oportunidade para isso, mas não o fez. Davi agiu no exemplo de Cristo, a isso Saul reagiu, “Saul levantou a sua voz e chorou, e disse a Davi: mais justo és do que eu, pois tu me recompensaste com bem, e eu te recompensei com mal, o Senhor me tinha posto em tuas mãos e tu não me mataste; porque, quem há que, encontrando o seu inimigo, o deixaria ir por bom caminho? o Senhor, pois, te pague com bem, por isso que hoje me fizeste”. Que bênção ouvir essas palavras da boca de um inimigo.