sexta-feira, novembro 30, 2012

O jovem rico dentro de cada um de nós

    "E um homem importante perguntou-lhe: Bom Mestre, que devo fazer para herdar a vida eterna? Jesus lhe respondeu: Por que me chamas bom? Ninguém é bom, a não ser um, que é Deus.
Sabes os mandamentos: Não adulterarás; não matarás; não furtarás; não darás falso testemunho; honra teu pai e tua mãe. O homem disse: Tenho obedecido a todas essas coisas desde a minha juventude.
Quando ouviu isso, Jesus lhe disse: Ainda te falta uma coisa. Vende tudo quanto tens, reparte com os pobres e terás um tesouro no céu; depois, vem e segue-me. Mas, ouvindo isso, ele ficou muito triste, porque era muito rico.”
Lucas 18.18-23

Recentemente meu pastor deu uma palavra sobre essa passagem, passagem tão conhecida, de interpretação e aplicação, a princípio, tão óbvias, mas será que são óbvias mesmo?
Vamos refletir um pouco mais sobre o jovem, ele não era uma pessoa distante de Deus, ao contrário, era diligente em sua religiosidade, obediente aos mandamentos, e mais que isso, tinha discernimento sobre quem era Jesus, visto que o chamou de bom mestre. Jesus percebeu que havia algo de errado com o moço desde o início, não aceitou o elogio, pois não sentiu nele sinceridade.
Vou me dar ao direito de imaginar algumas coisas sobre o jovem: Jesus orientou-o a vender tudo o que ele tinha e repartir com os pobres. Será que no dia a dia do rico rapaz, ele era uma pessoa gananciosa, preso ao dinheiro, mesquinho? Eu acredito que não, ele devia inclusive ajudar os menos favorecidos com suas posses. Mas talvez ele fizesse isso, e repetindo, eu estou imaginando, com o que lhe sobrava.
Todavia, mesmo que ele ajudasse os outros com tudo o que possuía, como acontece com aquilo que é feito pela carne e não movido pelo Espírito de Deus, sua vida piedosa era para agradar a ele, mesmo que tivesse atitudes aparentes de uma pessoa espiritual, em seu coração ele devia se envaidecer com o estilo de vida que tinha. Não, isso não é só imaginação, não, já que é só a presença muito forte de Deus, num coração realmente humilde, que pode fazer o ego humano perder a evidência, permitindo que Deus receba a glória. Pela reação que ele teve quando Jesus pediu para que ele abrisse mão de riqueza, essa tinha pra ele um valor grande demais.
Quando Jesus orientou-o a vender tudo, tudo mesmo, ele sentiu que perderia aquilo que ele usava para “barganhar” sua falsa espiritualidade, sua religiosidade, que lhe dava um status no meio social em que vivia. É isso o que um coração com o ego entronizado quer, receber glórias de seus semelhantes. O que nos dá essa necessidade equivocada? Baixa autoestima, carência de elogios, complexo de inferioridade? Chame a psicologia do nome que for, essa é a maior vaidade humana, mais que querer ser mais rico ou mais bonito, mas querer ser mais espiritual. Sim, querer ser visto como alguém espiritual também pode ser vaidade e pecado, talvez o maior deles, foi essa vaidade que Lúcifer teve, foi essa a glória que ele quis receber, a glória de Deus.
Não, nós não precisamos ser milionários para cair nesse erro, querer mostrar para os outros que somos mais espirituais, o que podemos usar para barganhar espiritualidade pode ser menos que uma grande fortuna assim como pode ser coisas diferentes de poder material. Nossos talentos podem ser usados para estabelecer uma superioridade diante das pessoas. Pergunte a um músico se ele estaria disposto a deixar tudo por Deus, até seu talento. Muitos argumentariam que o talento que eles possuem é para servir a Deus, Deus não o tiraria isso deles, mas somente depois do talento ser entregue nas mãos de Deus, como um “isaque”, é que a vaidade é deixada em segundo plano para que somente o Senhor seja glorificado através desse talento.
Essa vaidade, porém, sempre gera incoerência. Enquanto um lado nosso quer mostrar espiritualidade, o outro poderá ser escravo de coisas materiais, de vezes pequenas e fúteis. Como saber se temos essa incoerência em nosso coração? Faça uma autocrítica, responda a si mesmo: o que você não abriria mão? E eu não estou me referindo a coisas grandes não, mas a pequenas. Existem coisas que ninguém sabe, mas que nós dificilmente viveríamos sem, dificilmente encararíamos as outras pessoas sem essas coisas. São muletas das quais ficamos dependentes. Muitas vezes disfarçamos essas coisas dando a elas outros nomes: “ah, esse é meu jeito de ser”, “é só uma pequena vaidade, não faz mal a ninguém”, “não vou enfrentar o público sem isso”, “não, isso é o que tenho de melhor, de mais importante, não posso viver sem”, etc...
Vou confessar uma fraqueza minha: cultura. Não me importo se minha roupa ou mesmo meu carro, sejam mais baratos ou mais feios do que os dos outros, mas não gosto de me sentir burro. Tenho a tendência de sempre me nivelar, e isso é uma muleta, sentindo dentro de mim, em segredo, sem que ninguém saiba, que eu sou mais culto, mais inteligente, mais “sacado”. Sim, confesso, esse é meu pecado, minha vaidade, e já precisei ser humilhado várias vezes para abrir mão disso.
(A psicologia diz que não existe complexo de superioridade, ninguém se acha melhor que ninguém, é por nos acharmos piores que reforçamos certos atributos e posses para nos colocarmos acima do outros. Tudo na verdade é complexo de inferioridade, o que muda é a forma como reagimos. Uns se encolhem de vez, inferiorizando-se, se sentido a pior das criaturas, outros se elevam, bancando uma posição arrogante, achando-se superiores.)
Mas voltando a mim, para mostrar essa superioridade sempre quis que os outros me vissem de posse de bons livros, com conhecimento de filosofia, de ciência, e mesmo de teologia. Tenho várias Bíblias, sim, elas me são úteis para fazer meus estudos e reflexões, Deus me abençoa e tem me usado nisso. Contudo, até que ponto isso é vaidade e não necessidade? É vaidade quando eu gosto de expor em público uma Bíblia diferente, melhor, mais nova, vaidade disfarçada de espiritualidade.
A prova disso é que numa ocasião eu comprei uma Bíblia muito especial, com a versão que eu queria, e no formato, tamanho e capa que eu desejava. Então, na mesma tarde, Deus me mandou dar a tal Bíblia a um amigo. Se Deus tivesse me mandado dar a ele um cheque de mil reais eu não me sentiria tão mal, mas era uma Bíblia, um livro, do jeito que eu queria, algo que faz com que eu me sinta especial. Sim, eu dei a Bíblia, foi bênção na vida de meu amigo, mas a doação foi algo extremamente doloroso que me revelou algo muito importante sobre mim.
Bem, no meu caso, aquela Bíblia foi a riqueza do jovem rico, percebi como eu estava amarrado a coisas materiais, a coisas que me davam um falso status, a coisas que poderiam me fazer sentir superior as outras pessoas. Desculpe-me por contar essa minha privacidade, mas não achei um jeito melhor de compartilhar essa reflexão com você.
E você, do que é que você não abre mão, o que é que te faz sentir-se melhor, mais forte, mesmo superior, e que você não consegue viver sem, diante dos outros? Para as mulheres pode ser um penteado de cabelo, uma roupa, um calçado, uma joia, não, não estou dizendo que não temos o direito de estarmos bonitos e bem arrumados, mas precisamos saber até que ponto esses valores externos são mais importantes que os internos, os realmente espirituais. Até que ponto o cabelo desarrumado nos envergonha mais que um pecado não confessado?
Feliz é o homem que descobre que seu maior bem é Jesus, é a presença de Deus em seu coração, é a opinião de Deus sobre a sua vida, e que o resto, sejam coisas visíveis ou virtudes subjetivas, não podem dar a ele paz, não podem fazer dele alguém melhor. Na verdade somos alguém melhor quando somos templo do Espírito Santo, quando levamos em nós o doce cheiro do Evangelho, quando nosso coração é um trono limpo e bem conservado para que Deus se assente e reine. Quando é assim, não precisamos ter nada, nenhum bem, nenhum reconhecimento humano, apenas a confiança de que Deus mora em nós e é glorificado através de nossas vidas.

Quem mais eu tenho no céu, senão a ti? E na terra não desejo outra coisa além de ti.” (Salmos 73.25).
 .

Nenhum comentário:

Postar um comentário