“Melhor é a criança pobre e sábia do que o rei velho e insensato, que não se deixa mais admoestar. Porque um sai do cárcere para reinar; enquanto outro, que nasceu em seu reino, torna-se pobre.” Eclesiastes 4.13-14
Amo a sabedoria contida em antagonismos bíblicos, que nega o óbvio, que surpreende a malícia humana, que deixa claro tanto a teimosia do homem em fazer escolhas erradas quanto a insistência de Deus em dar uma nova chance para que o ser humano acerte. Nos dois versículos iniciais de Eclesiastes dois desses antagonismos, um entre a criança e o velho, outro entre o pobre e rico. Talvez a pergunta que o texto inicial tenta responder seja, quem tem direito à paz? Eu disse paz, não vitória ou prosperidade, porque muitos conquistaram muitas coisas e são prósperos no mundo, mas não têm paz, não a paz espiritual mais alta que permanece e que não pode ser comprada. Seria a criança, o velho, o pobre ou o rico?
Antigamente o velho era valorizado, crianças e jovens deviam aprender com ele, ele era depositário e compartilhador de experiências, passava conhecimentos de uma geração para outra. É claro que existia injustiça, sempre houve, há e haverá por muito tempo, crianças não eram respeitadas, jovens não eram valorizados. Para mudar isso na pauta atual de direitos o jovem ganhou valor, sua falta de experiência é compensada pelas novas ideias que tem, principalmente porque crianças são criadas hoje próximas à internet e a tecnologias. A internet e seus ilimitados bancos de dados, substituíram os velhos e seus conhecimentos, para que perguntar ao pai ou à vovó se pode-se perguntar ao Google ou à Alexa?
O texto de Eclesiastes não fala em riquezas materiais, ele ensina que essas são menores em relação às virtudes morais e à espiritualidade, por isso diz “melhor é a criança pobre e sábia do que o rei velho e insensato que não se deixa mais admoestar”. A sabedoria é confrontada com a negação da admoestação, não ser sábio não é necessariamente estar errado, mas não se deixar admoestar, o errado pode sê-lo sem o saber, mas a partir do momento que sabe acerta sua vida. Contudo, o que sabe que está errado e não muda, e nem aceita que alguém lhe diga que está errado, esse pode ser até um rei, rico e velho, cheio de experiências e bens, mas será um tolo, menos espiritual que uma criança pobre e inexperiente.
O texto inicial diz mais, “porque um sai do cárcere para reinar, enquanto outro, que nasceu em seu reino, torna-se pobre”. Não posso deixar de pensar em Salomão, pretendido autor de Eclesiastes, quando leio esse texto, num velho rei fazendo auto-análise, avaliando sua vida, suas escolhas, sua paz. Lembro-me também de Mateus 19.30, “porém, muitos primeiros serão os derradeiros e muitos derradeiros serão os primeiros”. O texto diz algo que o arrogante tem dificuldade para aceitar, a graça de Deus, ela contempla mudança de vida, nova oportunidade e aquisição de algo sem merecimento prévio. Não nego a importância de obras e trabalho, mas enfatizo a intenção do bem que muda o homem de dentro para fora.
Nos vem à mente Mateus 19.14, “Jesus, porém, disse, deixai os meninos e não os estorveis de vir a mim, porque dos tais é o reino dos céus”, assim como João 3.7, “não te maravilhes de te ter dito: Necessário vos é nascer de novo”, quando lemos o texto inicial, textos onde Jesus ensina simplesmente sobre a necessidade de recomeços. Aqueles que acham mérito em nunca terem recomeçado na vida, ou são perfeitos, algo que não é impossível mas é improvável, ou são arrogantes e imaturos, que mesmo dentro de igrejas cristãs não entenderam o que é o evangelho de Cristo. Você já nasceu de novo? E não me refiro a reencarnar, mas em ressurgir da morte de um velho eu, de velhos hábitos e mesmo de grupos sociais, sem deixar o mundo.
Na verdade temos que nascer de novo todos os dias, sermos meninos o tempo todo, não na ingenuidade e na inexperiência, mas na pureza moral e na mais alta iluminação espiritual. Isso é possível e os que têm essa disposição não só estão preparados para a melhor eternidade de Deus como são recompensados pelo próprio Deus com honra e dignidade neste mundo, é isso que diz o final do texto inicial. Deus o pai de amor nos tira do cárcere para reinarmos, ainda que não tenhamos origem nobre, ainda que tenhamos errado muito, só basta-nos a humildade de uma sábia criança pobre. Uma palavra aos ricos, não necessariamente na área financeira, mas em alguma segurança não firmada em Deus, mesmo que seja religiosa.
“Conheço as tuas obras, que nem és frio nem quente; quem dera foras frio ou quente! Assim, porque és morno, e não és frio nem quente, vomitar-te-ei da minha boca. Como dizes: Rico sou, e estou enriquecido, e de nada tenho falta; e não sabes que és um desgraçado, e miserável, e pobre, e cego, e nu; aconselho-te que de mim compres ouro provado no fogo, para que te enriqueças; e roupas brancas, para que te vistas, e não apareça a vergonha da tua nudez; e que unjas os teus olhos com colírio, para que vejas. Eu repreendo e castigo a todos quantos amo; sê pois zeloso, e arrepende-te.” (Apocalipse 3.15-19). Que nos achando satisfeitos, lúcidos e protegidos em nossas obras, não sejamos achados espiritualmente pobres, cegos e nus.