11/04/22

Parábola das águas (71/90)

      Nesta parte e nas duas próximas do estudo “Quem você será na eternidade?”, uma parábola original e sua interpretação. Fico muito feliz quando o Espírito Santo me dá graciosamente esse tipo de inspiração. Ensinar conceitos espirituais dessa forma é tão prazeroso quanto didático, poético quanto religioso, por isso o mestre das parábolas, Jesus Cristo, usava tanto esse recurso literário.

      “O Senhor é o meu pastor, nada me faltará. Deitar-me faz em verdes pastos, guia-me mansamente a águas tranquilas.” 
Salmos 23.1-2

      Um homem, cansado, após caminhar por algum tempo em sua viagem, procura pelo cantil com água. Quando o pega dentro da mochila, percebe que está vazio, com a boca seca ele senta-se sobre uma pedra, fecha os olhos, respira fundo e procura se acalmar. Com o coração batendo mais tranquilo, com a respiração espaçada, profunda, mas silenciosa, ele consegue ouvir mais que o próprio corpo, que a própria alma, ele ouve a natureza. Ele procura por algo que vá além do canto dos pássaros, da brisa que bate em seu rosto, ele procura pelo barulho das águas. No meio daquela floresta, se ele subisse numa árvore conseguiria ver melhor, mas está muito cansado para isso, assim decide prestar atenção para ouvir melhor. 
      Após alguns momentos de calma, ainda com a boca seca, ele ouve, baixinho, não muito distante, o som de águas caindo. Que som delicioso, só de ouvir o homem já se sente melhor, já se sente refrigerado. Então, ele se levanta, devagar, ainda com os olhos fechados, mas com os ouvidos bem abertos, afinados. Ele se vira e abre os olhos só um pouco, precisa ver para onde deve ir, mas não quer que seus ouvidos se distraiam. Ele se movimenta devagar, mas com certeza, sabe para onde se dirige, o som das águas aumenta de volume aos poucos, ele percebe que se aproxima do lugar. Ele aumenta a velocidade, agora os olhos já estão abertos, ele pode até sentir o cheiro, então, ele vê, entre as árvores a sua frente, a água. 
      É um pequeno riacho, cercado por uma formação rochosa que abraça as águas, que junto de altas árvores escondem o lugar. Só tem uma entrada, estreita, as pessoas poderiam passar bem ao lado do local e não o veriam, mas escutariam o ruído das águas se prestassem atenção. No lado oposto da entrada, caindo da formação rochosa, um filão não muito largo, mas concentrado de água, é ele que mantém o riacho vivo. O homem não entende, o riacho não é fundo, ainda que a água jorre sem parar ela não inunda o lugar, é como se o líquido caísse ao chão e sumisse nas entranhas da Terra. Ele tem sede, o riacho é raso demais para pegar água separada de areia, assim ele vai até a queda d’água, lá o líquido é puro e fresco. 
      Ele dá alguns passos e coloca a cabeça debaixo do filão de água, mas a água caí com muita força, ele quase se afoga, ele tira a cabeça e tenta de novo, outra vez a água entra pelo seu nariz e ele cai. O homem pensa, tenho uma caneca na mochila, é pequena, mas serve. Ele põe a mão dentro da mochila e acha a caneca, contudo, surpreende-se ao ver que a pequena caneca está furada, ainda assim ele a coloca sob a água que jorra. Pela força da água, pelo tamanho da caneca e pelas condições dela, furada, ele consegue levar pouca água à boca de cada vez, assim, pacientemente ele move a caneca da cachoeira para a boca, várias vezes, tomando só um pouquinho de cada vez, até que tenha sua sede totalmente saciada. 
      Satisfeito, ele senta-se à beira do riacho, lava o rosto e olha para o alto, o céu está azul, o Sol não é forte, ainda que esteja no meio do dia. Ele abaixa a cabeça, vê o reflexo do céu na água e fecha os olhos, pensa no que ficou para trás e no que ele encontrará em seu destino, anima-se, a viagem ainda não acabou, há muito para andar. Ele pega o cantil, quer enchê-lo e seguir viagem, contudo, percebe que o cantil também está danificado, e de um jeito que não pode mais ser usado, assim ele se livra dele. Então, ele olha para a queda d’água à sua frente, ela vem de um leito de rio que está acima das rochas, ele percebe que o rio margeia seu caminho, ele entende que se seguir perto do rio terá água para toda a viagem.   

Esta é a 71ª parte da reflexão
“Quem você será na eternidade?”
dividida em 90 partes, para melhor
entendimento leia toda a reflexão.

José Osório de Souza, março de 2021

10/04/22

Humanidade tóxica (70/90)

      “Porque sei que são muitas as vossas transgressões e graves os vossos pecados; afligis o justo, tomais resgate, e rejeitais os necessitados na porta. Portanto, o que for prudente guardará silêncio naquele tempo, porque o tempo será mau. Buscai o bem, e não o mal, para que vivais; e assim o Senhor, o Deus dos Exércitos, estará convosco, como dizeis.” 
Amós 5.12-14

      Em 4 de maio de 2021, após quase dois meses num leito de u.t.i., faleceu Paulo Gustavo, vítima de complicações pela Covid 19. Ator, comediante, casado com um companheiro e com dois filhos, sucesso na TV, no teatro e no cinema, amado por muitos, um talento singular de luz. Muito triste, mas mais triste foi a posição que muitos, que se dizem evangélicos, incluindo pastores, tomaram, condenando o artista por sua sexualidade, vendo em seu sofrimento um castigo por simplesmente ter nascido e vivenciado quem era, tanto na vida pessoal como na vida profissional. 
      Que haja misericórdia para a “cristandade tóxica”, que não pratica evangelho genuíno, que mantém preconceitos por não buscar a Deus e conhecer sua vontade, homens querendo agradar homens e julgando homens, guiando-se por uma interpretação errônea da Bíblia. Fico indignado com algumas coisas, mas essa ignorância com que tantos evangélicos tratam homoafetivos, aliando ao diabo e ao inferno pessoas que nascem diferentes do padrão sexual binário, revolta-me especialmente. Nesta reflexão pensemos sobre a “toxidade” presente no tempo mau em que vivemos. 
      Existe masculinidade tóxica, mas também existe feminilidade tóxica, assim como homosexualidade tóxica, o problema não está em ser masculino, feminino ou homoafetivo, mas em ser tóxico. Da mesma maneira o pecado não está em ser masculino, feminino ou homoafetivo, mas em ser promíscuo, mas enfim, o que vem a ser tóxico nesse contexto? É o uso de certas características em jogo de poder para oprimir alguns e beneficiar outros, de forma injusta e até violenta, usando como justificativa estereótipos que generalizam seres humanos por clichês e exageros.
      Tais estereótipos até foram aceitos no passado como algo normal, usando mesmo argumentos religiosos para defendê-los, mas não podem ser mais aceitos numa sociedade que busca igualdade de direitos, num entendimento, não superficial e exterior, mas profundo e interior de cada ser. É claro que a masculinidade branca tóxica é a mais forte porque foi a que predominou por mais tempo, mas isso não significa que não existam outras toxidades, assim jogar toda a culpa no homem como agressor e entender, quase que automaticamente, os outros como vítimas, não é justo. 
      Na masculinidade, ser tóxico é usar truculência física para obter algum benefício, principalmente na área sexual, de quem está em posição inferior. Na feminilidade, ser tóxico pode ser usar sensualidade, a exibição do corpo e mesmo o jeito de se portar, para manipular alguém e obter algum benefício. Mas a toxidade pode ser usada para se prevalecer em outras áreas, que não a sexual, na área profissional, por exemplo, vemos muitas mulheres sendo tratadas injustamente só por serem mulheres, com salários menores e menos direitos a promoções e planos de carreira. 
      Mas até que ponto sedução é arma de violência, ainda que não seja truculência física? Isso é delicado, e pode ser usada tanto por mulher quanto por homem. Em se tratando de homoafetividade tóxica o assunto pode ficar ainda mais complexo, visto que no conceito de sexualidade atual há muitos tons de cinza entre o branco e o preto, misturando características físicas e afetivas. Uma mulher trans, por exemplo, com características físicas masculinas, pode usar de truculência com um hétero, por ser fisicamente mais forte que ele, ainda que se traja, que se sinta, que se identifique como mulher. 
      Da mesma maneira um gay, se for fisicamente mais frágil, pode ser forçado fisicamente por uma mulher hétero a fazer alguma coisa, assim, toxidade não tem a ver com sexo, com masculino contra feminino, ainda que possa usar sexo para se estabelecer, mas com forte contra fraco, quem é opressor o será seja qual for sua identidade sexual. O mundo está ficando muito complicado, mas homem que se impõe por força bruta é tão errado quanto mulher que usa mal atributos físicos, e vice-versa, a solução está no respeito das competências certas nas áreas certas, indiferente de sexualidade. 
      Na eternidade não haverá homem, mulher, trans ou qualquer outra identidade sexual, só espíritos. O ideal seria as pessoas serem valorizadas por suas essências interiores, não pelos seus corpos, mas no mundo vemos mais facilmente os corpos, para discernir luz espiritual é preciso uma comunhão com o mundo espiritual que muitos não buscam. O que levaremos do mundo à eternidade? Não será sexualidade, mas virtudes morais, estabelecidas pela maneira correta como administramos dores e desejos, se buscamos cura para isso, ou se só inventamos justificativas para continuarmos tóxicos. 
      Infelizmente também existe “cristandade tóxica”, contudo, ainda que muitos cristãos creiam em penas eternas, achem que os conceitos tradicionais sobre sexualidade e família são os únicos agradáveis a Deus, se ainda assim compartilharem o perdão e a paz que existem em Cristo, deixando que Deus faça sua obra, serão bênçãos. Que guardem seus juízos no coração e não tentem convencer ninguém por medo ou violência, mas por testemunho de vidas humildes. Se agirem assim, ainda que crendo em certos equívocos, serão úteis no mundo e atraídos por Deus à sua melhor eternidade, o céu. 
      O problema é que muitos cristãos constróem álibis com textos bíblicos para não precisarem amar, fazem isso com homoafetivos, mas também com religiosos não cristãos. Muitos cristãos creem que todo homoafetivo é “sodomita”, condenado só por ser homoafetivo e não por ter vida promíscua (que é o que a Bíblia pode ensinar em textos sobre “sodomitas”), não entendem que a verdadeira homoafetividade é afeto emocional, não relação física sexual. Por isso se acham no direito de condenar todos os homoafetivos, e se esses estão no inferno são inimigos que não precisam de amor.
      Nisso o amor de Jesus é esquecido e o “diabo” tem vitória justamente no coração dos que se dizem seus inimigos, mas o pior é que o “diabo” vence em nome de uma bandeira que os cristãos acham que é de Deus, irônico tanto quanto terrível. O amor sempre liberta, tanto ao que ama quanto ao que é amado, mas o que ama o oprimido faz mais que sua obrigação, é instrumento de Deus para ajudar o que está em posição de fraqueza. A solução está no amor, só amamos quando recebemos de Deus amor, só o amor pode anular todo tipo de toxidade humana, mesmo a do falso cristianismo. 

Esta é a 70ª parte da reflexão
“Quem você será na eternidade?”
dividida em 90 partes, para melhor
entendimento leia toda a reflexão.

José Osório de Souza, março de 2021

09/04/22

Mais que número numa lista (69/90)

      “E, Jesus, saindo, viu uma grande multidão, e possuído de íntima compaixão para com ela, curou os seus enfermos.” 
Mateus 14.14
      “E quando Jesus chegou àquele lugar, olhando para cima, viu-o e disse-lhe: Zaqueu, desce depressa, porque hoje me convém pousar em tua casa.
Lucas 19.5
      “E uma mulher, que tinha um fluxo de sangue, havia doze anos, e gastara com os médicos todos os seus haveres, e por nenhum pudera ser curada, Chegando por detrás dele, tocou na orla do seu vestido, e logo estancou o fluxo do seu sangue. E disse Jesus: Quem é que me tocou? E, negando todos, disse Pedro e os que estavam com ele: Mestre, a multidão te aperta e te oprime, e dizes: Quem é que me tocou? E disse Jesus: Alguém me tocou, porque bem conheci que de mim saiu virtude.
Lucas 8.43-46

      A morte, a única certeza que temos em vida neste mundo, pode ser a coisa mais triste que podemos experimentar, para quem vai? Talvez, certeza absoluta sobre o depois muitos só terão após morrerem, mas com certeza pode ser muito triste para quem fica, quando se vai alguém próximo, que se ama. Entretanto, a mesma morte que nos marca de maneira extrema com uma dor irremediável, pode ser banalizada, como em guerras e grandes catástrofes. Nesses casos acaba partindo tanta gente e tão depressa que muitos podem achar que uma morte é só mais um número em uma lista. A pandemia do Corona vírus é uma guerra, contra um inimigo microscópico, mas poderoso, e que não tem lado, está contra todos em todo o planeta.
      A pandemia tem nos confrontado todos os dias com a morte, seja na TV, na internet, mas também na realidade ao vivo bem próxima a nós. Com a precisão e a rapidez que as informações chegam hoje, com nitidez de imagem 4k e qualidade de som surround, a verdade não pode ser negada, só não se sensibiliza quem já está há muito embrutecido pelo egoísmo, ainda que disfarçado pelo negacionismo estúpido de alguma ideologia equivocada. Quando vemos uma família chorando pela morte de uma mãe, de um pai, de um filho, de um avô, porque o vírus não escolhe idade ou sexo, sentimos na carne, sabemos que do jeito que as coisas estão no momento atual, amanhã isso poderá acontecer conosco, isso não é brincadeira. 
      Hoje uma morte não é só mais um número numa lista, quando morre uma pessoa, em qualquer lugar do planeta, todos morremos juntos. Contudo, isso é mais que uma tragédia, é Deus ensinando a todos uma lição, sobre algo com o qual estamos sendo relapsos, que lição é essa? É sobre amar, que se não aprendemos a vivenciar do jeito fácil, aprenderemos pelo jeito mais difícil. É sobre dar valor às coisas certas, que não vale a pena perder tempo com bobagens e prazeres passageiros. É sobre espiritualidade real, que só existe algo que nos prepara para irmos e nos dá consolo se alguém se vai, uma comunhão real com o Deus verdadeiro. Estamos entendendo essa chamada de atenção ou só nos conformando com estatísticas? 
      Como nos escondemos atrás de leituras de estatísticas, de números, jogando as pessoas em pacotes e não enfrentando a individualidade de cada ser e sua consequente relevância. Quando vemos filas e aglomerações na tela da TV ou do celular, para receberem alimentos de uma ação social, esperando notícias de um parente internado num hospital, num velório municipal, não são números, cem, quinhentas, mil pessoas, mas indivíduos. É o José, a Maria, o Tadeu, a Cecília, e cada um desses tem família, necessidades, também sonhos, amam e sofrem, como eu e você, e sendo assim poderia ser também eu ou você em seus lugares. A cada um Deus ama, atrai às regiões celestiais mais elevadas em Cristo, quer dar paz e luz. 
      Você, quando olha estranhos nas ruas, gente que não convive com você, que talvez você nunca conheça de perto, já pensou quem serão eles na eternidade? Irão para o céu, para o inferno? Que experiência eles têm com Deus? Mas tão ruim quanto o desprezo é a arrogância, que muitas vezes nos leva olhar estranhos e pensar que somos melhores que eles, mais privilegiados por sermos cristãos e eles não. Como é cômodo pensar que por mais que o inferno seja ruim e que sofrer nesse mundo é trágico, muitos experimentam isso porque escolheram, porque são maus, assim alguém na danação eterna se torna também só mais um número numa lista de condenados. Essa não é a ótica de Deus, e não deveria ser a de quem se considera seu filho.
     Segue um mistério que muitos não entendem. Em algum momento de nossas existências teremos que exercer nossa missão principal, servir ao próximo, ninguém escapa disso porque esse é o único caminho para alcançarmos o “céu”. Alguém que hoje você despreza, que acha que não é sua obrigação ajudar, que é problema de outro, não seu, que você não tem chamada para ajudar, em um momento de sua existência você terá que ajudar, e bem de perto, de um jeito ou de outro. Dessa forma, o quanto antes você entender, aceitar e praticar isso, melhor para você, e nem é para o outro, porque se você não fizer sua parte Deus levanta outro para fazer, o pequenino de Deus, o pobre, o necessitado, o humilde, nunca é só um número. 
      Deus nos conhece e nos atende individualmente, vê o clamor da multidão, mas reconhece Zaqueu sobre a árvore e a mulher com fluxo de sangue que o toca em meio à multidão. Um Deus antropomórfico não teria essa capacidade, esse poderia amar alguns e desprezar outros, mas Deus não despreza ninguém, nele só há virtudes e no nível mais alto. Muitos, contudo, estão impossibilitados de orar, estão pobres, famintos, acamados, mesmo em coma, enfraquecidos demais física e intelectualmente para clamarem pelas vidas, por isso os que estão mais fortes devem fazer isso por eles. Nesses tempos difíceis é importante que os que podem orem e ajam, alguém não ser só um número numa estatística é responsabilidade de todos nós. 

Esta é a 69ª parte da reflexão
“Quem você será na eternidade?”
dividida em 90 partes, para melhor
entendimento leia toda a reflexão.

José Osório de Souza, março de 2021

08/04/22

Nossos filhos na eternidade (68/90)

      “Rogamo-vos, também, irmãos, que admoesteis os desordeiros, consoleis os de pouco ânimo, sustenteis os fracos, e sejais pacientes para com todos.
I Tessalonicenses 5.14

      Nas virtudes morais os pais são espelhos para seus filhos, 
filhos serão aquilo que seus pais são em suas vidas práticas;
agir certo é o que dá autoridade para ensinar o que é certo, 
e não só falar ou intencionar; a verdade sempre prevalece. 

     Não coloquei passagens do livro de Provérbios (13.24, 23.13-14, 29.15 e 17) como iniciais para esta reflexão, mas vou citá-las. “O que não faz uso da vara odeia seu filho, mas o que o ama, desde cedo o castiga.” “Não retires a disciplina da criança; pois se a fustigares com a vara, nem por isso morrerá. Tu a fustigarás com a vara, e livrarás a sua alma do inferno.” “A vara e a repreensão dão sabedoria, mas a criança entregue a si mesma, envergonha a sua mãe.”Castiga o teu filho, e te dará descanso; e dará delícias à tua alma.”. Leu com atenção os textos? Tente verificar a austeridade dos termos usados.
      O mais triste é que tem crente sincero, bem intencionado, querendo ser obediente a toda a Bíblia, achando que ter em casa uma varinha para surrar os filhos para discipliná-los é vontade de Deus. Tem até um argumento usado para defender esse costume, bater com a vara faz a criança aliar violência à vara, não à mão do pai que deve ser aliada só a dar carinho. Não consigo entender a lógica dessa transferência, mas o que não se inventa para não se dar ao trabalho de buscar a Deus, e se receber orientação viva do Espírito Santo, ao invés de se seguir cegamente um texto antiquado de uma sociedade do passado.   
      Por que não vou usar os textos de Provérbios como base para uma reflexão cristã sobre como criar filhos corretamente? Porque não devem ser tomados, principalmente se entendidos ao pé da letra, como orientação de Deus para criarmos filhos hoje. Eles estão na Bíblia? Estão. Mas não devem ser considerados? Ao pé da letra, não! Mas mesmo que não forem tomados ao pé da letra é preciso algum esclarecimento do Espírito Santo para retirarmos deles princípios e usá-los adequadamente. Assim é com muitos textos bíblicos, principalmente aqueles relacionados à sociedade, família e sexualidade. 
      Então, como devemos criar filhos para que possam morar no céu conosco, usando um entendimento bem simplista? Da melhor maneira possível. Isso lhes garantirá o céu? Eu até creio que sim, se plantamos, colhemos, mas talvez não do jeito que muitas igrejas e muitos pastores pregam e acham que será. Entendamos uma verdade: não somos donos de nossos filhos, aliás, não somos donos de ninguém, não temos o dever de decidir por eles, nem o direito de que eles sejam o que queremos que eles sejam. Somos mordomos temporários de seres humanos, que devem ser criados no mínimo para serem independentes.
      Essa verdade, ainda que seja o entendimento mais sábio e mais de acordo com a vontade de Deus, pode ser, e é em muitas das vezes, só teoria, a prática é bem mais difícil. Contudo, algumas orientações podem facilitar o trabalho de pais que têm experiências com Deus e que desejam, de todo o coração, que seus filhos também tenham. A primeira delas é: respeite seus filhos como indivíduos, com direito a livre arbítrio e à liberdade para serem o que desejarem ser, mesmo que isso seja muito diferente do que vocês, pais, são, principalmente depois que crescerem e passarem da infância e da adolescência à maturidade. 
      Quem cria filhos sabe que até uma idade podemos aconselhá-los com facilidade, conversar com eles, mas depois isso fica difícil, e por um tempo será mesmo muito difícil. Só algum tempo depois, quando amadurecerem, é que voltarão a dar mais atenção às nossas palavras. Ma não há nada de errado nisso, no período que se preparam para fazer curso superior, que fazem graduações e pós-graduações em faculdades, que se colocam profissionalmente, que namoram, eles estão ocupados se definindo como seres autônomos. Nesse período temos que ter paciência e permitir que eles se decidam e se testem. 
      Os textos de Provérbios citados no início não procedem hoje em dia, mas isso não significa que não temos que usar de autoridade, e eis um termo mal compreendido. Autoridade no evangelho se faz com amor e com um caráter interior, quando isso existe, filhos nos acatam, às vezes só por olharmos para eles. Qualquer espécie de castigo físico que use de violência é no mínimo inútil, mesmo violência verbal também é, que às vezes pode humilhar e machucar mais que a vara. Contudo, fazer trocas, desautorizar atividades temporariamente como punição para erros insistentes, se feito com sabedoria, pode ser útil. 
      As pessoas nos respeitam pelo que somos, somos o que fazemos e é isso que é visto. Se é assim no meio profissional, na escola, na igreja, muito mais em nossos lares, onde nos despimos de máscaras e nos mostramos como somos de verdade. Nossos filhos nos conhecem muito bem, ainda que sejam pequenos, ainda que não falem nada, e eles nos imitam, simples assim. Se formos coerentes e verdadeiros eles também serão. Mas se alguém diz que fez tudo certo, até levou os filhos à igreja, mas ainda assim eles se tornaram pessoas muito diferentes, de duas uma, ou esse alguém está mentindo, ou não se conhece. 
      Muitos mentem insistentemente para si mesmos, no fundo sabem que vivem uma farsa, mas seria muito dolorido e trabalhoso para eles admitirem, teriam que se desconstruir para então construírem algo verdadeiro. Assim, fingem que são cristãos, que são maridos, que são pais, e os filhos que os veem fingirão que são filhos cristãos, funciona desse jeito. Por outro lado, tem gente que não se conhece, acha que é uma coisa quando não é, novamente os filhos se espelharão neles e serão o que eles são, ainda que seja algo aquém do que eles acham serem. Espelho útil é o limpo, que reflete a imagem original sem distorções.  
      Seres humanos podem ser orientados, precisam ser cuidados, devem ser amados, mas o que precisam, no final das contas, é serem eles mesmos. Quem são nossos filhos? Só saberemos se dermos a eles liberdade, liberdade se dá, no tempo certo e do jeito certo. Sim, temos a responsabilidade como pais de dar a eles nossas melhores referências, morais, intelectuais, materiais, mas sem medo de mudarmos de opinião, de nos arrependermos, de pedirmos perdão, de sermos honestos e humildes, tratando-os como iguais, não como inferiores. Quem são de fato nossos filhos e quem serão na eternidade só o Senhor sabe. 
      Se tivermos amor ficaremos satisfeitos de vê-los como Deus quer que eles sejam, aprenderemos com eles, mudaremos para melhor vendo seus exemplos, seremos felizes por termos cuidado de seres que Deus nos permitiu ter por perto por um tempo. Filhos criamos para o mundo, deixamos voar, não prendemos em gaiolas, e principalmente, como cristãos, lhes damos direito ao livre arbítrio religioso. Quando adultos, e quando digo adulto é próximo aos vinte anos, não precisam ser obrigados a nada, nem a irem a cultos! Mas estejamos em paz, se tivermos trabalhado direito, no final eles farão escolhas que nos darão orgulho. 

Esta é a 68ª parte da reflexão
“Quem você será na eternidade?”
dividida em 90 partes, para melhor
entendimento leia toda a reflexão.

José Osório de Souza, março de 2021

07/04/22

Juiz e Senhor, só Deus (67/90)

      “Quem és tu, que julgas o servo alheio? Para seu próprio senhor ele está em pé ou cai. Mas estará firme, porque poderoso é Deus para o firmar. Um faz diferença entre dia e dia, mas outro julga iguais todos os dias. Cada um esteja inteiramente seguro em sua própria mente. Aquele que faz caso do dia, para o Senhor o faz e o que não faz caso do dia para o Senhor o não faz. O que come, para o Senhor come, porque dá graças a Deus; e o que não come, para o Senhor não come, e dá graças a Deus.” 
Romanos 14.4-6

      Julgamos com frequência as pessoas quando achamos que elas fazem ou são menos que deveriam fazer ou ser, fazemos isso baseados no que nós achamos que elas devem fazer ou ser. Muitas vezes fazemos isso para que de alguma forma sejamos beneficiados e de uma maneira maldosa, diminuindo os outros para que nós injustamente cresçamos. Mas quem é o Senhor, nós ou Deus? A quem as pessoas e nós daremos contas, a nós mesmos ou a Deus? Se só Deus é Senhor só ele sabe o que pede de cada um de nós, e sendo assim só ele poderá julgar se fizemos ou não o que ele pediu, se fomos ou não o que poderíamos ser de melhor com o que dele recebemos. 
      Julgando injustamente achamos que alguém, que aos nossos olhos muito recebeu, fez pouco com isso, foi ocioso, egoísta, poderia ter beneficiado mais pessoas e não beneficiou. Mas quem sabe o preço que alguém paga para crescer, um pouco que seja, para se libertar de vícios, para ser melhor no final de sua vida em relação àquilo que era no início? Muitos trabalhos não são vistos, não aparecem exteriormente, mas são realizados no homem interior, e esses só Deus de fato vê e mede. Nós homens somos moralmente míopes demais, egocêntricos demais, olhamos na maior parte do tempo só para nossos umbigos e ainda achamos que podemos julgar os outros. 
      Alguém ter nascido com mais posses, ter mais facilidade para ser intelectualmente inteligente, ter um aproveitamento mais rápido e mais abrangente de competências, e mesmo possuir inteligência afetiva maior, saber administrar melhor carências e dores, não é por essas capacidades que as pessoas são avaliadas por Deus. Deus avalia o saldo final, o que se acrescentou ao que foi recebido. Para ele cento e cinquenta menos cem, é a mesma coisa que cinquenta e um menos um, em ambas as contas o resultado é cinquenta. Nós, contudo, não enxergamos o saldo, mas só o crédito inicial, vemos o que as pessoas são no início e decretamos que serão isso até o fim. 
      Mas quem cresceu mais no exemplo dado, quem foi de cem para cento e cinquenta, ou quem foi de um para cinquenta e um? Quem trabalhou mais? Sob o ponto de vista da economia, quem já tem cem tem mais facilidade para render mais cinquenta do que quem tem só um, os juros sobre cem rendem mais que sobre um. Mas a coisa pode não funcionar assim, quem tem um acostumou-se com um estilo de vida mais barato, já aquele que foi criado com cem gasta mais com um estilo de vida mais caro, seu valor rende mais, mas ele também gasta mais para viver. Deus considera os limites de cada um, ainda que não julgue pela aparência, mas por intenção que se transforma em obras. 
      Cada um de nós paga preços diferentes para viver e evoluir, somos tentados por coisas diferentes, temos feridas diferentes, e consequentemente buscamos curas e defesas diferentes. Para quem é mais difícil ser humilde, para o pobre ou para o rico? Depende de como a pessoa foi criada e do caráter que ela possui em sua essência espiritual, e isso independe de bens materiais. Contudo, muitos que começaram razoavelmente bem no final continuaram quase iguais, e outros, que tiveram um início de jornada complicado, no final obtiveram libertação de vícios, curas de feridas, saíram do buraco que estavam e se expuseram sem medo à luz, renascendo pessoas melhores. 
      Alguns que perderam bens materiais ganharam a alma, evoluíram moralmente, ainda que no final de suas vidas fossem considerados materialmente perdedores. Já outros que prosperaram, que se tornaram profissionais reconhecidos, acabaram como seres humanos maliciosos, cínicos, ingratos, arrogantes. Mas quem disse que a prova desses últimos não era só trabalho físico árduo e vitória material? Quem sabe se suas vidas duras, que acabaram deixando-os céticos com muitas coisas, não beneficiaram outros na área material? Deus não cobra o mesmo de todos, mas todos temos a oportunidade de sermos aprovados, de um jeito ou de outro, para um ou outro fim. 
      O texto bíblico inicial fala de uma situação um pouco distinta, mas que pode servir de exemplo sobre maneiras diferentes que Deus trata as pessoas. Paulo fala de homens que vêm para o evangelho e mantêm costumes diferentes, de acordo com religiosidades que tinham antes de se converterem ao evangelho, isso ocorria quando judeus e não judeus (gentios) se convertiam. Deus não julgará a tais pelo que eram e mantiveram, mas pelo que se tornaram, assim certos velhos costumes que são mantidos não são relevantes, tanto para Deus como para os homens. Quem mantêm esses costumes não deve se achar melhor nem pior que aqueles que não mantêm tais costumes. 
      Não estamos dizendo que costumes de religiões que as pessoas tinham antes de se converterem devam ser mantidos, não é isso, alguns costumes negam expressamente as orientações do evangelho. Contudo, vemos isso em novos costumes que denominações e igrejas cristãs diferentes possuem. Alguns costumes, por exemplo, se referem a tipo de roupa, mesmo a corte de cabelo, que cristãos devem ter, mas isso não é o mais importante num evangelho que propõe mudança interior como prioridade. Mas quem se veste diferente por ser cristão deve se achar mais santo que o que não se veste? Não, nem o que não se veste deve se achar mais espiritual que o que se veste. 
      Somos todos servos de Deus e só Deus é Senhor, se Deus quer tratar um outro servo de maneira diferente como nos trata, o que temos com isso? A nós cabe fazermos aquilo que Deus pede e em paz, preocupados com o que Deus pensa de nós, na eternidade cada um dará conta individualmente por si. “Quem és tu, que julgas o servo alheio? Para seu próprio senhor ele está em pé ou cai... Cada um esteja inteiramente seguro em sua própria mente”. Nossa referência é Deus, não os homens, juiz só Deus, não os homens, honra por ter feito ou não algo, só na eternidade receberemos. Não nos apressemos neste mundo, querendo receber honras ou tirá-las dos outros. 

Esta é a 67ª parte da reflexão
“Quem você será na eternidade?”
dividida em 90 partes, para melhor
entendimento leia toda a reflexão.

José Osório de Souza, março de 2021

06/04/22

Tenha paciência (66/90)

      “Então dali buscarás ao Senhor teu Deus, e o acharás, quando o buscares de todo o teu coração e de toda a tua alma.” 
Deuteronômio 4.29

      Deus pede paciência de nós, mas isso não deve ser encarado como algum tipo de castigo. O interesse de Deus em nos fazer passar por experiências que exijam que sejamos pacientes, não é uma punição, a não ser que entendamos paciência do jeito errado, como a agonia por perdermos tempo deixando de fazer alguma coisa, deixando de executar um trabalho. Se for assim será uma visão material da existência, só física. No mundo fazer é ganhar, e fazer mais é ganhar mais, mas tudo que fazemos no mundo fica no mundo. Só levamos para a eternidade aquilo que fazemos no nosso espírito e nos espíritos dos outros pelo Espírito de Deus, o trabalho para fazer isso é o oposto do trabalho físico que exercemos no mundo material. 
      Para o mais nobre dos trabalhos, o espiritual, paciência é fundamental, nela acalmamos sentimentos e pensamentos até que nosso corpo seja controlado pelo espírito, no quanto é possível que isso seja feito enquanto encarnados no mundo. O fato é que entendemos tudo errado, a agitação, a ansiedade, a pressa, que achamos que nos darão alguma vantagem no mundo, só fazem nossos corpos físicos adoecerem. Quantas enfermidades, físicas e emocionais, construímos por não termos paciência, eis aí o espírito eterno dando uma lição ao passageiro corpo físico. Não corra, ande, não discurse, cale-se, não flerte com a loucura elaborando armas para destruir quem nem se importa com você, nem sequer imagine bobagens. 
      Que Deus não tenha que “quebrar nossas pernas” e nos prender a um leito para, então, sermos forçados a ter paciência, ainda que só para aguardarmos o restabelecimento de “nossas pernas” para continuarmos fugindo de Deus e de nós mesmos. Esse restabelecimento nunca chegou para muitos que teimaram em não passar pela maior prova da vida, serem pacientes o suficiente para acharem a paz. Deus está na paz, não na ansiedade, na pressa ou no muito fazer, mas no fazer o suficiente para que sobrem tempo e energia para pararmos e ouvirmos sua voz. A voz de Deus só ouvimos quando estamos na mais profunda paz, para acharmos essa paz é preciso paciência, e tomara que seja pelo menos enquanto ainda temos “pernas”. 
      Então, passamos dos quarenta anos de idade, caminhando para os cinquenta, é nesse momento que as consequências de toda a pressa que tivemos até então aparecem. Temos dificuldade para dormir, nossa alegria de viver, mesmo nosso desejo de “namorar”, diminui, o fogo da paixão esfria-se, nosso corpo até está bem, mas nossa cabeça parece desconectada. Mas pode ser pior, ansiedades geram tanto tumores quanto transtornos psiquiátricos mais sérios, além de desregularem nossa alimentação, de nos levarem a vícios, tornando nossos corpos presas de excessos e de prazeres estranhos, que nos matam por dentro. Tudo isso porque passamos uma vida dizendo a nós mesmos que não tínhamos tempo para sermos pacientes. 
      Por que o budismo e o hinduísmo ganham tanto apoio da mídia e mais adeptos entre as pessoas mais esclarecidas, com mais formação intelectual, enquanto o cristianismo é visto como religião de ignorantes e preconceituosos? Por que ioga é orientada como terapia pela psicologia mais que oração a Deus por meio de Cristo? Porque essas religiões e técnicas conduzem o homem à paz, ensinam disciplina, autocontrole, serenidade, enquanto que em muitas igrejas cristãs as pessoas só querem dizimar e fazer orações curtas e de fé para receberem, sem tempo a perder, prosperidade no mundo. Muitos cristãos ficariam surpresos e até se escandalizariam, se pudessem conviver com o Cristo encarnado, vivendo como homem entre os homens. 
      Se paciência pode ser nosso modus operandi para tudo, para orarmos não é opção, é o único modo. Deus ouve a todos e seja lá qual for o jeito que o homem ore, mas para um crescimento espiritual mais profundo é preciso muita paciência. Neste ponto chegamos ao texto bíblico inicial, só achamos a Deus quando o buscamos com todo o coração, e o termo “todo o coração” implica não só em fé forte e rápida, mas em um longo e paciencioso período de busca, onde conhecemos a nós mesmos, então, a vontade de Deus. Sem paciência não achamos a paz, sem paz não achamos Deus, e sem Deus não achamos vida em abundância, eis o processo do trabalho espiritual, acontecendo de maneira oposta ao do trabalho físico. 
      Creia, em um determinado momento de tua existência, no plano físico ou no espiritual, você terá que ter paciência, ainda que passe uma existência no mundo material fugindo disso. Quem foge da paciência foge da paz, foge de Deus, foge da vida. Céu e inferno estão diretamente relacionados à paciência que temos para entender e fazer a real vontade de Deus para nossas vidas, não aquilo que achamos que é a vontade do Senhor, nem o que os homens nos dizem que é. O quanto antes entendermos isso, melhor para nós, que seja antes de perdermos as “pernas”. “Perder as pernas” pode ser coisas diferentes para pessoas diferentes, de um jeito ou de outro limita nosso espaço num tempo indeterminado, só para aprendermos a ser pacientes. 

Esta é a 66ª parte da reflexão
“Quem você será na eternidade?”
dividida em 90 partes, para melhor
entendimento leia toda a reflexão.

José Osório de Souza, março de 2021

05/04/22

A luz da aurora (65/90)

      “Mas a vereda dos justos é como a luz da aurora, que vai brilhando mais e mais até ser dia perfeito.
  Provérbios 4.18

      Lindíssimo o versículo inicial, poético e espiritual. Muitos não entendem, mas tudo no mundo físico é metáfora do plano espiritual, a arte criada por escritores, músicos, pintores, diretores de cinema e outros, nasce da mente que conhece um mistério espiritual, ainda que o homem não tenha consciência disso. Mesmo que seja a Terra que se movimente em torno do Sol, o dia começa quando vemos a subida do astro rei no horizonte, pouco a pouco se eleva e a Terra é iluminada, o que está escondido é revelado, seres humanos acordam e saem para trabalhar, estudar, amar, se divertirem, banham-se de luz. 
      Quanto aos temerosos sentem-se desconfortáveis com a claridade, se as janelas estiverem abertas eles as fecham, se antes estavam ao ar livre, protegidos pela escuridão da noite, buscam esconderijo em quartos fechados. Esses são os descritos no verso seguinte ao inicial acima, “o caminho dos ímpios é como a escuridão, nem sabem em que tropeçam” (Provérbios 4.119). As poucas decisões que tomam fazem na passagem, entre noite e dia, e não percebem que só conseguem fazer isso por terem uma rápida visão que o Sol, aquele do qual fogem, lhes permite terem, eles sentem-se mal com a luz.
      Quando entramos numa casa abandonada, que ficou com portas e janelas fechadas por muito tempo, sem receber qualquer claridade, temos que tomar cuidado. Ao primeiro raio de Sol que adentra o recinto vemos no chão baratas, aranhas e até ratos, fugindo da claridade para os cantos ou para quartos no interior da casa, onde a luz ainda não alcançou. Esse bichos gostam das trevas, podem ter vivido por anos naquela casa fechada, e na verdade, se tivessem inteligência, diriam que aquela moradia lhes pertence, ainda que por usucapião, só saíram de lá à noite para se alimentarem e logo retornavam. 
      Infelizmente a mesma coisa pode acontecer com nossos corações, com nossos homens interiores, ficarem por tanto tempo em trevas que acabam sendo moradas de todo tipo de mal, de vício, medo, rancor e desconfiança. Podemos administrar casas abandonadas assim dentro de nós, ainda que em nossas aparências externas mostremos para as pessoas faces sorridentes, corpos asseados, palavras refinadas. Contudo, quem olhar com cuidado nossos olhos verá, lá no fundo, insetos e roedores, correndo rapidamente para algum canto, buscando esconderem-se de quem os confronta com a luz espiritual. 
      Mantemos luz ou trevas dentro de nós? É fácil sabermos, só respondermos outra questão: existem muitas coisas que tentamos esconder das pessoas? É precioso entender que ninguém é um livro totalmente aberto, sim, todos nós escondemos coisas dos outros. Algumas coisas porque, ainda que resolvidas no presente, são assuntos sensíveis, difíceis, que nenhum proveito existe em serem mostradas. Mas tem coisas, que ainda que não estejam solucionadas, e Deus tem muita paciência conosco, podem representar, não “seres estranhos da noite”, mas pendências temporárias que serão resolvidas.
      Uma barata pode entrar de vez em quando em casa, mas uma faxina e ela será descoberta e retirada, contudo, ter um ninho de ratos morando num canto escuro e esquecido da casa, representa mal maior, a insistência em não limparmos certos lugares ou em mantê-los abertos para entrada de bichos. Vida de oração é raio da luz do Altíssimo lançado sobre nosso homem interior, nisso o mal é revelado e pode ser expulso, depende só de nós buscarmos a Deus, conhecermos sua vontade e obedecê-la. O que ama a Deus terá uma trajetória como a descrita no versículo inicial, mais e mais iluminada. 
      Sob a luz a verdade se revela, boa ou ruim, sob a claridade do Sol as rugas aparecem, mesmo a maquiagem exagerada para tentar escondê-las, sob o Sol a vida solicita movimento, ânimo, trabalho, evolução. Os que amam a morte escapam para as trevas, para as luzes artificiais, que mostram o que eles desejam que seja mostrado. Na noite a verdade é manipulada, distorcida, e aí não é mais verdade, é ilusão, é fuga, é malícia. Na eternidade todos nós enfrentaremos a mais forte das luzes, a luz espiritual da moralidade mais elevada de Deus em Jesus, sob ela destinos eternos serão estabelecidos. 

Esta é a 65ª parte da reflexão
“Quem você será na eternidade?”
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José Osório de Souza, março de 2021

04/04/22

O transporte do amor (64/90)

      “E eis que se levantou um certo doutor da lei, tentando-o, e dizendo: Mestre, que farei para herdar a vida eterna? E ele lhe disse: Que está escrito na lei? Como lês? E, respondendo ele, disse: Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todas as tuas forças, e de todo o teu entendimento, e ao teu próximo como a ti mesmo. E disse-lhe: Respondeste bem; faze isso, e viverás.” 
Lucas 10.25-28

      Quem seremos na eternidade? Seremos o homem espiritual que construímos dentro de nós aqui no mundo. A qualidade desse homem interior está diretamente relacionada a quanto praticamos os mandamentos de Deus. Jesus resumiu todos os mandamentos em um, amar a Deus, assim, construir o céu dentro de nós ainda neste mundo é amar a Deus. Quem ama a Deus, ama a si mesmo e ao próximo. Mas o que exatamente é amar a Deus? Entendemos o conceito espiritual disso ou confundimos com o apreço afetivo que temos por coisas físicas, pessoas, e mesmo por animais?
      O que nos vem de imediato à cabeça, quando pensamos no termo gostar, é aprovar. Se aprovamos alguém, gostamos desse alguém, do que ele faz, nisso pode estar incluído um relacionamento físico íntimo, assim, podemos gostar sem amar. Já amar podemos relacionar com um afeto maior. Um amigo, por exemplo, podemos amar ainda que não aprovemos tudo que ele faz. Mas com um companheiro afetivo, um cônjuge, é semelhante, ainda que não gostemos de tudo que ele faz, nós queremos continuar vivendo com ele, nos compartilhando fisicamente com ele, porque o amamos.
      Isso são manifestações emocionais e mesmo físicas de afeto, contudo, o amor espiritual que exercemos para Deus é algo mais. Nem estou falando de amor sacrificial, que também é uma alta expressão de afeto, que sofre pelo outro, que tem paciência mesmo com o desafeto do outro, que pode dar a própria vida pelo outro, como Jesus fez. Apesar disso ser uma expressão elevada de amor, ainda é amar no plano físico. Deus está no plano espiritual, ele não precisa que nos sacrifiquemos por ele, ainda que encarnado em Jesus tenha se sacrificado por nós, como espírito ele pode viver em nós. 
      Muitos cristãos percebem na prática o poder que tem o louvor, mas muitos não entendem o que de fato ocorre espiritualmente quando adoram Deus, Jesus e o Santo Espírito. Não são só palavras de aprovação por tudo que Deus é e faz que dizemos em hinos e cânticos, não é só o sentimento, que encharcado pelos dons espirituais entrega ao adorador um êxtase singular. Quem adora, ama, não se pode adorar sem amar. Amar um ser espiritual nos aproxima desse ser, mais ainda, nos coloca espiritualmente na posição espiritual que esse ser está, transporta-nos espiritualmente a um lugar. 
      Endemoniados são seres humanos que amam o mal, seja pelo que for que o mal se manifeste neles, vícios do corpo, ódio, inveja, lascívia. Quando amam o mal se colocam na mesma “frequência” espiritual de seres espirituais do mal. É simples, iguais se atraem, assim funciona no plano espiritual, por isso precisamos ter cuidado, gostar demais de algo que sabemos que nos afasta das virtudes morais lançadas sobre nós pela luz do Altíssimo, “endemonia-nos”, ainda que num grau menor, que não controle nosso corpo e nossa mente o tempo todo. O que adoramos nos possui. 
      Moisés ensinou e Jesus enfatizou, amar a Deus é o mais importante dos mandamentos. Eles não falaram só sobre o amor que sentimos no plano físico, uma preferência que temos por algo ou por alguém, é muito mais que isso. Há poder espiritual no amor, ele nos leva a adorar algo, assim nos coloca na mesma posição espiritual do objeto adorado. Se amamos a Deus naturalmente o adoramos. Isso é mais que palavras e emoções, é transporte espiritual para uma posição elevada, através de Jesus e pelo Espírito Santo. Nessa posição temos proteção, paz e luz, para resistirmos a todo o mal. 
      Por isso Paulo encerra o ensino sobre o amor em I Coríntios 13.13 dizendo, “agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor, estes três, mas o maior destes é o amor”. Na eternidade seremos confrontados pelo amor maior que chega a todos através da luz do Altíssimo. Quem já tiver o penhor do céu em si, subirá para a luz mais alta de Deus, sem medo, sem culpa, sem perturbação, não será surpreendido, se não para melhor. Quanto aos que não amaram os homens, porque não amaram a Deus no mundo, se sentirão desconfortáveis com a luz, se esconderão nas trevas infernais. 

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José Osório de Souza, março de 2021

03/04/22

Escolhas terminais (63/90)

      “Não erreis: Deus não se deixa escarnecer; porque tudo o que o homem semear, isso também ceifará. Porque o que semeia na sua carne, da carne ceifará a corrupção; mas o que semeia no Espírito, do Espírito ceifará a vida eterna.
 Gálatas 6.7-8

      Se a salvação está na persistência, primeiro para crer e depois para praticar, a perdição também está, na teimosia primeiro em pecar e depois em não pedir perdão pelo pecado. Nossa insistência define o que somos e o que levaremos para a eternidade. Ela é um processo que pode mudar até uma intenção, que a princípio era boa, já que com o tempo harmonizam-se intenção e prática. Quando a prática do pecado estabelece uma intenção de não se importar mais em pecar, a pessoa pode chegar a um ponto sem volta, onde será feita uma escolha terminal. Por mais que Deus ame a todos e tenha sempre a porta aberta de sua melhor vontade, ele respeita o livre arbítrio, que pode encerrar as chances que alguém tem neste mundo para mudar de vida. O amor de Deus desiste de alguém? Não, só a vontade do homem é que desiste de se arrepender e de seguir no melhor de Deus para sua vida.  
      Deus não tem limites, o homem tem. Uma escolha de reação emocional errada, mantida por tempo demasiado, pode instalar doenças emocionais, síndrome de pânico, depressão, ansiedades, que de mentais passam a ser doenças físicas, levando a dificuldades para dormir e outros males. Quando se trata de doenças emocionais não podemos cometer a irresponsabilidade de generalizarmos, várias são as causas, inclusive no sentido inverso, ao invés do emocional interferir no físico, um desajuste químico, que é físico, poder interferir no emocional. Mas seja como for, o homem tem limites, se não administrar bem corpo e mente, dores que começaram como eventos mentais, podem se tornar físicas, para quem lidou mal por muito tempo com pensamentos e sentimentos. Isso também é o poder, negativo, da fé, acabamos nos tornando o que cremos ser, seja para o bem, seja para o mal. 
      Por um bom tempo em nossas vidas ainda tentamos nos convencer, às vezes por estarmos frequentando igrejas onde ouvimos um ideal de Deus para nossas vidas e que constitui o único caminho para o céu. Dessa forma dizemos para nós mesmos, “cometo esse erro o tempo todo, mas não sou isso, Deus conhece minha sinceridade, sabe de minha intenção”, contudo, não conseguimos fazer isso para sempre. Quando existe essa incoerência um dia poderemos desistir de nós, e isso para podermos ter alguma sanidade mental, para que cesse o conflito dentro de nós, entre o que queremos ser e o que vemos que somos. Dessa forma acabamos assumindo o que a nossa prática, e não a nossa intenção, mostra que somos. Eis um momento crucial nas existências das pessoas, que define o motivo principal de porque estão neste mundo, assim como o que serão na eternidade. Pode ser um triste momento. 
      Como a depressão é algo que se instala em nossas cabeças, e que num determinado momento de nossas vidas pode ser de difícil cura, ainda que administrada com medicamentos, o inferno também é instalável em nossos espíritos, e num determinado momento de nossas vidas pode ser irreversível. Quando não queremos pensar sobre algo ou aceitar algo, temos a tendência de generalizar e jogar num extremo, assim, não entenda inferno como uma vida dominada pelos prazeres do corpo, na devassidão, em pecado, não, inferno não é só isso. Inferno é dor sem fim, e dor pode estar bem escondida em vidas que desistiram de anulá-la com fugas. Existe gente dentro de igrejas assim, controladas exteriormente (por remédios), socialmente resignadas, mas sendo “cavalos” de terríveis sofrimentos, muitos que de boca confessam o céu, mas que no coração já se condenaram a um inferno há algum tempo.
      A maneira de ver muitas coisas deste que vos escreve, não é melhor e acho que também não é pior que a maneira de outros cristãos, mas a maneira de ver deste espaço virtual é diferente. Geralmente sou levado pelo Espírito Santo a não tirar aquelas conclusões mais óbvias, tento ver aquilo que pode estar escondido, que a princípio pode parecer uma coisa, mas que se olharmos com atenção veremos que é outra. Penso que Jesus trouxe uma crítica assim para a religião tradicional de sua época, viu além do óbvio, discerniu o pecado não na aparência, mas na intenção, assim a minha interpretação do termo “carne” do texto bíblico inicial tenta ir além daquilo que muitos ensinam. A leitura que faço desse termo não se refere aos pecados dos prazeres do corpo, mas a uma disposição mais interior, que ainda que explicitamente não peque também não coloca Deus no melhor lugar do ser humano.
      Por que isso é relevante? Porque a abundância de igrejas e pregadores, principalmente na internet, com sites e canais de vídeos, popularizou o ensino evangélico. Hoje muitas pessoas conhecem a Bíblia, contudo, conhecem do jeito tradicional e superficial, assim só mais do mesmo. Muitos se acostumaram a pregar o que a maioria gosta de ouvir. Suponha, que em uma igreja pentecostal, onde vários pregadores podem usar o púlpito e não só o primeiro pastor, como acontece em igrejas protestantes tradicionais, fosse feito o desafio de durante um certo tempo não se pregar sobre os milagres de Jesus, a cura da mulher com o fluxo de sangue e outros. Acho que os pregadores teriam dificuldades para entregarem palavras diferentes, mesmo para olharem um Deus que faça coisas mais importantes que milagres físicos. Bem, esse é o jeito óbvio de se ver a palavra de Deus, tento ver diferentemente.
      Sobre o que temos semeado, sobre a carne ou sobre o Espírito? Todos precisamos trabalhar, mas até que ponto exageramos no esforço pessoal para não termos fé em Deus? Ambos os extremos são inadequados, não é sábio dependermos só do que é feito diretamente pelas nossas mãos, tanto quanto não é sábio só dependermos daquilo que vem das divinas mãos, é preciso equilíbrio, pés na Terra e olhos no céu. Quem chegou num ponto onde não acredita mais num Deus que tudo controla, e que conta com nossos esforços tanto quanto com o que não podemos fazer, quem acha que só depende do próprio trabalho, parou de olhar para o céu e semeia na carne. Muitos até respeitam Deus, mas se negam a depender dele pela fé, dependem só deles mesmos. O tempo, ainda neste mundo, mostrará os frutos de tal escolha, mas tenhamos cuidado, algumas escolhas podem ser irreversíveis e terminais. 

Esta é a 63ª parte da reflexão
“Quem você será na eternidade?”
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José Osório de Souza, março de 2021

02/04/22

Qualidade da dor (62/90)

      “Amados, não estranheis a ardente prova que vem sobre vós para vos tentar, como se coisa estranha vos acontecesse; mas alegrai-vos no fato de serdes participantes das aflições de Cristo, para que também na revelação da sua glória vos regozijeis e alegreis. Se pelo nome de Cristo sois vituperados, bem-aventurados sois, porque sobre vós repousa o Espírito da glória e de Deus; quanto a eles, é ele, sim, blasfemado, mas quanto a vós, é glorificado. Que nenhum de vós padeça como homicida, ou ladrão, ou malfeitor, ou como o que se entremete em negócios alheios; mas, se padece como cristão, não se envergonhe, antes glorifique a Deus nesta parte.
I Pedro 4.12-16

      O que nos define espiritualmente é a qualidade de nossas dores, se entendêssemos isso entenderíamos o real motivo de vivermos no mundo. Os textos de Moisés deixam isso bem claro nos primeiros capítulos de Gênesis. Ainda que sejam entendidos só como mitos, e como tais podem ter significados ainda mais profundos que se entendidos só ao pé letra, Adão, o Éden, a árvore do conhecimento do bem e do mal, a serpente, o pecado original e as consequências desse pecado, mostram que a vida no planeta Terra pós-queda é de dor. A civilização evoluiu, a ciência permitiu confortos que não se tinha há quinhentos, mil anos atrás, mas a dor segue, só mudaram os motivos para que ela exista, nesse mundo continuará até o juízo. Na verdade as dores aumentaram, mesmo numa humanidade com tantas facilidades tecnológicas, hoje existem sofrimentos que não existiam no passado. 
      O homem não evolui sem sofrer, negar a dor é negar a evolução. Jesus lutou contra uma dor que sentia por ter que salvar a humanidade, não foi pelo remorso de um pecado cometido, pela culpa de um prazer do corpo desfrutado na hora, no lugar ou com a pessoa errada. Paulo sofreu na prisão (II Timóteo 4), abandonado por muitos companheiros, só por ter pregado o evangelho de amor do Cristo aos homens de seu tempo. Muitos cristãos atuais estão sofrendo por não fazerem conchavos sujos com homens, o que poderia lhes render mais prosperidade nos negócios, status e aprovação no mundo. Alguns sofrem por não conseguirem vencer vícios como tabagismo, alcoolismo e de outras drogas, contudo, muitos de nós sofremos só por não termos resistido a um sentimento de vingança, ou talvez só por termos assistido um vídeo impróprio ao invés de amarmos nossos cônjuges. 
      Por um amor fraternal que se sacrifica, ou por culpa por prazeres egoístas, o que nos causa dor? Medo ou culpa? Orgulho ou frustração? Quebra de alianças que fizemos com nós mesmos, com nossos corpos, com nossas saúdes físicas e mentais, ou quebra com aqueles compromissos que fizemos com Deus quando entendemos que viver melhor é ajudarmos os outros e não só satisfazermos a nós mesmos? A qualidade de nossas dores nos define muito mais que a qualidade de nossos prazeres, porque só a dor mais pura e altruísta nos dará direito ao melhor de todos os prazeres, o espiritual que agrada a Deus. Na eternidade seremos só isso, nossa intenção mais interior de agradar a Deus. Se ela existir teremos direito ao melhor céu, caso contrário, ainda que tenhamos sido bons cidadãos e ótimos religiosos no mundo, nossa intenção de só usufruirmos para o próprio deleite já construiu um inferno em nós. 
      Se sobre nós repousa o Espírito Santo do Altíssimo, e se somos verdadeiros e respeitosos com sua voz, sempre sofreremos por Deus. Quem sofre por si não sofre por Deus, se o sofrimento teve como causa sentimento de vitimização ou pecado, não há glória nele, só egoísmo ou efeito de erro. Mas no arrependimento sincero e no desejo de não se errar mais, existe uma dor que agrada a Deus, ainda que seja efeito de pecado nosso, pois nisso o Senhor vê que ainda que pequemos não queremos pecar, porque entendemos que isso desagrada a ele. O ímpio segue errando e errando, não sofre porque erra, joga a culpa de seus erros nos outros, na vida, no destino e até em Deus, não assumirá seus “b.o.s”, como se diz hoje. A dor de qualidade é a que vem não como efeito de pecado, mas como temor de algo que teremos que passar, e não nos negamos a isso por querermos agradar a Deus. 
      Não somos transformados da noite para o dia, não nos libertamos de vícios rapidamente, e com muitos vícios lutaremos por toda a vida. Por isso a dor é constante, mas temos que lutar contra o pecado, até o fim, e lutarmos com a arma certa. A arma certa é acostumarmos todo o nosso ser com o bem, com a paz, com o amor, com a confiança num Deus que nos conhece, cuida de nós e nos conduz em vitória. Damos início a isso com uma vida de oração no Espírito Santo, experiência que impressiona todo nosso ser, razão e emoção, corpo e espírito, só assim mudaremos nosso espírito diante de Deus, não só nosso corpo e nossa vida social, que exteriormente podem até estarem corretos diante dos homens. É a qualidade de nosso espírito que definirá nosso céu e nosso inferno, nosso melhor homem interior que será manifestado no plano espiritual e que seguirá conosco para novos céus e nova Terra. 

Esta é a 62ª parte da reflexão
“Quem você será na eternidade?”
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José Osório de Souza, março de 2021

01/04/22

Poder da fraqueza (61/90)

      “E quando chegou àquele lugar, disse-lhes: Orai, para que não entreis em tentação. E apartou-se deles cerca de um tiro de pedra; e, pondo-se de joelhos, orava, dizendo: Pai, se queres, passa de mim este cálice; todavia não se faça a minha vontade, mas a tua. E apareceu-lhe um anjo do céu, que o fortalecia. E, posto em agonia, orava mais intensamente. E o seu suor tornou-se em grandes gotas de sangue, que corriam até ao chão. E, levantando-se da oração, veio para os seus discípulos, e achou-os dormindo de tristeza. E disse-lhes: Por que estais dormindo? Levantai-vos, e orai, para que não entreis em tentação.
Lucas 22.40-46

      Quando Jesus orou no Getsêmani até suar sangue, precisando da companhia de seus melhores amigos, que não resistiram ao sono da vigília e o deixaram só, Jesus sentiu toda a dor da fraqueza humana. Racionalmente ele sabia o que poderia passar, o que teria que passar, o que passaria, mas como homem encarnado, e não como Deus, ele fez o que qualquer um de nós, em sã consciência, lúcido e saudável, faria, ele tentou “negociar” com Deus. Procure entender certo o termo, não existe nada de errado nisso e mesmo referindo-se a Jesus. É o mecanismo de sobrevivência do homem tentando manter o corpo físico íntegro, e isso não é necessariamente pecado, covardia ou fuga. Deus espera de nós tal reação, ela é legítima se vivida em Deus, com o temor do Senhor que se coloca humildemente debaixo dele, ainda que procurando um jeito de escapar de sua inevitável vontade.
      Meus queridos, muitas vezes a dor de viver é enorme, insuportável, e todos passamos por ela. É a morte levando um ente querido, às vezes antes daquilo que achamos ser o melhor tempo e a melhor maneira, é a injustiça do poderoso que pode deixar mesmo crianças sem terem o que comerem, é a violência dos egoístas e devassos, que pensando só em seus prazeres e vaidades não se importam em machucar os outros. Contudo, também pode ser algo que pouco representa para os outros, mas que nos fere de maneira avassaladora. A dor pode parecer infinita e com tal potência que achamos que nos levará à morte, sentimos o lado esquerdo do peito comprimido, o coração descompassado, um gosto amargo na boca, achamos que a qualquer momento perderemos as forças e desfaleceremos, vencidos por algo que não temos controle. Jesus sentiu isso e mais, antes de ser preso e crucificado.
      O antigo testamento, a velha aliança, é a vitória do forte sobre o enfraquecido, que está fraco por estar longe de Deus, da força sobre a fraqueza, numa guerra física e externa. O novo testamento, contudo, a nova aliança, é o contrário, é a vitória da fraqueza sobre o forte que se sente enganosamente forte por não se conhecer nem a Deus, do fraco sobre si mesmo numa guerra espiritual e interna. Jesus pregou sobre isso em seu ministério, mas acima de tudo praticou isso, não só para viver como também para morrer. O evangelho ensina que a vitória está, não em reagir, ainda que se tenha razões legítimas para isso, mas em não reagir, não em usufruir, mas em sentir a falta, aceitar isso e ainda estar em paz. Não é só uma questão de ser masoquista, de achar que sofrer a dor nos oferece direito a algum crédito. Isso seria vaidade e pode ser muito mais transtorno psicológico que espiritualidade.
      Não é fácil para ninguém suportar a dor de viver, e viver é administrar uma dor constante. Na verdade, não vamos atrás de prazer, só tentamos fugir da dor, mas crescer espiritualmente é conseguir fazer isso construindo dentro de nós os melhores valores morais, nos libertando dos vícios do corpo, resistindo a toda espécie de vaidade. A luta ocorre todos os dias, e ainda que hoje experimentemos felicidade, amanhã nosso corpo e nossa alma se esquecerão disso e tornarão a sentir dor. “Mas aquele que perseverar até o fim será salvo” (Mateus 24.13), eis algo que temos que repetir para nós mesmos o tempo todo, pedindo perdão pelo pecado, não nos acostumando com o pecado ainda que ele teime em nos subjugar, tendo humildade para reconhecer sempre que pecar é uma escolha pessoal que fazemos, não é culpa dos outros, mas é responsabilidade nossa, tanto quanto é pedir perdão por isso. 
      E disse-me: a minha graça te basta, porque o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza; de boa vontade, pois, me gloriarei nas minhas fraquezas, para que em mim habite o poder de Cristo” (II Coríntios 12.9), Paulo define o conceito “poder da fraqueza” usando experiência própria, e todos que forem amigos genuínos de Deus não só entenderão isso, mas também não terão receio de admiti-lo. Gloriar-se na fraqueza não é alegrar-se pelo prazer que o pecado entrega, não, pecado sempre tem que nos entristecer. Bem-aventurado os que se entristecem profundamente com o pecado, por mais que isso pareça contraditório. Experimentarmos a dor que vem da frustração por não agradarmos a Deus, é estarmos em comunhão com o Espírito Santo, e esse sempre nos diz “mas como é santo aquele que vos chamou, sede vós também santos em toda a vossa maneira de viver“ (I Pedro 1.15).

Esta é a 61ª parte da reflexão
“Quem você será na eternidade?”
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José Osório de Souza, março de 2021

31/03/22

Uma chance de restauração (60/90)

      “E não sede conformados com este mundo, mas sede transformados pela renovação do vosso entendimento, para que experimenteis qual seja a boa, agradável, e perfeita vontade de Deus.” 
Romanos 12.2

      Um novo amigo é mais que uma oportunidade para conhecermos alguém, é chance para nos aceitarmos. Um novo amigo é uma nova oportunidade de perdão, tanto para nós como para o outro, e não por um erro que cometemos com esse amigo ou cometido por esse conosco. Às vezes, não podemos voltar ao passado e resolvermos certas coisas, consertarmos certos erros, mesmo obtermos certos perdões, assim, por mais que saibamos que temos que depender do perdão de Deus e não do homem, sermos aceitos por uma nova pessoa, quem quer que seja ela, nos consola.
      Uma nova amizade nos permite fazer as coisas de um jeito melhor, mostrarmos para alguém que somos bons, ou pelo menos, que nos tornamos bons, isso permite-nos resgatar nossa reputação, ter ao menos de uma pessoa uma boa opinião sobre nós. Respeite as pessoas, principalmente um novo amigo, ele pode estar buscando em você uma nova chance, que talvez não convença outros sobre o que ele é hoje, mas que se convencer você pode bastar para que ele se sinta melhor. Você pode ser a chance, e talvez a derradeira, que alguém está precisando para restaurar a si mesmo. 
      Qual a duração de nossas amizades? É fato que levados principalmente por carreiras profissionais, podemos nos mudar de cidade, de estado, até de país, isso quebra muitos laços afetivos valiosos. Mas mesmo numa só cidade, você tem amizades que já perduram por mais de cinco, dez, vinte anos? Infelizmente também é fato que muitas vezes nos distanciamos de alguém por algum mal entendido, assim podemos deixar para trás pendências, que nem são pecados, mas só coisas não resolvidas, e nem darmos conta que isso nos desconecta de relações preciosas. 
      Vivemos muitas vidas em uma, principalmente se não temos medo de nos desconstruir para novamente nos construirmos, se não tememos mudar de opinião, e isso leva-nos a migrar de certos círculos sociais para outros. Isso não deveria ser exceção, mas regra, nosso tempo encarnado na Terra precisa ser bem aproveitado, aproveitá-lo bem é nos desafiarmos a sermos melhores a cada dia. Quem não quer isso para si, por orgulhosamente achar que já está bom como é e não precisa mudar, também não verá essa necessidade nos outros, julgará mal e se distanciará de muitos. 
      Quem não vê necessidade de se desconstruir e se reconstruir verá no tropeço de alguém algo definitivo, a consideração que tinha pela pessoa até então não terá mais, porque se acha traído por uma leitura que fazia da pessoa que mudou. Não nos decepcionamos com os outros, a verdade é que não queremos admitir que não sabemos tudo, que fomos nós que nos enganamos fechando alguém numa caixa antes do tempo, se é que há tempo para fechar alguém. Mas se vermos a vida, não como uma, mas como várias vidas, com mortes e nascimentos, entenderemos melhor os outros. 
      Sabe aquela pessoa que você conheceu há vinte anos em uma igreja, e que depois, por algum motivo, que você não sabe bem porque nunca foi atrás para saber, se afastou da igreja e do teu convívio? Ela não é mais a mesma pessoa hoje, não ficou condenada ao inferno por um erro que cometeu, não necessariamente. Ela pode ter feito novas e melhores escolhas e mudado, de maneira extrema. Quem está convivendo com ela hoje pode nem ter ideia de quem ela foi e fez. Esse novo amigo da pessoa é uma nova chance que Deus deu a ela para se restaurar, mudar e ser alguém melhor. 
      Faça novos amigos, se puder, mantenha os antigos, mas se restaure, temos o melhor auxiliar para isso, o amigo Espírito Santo de Deus. Viver é se restaurar o tempo todo, quem acha que acertou depressa e que não precisa mais de reformas e por isso é melhor, engana-se, principalmente se se diz cristão. Alguns creem em reencarnação como meio de evolução espiritual, mas é muito mais efetivo vivermos várias vidas em uma, deixarmos morrer velhos egos, velhos vícios, velhos passados, e nascer novos espíritos no mesmo corpo, numa única e maravilhosa existência em Jesus Cristo. 

Esta é a 60ª parte da reflexão
“Quem você será na eternidade?”
dividida em 90 partes, para melhor
entendimento leia toda a reflexão.

José Osório de Souza, março de 2021

30/03/22

A eternidade revelará (59/90)

      “Eu sou a luz que vim ao mundo, para que todo aquele que crê em mim não permaneça nas trevas. E se alguém ouvir as minhas palavras, e não crer, eu não o julgo; porque eu vim, não para julgar o mundo, mas para salvar o mundo.” 
João 12.46-47

      Nem todos adquirem lucidez moral rapidamente, alguns demoram mais, assim a sensibilidade que temos para entendermos o que é errado e o quanto isso machuca-nos e aos outros, é obtida gradativamente. Eu creio num Deus poderoso, vivo, justo e sempre presente em amor nas vidas das pessoas. Ele permite provações para nosso crescimento espiritual, não nos engana impedindo de alguma maneira que os efeitos de causas erradas venham, mas também não cobra mais que cada ser humano pode fazer para não errar. 
      Por isso não devemos julgar ninguém, condenar, tão pouco, mas temer o Deus que tem com cada ser relação única que só ele e a pessoa sabem de fato como é. Devemos orar por todos, sim, ajudar com atenção e palavras, mas sempre com paciência, as pessoas não funcionam como você ou eu funcionamos, os tempos de crescimento e cobrança de cada um são diferentes. Alguém que podemos achar que se perdeu e que não tem mais jeito, pode só estar esperando o tempo de Deus, onde há providências que desconhecemos. 
      O certo é que muitas coisas que vivemos só as entendemos de fato muitos anos depois, e se é assim conosco isso é razão suficiente para exercermos paciência generosa com os outros, afinal, crescemos para isso, para aprendermos a amar mais e melhor os outros. Quanto aos orgulhosos, que usam suas falsas virtudes como referências para tudo, que medem os outros por aquilo que acham que são e têm, seguirão enganados, julgando e condenando, exigindo do fraco algo que ele não está ainda pronto para dar. 
      Vivi por algum tempo equivocado e incentivado a isso pelas igrejas que participava, julgando e me achando no direito disso. Muitos ainda vivem assim e muitos, com as quais eu convivi há mais de trinta anos atrás, ainda estão assim, julgando, inclusive a mim. Esses nunca me conheceram de fato, minha formação familiar, minha infância, as feridas abertas que eu tinha na alma naquele tempo, apenas criam que por eu fazer oficialmente parte de uma igreja, ser batizado e ter cargos, tinha a obrigação de ser perfeito. 
      Na verdade não era a mim e a outros que eles não conheciam, mas a eles mesmos, e parece que isso continua assim para muitos. Eles eram bons cristãos? Eram e continuam sendo, como cidadãos, com boa moral, fazendo bem ao próximo de maneira genérica, mas o problema é o entendimento errado que eles tinham e podem ainda terem do verdadeiro evangelho. Veem a experiência com Cristo como um ato mágico e instantâneo, que se não deixa alguém perfeito deixa-o capacitado para não cometer mais erros graves. 
      A vida não é simples, e se dentro de igrejas podemos ter a falsa impressão que Deus salva alguém e o transforma imediatamente, é porque alguém pode ter vindo já pronto por Deus para essa experiência, não podemos usar isso como regra. Pedro não negou Jesus três vezes, mesmo depois de andar por três anos com o mestre, sendo um de seus amigos mais íntimos, testemunhando milagres e atitudes de amor profundo? Somos semelhantes a Pedro, ninguém se engane sobre isso, nosso caminho só termina quando acaba.
      Só Deus sabe se não nos aguarda, na próxima curva da vida, um tropeção tal que nos fará perder o rumo, mas que será o único jeito de acordarmos de uma posição arrogante e covarde, posição que pode ter julgado por anos muitos fracos que Deus ama e continua cuidando, mesmo depois que os condenamos, paramos de amá-los e sequer tomamos alguma iniciativa para sabermos como eles estão. Essa palavra soa como mágoa? Pois ela é, eu assumo isso, e oro a Deus para que me dê amor pelos que me magoaram. 
      Mas eu tenho certeza em Deus de quem serei na eternidade, sei de todos os meus erros, mas também de meus arrependimentos e de minhas curas, verdadeiras e profundas através do Santo Espírito de Deus pelo nome de Jesus. Sei o que os anos fizeram comigo debaixo da graça e da misericórdia do Altíssimo, assim espero, sinceramente, ver homens e mulheres que ainda amo, que foram importantes para mim e ainda são, ainda que me julguem sem se darem ao trabalho de me conhecerem de fato, a eternidade revelará tudo. 

Esta é a 59ª parte da reflexão
“Quem você será na eternidade?”
dividida em 90 partes, para melhor
entendimento leia toda a reflexão.

José Osório de Souza, março de 2021

29/03/22

Andemos por fé, não por vista (58/90)

       “Porque sabemos que, se a nossa casa terrestre deste tabernáculo se desfizer, temos de Deus um edifício, uma casa não feita por mãos, eterna, nos céus. E por isso também gememos, desejando ser revestidos da nossa habitação, que é do céu; se, todavia, estando vestidos, não formos achados nus. Porque também nós, os que estamos neste tabernáculo, gememos carregados; não porque queremos ser despidos, mas revestidos, para que o mortal seja absorvido pela vida. Ora, quem para isto mesmo nos preparou foi Deus, o qual nos deu também o penhor do Espírito. 
      Por isso estamos sempre de bom ânimo, sabendo que, enquanto estamos no corpo, vivemos ausentes do Senhor. (Porque andamos por fé, e não por vista). Mas temos confiança e desejamos antes deixar este corpo, para habitar com o Senhor. Pois que muito desejamos também ser-lhe agradáveis, quer presentes, quer ausentes. Porque todos devemos comparecer ante o tribunal de Cristo, para que cada um receba segundo o que tiver feito por meio do corpo, ou bem, ou mal.
II Coríntios 5.1-10

      Quantos mistérios o texto bíblico inicial nos revela. A casa terrestre que Paulo se refere é nosso corpo físico, o edifício nos céus é nosso homem interior aperfeiçoado, nossa melhor forma de consciência e existência na eternidade. Paulo diz que o normal, enquanto estamos encarnados no mundo, é nos sentirmos desconfortáveis, contermos dentro de nós um gemido, baixo e constante, declarando que nosso espírito não está totalmente satisfeito no mundo e que deseja estar no outro mundo. Eis a primeira lição do texto, aceitarmos que nunca seremos plenamente felizes nesta vida, é certo que isso pode ser por muitos motivos, mas ainda que estejamos andando com Deus, como Paulo estava, sempre gemeremos desejando a eternidade, onde nosso espírito será livre. Não se desespere ao verificar uma angústia que nunca passa, ainda que esteja em paz com Deus, todos a sentimos. 
      Mas liberdade do espírito no céu tem um preço, nosso espírito será liberado para o céu só se estiver com roupa. A que roupa espiritual Paulo se refere? Lembra-se de Adão e Eva, logo após terem desobedecido a Deus? Eles tentaram se esconder do Senhor porque o pecado fez com que eles sentissem vergonha, por isso Deus fez para eles roupas (Gênesis 3.9-11, 21). A vergonha espiritual que eles provaram não seria mais sanada, só em Jesus haveria remédio, e ainda assim só para a eternidade, no mundo o homem sempre se sente moralmente nu na presença de Deus. O vestido que Paulo se refere, que será procurado em nosso espírito, é tudo o que Jesus representa, sua salvação, seu exemplo de conduta. Jesus veste o nosso espírito, se crermos que nele há perdão e que a partir disso podemos praticar obras de virtudes espirituais que construam o céu em nossos homens interiores
      O consolo que temos é o penhor do Espírito Santo, ele não deixa que a vergonha pelo pecado nos vença, que a insatisfação por estarmos encarnados no mundo nos derrote. Só uma comunhão íntima com o Espírito de Deus para fazer-nos olharmos para cima, para frente, para o futuro, para a melhor eternidade de Deus. O Espírito Santo nos faz desejar as virtudes espirituais da luz mais alta, e acharmos nisso o prazer maior, aquele que nos satisfaz e não tem fim. Quem é espiritual não se acostuma com o mundo, não se satisfaz com os prazeres da carne, mas deseja a liberdade da existência espiritual em direção a Deus na eternidade. Mas ainda que sabendo que aqui estamos longe da nossa vocação maior, vivemos pela fé, não pelo que vemos e sentimos, e pela fé conhecemos as virtudes espirituais e não nos escandalizamos com elas, pois sabemos que elas são verdades eternas. 
      No mundo nunca beberemos o suficiente, comeremos o suficiente, teremos relações íntimas o suficiente, isso tudo nunca bastará, nunca será plenamente satisfatório, mas deve ser assim porque o ser humano não é vocacionado para ser feliz neste mundo. Se assim fosse viveria eternamente no mundo, não teria seu corpo envelhecido, não morreria, mas estamos aqui de passagem, para sermos provados, aprovados e crescermos. Somos como viajantes a trabalho em terra estranha, que guardam no bolso a foto de sua terra de origem, para que olhando para ela sintam-se confortados. Nossa viva foto espiritual do céu é o penhor do Espírito Santo, sem ela não achamos sentido em trabalhar, dia após dia, nessa terra estranha e estéril. O que não possui essa foto, ou ainda que a tenha não olhe para ela regularmente, só sentirá o enfado da existência de vaidades do plano físico. 
      A roupa é espiritual, mas conquistada no corpo material, o juízo verificará isso, assim sigamos, desejando o que está por vir, não o que temos aqui, ainda que tenhamos muito, o mundo não é lugar para a melhor felicidade. Isso é assim, ainda que Deus nos permita momentos alegres, como o nascimento de um filho, sua formatura, seu casamento, o nosso casamento, a nossa formatura, o sorriso da pessoa amada, o abraço da mãe, a gargalhada gostosa daquele amigo que nos faz bem só por estar perto de nós. Mas não nos iludamos, e nem nos desesperemos, no mundo é só uma viagem, curta, não nos sintamos donos de nada aqui, assim também não nos frustemos se perdermos algo aqui, o que é nosso de verdade está lá no plano espiritual. Andemos por fé, não por vista, em todo o tempo, tiremos nossos olhos deste mundo e abramos nossos olhos espirituais para o outro mundo. 

Esta é a 58ª parte da reflexão
“Quem você será na eternidade?”
dividida em 90 partes, para melhor
entendimento leia toda a reflexão.

José Osório de Souza, março de 2021

28/03/22

Justiça, amor, intenção e obras (57/90)

      “Mas se o ímpio se converter de todos os pecados que cometeu, e guardar todos os meus estatutos, e proceder com retidão e justiça, certamente viverá; não morrerá. De todas as transgressões que cometeu não haverá lembrança contra ele; pela justiça que praticou viverá. Desejaria eu, de qualquer maneira, a morte do ímpio? diz o Senhor Deus; Não desejo antes que se converta dos seus caminhos, e viva? Mas, desviando-se o justo da sua justiça, e cometendo a iniquidade, fazendo conforme todas as abominações que faz o ímpio, porventura viverá? De todas as justiças que tiver feito não se fará memória; na sua transgressão com que transgrediu, e no seu pecado com que pecou, neles morrerá.” 
Ezequiel 18.21-24

      Não é porque o homem peca que a obra de Deus para de ser feita. Deus usa um servo em pecado? Usa. Até quando? Até que o tempo da misericórdia de Deus para esse servo acabe. Misericórdia tem fim? Amor e justiça não têm, mas misericórdia tem fim, misericórdia é bênção de exceção, amor e justiça são as regras e são mutuamente limitáveis. O amor para de abençoar, não de agir, quando a justiça é desobedecida, mas isso não é feito de imediato, um tempo é dado para que o errado se acerte. Deus continua amando o errado, assim como ao que esse está abençoando como servo. Se o tempo de misericórdia acabar e o errado não se acertar, ele será retirado de seu posto e outro será chamado para seu lugar, isso ocorre espiritualmente. 
      Entretanto, isso não significa que o homem sincronizará seu tempo com o tempo de Deus. Muitos que erraram e foram tirados por Deus de suas posições, significando que não recebem mais provisão espiritual para compartilhar com os outros, ainda assim são mantidos por outros homens, também no erro, em seus postos, deixando que alimento não vindo de Deus chegue a quem precisa. Mas no grande plano de Deus, com exceção das crianças e de outros intelectualmente limitados, ninguém é inocente, os que permitem seguir trabalhando o errado, assim como aqueles que se alimentam do alimento espiritual ruim, também serão confrontados pela justiça, quando o tempo de misericórdia de Deus para cada um chegar ao fim. 
      Justiça não é opositora do amor, mas uma outra face dele, no verdadeiro amor não há convivência eterna com o erro, assim ser disciplinado pela justiça é provar o amor. A disciplina existe para que alguém volte a ser beneficiado pelo sim do amor, e não só tratado pelo não dele, amor pode tanto dizer sim como não, e não só sim o tempo todo, como muitos equivocadamente acham. Pecado, misericórdia, justiça e amor, são conceitos espirituais que se cruzam, mas de todos esses o mais poderoso e duradouro é o amor, que sempre tenta levantar, não derrubar, curar, não matar, dar tempo para o arrependimento, não julgar definitivamente. A maior qualidade do amor é a paciência, que sempre acredita que o errado se acertará. 
      Entendamos bem o que o texto inicial fala, ele não diz que o ímpio que se converter de seus pecados viverá e terá seus erros esquecidos. Além da conversão, que é assunção de pecados e pedido de perdão, o ímpio tem que praticar obras, guardar os estatutos de Deus, proceder com retidão e justiça. Mas desviando-se o justo e cometendo iniquidade não viverá, ainda que tiver crido em Deus antes e praticado boas obras isso será esquecido, se fizer conforme o ímpio faz pecará e no pecado que pecou morrerá. Ezequiel ensina sobre penas e privilégios, salvo e perdido, sobre o tempo de Deus para as coisas, que é relativo, não absoluto, mas ele diz muito sobre o amor de Deus. “Quero mais que o homem se converta e viva”.
      Pergunto: ainda que seja só por uma possibilidade, não parece que o texto de Ezequiel, teologia básica da velha aliança, se opõe à teologia da nova aliança do Cristo? O evangelho diz que basta ao homem crer para ser salvo (Atos 16.31). Não estou dizendo que fé em Jesus não salve, mas talvez precisemos reavaliar o que significa de fato fé e salvação. Fé salva, se nos colocar numa posição espiritual elevada, nas regiões celestes onde Jesus habita espiritualmente hoje. Isso nos transforma aqui no mundo, nos dá novos valores e novos objetivos, assim o velho homem preso aos pecados da carne é retirado das posições inferiores do inferno e é salvo. Contudo, se entendemos fé só como uma convicção racional, não significa muita coisa. 
      Obras salvam? Não se nascerem de intenção errada. Intenção errada é aquela que existe no coração que não tem comunhão com Deus pelo Espírito Santo e não vive os ensinos do Cristo homem. Intenção certa naturalmente gera boas obras, pois começa e acaba em Deus, assim como salva quem a possui. Mas ainda que haja objetivos positivos no coração, que pratique obras úteis para outros homens, pois Deus usa todas as obras, intenção errada não salvará o mal intencionado. É isso que Jesus ensinou no evangelho, a importância da intenção certa nascida da qualidade do homem interior, que pratica no mundo uma vida, não hipócrita ou de aparência, mas de real intimidade com Deus e para a glória do Senhor, não do homem. 

Esta é a 57ª parte da reflexão
“Quem você será na eternidade?”
dividida em 90 partes, para melhor
entendimento leia toda a reflexão.

José Osório de Souza, março de 2021