quarta-feira, abril 08, 2020

Loucura (parte 5) Ciência e religião

5. Ciência e religião

       Nesta 4ª parte do estudo sobre loucura, uma reflexão sobre o antagonismo que muitos criam entre ciência e fé. O que precisa ser acreditado para existir é o que não pode ser provado pelo menos antes que passe a existir, a ciência prova que coisas existirão mesmo antes de existirem. Por exemplo, sabemos que surgirá fumaça se um material for queimado, a fumaça ainda não existe, mas sabemos que existirá não só pelas nossas observações, mas porque a ciência provou que uma transformação ocorre quando um material é submetido à alta temperatura. Se há conhecimento, não se precisa de fé, se há comprovação científica, temos que aceitar, simples assim. 
      Mas a existência humana vai muito além do plano físico e de coisas que podem ser comprovadas, ainda que funcionem mesmo sem que saibamos bem o porquê. Ter certeza que algo improvável e mesmo impossível fisicamente vai acontecer, antes de acontecer, por crermos nisso, é experiência do plano espiritual, assim tudo que é crença pessoal e não pode ser provado cientificamente pode de alguma maneira em algum momento ser considerado loucura. Contudo, mesmo as coisas que não são explicadas pela ciência, podem ser submetidas a algum tipo de aprovação de legitimidade, isso para sabermos se elas vêm daquilo que cremos como ser o nosso Deus ou de outros lugares. Deus também é uma experiência que se tem por fé, não pode ser provado, mas ter essa experiência por anos a fio nos ensina o que é o “nosso” Deus, o que vem dele e o que podemos ter dele através de fé. 
      As religiões estabelecem limites para uma experiência espiritual, entregam caixas, nós homens aceitamos religiões como nossas verdades espirituais porque achamos nelas algo que nos toca de maneira pessoal, nos sentimos partes delas, conseguimos encaixar nelas nossos limites de subjetividade. Mas isso, como foi dito, é pessoal, a religião adequada para um não é para outro, aquela na qual alguém pode se sentir confortável para exercer fé pode não ser confortável para outro. Isso varia de acordo com uma série de coisas, desde a personalidade de cada ser humano, do lado emocional de cada um, assim como de acordo com o nível intelectual, e é claro, social e cultural de cada ser humano. 
      Sabemos que algo vem de Deus (ou do “nosso” Deus pessoal) quando encontramos aprovação para isso em nossa religião, e o ser humano é tanto complexo para ter visões religiosas diferentes, quanto limitado para se fechar numa visão e achar que ela é a verdade e as outras são falsas, ela é do bem e as outras são do mal, ela é de Deus e as outras são do diabo. Talvez esse limite, essa caixa, que nos prende a uma verdade, seja o que nos proteja da loucura, pois nele tentamos achar coerência, exercemos fé e esperamos resultados, provamos para ver a qualidade dos resultados e aprendemos para exercer fé numa próxima vez, dessa forma a fé também pode ser racional.
      Religião é construção humana, é aplicação de fé numa verdade individual, e ninguém arrogue achar que é aberto e esclarecido o suficiente para aceitar muitas religiões ao mesmo tempo, a caixa por maior que seja tem paredes. Não que ter essa iluminação seja errado ou impossível, mas não tê-la talvez seja o jeito de não enlouquecermos, de nos mantermos na caixa onde podemos viver como seres humanos minimamente lúcidos. Alguns, todavia, não muitos, conseguem ir além, terem uma visão mais alta do divino, casar muitas crenças, achar o elo perdido, isso não é a visão de um homem, curta e rasa, mas a visão de Deus, altíssimo, eterno e profundo (mas na verdade essa é a vontade ideal do divino para todos). 
      “Não sejas demasiadamente justo, nem demasiadamente sábio; por que te destruirias a ti mesmo? Não sejas demasiadamente ímpio, nem sejas louco; por que morrerias fora de teu tempo?” (Eclesiastes 7.16-17), esse texto nos dá uma lição de equilíbrio. Por que o ele diz que ser sábio demais pode nos destruir? Porque podemos ter tantos cuidados, querer controlar sozinhos tantas coisas, nos prendendo a tantos conhecimentos, que acabamos nos matando em vida, tendo uma existência sem alegria, sem aventura. Por outro lado, se nos desligarmos demais da realidade, sendo egoístas ou loucos, acreditando em ilusões, viveremos uma vida irresponsável que pode nos por em risco de morte antes do tempo, e de uma morte violenta. 
      Veja que aqui o termo louco foi interpretado como quem crê em fantasias, assim o crente religioso, apesar de pretender o bem, foi colocado junto do ímpio, que faz maldades, não pelos fins que desejam, que são opostos, mas pelos meios que usam, que são os mesmos. Aqui estamos analisando os meios, não os fins. Se obras demais podem nos enfraquecer, fé demais pode nos matar, umas pelo excesso de responsabilidades e outra pelo excesso de irresponsabilidade, o problema não está na fé nem nas obras, mas nos excessos delas. A loucura pode estar nos extremos, mesmo querer ser complacente demais, científico demais, zeloso demais, pode ser loucura tanto quanto ser crente demais. O ser humano é complexo demais para ser escravo de extremos, assim, o que acha equilíbrio encontra uma harmonia que pode livrá-lo da insanidade, seja ela qual for. 

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