domingo, julho 04, 2021

Carne e espírito (2/2)

      “E todos os que criam estavam juntos, e tinham tudo em comum. E vendiam suas propriedades e bens, e repartiam com todos, segundo cada um havia de mister. E, perseverando unânimes todos os dias no templo, e partindo o pão em casa, comiam juntos com alegria e singeleza de coração, Louvando a Deus, e caindo na graça de todo o povo. E todos os dias acrescentava o Senhor à igreja aqueles que se haviam de salvar.” Atos 2.44-47

      Antes de seguirmos com a segunda parte da reflexão sobre carne e espírito, uma nota sobre a igreja primitiva de Atos. Muitos de nós, quando lemos o texto acima, pensamos achar o ideal máximo de vida cristã no mundo, concluindo os primeiros relatos do livro de Atos sobre a descida do Espírito Santo, a primeira pregação, os primeiros convertidos, enfim, a inauguração da igreja no mundo. Naquele momento, achar que uma vida comunitária, sem apegos materiais, dando prioridade ao espírito, fosse o final da vontade de Deus para os seus no mundo, podia ser algo até natural, afinal ninguém nasce adulto, passa-se por infância. O tempo registrado nos primeiros capítulos de Atos é justamente isso, a infância da igreja.
      Esse ideal, quase comunista, que recentemente provamos (anos 1960 e 1970), quando o movimento hippie de contracultura influenciou até o cristianismo, pode parecer um ápice espiritual cristão, mas é só infantilidade, parte de muitos equívocos que os primeiros cristãos tinham, incluindo a crença que a segunda vinda de Cristo era próxima (vede exortações de Paulo em II Tessalonicenses 2). Inocência tem seu tempo, mas mantida indefinidamente é prejudicial, todo o modo de vida descrito em Atos 2.44-47, principalmente as relações com bens materiais, não constitui caminho de espiritualidade mais alta para nós hoje, e crendo que é, seitas são criadas enganando muitos e alguns até à morte (vede Ramo Davidiano e Jim Jones).
      Existem dois tipos de meio termo entre os extremos da carne e do espírito, um é o das pessoas em conflito. Essas pessoas são materialistas, mas sentem-se culpadas por isso, o senso comum cristão as chama de carnais, mas elas podem até buscar espiritualidade em religião, ainda que experimentem constante guerra contra o pecado. Nesse meio termo se acha grande parte das pessoas atuais, gente que precisa viver a realidade, trabalhar para ganhar a vida, assim não podem se dar ao luxo de serem monges em retiro, e não são essa espécie de religioso simplesmente porque são pessoas normais e sadias, que querem ter relacionamentos afetivos, casarem-se, terem filhos, e nisso também, por si só, não há nada de errado. 
      O outro tipo de meio termo é o de pessoas equilibradas, que é o meio termo mais correto porque não nega a realidade deste mundo ao mesmo tempo que se prepara para a realidade do outro mundo. Alguns podem achar que é mais fácil ser espiritual se isolando, pode até ser, se isso for vontade de Deus, e a vontade de Deus para cada ser só Deus e o ser sabem, não podemos julgar ninguém. Contudo, se é difícil controlar certas coisas podendo usufruir delas, quanto mais tentando se abster totalmente delas, sendo mais claro, se é difícil, por exemplo, ao casado ser fiel, quanto mais ao solteiro. Mas a satisfação não está em ser solteiro ou ser casado, mas em estar em paz em Deus, e nisso é preciso equilíbrio entre corpo e alma. 
     Alimentar conflitos gasta energia, viver em guerra enfraquece ambos os lados, o segredo é deixar que dois lados distintos vivam, mas cada um no seu tempo e no seu lugar, sem que um lado guerreie contra o outro, mesmo porque em se tratando de corpo e espírito um lado só se livrará do outro após a morte. Ser guiado pelo espírito não é matar a carne, mas respeitá-la, e assim usar o corpo como templo do espírito, não como seu caixão mortuário. Um corpo debilitado não será instrumento eficiente para que o espírito brilhe, quanto mais vivo e mais limpo o corpo, mais forte é o fogo do espírito neste mundo. Viemos a este mundo justamente para achar o equilíbrio entre os dois princípios, não para que um anule o outro. 
      Neste mundo, a vitória do espírito não está na morte da carne, assim como a vitória da carne não está na morte do espírito, existem pessoas desenvolvendo espiritualidade, tendo comunhão com o mundo espiritual e ainda assim sendo pessoas carnais, por outro lado tem muitos tentando matar as inclinações da carne e ainda assim não sendo espirituais. Neste mundo, repito, a carne está no desequilíbrio, tanto pendendo para um como para outro extremo, o espírito não anula ninguém, convive com tudo em harmonia pois respeita o momento do homem encarnado. Cuidado com quem vive o tempo todo em igrejas tanto quanto com quem não sai de bares, esses estilos de vida podem ser aparentemente diferentes, mas são ambos prejudiciais. 

Leia na postagem de ontem 
a 1ª parte desta reflexão 
José Osório de Souza, 17/02/2021

Nenhum comentário:

Postar um comentário