domingo, novembro 25, 2018

Vingança ou misericórdia?

      “Ó Senhor, Deus vingador; Deus vingador! Intervém! Levanta-te, Juiz da terra; retribui aos orgulhosos o que merecem. 
      Até quando os ímpios, Senhor, até quando os ímpios exultarão? 
Eles despejam palavras arrogantes, todos esses malfeitores enchem-se de vanglória. Massacram o teu povo, Senhor, e oprimem a tua herança; 
matam as viúvas e os estrangeiros, assassinam os órfãos, e ainda dizem: "O Senhor não nos vê; o Deus de Jacó nada percebe".
      Insensatos, procurem entender! E vocês, tolos, quando se tornarão sábios? Será que quem fez o ouvido não ouve? Será que quem formou o olho não vê? Aquele que disciplina as nações os deixará sem castigo? Não tem sabedoria aquele que dá ao homem o conhecimento? O Senhor conhece os pensamentos do homem, e sabe como são fúteis.
      Como é feliz o homem a quem disciplinas, Senhor, aquele a quem ensinas a tua lei; tranquilo, enfrentará os dias maus, enquanto que, para os ímpios, uma cova se abrirá. O Senhor não desamparará o seu povo; jamais abandonará a sua herança. Voltará a haver justiça nos julgamentos, e todos os retos de coração a seguirão.

      Davi, a quem é atribuído grande parte dos Salmos, era um homem que conhecia o Senhor com intimidade, um dos poucos personagens bíblicos que experimentava a presença do Espírito Santo de uma forma frequente, num momento, o da velha aliança, que Jesus ainda não tinha vindo como salvador e deixado o Espírito Santo como presença permanente nas vidas dos salvos. Uma das experiências marcantes de Davi foi sua relação com Saul, depois que esse soube que o reinado sobre Israel tinha sido retirado dele por Deus, por causa de seu pecado, e dado a Davi. 
      Não foi empossado oficialmente diante do povo rei assim, fácil, de um dia para o outro, Davi teve que enfrentar a perseguição de Saul que o levou a viver como marginal entre marginais. Ele, mais que ninguém, sentiu na pele um desejo de vingança e de vingança ilegítima. Mas o mais importante é que Davi teve a vida de Saul em suas mãos, para matá-lo, o que era legítimo para ele, e ainda assim não o fez. Na ocasião da morte de Saul, Davi teve a elegância e o temor a Deus de não se alegrar com o ocorrido, e disciplinou mesmo o que lhe trouxe a notícia como uma boa nova e que se identificou como o assassino de Saul. 
      Muitas coisas levam o homem a desejar vingança, mas quando o homem vê uma injustiça muito grande, um forte oprimindo um fraco, alguém tomando algo que não é seu à força, isso torna o desejo mais legítimo. Mesmo que ímpios que sofrem traições de outros ímpios também queiram vingança, a vingança mais legítima vem do coração do certo que sofre um dano do errado, e justamente por isso, por haver legitimidade, os justos podem ser muito mais tentados a serem escravos de um desejo de vingança que os ímpios. Os ímpios não desejam vingança, eles se vingam e pronto.
      Resistir a essa tentação, contudo, é o que pode levar o justo a um nível mais alto de real espiritualidade, mas é preciso entender bem o que é “a vingança a Deus pertence” (outra tradução do primeiro versículo do Salmo 94) e não usar isso como desculpa para manter o desejo de vingança no coração. Deixar de fato a vingança nas mãos de Deus é entregar totalmente o desejo nas mãos do Senhor e não mais senti-lo, mas é preciso entender que nosso coração não pode ficar vazio. Tirar mal e não colocar nada no lugar é deixar espaço para que outro mal seja acolhido, e o mal mais próximo é sempre o mais fácil de voltar.
      Entreguemos a Deus a vingança, de maneira clara e assumida, sem meias palavras ou hipocrisia, mas depois coloquemos no lugar, em nossos corações, misericórdia. Misericórdia é o contrário de vingança, se vingança busca que o mau receba o mesmo mal que ele injustamente deu ao bom, misericórdia deseja que o homem mau receba o contrário do que deu. Assim o misericordioso quererá para o que lhe prejudicou o bem. Essa administração da vingança em duas partes, confia que Deus fará do seu jeito para como o homem mau, mas deixa livre o coração do homem bom, com misericórdia, que cura e liberta. 
      Quando a vingança permanece, o homem mau tem vitória dupla, com o mal direto que ele fez ao outro mais a obsessão por vingança que deixou no coração do outro, e isso no caso do cristão verdadeiro é uma grande tentação, já que ele sabe que como tal não pode se vingar, mas se não agir da forma correta seguirá com o desejo no coração. Desejo de vingança não realizado causa doenças, amarga a vida e honra o diabo, mas substituí-lo por misericórdia glorifica a Deus e dá a ele legalidade para agir em prol do homem de bem. 
      O segredo é não reagir até que Deus mande, mesmo porque reagir, em muitos casos, de nada adianta. A vingança não é só desnecessária, é ineficiente, mesmo que sejam só palavras explicando para o injusto que ele está roubando um direito. Como o estúpido não há diálogo, assim nem tentemos, e se alguém não quer entender, não percamos nosso tempo, que ele diga a última palavra, abaixemos a cabeça e saiamos de cena, calados e pensando em Deus, vislumbrando a grandeza do Senhor, infinitamente maior que um homem mau.
      Além do mais, querer exigir algo do homem mau é concordar que ele tem poder sobre o que estamos exigindo, é concordar que ele é dono do que nos sonegou, e não é. Deus é dono de tudo, Senhor de tudo, falemos diretamente com ele é entreguemos nossa causa em suas mãos. A experiência de sentir desejo de vingança é crescimento e bênção para o homem de bem, para o justo, para o cristão genuíno, e oportunidade de libertação e cura, é momento de entronizar o Senhor no coração e descansar nele. 
      “Feliz o homem a quem disciplinas, Senhor”, melhor ser disciplinado pelo Senhor que sofrer a vingança de Deus, assim, para que aprenda a dar o bem pelo mal, o justo é disciplinado, e só se aprende isso sofrendo a injustiça, mas depois da disciplina o justo “tranquilo enfrentará os dias maus”. Contudo, “para os ímpios uma cova se abrirá”, uma armadilha e o poder que eles tanto achavam que tinham, oprimindo os justos, se mostrará inútil nesse dia. Não confiaram em Deus, mas em si mesmos, nos poderes do mundo, nos valores dos homens sem Deus, assim a própria vida se encarregará de ser a vingança da justiça sobre eles, no lugar e no tempo certo.

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