domingo, junho 13, 2021

Lava-pés

      “Levantou-se da ceia, tirou as vestes, e, tomando uma toalha, cingiu-se. Depois deitou água numa bacia, e começou a lavar os pés aos discípulos, e a enxugar-lhos com a toalha com que estava cingido. Aproximou-se, pois, de Simão Pedro, que lhe disse: Senhor, tu lavas-me os pés a mim? Respondeu Jesus, e disse-lhe: O que eu faço não o sabes tu agora, mas tu o saberás depois. 
      Disse-lhe Pedro: Nunca me lavarás os pés. Respondeu-lhe Jesus: Se eu te não lavar, não tens parte comigo. Disse-lhe Simão Pedro: Senhor, não só os meus pés, mas também as mãos e a cabeça. Disse-lhe Jesus: Aquele que está lavado não necessita de lavar senão os pés, pois no mais todo está limpo. Ora vós estais limpos, mas não todos. Porque bem sabia ele quem o havia de trair; por isso disse: Nem todos estais limpos.” 
João 13.4-11

      A passagem bíblica inicial é surpreendente, fico pensando como João (ou aquele que escreveu o texto) gravou na memória tantos detalhes e depois os registrou. Sempre fico pensando em que momento os escritores bíblicos fizeram seus registros em pergaminho, papiro ou outro meio, será que foi no momento em que presenciaram um fato, ouviram as palavras, será que foi depois? Quanto tempo depois? É importante lembrarmos que nos tempos bíblicos, mesmo nos tempos do novo testamento, não se tinha tanta facilidade para documentar as coisas, e nem todos sabiam escrever ou ler. Mas o texto de João começa com um ato simples de Jesus que vai abrindo para mais e mais revelações, à medida que mais que às perguntas do curioso e imaturo Pedro são respondidas, mas outras questões, que ele nem sabia que existiam. 
      Após a ceia Jesus se põe a lavar os pés (veja mais no link) dos discípulos, um costume da época mas que feito pelo Cristo mostrou sua humildade. Pedro avalia com seu senso comum e conclui que deveria ser ele a lavar os pés do mestre e não o contrário, assim, Jesus começa a ensinar algo que vai além da lavagem do corpo. Ainda que Cristo exorte Pedro dizendo que ele entenderia depois o significado do que estava fazendo, Pedro não aceita o fato, então Jesus insiste, “se eu te não lavar, não tens parte comigo“. Finalmente Pedro aceita, se entendeu não sabemos, o fato é que ele exagera na reação, “não só os meus pés, mas também as mãos e a cabeça“, Jesus então responde com um mistério, “aquele que está lavado não necessita de lavar senão os pés, pois no mais todo está limpo”. O que ele quis dizer?
      Primeiro uma palavra sobre a afirmação de Jesus “que eu faço não o sabes tu agora, mas tu o saberás depois”, quantas coisas não sabemos, quantos bens e justiças Deus pode estar fazendo por nós agora, enquanto esperamos respostas, enquanto estamos ansiosos e até achando que temos problemas que nunca serão solucionados. O justo viverá pela fé, se já entregamos nas mãos de Deus e estamos esperando vigilantes, em santidade e humildade, confiemos, nem tudo podemos saber antes e esperarmos certo nos amadurece, assim, fiquemos em paz. Sobre a lavagem de pés, mãos e cabeça, essas partes diferentes do corpo físico têm significados morais e espirituais distintos, foi sobre essas diferenças que Jesus se referiu. A lavagem dos pés têm prioridade sobre as outras, sobre o ponto de vista moral e espiritual. Por quê? 
      Jesus disse que quem está lavado só precisa lavar os pés, naquele tempo as pessoas andavam muito a pé e com calçados menos eficientes, assim, ainda que tivessem se banhado bastava uma ida rápida a algum lugar para que os pés se sujassem. Espiritualmente somos limpos quando oramos a Deus e colocamos nossas vidas em ordem, pedindo perdão, perdoando, entregando necessidades, nos firmando em sua vontade para seguirmos em direção ao Altíssimo. Contudo, alguns pecados são anexados em nós só pelo simples fato de nos relacionarmos com o mundo exterior, e nos dias atuais o mundo exterior chega aos nossos olhos e aos nossos ouvidos não só pela realidade física, mas também pela realidade virtual de celulares e computadores. A sujeira dos pés muitas vezes nem vemos, gruda em nossos sapatos e ficam lá. 
      Nossos pés morais são nossos olhos e nossos ouvidos físicos, que ainda que não interajamos com algo podem não ser protegidos a tempo de verem e ouvirem coisas ruins e sujas, essa sujeira precisa ser lavada. Uma boa maneira de fazermos isso espiritualmente é louvar a Deus, falar em línguas estranhas, pararmos de olhar para baixo, para o chão, para a terra, que sempre está suja, e olharmos para o alto, para o Santíssimo. Precisamos lavar nossos pés espirituais constantemente para que a sujeira não alcance mãos e cabeças, aí, algo inconsciente se tornará desejo, vontade e ato, estabelecendo-se como pecado. Fazemos as coisas com as mãos, elas tocam diretamente pessoas e objetos, se tocarem coisas imundas ficarão sujas, mas antes de agirmos com elas, pensamos, assim nossos pensamentos são sujos antes das mãos. 
      A última revelação de Jesus está em “vós estais limpos, mas não todos, porque bem sabia ele quem o havia de trair”, o costume simples de lavar os pés encerrou-se na revelação do traidor, que os discípulos podem ter ouvido naquele momento, mas não entendido. João sabia bem o desfecho da história quando registrou a passagem em seu evangelho e nos explica em seu texto. Judas Iscariotes poderia lavar os pés à exaustão, poderia fazer isso em todo o tempo, mas não adiantaria mais, não a partir do momento que sua cabeça foi corrompida com a traição. Muitos querem lavar os pés sem lavarem mãos e cabeça, assim são assíduos em templos, mas não na real presença de Deus, se acham limpos, mas estão imundos. 

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