sábado, setembro 14, 2019

Dogma - discuta o indiscutível

      “O meu mandamento é este: Que vos ameis uns aos outros, assim como eu vos amei. Ninguém tem maior amor do que este, de dar alguém a sua vida pelos seus amigos. Vós sereis meus amigos, se fizerdes o que eu vos mando. Já vos não chamarei servos, porque o servo não sabe o que faz o seu senhor; mas tenho-vos chamado amigos, porque tudo quanto ouvi de meu Pai vos tenho feito conhecer. Não me escolhestes vós a mim, mas eu vos escolhi a vós, e vos nomeei, para que vades e deis fruto, e o vosso fruto permaneça; a fim de que tudo quanto em meu nome pedirdes ao Pai ele vo-lo conceda.” João 15.12-16


dogma [substantivo masculino]

1. Teologia - ponto fundamental de uma doutrina religiosa, apresentado como certo e indiscutível. "d. da santíssima trindade"

2. Por extensão - qualquer doutrina (filosófica, política etc.) de caráter indiscutível.


      Sou uma pessoa por princípio anti-dogma, e isso não tem a ver com religião, com minha religião, com o cristianismo, esses, aliás, grosso modo são bem apegados a dogmas. Por quê? Simples, não creio que nada seja indiscutível, que, principalmente em se tratando do cristianismo, tudo tem que ser aceitado como correto e pronto. Não, eu creio num Deus verdadeiro que revela verdades inexoráveis, contudo, e esse é o motivo porque eu não aceito nada como dogma, o ser humano não entende as coisas assim facilmente. Sim, com o universo espiritual nos relacionamos pela fé, isso é imprescindível, isso é o início, mas o conhecimento continua e é aí que Deus chama amigos para uma conversa mais íntima. Os amigos desejam um aprofundamento no conhecimento do divino e podem, muitas coisas, saberem mais que os que simplesmente aceitam coisas como dogmas. 

      Quando pomos certas coisas como discutíveis não duvidamos de Deus, mas dos homens, e principalmente de nós mesmos, que temos uma tendência preguiçosa ao dogma, a aceitar as coisas sem discutir só porque é mais fácil. Não é a verdade de Deus que é discutível, mas aquilo que o ser humano entende, pelo menos a princípio, como sendo a verdade de Deus. Mas podem argumentar, principalmente no meio católico regido por dogmas, que aquilo que é definido como dogma já foi muito discutido, pensado, refletido, para que se chegasse à conclusão que é um dogma, e isso por gente muita mais entendida de Bíblia, cristianismo e teologia que os leigos. Sim, e por isso mesmo que ainda assim algo não deve ser aceito como dogma e deve ser discutido, não com homens, mas entre nós e o Espírito Santo. 

      Muitos não estão preparados para o assunto levantado nesta reflexão, na verdade poucos, ainda que na prática muitos não sigam radicalmente dogmas. Não seguem mas acham que eles são verdades indiscutíveis e se remoem em remorsos por não poderem praticá-los. Quem estabelece dogmas o faz com intenções ruins, isso é fato, o dogma não é um abrigo, uma proteção, mas uma cela, uma prisão, os carcereiros são os líderes que estabeleceram os dogmas, e deixando bem claro, isso nada tem a ver com a pessoa de Deus. Discutir um dogma, repito, não é discutir com Deus, mas com aquilo que homens disseram sobre religião e Deus, é assumir que nenhum homem, por maior que seja sua posição hierárquica numa igreja ou conhecimento teológico, é dono da verdade, ainda que seja um dogma estabelecido há séculos.

      Se você é novo convertido converse com seu pastor a respeito, peça dele orientação, compartilhe tuas dúvidas e confie em sua liderança. Estou sendo antagônico em relação ao que estou refletindo aqui? Não, mas até que alguém cresça no evangelho a ponto de andar com as próprias pernas e comer carne e não mais só beber leite (espiritual), deve-se confiar no líder. Se o líder estiver conduzindo de alguma maneira o neófilo equivocadamente, a responsabilidade será do líder, não minha ou de qualquer um que ensine, seja em púlpitos físicos ou virtuais, algo que leve alguém a se perder. Longe de mim confundir um dos pequeninos que se aproximam de Jesus buscando vida, perdão e cura. Contudo, se você já tem um tempo de caminhada com o Senhor considere este texto discuntindo-o tanto quanto esse mesmo texto diz que  todos os dogmas devem ser discutidos.


      Não encontro texto mais claro relacionado a esta reflexão, que nos oriente a discutir dogmas com Deus, que o de João 15 (texto inicial), na verdade discutir dogmas era o que Jesus fazia com os apóstolos, os homens mais próximos de Cristo, seus amigos mais íntimos. Se com as multidões e muitos discípulos Jesus encarnado falava através de parábolas, de simbologias (Mateus 13.10-17), com os amigos Cristo falava às claras, decifrava as profecias, e duvidava dos dogmas dos religiosos judeus da época. Duvidava porque muitos princípios ensinados como verdades absolutas eram superficiais ou apenas legalismos externos para manipular os leigos e empoderar líderes. Dogma é coisa de homem, assim nunca terá a eficiência ou profundidade de um genuíno ensinamento de Deus. Seguem alguns exemplos sobre a superficialidade e o legalismo dos dogmas.

      Superficiais: adultério, por exemplo, que para a lei era o ato em si, para o evangelho não era só ter relacionamento sexual com alguém que tivesse aliança de casamento com outra pessoa, ou ter esse relacionamento tendo aliança com outra pessoa, o simples fato de se desejar e consumar o ato no coração, na mente, já é adultério. Eu disse consumar porque muitas vezes não podemos escapar do primeiro pensamento, mas podemos fugir do segundo que na insistência consuma o ato ainda que seja só em pensamentos e sentimentos (Mateus 5.28). Legalismos: a lei dizia que não se devia trabalhar aos sábados, contudo, para o evangelho isso não poderia ser motivo para não se ajudar um necessitado nesse dia. O amor é superior à lei, é o sábado para o homem, não o contrário (Marcos 2.27).

      A mentira, que é o maior argumento de quem cria e mantém dogmas, é dizer que sem dogmas as pessoas podem se perder, se desviar da doutrina. Quem tem o Espírito Santo nunca se perde, se a igreja católica baseou sua religião em dogmas foi ou porque tinham medo, os líderes, que o Espírito Santo mostrasse às pessoas que sua religião, essa sim, tinha se desviado da verdade de Deus, ou porque muitos de seus seguidores, desviados porque na verdade nunca tinham se convertido, precisavam de algo para obedecer que não a verdade única de Deus, verdade que só é revelada aos verdadeiros convertidos que possuem o Espírito Santo. As pessoas não precisam de dogmas, elas precisam do Espírito Santo, Deus é Espírito e onde há o Espírito há liberdade (II Coríntios 3.17), e o Espírito nunca usa a liberdade para a liberalidade na carne, mas para conhecer mais e mais a Deus.

      Mas não se escusem os evangélicos alegando que dogma é exclusividade de católicos, não é mesmo, aliás a tendência natural da heresia é aproximar as religiões protestantes e evangélicas (e muito mais as pentecostais) do catolicismo, criando essas seus dogmas com as mesmas finalidades dos líderes católicos em séculos de existência oficial. Dogma é ferramenta de poder, é arma, repito, para prender, não para libertar. Mas será que a grande maioria das pessoas está preparada para a liberdade, será que ela quer liberdade? A triste verdade é que não, não está preparada, não quer e nem se interessa em saber o que é. A grande maioria quer ser criada em gaiola, ainda que de ouro, onde a liberdade é restrita mas se tem uma ideia consoladora de abrigo e fazer parte de um grupo. A maioria das pessoas nunca conhece liberdade espiritual em vida, passa a existência trocando de gaiola e ainda que se deixe a gaiola com a porta aberta não voará para fora. 


      Sobre os dogmas se constróem superstições, presos não veem a verdade, fantasiam mentiras, superstições são efeitos dos dogmas. Sobre as superstições se constróem os ídolos, ídolos são as sombras das formas, não representam os reais conteúdos, são só farsas, são as causas que se buscam para as mentiras. Sobre os ídolos se constróem novos dogmas, as novas causas têm novos efeitos, que na verdade não têm nada de novo, a cobra engole seu próprio rabo para se mostrar ardilosamente maior do que é, infinita, mas é menor, como toda mentira, tem um fim em si mesma, enganar e manipular. Muitos religiosos, católicos, evangélicos, outros, não fazem ideia do quanto são controlados pela “cobra que engole o próprio rabo”, pelo “diabo”, pelo mal, ainda que digam só desejarem o bem. O mal não é a negação do bem, mas a negação de Deus, mas só entende isso quem busca a Deus, não os homens, não as religiões, não os dogmas. 

      O ser humano é algo especial, na Terra, no universo, em seu corpo físico, em sua alma, em seu espírito, mas só ele tem o poder de libertar a si mesmo, de querer e conhecer Deus, seu único criador que pode também se tornar seu pai, caso ele escolha isso. O mais profundo do homem busca na verdade a Deus, nada mais pode satisfazê-lo, mas para isso o ser humano tem que se desvencilhar das ilusões. Todo prazer passageiro, que precisa ser realiamentado com frequência, é ilusão, seja material, emocional, intelectual ou espiritual. Ilusão é vicio, não é prazer, pois é o exagero que nunca satisfaz, o verdadeiro prazer é único e eficiente, para sempre. Para crescer tem-se que ultrapassar a dor, ser livre não é vivenciar um prazer ilimitado do sim, mas superar a dor do não e poder escolher, antes de ser escolhido, por ninguém a não ser pelo Deus verdadeiro. 

      A dor da solidão é a maior das dores, ninguém está isento dela, por isso o dogma é tão sedutor, dá a sensação de pertencimento, de sermos protegidos por algo maior que outros escolheram por nós, mas isso é só um vício, uma cela. É preciso estar só para se querer, procurar, descobrir e manter-se na presença de Deus, onde não há dogma, ainda que resida a mais alta das santidades, a mais clara das luzes, a mais prazerosa das liberdades, o único lugar onde nos sentimos plenamente e eternamente realizados. Quem está na presença de Deus dá frutos e frutos que permanecem, se dizemos ser religiosos fiéis mas nossa realidade de vida não está funcionando, estamos vivendo uma mentira, nos enganando. Dogmas não libertam, não dão frutos, só matam e escravizam, se alguém lucra com isso são os outros, que nos dogmatizam, não nós. 

      Textos bíblicos interpretados pelo Espírito Santo são perfeitos e o final do texto inicial nos dá o critério para avaliarmos nossas vidas e sabermos se estamos seguindo a Deus ou só tentando, ainda que inutilmente, obedecer dogmas, “não me escolhestes vós a mim, mas eu vos escolhi a vós, e vos nomeei, para que vades e deis fruto, e o vosso fruto permaneça”, até vou desconsiderar o final do versículo, “a fim de que tudo quanto em meu nome pedirdes ao Pai ele vo-lo conceda”, não por não ser verdade, de forma alguma, mas por ser usado erroneamente por muitos atualmente que querem obedecer só para receber algo em troca (veja na reflexão da última 5ª feira a respeito). Dogmas não funcionam, só alimentam superstições e ídolos, levarão nossas vidas para uma sala pequena, escura e fechada. Busquemos a Deus e sejamos livres para dizer não ao pecado, aos homens, às religiões e seus dogmas. 

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