sábado, outubro 26, 2019

Vítimas?

      De todos os tipos de teimosos, que insistem em não querer mudar de vida, em resolver de fato seus problemas, os que se fazem de vítimas são os piores. É gente tão complicada que muitas vezes é melhor nem se aproximar, se de fato não tivermos orientação de Deus para isso, podemos acabar sendo tratados como agressores, e não como amigos. Os que se fazem de vítimas têm a habilidade de inverter a situação, interpretam as coisas ao contrário da verdade, sempre se tornam vítimas, e os outros, agressores, eu sei disso, joguei esse jogo desleal por muito tempo em minha vida. Joguei porque tinha motivos, não justificações, mas explicações, já que de fato fui vítima de agressor por muito tempo, e também é assim com muitos que se fazem de vítimas, eles de fato foram vítima em algum momento. 
      Essa realidade é a que dá aos auto-vitimizados legitimidade para continuarem se colocando como injustiçados, como perseguidos, como pobres vítimas, contudo, diante de Deus, isso não basta pra que ninguém tenha justificativas para se colocarem o tempo todo como coitados, para não assumirem seus erros, e principalmente, não é motivo para tratar os outros injustamente. Por os maiores agressores foram as maiores vítimas, mas vítimas que não se resolveram em Deus, infelizmente, o meio das igrejas cristãs está repleto de gente que achou na vitimização uma cama, se deitou nela e nunca mais se levantou. Não temos culpa de alguém dizer que não servimos pra nada, mas somos culpados por passar toda uma vida acreditando nessa mentira.
      Deus não quer isso pra ninguém e a todos dá condições de virar o jogo e vencer a violência que sofreram e lhes impôs uma condição inicial de vítimas, basta que queiram e creiam. Contudo, uma condição instalada por muito tempo, mesmo que ruim, pode se constituir em identidade, forte, que define a pessoa, que lhe dá motivos, ainda, que mórbidos, para viver. A grande vantagem desse estilo doentio de vida é que compensa os próprios erros, nada que se faça é pior que o que a eles foi feito, assim tem-se desculpa para errar, e quando alguém é magoado diz-se a si mesmo, “me magoaram muito mais que isso, é frescura”. Os insensíveis são justamente as grandes vítimas, sofreram tanto que não acham mais legitimidade no sofrimento alheio.
      Contudo, se é preciso humildade para se assumir que se agrediu alguém, e então buscar, receber e se apossar de perdão, é preciso muito mais humildade para deixar de se por como vítima, isso porque a vítima já se considera humilde o suficiente. O começo do processo de cura é perdoar o agressor original, isso não significa ter de conviver de perto com ele, aliás muitas vezes é preciso se afastar e muito. Mas mais que distância física, é preciso distância emocional, tirar de vez o agressor do coração, perdoá-lo, deixá-lo ir, para sempre. Quando isso é feito, o mal é anulado na raiz e o sentimento de vitimização começa a perder o sentido, torna-se menor, desnecessário.
      Depois é preciso construir em si mesmo uma identidade sadia, suficiente, forte, não precisa ser alguém obsessivamente grande, mas equilibrado, o suficiente para produzir uma vida independente, responsável, liberto do passado e sem necessidade de prender outras pessoas em cárceres como novos agressores. É preciso se libertar do vício da auto-vitimização que a partir do primeiro agressor sempre tinha a necessidade de criar novos. Para muitos o agressor é algo muito grande, maior até que Deus, mas esse agressor só pode ser destronado com perdão, não com violência. Muitos passam a vida assim, colecionado agressores, substituem pai ou mãe por marido ou esposa, marido ou esposa por outros maridos ou esposas, por chefes, por pastores e assim vai.
      Nessa libertação a pessoa aprende a tomar iniciativas de fato positivas, pois o que se faz de vitima sempre exige que os outros façam por ele, que os outros o beneficiem de algum maneira, achando-se no direito de podem permanecer passivos só “curtindo” a dor a auto-comiseração. Por último devemos admitir que como outros nos agridem, nós também agredimos a outros, e muitas vezes de maneira absolutamente injusta, cega, só por mera vingança. Aliás, no coração do auto-vitimizado nasce todo tipo de mal, vingança, inveja, ódio, mentira, que ele não chama de agressões, mas de dores com bons motivos para existirem. Um dos principais males de se auto-vitimizar, todavia, é não conseguir entender e experimentar a salvação de Jesus, só Jesus foi vítima de verdade até o fim, e o foi para nos salvar. 
      Na verdade o que se auto-vitimiza não sente de fato a necessidade de redenção, ainda que ame frequentar cultos e missas, que seja um religioso devotado, que tenha empatia com o cristianismo, principalmente com aquele que celebra o Cristo homem sofredor na cruz, mais que o Cristo Deus ressuscitado e salvador. Sim, as duas coisas são facetas do verdadeiro evangelho, mas o que se arrepende e se vê como pecador vivencia e celebra o Cristo Deus Salvador eterno, pois sabe que sem ele não tem cura, não tem perdão, não tem paz. Não posso encerrar esta reflexão sem compartilhar o texto de Isaías 53, onde o profeta prediz em detalhes o sofrimento da obra messiânica de Cristo e nos fala sobre toda a dor de uma verdadeira vítima. 

      “Porque foi subindo como renovo perante ele, e como raiz de uma terra seca; não tinha beleza nem formosura e, olhando nós para ele, não havia boa aparência nele, para que o desejássemos. Era desprezado, e o mais rejeitado entre os homens, homem de dores, e experimentado nos trabalhos; e, como um de quem os homens escondiam o rosto, era desprezado, e não fizemos dele caso algum. Verdadeiramente ele tomou sobre si as nossas enfermidades, e as nossas dores levou sobre si; e nós o reputávamos por aflito, ferido de Deus, e oprimido. 
      Mas ele foi ferido por causa das nossas transgressões, e moído por causa das nossas iniqüidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados. Todos nós andávamos desgarrados como ovelhas; cada um se desviava pelo seu caminho; mas o Senhor fez cair sobre ele a iniqüidade de nós todos. Ele foi oprimido e afligido, mas não abriu a sua boca; como um cordeiro foi levado ao matadouro, e como a ovelha muda perante os seus tosquiadores, assim ele não abriu a sua boca.” 
Isaías 53.2-7

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