segunda-feira, fevereiro 07, 2022

Deus e deuses para Israel (8/90)

      “Ouve, Israel, o Senhor nosso Deus é o único Senhor.” 
Deuteronômio 6.4

      Numa reflexão sobre eternidade, inferno e céu, pode ser interessante, para entendermos que o que Bíblia diz e as tradições ensinam sobre as coisas do fim podem não ser uma verdade atemporal, mas algo ligado a entendimentos de homens de outros tempos, vermos que também existem entendimentos limitados a um tempo sobre o início de tudo e o começo da relação de Deus com a humanidade. O senso comum cristão diz que Deus escolheu um homem, Abraão, depois um filho, Isaque, depois um neto, Jacó, depois um descendente desse, Davi, e finalmente um descendente desse descendente, Jesus, para manifestar à humanidade sua vontade. Mas essa escolha na verdade começou em Adão, passando por Sete, Noé e então Sem, para assim chegar a Abraão. Seja como for a Bíblia conta a história de uma nação específica. 
      Você já pensou o que achariam os seres humanos que viviam no extremo oriente, no sul da África, nas Américas, na Austrália, se soubessem da promessa que os judeus dizem que Deus fez a Abraão sobre a nação de Israel em Gênesis 22? Pensariam que Deus escolheu um homem, ou um povo, e desprezou os outros, ou você acha que existiam naquele momento só descendentes da família de Noé no planeta? A arqueologia já encontrou restos humanos em várias partes de mundo e não é possível que todos sejam descendentes de Noé. Mesmo que fossem, não poderiam mudar tanto de aparência (compare um árabe com um japonês, com um africano, com nativo peruano, com um aborígene australiano), e viajarem para tão longe do oriente médio, não em pouco tempo, onde a Bíblia diz que foram criados os primeiros homens. 
      Isso nos faz pensar em muitas coisas, não só sobre o fim, como sobre o início, se de fato toda a humanidade foi originada de um único casal do oriente médio. Não seria Gênesis, como todo o antigo testamento, mitos da história, não da humanidade, mas de um único povo, do qual hoje sobrou uma tribo, a dos judeus? Ou você tem alguma explicação de como os filhos de Noé conseguiram se reproduzir e darem origem a povos de todo o globo terrestre. Mas se pegarmos só Sete, com quem ele teve relações sexuais e formou famílias, com suas irmãs, com a descendência de Caim? A Bíblia, do começo ao fim, não pode ser interpretada ao pé da letra, mesmo Jesus foi um messias profetizado para o povo judeu, teve seu ministério entre judeus, ainda que seus ensinos tenham alcançado, a princípio, pelo menos a civilização ocidental. 
      Outra coisa importante para entendermos é o monoteísmo, na prática não existia nos tempos do antigo testamento. Nós evangélicos nos acostumamos a ler e compreender a Bíblia pelo senso comum que temos hoje, já sob a ótica das tradições teológicas, e não é bem assim. A Bíblia tem registros de momentos históricos diferentes, ela não foi toda escrita de uma vez, o antigo testamento sofreu alterações pelo próprio povo hebreu, vários  homens a escreveram. Isso ainda que alguns tenham escrito vários livros, como Moisés que escreveu o Pentateuco (cinco primeiros livros da Bíblia), Salomão que escreveu Provérbios, Eclesiastes, Cântico dos Cânticos (ou Cantares), Sabedoria (só nas Bíblias católicas), e alguns Salmos, Paulo que escreveu várias cartas, e João que escreveu um evangelho, cartas e o livro de Apocalipse. 
      A teologia tradicional é uma fábrica de argumentos para tentar explicar a Bíblia como os teólogos acham que a Bíblia tem que ser, não como realmente é. Mesmo a nação de Israel tinha dificuldades para aceitar seu Deus como único Deus, cria que seu Deus era o mais poderoso e que era uma nação privilegiada por ter sido escolhida por esse Deus, mas não estava certa que só existia esse Deus. Tanto era assim que volta e meia Israel deixava de adorar esse Deus, que identificava como o “Deus de Abraão, de Isaque, de Jacó”, e adorava outros deuses. Mas Israel não devia achar que estava indo para o lado do diabo por isso, mas só para outro deus, essa concepção maniqueísta que temos hoje, que divide poderes espirituais entre bem e mal, de Deus e do diabo, só ficou clara para a humanidade com o cristianismo católico.  
      Não significa que não havia homens com experiências espirituais profundas, que sabiam da existência de um único Deus acima de tudo, e que muitos desses registraram textos bíblicos importantes, mas faziam isso sob relevâncias de seus contextos, o que queriam promover para suas sociedades. Uma sociedade que se mantinha com guerras, dava valor a um Deus que desse vitória em guerras, um homem que separava o mundo entre seu povo e seus inimigos, não podia entender direitos iguais para toda a humanidade. Um povo materialista via a necessidade de qualidades morais para ter favores de Deus, mas favores no plano físico, não no espiritual. Israel não pensava em eternidade espiritual, e mesmo seres espirituais do mal não eram parte importante de sua prática religiosa, Israel via um reino de Deus no mundo, não na eternidade. 
      Mesmo que outras nações não estivessem em guerra com Israel, portanto fora da condição de inimigas, Israel não se via comissionada a evangelizá-las. Israel não se achava em papel missionário, ainda que homens como Daniel e Jonas tenham testemunhado Deus a outras nações. Pela ótica do antigo testamento parece-nos que só Israel conhecia o Deus verdadeiro no mundo, mais ninguém, você nunca achou isso estranho? O objetivo era obedecer a Deus dentro de uma nação com uma religião exclusiva, não havia o conceito de salvação pessoal, israelitas não viam homens de outros povos como semelhantes, eram gentios que não tinham privilégios em sua religião, apesar de haver regras para bom tratamento de estrangeiros. Por causa disso, será que é justo usar a religião de um povo fechado como referência para todo o mundo? 

Esta é a 8ª parte da reflexão
“Quem você será na eternidade?”
dividida em 90 partes, para melhor
entendimento leia toda a reflexão.

José Osório de Souza, março de 2021

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