quarta-feira, fevereiro 16, 2022

Serviço sujo do diabo? (17/90)

      “Eu formo a luz, e crio as trevas; eu faço a paz, e crio o mal; eu, o Senhor, faço todas estas coisas.
  Isaías 45.7

      Por que a maioria dos cristãos, católicos, protestantes e evangélicos, tem aversão às religiões espíritas, tanto às de origem africana quanto ao Kardecismo? Quem tem uma ligação emocional sincera com a fé cristã, que experimenta sua proteção por anos, que ama Jesus como único e pleno salvador, que foi ensinado que espíritos não podem ser contatados e que o diabo pode enganar se isso for tentado, no mínimo terá dificuldades para aceitar reencarnação e comunicação com os mortos. De um certo modo isso é uma proteção, de um Deus que atrai os homens a si por crenças diferentes, quando eles alcançam um nível moral numa crença, ele os guarda, como pai zeloso, para que não se percam. 
      Todavia, muitos cristãos não se dão conta, mas a figura mais importante do cristianismo católico-protestante pode não ser Deus ou Jesus, mas o diabo. Não estou dizendo com isso que o diabo tenha mais poder que Deus, de maneira alguma, mas que a maioria das crenças cristãs existem por causa das obras do diabo. Se numa possibilidade, tirássemos o diabo da equação e o substituíssemos pela maldade humana, por escolhas erradas do homem, que consequentemente deixam culpa e dor no homem, todo o cristianismo poderia mudar, isso ainda que continuassem existindo o conceito de pecado e as consequências dele, condenação para os que persistem nele e salvação para os que o deixam. 
      O conceito “diabo”, principalmente o construído e mantido pela igreja católica, que o protestantismo não refutou, é um poço onde se lança tudo que não se pode aliar a Deus, para não se opor com o conceito de um Deus bondoso. Se esse Deus não pode condenar, então é o diabo que assedia, convence e conduz ao inferno, se esse Deus não pode conter as trevas e o sofrimento, é o diabo quem conduz para longe da luz e faz sofrer, vivos e mortos. Mas algo é preciso que assumamos sobre o diabo, por mais poderes que os homens possam dar a ele, conforme a teologia cristã tradicional, ele não criou a si mesmo e nem mais nada. Diabo, inferno e penas eternas são criações do único criador, o Senhor.
      A grande maioria dos cristãos não vê incoerência nisso, porque não pensa profundamente em teologia. Para essa maioria teologia tem a ver com história e geografia bíblica daquilo que está no cânone bíblico, ela não filosofa nos valores morais, para ela filosofar é pecado, é desconfiar da Bíblia, é colocar em dúvida dogmas. Protestantes são tão dogmatizados quanto os católicos, não se iludam com relação a isso, e o principal dogma deles é o que diz que a Bíblia, não o papa, é infalível, trocaram um líder pela palavra escrita. Bibliolatria é o engano que mais cega cristãos, e esses não reavaliam isso por medo, por isso creem cegamente na Bíblia, não entendendo que o Espírito Santo vai além dela. 
      Diabo é conceito criado para fazer todo serviço “sujo” que Deus não pode fazer, já que se Deus fizesse causaria uma incoerência na teologia. Mas se Deus criou o diabo, o inferno e as penas eternas, é porque em alguma instância há em Deus o mal, ninguém pode criar algo sem conter isso em si. Contudo, pode-se argumentar, “mas Deus não é mau por ter criado coisas más, ele fez isso para punir os maus”, isso é válido numa teologia que vê o ser com só uma oportunidade de encarnação, vindo depois disso o juízo (Hebreus 9.27). Conforme o cristianismo tradicional, o homem tem uma única chance, se não escolher certo é condenado, o mesmo Deus que ama por um tempo, castiga para sempre. 
      Mas pense um pouco mais a respeito, se só há uma oportunidade dada por um Deus justo, ela deveria ser igual para todos, com condições iguais que permitam que todos façam uma escolha justa, assim a responsabilidade do efeito eterno da escolha seria justa e só do homem. Entretanto, pense bem, será que todas as pessoas, e não só as do nosso tempo, mas as de todos os tempos e de todos os lugares do planeta, nascem com condições e oportunidades iguais, sejam físicas, emocionais, financeiras, intelectuais ou morais, para que possam ter as mesmas e justas capacidades de escolha, que permitam que todas, caso queiram, façam a melhor escolha, de salvação e não de condenação? 
      Respondamos a outra pergunta: alguém, que nasce numa aldeia paupérrima de um país africano, tem as mesmas capacidades para escolha, as mesmas necessidades de vida, que tem um norte-americano nascido num apartamento próximo ao Central Park em Nova Iorque? Esse africano já ouviu falar de Jesus em sua vida, já teve alguma orientação religiosa que não fosse a do xamã de sua aldeia? E ainda que tenha sido evangelizado, será que esse aldeão busca de Deus as mesmas coisas que busca um homem de classe média-alta que reside no centro da ilha de Manhattan? Basta que assistamos a uma edição de um telejornal para sabermos as diferenças de sofrimentos dos seres humanos no planeta. 
      Confronte realidade com o que muitos creem só porque as igrejas ensinam que é a verdade, faça isso com sensatez, com equilíbrio, depois coloque-se no lugar do outro, não como cristão com certeza de salvação e que crê que vai ao céu após a morte, mas como aquele que não teve oportunidade para ter condições justas de escolher acreditar em Deus por Jesus. Será que não temos qualquer dúvida naquilo que o dogma nos ensina, depois de confrontarmos a realidade com o dogma, e de nos pormos no lugar daquele que o dogma diz estar condenado eternamente ao inferno? Se houver dúvida talvez seja momento de você saber o que dizem religiões demonizadas pelo senso comum cristão a respeito.

Esta é a 17ª parte da reflexão
“Quem você será na eternidade?”
dividida em 90 partes, para melhor
entendimento leia toda a reflexão.

José Osório de Souza, março de 2021

Nenhum comentário:

Postar um comentário