sexta-feira, setembro 06, 2013

Pianos e seres humanos

Fiz no último sábado, dia 31 de agosto de 2013, uma visita a uma loja de pianos, bem, como representante dos pianos mais caros e famosos do planeta lá pude fazer a degustação de pianos de qualidade, tradicionais em produzir o melhor timbre daquele que é considerado o príncipe dos instrumentos musicais. Auxiliaram-me na degustação, profissionais gabaritados, experientes e versados no assunto. Tenho 53 anos, toco piano desde os nove anos, atuo como pianista no Grande Hotel São Pedro, dentre outros lugares. Fiz boa parte do currículo do chamado piano erudito (clássico) que nos permite uma visão séria e respeitosa da música erudita e do piano, contudo, saí da visita da loja com uma conclusão: sei muito pouco sobre pianos.
É preciso dizer que a culpa não é totalmente minha, devido a algum tipo de displicência com o instrumento, sempre procurei me informar sobre ele, assim como estudá-lo. No Brasil, contudo, é difícil o acesso a bons pianos e isso se deve tanto à política de preços e impostos do comércio quanto ao descaso dos locais que contratam pianistas que possuem pianos ruins e mal conservados. É preciso dizer também que passei bom tempo de minha vida tocando como profissional da música chamada popular, aquela executada na noite, nas casas noturnas, clubes e bares, assim como em cerimônias de casamento, formatura, etc, e isso me manteve distante de bons pianos. Aqueles que se dedicam à música de concerto, são mais privilegiados, tem acesso a instrumentos melhores, mesmo que seu campo de atuação seja mais restrito no Brasil.
Contudo, como cristão praticante, entendo que nossa vida está sempre em transformação, e precisamos estar abertos para isso. Caminhamos para evoluir para pessoas melhores, tanto na vida social e afetiva, quanto na vida profissional, assim estamos sempre aprendendo alguma coisa. Aprendi na última visita, por exemplo, que pianos morrem, sim, os materiais com os quais eles são feitos podem se desgastar com o tempo fazendo com que os mesmos percam sua habilidade inicial de compor, cada um com sua função, martelos, feltros, cordas, ferro, madeira, e tudo o mais, um som ideal de piano, ou pelo menos aquele que produziam quando o instrumento saiu da fábrica.
Resumindo, pianos são como seres humanos, pelos menos como seus corpos, já que nós temos uma vantagem sobre qualquer instrumento, máquina ou ferramenta: temos alma. Essa nunca morre, mesmo que o corpo perca a capacidade de demonstrar as nuanças sentidas pelo coração, a alma continua sentindo, e com mais sofisticação ainda, pelo menos pode ser assim para aqueles que amadurecem e conseguem tirar o melhor dessa existência.
Comparações são sempre imperfeitas, só Jesus, em suas parábolas, conseguiu produzir metáforas precisas da existência do homem através da natureza e de outros elementos, mas eu me arriscaria a comparar Deus com um pianista, e nós, homens, com, pianos. Fazendo a degustação no sábado percebi a variação de instrumentos que existem. Alguns produzem timbres mais abertos, outros mais fechados, as teclas respondem de maneira diferente para atacar as cordas e produzir os sons, o mesmo ocorre com a sensibilidade do pedal de sustain, responde com menos pressão ou com mais, com menos ou mais velocidade.
Mas não é só isso, som fechado ou som aberto, a variação de frequências que soam simultaneamente é incrível, grave, média grave, média, média aguda, aguda. Sem falar dos harmônicos, uma das características mais luxuosas de um piano, quando uma simples tecla é acionada uma grande variedade de frequências soam, além da principal que define o tom da nota. Isso também varia bastante de piano para piano.
Não somos nós, homens e mulheres, assim? Tão diferentes, tão sofisticados? Mesmo que a vida nos trate mal, rudemente, estupidamente, ainda seremos a imagem do criador, pequenos deuses que se acham no direito de sonhar, de fazer, de construir, superando limites a cada dia produzindo, cada um de nós, um timbre original, único, como um piano. Quem nos criou, através da engenharia da natureza, procurou fazer o melhor em nós, não nos fez com materiais de segunda e nem para uso vulgar, mesmo que nós mesmos e os outros homens tratem-nos como material de segunda ou nos use de qualquer jeito. Somos todos instrumentos elegantes e nobres, se os pianos merecem nosso respeito, quanto mais o ser humano, cada um com suas peculiaridades.
Com jeito, com o toque certo, no ambiente adequado, cada um de nós pode produzir o melhor som, compor a melhor música, como o Mason & Hamlin, o Samick, o Seiler, o Boston e o Steinway & Sons que toquei na loja.

(Obrigado Paulo Cavalcanti e Luiz Carlos Uhlik pela experiência maravilhosa que me concederam na Gluck Pianos.)
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