quinta-feira, outubro 14, 2021

Cansados de ensinar (14/31)

      “E não nos cansemos de fazer bem, porque a seu tempo ceifaremos, se não houvermos desfalecido.
Gálatas 6.9

      As lutas contra preconceitos, como racismo e homofobia dentre outros, têm evoluído nos últimos tempos, contudo, nem sempre pelos melhores motivos. Uma frase temos ouvido bastante, “estamos cansados de ensinar”, para entendermos isso precisamos entender vários eventos no processo histórico das lutas. Uma luta começa no coração do que sofre o preconceito, lugar onde a dor é mais devastadora, ainda que silenciosa, quantos não sofrem por anos sem que alguém saiba? Quantos não sentem, quando entram num lugar, que são discriminados, desprezados, odiados, só por não fazerem parte daquilo que a sociedade daquele momento considerava normal? Não só negros, mas aqueles com mais peso, com alguma característica física diferente, na altura, na aparência, mesmo na maneira de se vestirem e de usarem os cabelos? Só sabe quem sofre a dor que se sofre só por se ser alguém que só quer ser alguém.
       Então, como sempre acontece na vida, semelhantes se reúnem, para compartilharem o que sentem, e como é forte uma união que liga por uma dor comum, principalmente se é uma dor que uma maioria deslegitimiza. Quando os afrodescendentes se uniram nos anos 1950, 1960 e 1970 nos E.U.A. e criaram o movimento Black Power, o estilo de cabelo grande e solto, não era só um gosto estético, era um instrumento de resistência e de divulgação cultural, a afirmação de uma identidade, hoje ainda deve ser visto assim. Portanto, quando alguém critica esse tipo de penteado, não apenas opina como tendo um gosto estético diferente, como não apreciando uma preferência, mas como um opositor a um movimento, a direitos de um grupo de seres humanos, isso temos que entender para que tomemos mais cuidado. A vida ficou complicada? Parece que hoje temos que tomar cuidados que antes não tínhamos que tomar?
      Respeitar todos os seres humanos com suas idiossincrasias, não classificando-os só como pertencentes a manadas e nivelando essas com privilégios diferenciados, finalmente a sociedade entendeu que isso é o que deve ser feito, e que quando não foi feito a humanidade cometeu um erro terrível, machucando seres humanos que são iguais a todos os demais seres humanos em direitos e liberdades. Esse cuidado fica amplificado com todo mundo postando sobre tudo e a todo momento nas redes sociais na internet. Privacidade parece ser um luxo que as pessoas abdicaram de ter para que pudessem ser famosas, ainda que só através de um post com muitos likes. Mas se aumentaram conhecimentos, aumentaram responsabilidades, infelizmente isso é algo que muitos não assumem, desejam o direito de falarem o que querem, mas não o dever de ouvirem o que podem não gostarem de ouvir como retorno disso. 
      O fato é que a civilização tem uma enorme dívida com afrodescendentes devido ao cruel sistema de escravos que foi usado por séculos para enriquecer principalmente a brancos, ponto final! A dor que se sente quando se é criticado por usar o cabelo de forma livre e natural é legítima, não é mimimi nem vitimismo, todos temos que aprender a tomar muito cuidado, a princípio com o que dizemos e escrevemos, mas principalmente com o que sentimos e somos. Não existe mais no mundo lugar para preconceitos por cor de pele, tipo de cabelo e tipo de sexualidade. Isso já está sendo dito há algum tempo, não muito, mas há algum tempo, e já é suficiente para que muitos afrodescendentes digam, “já cansei de ensinar”. No termo “ensinar” já existe um posicionamento diferente, não de guerra, não de oprimido destruindo opressor, mas de vítima ensinando ao agressor sobre como ele deve agir para não ser opressor.
      Isso representa uma evolução nas lutas, contudo, as lutas já estão em fases novas quando ouvimos que o “professor” está cansado, principalmente de ouvir que algo que o machucou não tinha a intenção disso. A verdade é uma só, só mudamos quando dói, e se não temos compaixão suficiente para sentir a dor do outro por amor, ou pelo menos por respeito, temos que ser impedidos de agredir com palavras, e senão resolver, com penalização legal. Não só deboches sobre a aparência, mas toda chacota com aqueles que não têm a sexualidade binária, que se dizia que era tradicional e que não é mais, tudo isso deve ser rejeitado com veemência. Isso deveria ser ensinado em púlpitos, ao invés de fazerem de conta que o assunto não existe, ou pior, seguirem insistindo na visão ultrapassada e sem amor que usa a Bíblia para apoiar preconceitos. Não devemos nos cansar é de amar, e em Deus sempre achamos forças para amar. 
      O penteado natural, grande e solto de africanos e descendentes, é mais que uma preferência que pode ou não ser apreciada, é símbolo de uma luta legítima, mas ainda mais que isso, é a coroa de príncipes e princesas, reis e rainhas, que ajudaram tanto quanto qualquer outros a construir o que temos de melhor na humanidade. Na música, nem precisamos dizer o quanto afrodescendentes espalhados pelo mundo fizeram e fazem, como músico tenho gostos e fundamentos assentados sobre o jazz, o blues, o samba, o reggae, os funks. Nos esportes, quantas marcas já foram quebradas por negros, épicas as medalhas de ouro de Jesse Owens nos Jogos Olímpicos de 1936 em plena Alemanha de Hitler, assim como a carreira e o posicionamento político de Muhammad Ali-Haj, eleito "O Desportista do Século". Mas também na literatura, nas ciências, enfim, diversidade é a expressão mais profunda da sabedoria e da beleza de Deus. Não nos cansemos de aprender!

Está é a 14ª parte do estudo
“Militou errado!” dividido em 31 partes,
para um melhor entendimento, 
se possível, leia o estudo na íntegra.

José Osório de Souza, março de 2021

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