sábado, outubro 09, 2021

Vocação para ser escravo?? (9/31)

      “Cada um fique na vocação em que foi chamado. Foste chamado sendo servo? não te dê cuidado; e, se ainda podes ser livre, aproveita a ocasião. Porque o que é chamado pelo Senhor, sendo servo, é liberto do Senhor; e da mesma maneira também o que é chamado sendo livre, servo é de Cristo.” 
I Coríntios 7.20-22

      Logo de início chamo a atenção para que ninguém julgue o título sem ler todo o texto, tanto que o coloquei como pergunta, não como afirmação. O texto bíblico inicial deve ser entendido em camadas, a primeira é a do contexto histórico em que Paulo o escreveu, essa pode ser polêmica nos dias atuais. Paulo diz que o que é escravo deve permanecer assim, e o que é senhor (de escravo) também deve continuar dessa maneira, e que ambos podem ser felizes em Cristo nisso. Será que tantos que leem o texto o entendem de fato? Ou só passam a vista e o aceitam, “afinal”, pensam muitos, “está na Bíblia e deve ser aceito”. 
      O texto define o conceito de vocação, ele não tem a ver só com aptidão física natural e dons espirituais recebidos, mas com a identidade interior do ser humano, que também vai além de sua formação social e emocional e sua ocupação profissional. Por isso Paulo diz que o que tem a vocação de servo deve continuar como tal, nisso não temos embasamento bíblico que incentiva escravatura, principalmente nos dias atuais, mas só a revelação que Paulo escrevia como homem de seu tempo para uma sociedade de seu tempo, ainda que fosse servo de Deus com conhecimento e prática do mais puro evangelho de Jesus Cristo. 
      O ponto desta reflexão não é confrontar militâncias legítimas com preconceito por cor da pele, ou por direitos de afrodescendentes, o ponto não é militâncias coletivas, mas pessoal, e que pode independer de características externas. Somos definidos espiritualmente pelo lugar e pela família na qual nascemos, fomos educados e por características e gostos intelectuais que temos? Não, e nisso também está implícito que ninguém é “burro”, aliás esse termo é inadequado sob diversas instâncias, todos podemos desenvolver habilidades e competências com o que temos nas mãos, se quisermos e nos esforçarmos para isso. 
      Todas as nossas especificações físicas, intelectuais, emocionais e sociais, são ferramentas para que nossos homens interiores evoluam, e isso precisa ser considerado assim porque na eternidade não fará diferença a graduação acadêmica, a sofisticação de nossos trabalhos, a fineza de nossas educações sociais. O que vai valer são as virtudes morais que tivermos em nossos espíritos, que foram construídas à medida que fizemos escolhas em fé e praticamos obras de amor com a vocação espiritual que recebemos de Deus. Eu já vi muitas discrepâncias nesta vida, desejo de aparentar que não se casava com a prática.
      Vi pessoas criadas em famílias pobres, que nem o português falavam direito, mas que se portavam socialmente com nobreza, com muita sabedoria, com uma delicadeza aristocrática, eram doutores em peles de trabalhadores braçais. Mas eu vi também o contrário, gente bem estudada, acostumada com luxos, com as melhores roupas e usufruindo de comidas sofisticadas, que viajaram pelo mundo, em profissões que só se relacionavam com gente do mesmo nível social, contudo, absolutamente estúpidas, insensíveis, comilões e beberrões viciados em prazeres baixos do corpo, sem nenhuma sensibilidade para tratar os outros. 
      A ótica simplista que muitos cristãos se acostumam a ter da humanidade, ensinados por suas tradições religiosas, não acha base na realidade, há algo a mais que simplesmente crer em Cristo e ganhar o céu. O que ocorre de verdade é que alguns Deus coloca no mundo para serem uma coisa, e não outra, e não serão felizes nem farão os outros felizes se não entenderem e viverem isso. Não somos definidos por ocupações, nem pelo meio, mas por nossas vocações espirituais, elas vêm conosco em nossos nascimentos, definem nossas identidades espirituais, e são elas que devem ser evoluídas neste mundo, não outras coisas.
      É essa lição que está meio que escondida de uma rasa e equivocada interpretação do texto inicial, o que o Espírito Santo pode nos ensinar não é aceitar escravidão física e social como sua vontade, não é isso, mas é entendermos que se formos chamados para servirmos como coadjuvantes, não acharemos paz sendo protagonistas, tomando a frente para liderar, se nossa vocação é sermos discretos, não teremos paz discursando, mesmo tendo coisas legítimas a dizer. Deus vocaciona para crescimento, assim poder mas não fazer para cumprir uma vocação, é tão eficiente quanto a princípio não poder mas se esforçar para fazer porque se é vocacionado. 
      A primeira e mais importante militância é a que precisamos fazer por nós como indivíduos, ela deve ser correta, de acordo com a vocação que Deus nos dá, mas só descobre essa vocação quem busca a Deus, e não só a religiões. Você sabe qual é a sua vocação? Seja qual for, ela pode ser executada com qualidade, de maneira que você receba ainda neste mundo retorno para ter uma vida digna e em paz. Mesmo o servo chamado por Deus, é livre, e ainda que seja senhor, tem o privilégio de a Deus servir, o segredo da paz não está em ser servo ou ser senhor, mas em estar em Deus, nisso conhecemos o Altíssimo e a nós mesmos. 
      Muitos militam errado, e mesmo por grandes e boas causas, porque não se aceitam como seres humanos, nesse conflito há uma insatisfação que o homem pode tentar satisfazer com militâncias coletivas. Visto como líder de uma militância importante, ele pode achar uma valorização que sente que não tem como indivíduo, mas se essa for a razão principal que o leva a militar ela é falsa, um dia o deixará na mão, só, fraco e infeliz. Resolva-se primeiro, antes de querer resolver problemas alheios, não se esconda atrás de bandeiras, você até poderá conquistar direitos para os outros, mas seu coração continuará sem paz. 

Está é a 9ª parte do estudo
“Militou errado!” dividido em 31 partes,
para um melhor entendimento, 
se possível, leia o estudo na íntegra.

José Osório de Souza, março de 2021

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