segunda-feira, janeiro 10, 2022

Narrativa do falso testemunho

      “Não admitirás falso boato, e não porás a tua mão com o ímpio, para seres testemunha falsa. Não seguirás a multidão para fazeres o mal; nem numa demanda falarás, tomando parte com a maioria para torcer o direito. Nem ao pobre favorecerás na sua demanda. 
      Se encontrares o boi do teu inimigo, ou o seu jumento, desgarrado, sem falta lho reconduzirás. Se vires o jumento, daquele que te odeia, caído debaixo da sua carga, deixarás pois de ajudá-lo? Certamente o ajudarás a levantá-lo. Não perverterás o direito do teu pobre na sua demanda. 
      De palavras de falsidade te afastarás, e não matarás o inocente e o justo; porque não justificarei o ímpio. Também suborno não tomarás; porque o suborno cega os que têm vista, e perverte as palavras dos justos.” 
Êxodo 23.1-8

      A palavra “narrativa” está em moda atualmente no meio político, ela significa uma interpretação de fatos. Os fatos deveriam ser a verdade, e portanto impassíveis de interpretação, os fatos são os fatos, não boatos. Mas não tem sido assim, mentira também está em moda, e alguns a repetem à exaustão utilizando a estratégia que diz que mentira repetida torna-se verdade. Quando tantas falsas testemunhas se levantam me lembro das orientações da velha aliança sobre falso testemunho, eis um ensino que muitos cristãos que querem a prosperidade do antigo testamento não seguem. Isso, contudo, só é mais uma narrativa, que pega o que convém e desconsidera o resto, tomando partes da verdade inteira, mas meia verdade é na verdade uma mentira inteira. 
      Vou dar um exemplo, um bêbado, depois de passar num bar e tomar muitas cachaças, tropeça na calçada e cai dentro de um templo, no chão, desacordado, ele fica durante toda a missa. Depois, ele consegue se pôr de pé e voltar para a casa, lá, a esposa pergunta-lhe: onde esteve? Ele responde, na missa. É mentira? Não, mas é só parte da história, contudo, o alcoólatra pode construir toda uma narrativa sobre isso, dizer que a esposa é uma megera, que desconfia dele, que o calunia, mesmo quando ele está numa missa na igreja. Atualmente no Brasil existe muito “bêbado” caindo dentro de “igreja” dizendo que foi à “missa”, e não só políticos, como a mídia, ainda que ela diga ser dona exclusiva de fatos e da narrativa verdadeira. A narrativa da verdade só Deus detém. 
      Não há novidade, o homem sempre foi mau, os poderes sempre construíram a narrativa histórica que lhes convinha, o rei deposto sempre foi o vilão e o posto o herói, entretanto, o triste é ver muitos cristãos defendendo narrativas. Todavia isso também não é novidade, um estudo sem muita profundidade na história do cristianismo católico e protestante mostrará uso de narrativas manipuladas, usando até partes da verdade, mas sempre para beneficiar uns e deslegitimizar outros. O que mais me assusta é que evangélicos que ouviram por tanto tempo que o mundo jaz no maligno, que o deus do mundo é o pai da mentira, ainda são enganados, tomam partido de homens que só têm interesse em poder no mundo, esses cristãos não entenderam que sua Canaã está no céu. 
      Sobre o texto bíblico inicial, em primeiro lugar precisamos recordar que as leis de Moisés não eram para uma vida espiritual, para preparar o homem para a eternidade, isso até poderia ser consequência, mas o foco das orientações de Deus para Israel era conduta social no mundo. As leis de Moisés eram a constituição política, o código penal, recomendações de saúde e higiene, relação completa de regras para a existência de um povo de forma civilizada. Isso tudo além dos protocolos de religião, de sacrifícios, de festas, de manutenção da tribo de sacerdotes de Levi e do templo. O texto fala sobre justiça social, sobre falso testemunho e outras injustiças, isso abrangeria a todos, indiferente de classe social ou ligação afetiva, e nisso há mais que regras de cidadania.
      A orientação que chama a atenção é se vires o jumento daquele que te odeia caído debaixo da sua carga, deixarás pois de ajudá-lo?”. Deus é paciencioso, num tempo da lei de talião, de um ser humano infantil social e intelectualmente, o Senhor dava orientações para uma vida moral madura que conduziria o homem daquele tempo à espiritualidade que seria avaliada na eternidade. A lei poderia ter dito somente, ajude a todos, mas o detalhe aquele que te odeia é revelador, e não diz o que você odeia, que poderia dar a alguém motivo para não ter que ajudar o outro. Auxilie o que te odeia, ou, “amai a vossos inimigos… fazei bem aos que vos odeiam” (Mateus 5.44), se alguém já age certo não odiando, mesmo o que o odeia, faça mais, dê a outra face, ajude esse em sua necessidade. 
      O que isso tem a ver com “narrativas” e falso testemunho? Talvez não tenha nada a ver para os que não temem a Deus, mas para os cristãos isso deveria significar muito na prática de vida real. Ficarmos do lado da verdade, pagando o preço que for preciso, temos coragem para fazer isso? Mas ficar sempre com a verdade é ficar sempre com Deus, isso é possível? É, em primeiro lugar se desconectarmos Deus de religiões e de líderes religiosos, mas também se desligarmos religião de política. Sim, podemos ter religiões e relações com política, mas passando tudo pelo filtro de Deus. Se isso não acontecer, se não tivermos coragem para isso, e nisso implica não sermos aprovados por muitos homens, seremos só marionetes de narrativas de homens, portanto, falsas testemunhas. 

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