sábado, março 05, 2022

Carisma, política e pecado (34/90)

      “Porque nada trouxemos para este mundo, e manifesto é que nada podemos levar dele. Tendo, porém, sustento, e com que nos cobrirmos, estejamos com isso contentes. Mas os que querem ser ricos caem em tentação, e em laço, e em muitas concupiscências loucas e nocivas, que submergem os homens na perdição e ruína. Porque o amor ao dinheiro é a raiz de toda a espécie de males; e nessa cobiça alguns se desviaram da fé, e se traspassaram a si mesmos com muitas dores. Mas tu, ó homem de Deus, foge destas coisas, e segue a justiça, a piedade, a fé, o amor, a paciência, a mansidão.” 
I Timóteo 6.7-11

      As cartas de Paulo a Timóteo constituem um verdadeiro manual do pastor, não só sobre os deveres desse, mas também sobre seus direitos. Um pastor tem direitos? Tem, mas bem menos que muitos pastores querem ter nos dias atuais. A palavra chave do texto bíblico inicial é piedade, piedade é devoção, amor pelas coisas religiosas, mas mais que religiosidade pessoal, é compaixão pelo sofrimento alheio, misericórdia pelos outros. Em piedade está também incluído o termo servo, que é ocupar-se em servir o outro, não a si mesmo, é se dar, não receber, desaparecer, não ser visto. 
      Se a pergunta “quem você será na eternidade?” é relevante para todos os seres humanos, para os pastores em especial tem uma importância ainda maior. Quem será você, pastor, na eternidade? Quem será você diácono, presbítero, missionário, reverendo, padre, bispo, papa, monge? Vocês que pregam que na eternidade não valerão títulos do mundo, status de profissionais em empresas, adquiridos com estudo, trabalho e mesmo valor da conta no banco, não se enganem, títulos em instituições religiosas, em ministérios, em igrejas, também pouco ou nada poderão representar. 
      Quando os homens entenderam o poder do cristianismo, que esse contém o Cristo e o Cristo pode transformar as vidas dos homens, em primeiro lugar muitos homens receberam essa transformação, entretanto, alguns outros, depois, perceberam que esse poder poderia ser usado para beneficia-los no mundo. Assim nasceu a igreja católica no quarto século e depois tantas igrejas evangélicas como empresas e negócios lucrativos, daí outra coisa ocorreu, proeminência religiosa potencializa influência política, assim homens manipulam homens não só em templos, mas na sociedade. 
      A relação entre papas e imperadores é histórica no catolicismo, no protestantismo isso se repete, pastores, missionários, pregadores, diáconos usam a popularidade que possuem em congregações para construírem eleitorado e conquistarem cargos políticos em suas cidades, estados e mesmo no âmbito federal. Ainda que eu acredite que cristão não deva ter cargos políticos de forma alguma, posso até fazer uma excessão, mas desde que o cristão abra mão de cargos e títulos na igreja, não usando isso para ter votos de cristãos, mas sendo representante político de todos, mesmo de não cristãos. 
      Mas quem resiste à tentação? Quem percebe que nasceu com uma persona marcante, com jeito carismático que encanta as pessoas, principalmente por seu modo de falar, e toda sedução implica em boa lábia e energia sexual, que necessariamente não requerem boa aparência, esse não resiste à tentação de expandir a influência que tem em púlpitos, em igrejas, para toda a sociedade. Carisma independe de dons espirituais, mesmo de formação intelectual, e hoje, com a internet, popularidade se constrói ainda com mais facilidade. Eu pergunto se carisma pessoal é bênção ou maldição. 
      Fica fácil para quem não precisou investir trabalho e dinheiro no desenvolvimento de uma competência, conseguir as coisas com algo que recebeu de graça, não precisar nem de vida espiritual para impressionar as pessoas, basta-lhe encenar um personagem. Carisma pessoal mais cristianismo podem acabar em política, mesmo que seja só para administrar interesses numa igreja. Políticos, contudo, poderão cair nas armadilhas dos valores mais cobiçados no mundo, dinheiro e sexo. Estou generalizando, sendo injusto? Nem todo líder de igreja é político e nem todo político é ganancioso e lascivo? 
      Mas para quem começa errado é mais fácil acabar errado, o erro inicial é confiar em si mesmo para ter aquilo que não era para se ter, pelo menos não do jeito que se teve, assim o carismático deve ter mais cuidados, não menos. A pergunta que deve ser respondida é: o que nos torna carismático, o Espírito Santo ou o nosso ego? Grandes egos devem ser ainda mais moldados por Deus e pelo tempo. Se não tocarmos as vidas das pessoas com justiça, piedade, fé, amor, paciência e mansidão, como orienta Paulo a Timóteo, seremos nós que faremos algo e para a nossa glória, não Deus e para Deus. 
      Aparta-te deles, foge dessas coisas, eis as orientações de Paulo a Timóteo sobre como devemos nos comportar com homens e mulheres que usam o cristianismo para benefícios próprios. Será que nós, como ovelhas ou como líderes do segundo escalão, fazemos isso? Ou somos seduzidos por pastores carnais e nos colocamos debaixo deles para sermos promovidos com eles, aprovados por eles, ainda que digamos para nós mesmos que queremos só servir a Deus em boas igrejas? É tentador ao carismático seu carisma, mas também aos outros, seduzidos sentem-se amados e todos querem ser amados. 
      Seremos avaliados na eternidade pelo nosso interior e não pelo nosso exterior, seja pela nossa aparência, pelo número de pessoas que se encantam com nossa simpatia, por títulos ou fama em igrejas, e mesmo por sermos líderes ou “donos” de ministérios evangélicos reconhecidos. Infelizmente como tem pastor, principalmente de um tempo para cá quando ser evangélico e pastor virou moda, não querendo fazer a vontade de Deus, mas ser um novo Macedo ou um novo Hernandes, e aqui não vai necessariamente crítica a esses. Poucos querem ser como Paulo, e menos ainda como Jesus. 

Esta é a 34ª parte da reflexão
“Quem você será na eternidade?”
dividida em 90 partes, para melhor
entendimento leia toda a reflexão.

José Osório de Souza, março de 2021

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