Quem somos na maior parte do tempo?

      “Quem dentre vós é sábio e entendido? Mostre pelo seu bom trato as suas obras em mansidão de sabedoria. Mas, se tendes amarga inveja, e sentimento faccioso em vosso coração, não vos glorieis, nem mintais contra a verdade.” Tiago 3.13-14

      Quem somos nós na maior parte do tempo, sozinhos mas também nos relacionando com as outras pessoas? Nos avaliarmos com honestidade e desejarmos melhorar é sintoma de saúde emocional e moral, mas temos que ser de fato honestos, com aquilo que fazemos no mundo real, em nossas ações e palavras, não só nas intenções e em nosso mundo mental. Também não me refiro às nossas atividades profissionais, que podem ser honestas e esforçadas, mas elas são relações muitas vezes impessoais, usando máquinas, computadores ou produzindo trabalho físico ou mental solitário. Para se conhecer não avalie o que você faz, mas como faz, com que atitude trata as pessoas enquanto faz, colegas de trabalho, clientes e outros. 

      Muitos fazem um bom trabalho, desempenham-no com honestidade e com esforço, têm boa formação acadêmica e teórica, mas são estúpidos com outras pessoas enquanto fazem isso. Sermos boas pessoas no trato de outras pessoas não é só questão afetiva e moral, interfere também na área profissional, por melhores profissionais que nos achemos ser. Não tratarmos os outros com respeito e sensibilidade, mostra que não sabemos trabalhar em equipe, assim como somos ineficientes para nos relacionarmos com nosso alvo de lucro numa atividade. Se formos vendedores afastaremos a clientela ao invés de fideliza-la, se formos profissionais da área médica afastaremos pacientes, e mesmo como pastores, afastaremos ovelhas. 

      Se perguntarmos a muitos se são boas pessoas e bons profissionais, dirão que fazem seu trabalho direito e não têm muito tempo para se preocupar com os outros. Mas nessa resposta pode haver um problema sério, acharmos que somos uma coisa quando somos outra, isso pode ser pelo menos um leve problema de dualismo mental, quando habitam em nós a pessoa que age e aquela que achamos que age. Nesse caso na maior parte das vezes não ocorre de nos acharmos maus quando somos bons, mas o contrário, nos acharmos bons quando somos maus. Por isso é importante também ouvirmos a avaliação dos outros sobre nós, de pessoas lúcidas, honestas, que enxergam a realidade e querem ajudar em amor. 

      Como seres humanos que buscam a Deus e querem fazer sua vontade, temos também que nos avaliar internamente, agora não no trato direto com as outras pessoas, nesse provamos que temos comunhão com Deus tratando os outros com paciência e misericórdia. Me refiro às intenções e às disposições mentais e morais. Quem somos dentro de nós na maior parte do tempo? Há coisas que não se exteriorizam, ou se exteriorizam só em nossas vidas privadas, quando estamos sozinhos e ninguém nos vê. É em nosso mundo interior que santidade e verdadeira humildade devem residir, muitas vezes até nos relacionamos com as pessoas corretamente, mas nossas mentes são escravas de orgulhos, sensualismos e mesmo de violências. 

      Serei bem honesto, com mais de sessenta anos passei boa parte de minha vida querendo ser uma coisa e sendo outra, e no meio disso acreditando que era uma coisa que não era. Contudo, pela misericórdia de Deus, não me sentia em paz com a incoerência, isso foi difícil para mim durante muito tempo, causou muita dor, mas o conflito me empurrou para buscar a Deus. À medida que conheci mais a Deus também me conheci e me assumi, não só o que eu escolhia ser, por más decisões somente minhas, não dos outros, mas também o que Deus queria que eu fosse, não os outros. Hoje, consigo fazer escolhas melhores, tanto dentro de mim quanto fora quando interajo com os outros, há virtudes proporcionais, posso ter só uma cara.

      Infelizmente há algumas pessoas bem doentes por aí, aproximando-se de reais transtornos psiquiátricos, quando são na maior parte do tempo uma coisa, mas dizendo a si mesmas e aos outros que são outra. Isso ocorre por causa de cobranças externas antigas, principalmente de pais e da família, não resolvidas, que muitos transferem para religiões moralistas aos quais se agregam para manterem as cobranças. Por incrível que pareça, Deus não é um juiz prepotente e condenador, ainda que seja santo e queira nosso melhor, ele age com muita paciência, conduzindo-nos aos poucos para sua vontade. Se achamos que Deus nos cobra é porque estamos confundindo-o com religião, ou pior, com nossos pais humanos, Deus é sempre amoroso.