“E, estando Paulo no meio do Areópago, disse: Homens atenienses, em tudo vos vejo um tanto supersticiosos; porque, passando eu e vendo os vossos santuários, achei também um altar em que estava escrito: Ao Deus desconhecido. Esse, pois, que vós honrais, não o conhecendo, é o que eu vos anuncio.” Atos 17.22-23
As extrações do livro citadas abaixo, não são opinião pessoal ou ponto de vista, são fatos, como são tantas provas da evolução humana achadas no globo terrestre. Infelizmente, ainda que sejam fatos, se vão contra a interpretação que muitos cristãos fazem da Bíblia e da vontade de Deus, tais religiosos dizem que são palavras diabólicas. Nisso há dois equívocos, primeiro tais cristãos não aceitam que história e ciência vão, não contra a real palavra de Deus, mas contra aquilo que eles interpretam como palavra de Deus. Em segundo lugar tais cristãos, ainda que façam uso da ciência em tantas áreas para sobreviverem no mundo, desconsideram como ciência o que discorda de suas crenças. A Bíblia não é um livro científico, não foi escrita por seres humanos atuais e estudados, há metáforas e até mitos nela, ainda assim é espiritualmente útil para quem a lê com sabedoria e sem preconceitos.
Monoteísmo ou politeísmo? Deus é único, moralmente superior a tudo, potencialmente mais poderoso que tudo, ainda assim usa seres de luz, que o cristianismo chama de anjos e de outros nomes, além do chamado Espírito Santo, para administrar a humanidade, o universo, os planos físico e espiritual. A tradição judaico-cristã impôs limites àquilo que é permitido aos seres humanos neste mundo conectarem-se com o outro mundo, isso tem propósito na providência divina. Mas a questão não é só demonizar o politeísmo por ele contemplar outros seres espirituais no mesmo nível de Deus, na verdade isso não ocorre em muito do que muitos chamam de paganismo. Penso que todos nós temos uma sede intrínseca do único e verdadeiro Deus, indiferente do nome que dermos a ele, nosso espírito anseia retornar ao pai de todos os espíritos, se formos bons acharemos o melhor caminho para o alto.
Amo a passagem bíblica inicial do apóstolo-teólogo Paulo, ela entrega um princípio que só os humildes entendem. Por mais firme, focada, persistente e experiente que sejam nossa fé e nossa prática em Deus, o Altíssimo nos é desconhecido. “Só sei que nada sei”, dizia um sábio grego, a confirmação de nossas crenças só teremos quando morrermos no plano físico e estivermos livres no plano espiritual. Quem mais sabe, sabe que menos sabe, assim menos julga e condena o que os outros sabem, no que muito sabe há a mais pura humildade e o verdadeiro amor de Deus, assim há a luz do Altíssimo. Isso não é álibi para nos acostumarmos com pouco, mas incentivo para buscarmos conhecer mais do Deus desconhecido, se quisermos e estivermos preparados saberemos, ainda que nossa jornada na Terra sempre seja pela fé, convém à providência divina que seja assim para que cresçamos.
Na quinta citação do livro abaixo, o escritor diz “em uma das guinadas mais estranhas da história, essa seita judaica esotérica controlou o poderoso Império Romano”. Gosto de ler autores ateus, principalmente se são cientistas e historiadores, eles entregam um material quase isento de subjetividade, apresentam fatos. Contudo, a palavra estranhas revela a impossibilidade que tem aquele que não contempla Deus e o mundo espiritual e os propósitos desses para o ser humano, de certos entendimentos, que vão além deste mundo e da matéria. O cristianismo, apesar de muito poluído pelo poder, pela vaidade, pelo egoísmo e pelos enganos humanos, sobrevive e forte no mundo porque carrega o nome de Cristo, esse tem poder por si só, indiferente de quem o utiliza. Ouçamos a ciência, não a demonizemos, mas com humildade saibamos que só a fé nos permite sabedoria que vai além do ceticismo.
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Seguem textos extraídos do livro “Sapiens, uma breve história da humanidade” de Yuval Noah Harari, capítulo 12, “A lei da religião“ (copiados do link), se não leu na 1ª ou na 2ª parte desta reflexão, seria interessante ler agora.
“A ideia do politeísmo leva a uma tolerância religiosa muito maior. Como os politeístas acreditam, por um lado, em um poder supremo e completamente desinteressado e, por outro lado, em muitos poderes parciais e tendenciosos, não há dificuldade para os devotos de um deus aceitarem a existência e a eficácia de outros deuses. O politeísmo é inerentemente tolerante e raramente persegue “hereges” e “infiéis”. Mesmo quando conquistaram impérios gigantescos, os politeístas não tentaram converter seus súditos. Os egípcios, os romanos e os astecas não enviaram missionários a terras estrangeiras para disseminar o culto a Osíris, Júpiter ou Huitzilopochtli (o principal deus asteca) e certamente não mandaram exércitos com esse propósito.”“O único deus que, durante muito tempo, os romanos se recusaram a tolerar foi o deus monoteísta e evangelizador dos cristãos. O Império Romano não exigia que os cristãos abdicassem de suas crenças e rituais, mas esperavam que eles respeitassem os deuses protetores do Império e a divindade do imperador. Isso era visto como uma declaração de lealdade política. Quando os cristãos se recusaram veementemente a fazer isso, rejeitando todas as tentativas de se chegar a um acordo, os romanos reagiram perseguindo o que entendiam como uma facção politicamente subversiva. Nos 300 anos decorridos desde a crucificação de Cristo até a conversão do imperador Constantino, os imperadores romanos politeístas iniciaram não mais que quatro perseguições gerais aos cristãos. Os administradores e governantes locais também incitaram certa violência contra os cristãos. Ainda assim, se considerarmos todas as vítimas de todas essas perseguições, veremos que, nesses três séculos, os romanos politeístas mataram não mais que alguns milhares de cristãos. Os cristãos, por sua vez, ao longo dos 15 séculos seguintes, assassinaram cristãos aos milhões por defenderem interpretações ligeiramente diferentes da religião do amor e da compaixão.”“Essas disputas teológicas ficaram tão violentas que durante os séculos XVI e XVII católicos e protestantes mataram uns aos outros às centenas de milhares. Em 23 de agosto de 1572, católicos franceses, que enfatizavam a importância de boas ações, atacaram comunidades de protestantes franceses, que salientavam o amor de Deus pela humanidade. Nesse ataque, o Dia do Massacre de São Bartolomeu, entre 5 mil e 10 mil protestantes foram assassinados em menos de 24 horas. Quando o papa em Roma ficou sabendo do ocorrido na França, foi tomado de tanta alegria que organizou preces festivas para celebrar a ocasião e encarregou Giorgio Vasari de decorar um dos aposentos do Vaticano com um afresco do massacre (o aposento atualmente está inacessível aos visitantes). Mais cristãos foram mortos por outros cristãos naquelas 24 horas do que pelo Império Romano politeísta durante toda a sua existência.”“A primeira religião monoteísta de que temos notícia apareceu no Egito por volta de 1350 a.C., quando o faraó Aquenáton declarou que uma das deidades menores do panteão egípcio, o deus Aton, era, na verdade, o poder supremo governando o universo. Aquenáton institucionalizou o culto a Aton como religião do Estado e tentou controlar o culto a todos os outros deuses. Sua revolução religiosa, no entanto, não teve êxito. Após sua morte, o culto a Aton foi abandonado em favor do antigo panteão.”“O judaísmo, por exemplo, afirmava que o poder supremo do universo tem interesses e inclinações, mas seu principal interesse é na minúscula nação judaica e na obscura terra de Israel. O judaísmo tinha pouco a oferecer a outras nações e durante a maior parte de sua existência não foi uma religião missionária. Esse estágio pode ser chamado de estágio do “monoteísmo local”. O grande avanço veio com o cristianismo. Essa fé começou como uma seita judaica esotérica que procurava convencer os judeus de que Jesus de Nazaré era seu tão esperado messias. No entanto, um dos primeiros líderes da seita, Paulo de Tarso, ponderou que, se o poder supremo do universo tem interesses e inclinações, e se Ele se deu ao trabalho de encarnar e morrer na cruz para a salvação da humanidade, então isso é algo que deve ser comunicado a todos, e não só aos judeus. Portanto, era necessário difundir a boa palavra – o evangelho – sobre Jesus para o mundo inteiro. Os argumentos de Paulo caíram em solo fértil. Em toda parte, os cristãos começaram a organizar atividades missionárias dirigidas a todos os humanos. Em uma das guinadas mais estranhas da história, essa seita judaica esotérica controlou o poderoso Império Romano.”“Os monoteístas são no geral muito mais fanáticos e missionários que os politeístas. Uma religião que reconhece a legitimidade de outras crenças implica ou que seu deus não é o deus supremo do universo, ou que ela recebeu de Deus apenas parte da verdade universal. Como os monoteístas costumam acreditar que são detentores de toda a mensagem de um único Deus, são compelidos a descrer de todas as outras religiões. Nos últimos dois milênios, os monoteístas tentaram, repetidas vezes, se fortalecer exterminando de maneira violenta toda concorrência.”“As religiões monoteístas expulsaram os deuses pela porta da frente com muito barulho, para em seguida aceitá-los de volta pela janela lateral. O cristianismo, por exemplo, desenvolveu seu próprio panteão de santos, cujos cultos pouco diferiam dos cultos aos deuses politeístas.”“Na verdade, o monoteísmo, tal como se desenvolveu ao longo da história, é um caleidoscópio de legados monoteístas, dualistas e politeístas que se misturam sob um único conceito divino. O cristão típico acredita no Deus monoteísta, mas também no Diabo dualista, em santos politeístas e em fantasmas animistas. Os estudiosos das religiões têm um nome para essa aceitação simultânea de ideias diferentes e até mesmo contraditórias e a combinação de rituais e práticas tirados de fontes diferentes: sincretismo. O sincretismo talvez seja, de fato, a única grande religião mundial.”
José Osório de Souza, 23/01/2023