"O Diabo é quem tem as perspectivas mais largas sobre Deus, por isso se distancia tanto dele; o Diabo é o amigo mais antigo do Conhecimento" ("Além do Bem e do Mal", Friedrich Nietzsche).
Nietzsche enganou-se no texto acima, ninguém pode afastar-se tanto de Deus para vê-lo por inteiro, muito menos um ser que nega as virtudes morais do Deus verdadeiro. Entretanto, o princípio citado pelo filósofo é válido em estudo científico de história, por exemplo. É preciso distanciar-se para entender melhor, não Deus, mas o que homens, religiosos, historiadores, filósofos e outros, dizem sobre Deus. Se nos mantivermos presos a dogmas e medos estaremos limitados por conveniências e entendimentos alheios sobre Deus e não construiremos uma perspectiva individual a respeito. Aliando conhecimento à prática de virtudes, pois Deus acima de tudo é um ser moral, nos colocaremos nas regiões espirituais mais altas, então, teremos um entendimento mais amplo e profundo da verdade, harmonizados com Deus, não antagonizados a ele.
Já fiz aqui, em quatorze anos de "Como o ar que respiro", diversas reflexões sobre o tema "diabo". Pensei no diabo conforme teologia protestante tradicional, como entidade espiritual do mal infinito e inconversível. Pensei de forma mais filosófica, ainda que como antagonista também ao "Deus" da teologia protestante tradicional, mas como conhecimento espiritual oculto, entendimento contido em mitologias e esoterismo. Nessa segunda reflexão, o diabo não é necessariamente mau ou imoral, só transgressor, o Prometeu que entregou o "fogo" (a ciência) à humanidade. Sim, em quatorze anos eu mudei de opinião, sigo mudando, como ser em constante desconstrução e construção, não nego isso. O texto que segue tenta apresentar o que penso de cinco anos para cá. Não tome como dogma, mas apenas com um ponto de vista, que quiçá, pode ajudar você a construir seu próprio ponto de vista.
1. Um diabo construído?
“Ainda não compreendeis que tudo o que entra pela boca desce para o ventre, e é lançado fora? Mas, o que sai da boca, procede do coração, e isso contamina o homem. Porque do coração procedem os maus pensamentos, mortes, adultérios, prostituição, furtos, falsos testemunhos e blasfêmias.” Mateus 15.17-19
Diabo e demônios quase não aparecem no antigo testamento, o inimigo era o outro ser humano, visível, objetivo, não seres invisíveis e espirituais. A “serpente”, da tentação do homem no Jardim do Éden, é uma figura misteriosa, mais esotérica que cristã. Um animal possuído ou sendo usado como médium? Um ser angelical caído? Ou só a representação de um lado do ser humano, cuja existência é necessária para que ele tenha livre arbítrio, livre arbítrio que é necessário que Deus entregue para não gerar escravos ou ignorantes, mas seres com direito a múltipla escolha, ainda que a consequência da escolha ruim seja o sofrimento. Bem, isso pelo menos é como entende a existência humana a teologia tradicional cristã.
Nos evangelhos, demônios aparecem às pencas. Seriam sinal dos novos tempos, de um ser humano mais maduro, pronto para entender, não leis extremas, mas nuanças das virtudes morais? O que poderia ter como efeito colateral negativo uma violência descontrolada, que geraria surtos psicóticos que foram chamados de possessão demoníaca por um homem ainda sem conhecimento psiquiátrico? Não que não tenha havido violência nos tempos do antigo testamento, mas um ser humano mais infantil não sofria tanto ao dizimar homens, mulheres e crianças de uma nação inimiga para possuir a terra. Quando não se sabe não se sofre, ter que escolher entre obedecer ou não uma lei não requer raciocínio mais sofisticado.
No século um a alma humana já estava crescida o suficiente para se sentir mal com a violência, e quando não a administrava do jeito melhor, com humildade e perdão, surtava. Seria isso? Sim, há jovens citados como endemoniados, mas esses mais ainda poderiam ser só doentes mentais. O diabo ganha seu auge com o catolicismo na idade média. Uma falácia usada para controlar um povo é criar um inimigo, e dar ao que quer ser controlador poder exclusivo sobre tal inimigo. Fora da igreja não há salvação, dizem os católicos, fora dela o ser humano é presa fácil de demônios e do inferno. Mas evangélicos atuais têm revivido o diabo, afinal creem num final dos tempos onde haverá um embate entre o mal e o bem.
Se o diabo existe, é espírito, só age através de uma escolha humana, primeiro na mente humana e depois com palavras e ações humanas entre outros seres humanos. Se anulássemos escolhas que dizemos que nascem em influências diabólicas nas nossas cabeças, o diabo deixaria de existir no mundo. Mas é o diabo que cria o mal e o disponibiliza em nossas mentes para sermos maus, ou o mal já existe dentro de nós e espíritos malignos só nos incitam a ele? Penso que as duas coisas ocorrem juntas, há mal dentro de nós e fora de nós, fisicamente e espiritualmente, mas somos nós, como indivíduos, que temos livre arbítrio para materializar o mal, ainda que seja só em nossos mundos mentais. Já foi dito, o diabo é o outro.
Sobre o texto bíblico inicial, poderia ter usado um versículo que cita seres espirituais malignos, como satanás e lúcifer, muitos podem achar que essas citações bíblicas são suficientes para provar que o diabo existe (Gênesis diz que o mundo foi criado em sete dias e não foi). Preferi usar um texto de Jesus que fala sobre a origem do mal, o Cristo não cita o diabo, mas o centro emocional humano, o subjetivo “coração”. A passagem é tão bíblica quanto outras, mas tem algo diferente em relação a outras, confronta-nos conosco, não com os outros, chama a atenção sobre nossa responsabilidade pessoal em superar o mal. Mateus 15.17-19 não foca na doença, mas mostra a cura, o remédio é nossa força de vontade em Deus.
2. E se o diabo não existisse?
“Que, quanto ao trato passado, vos despojeis do velho homem, que se corrompe pelas concupiscências do engano; e vos renoveis no espírito da vossa mente; e vos revistais do novo homem, que segundo Deus é criado em verdadeira justiça e santidade.” Efésios 4.22-24
E se o diabo, no sentido de um ser espiritual que se opõe a todas as virtudes do Altíssimo, eterno em sua maldade, que nunca poderá se arrepender e mudar, não existisse? Não estou dizendo que o mal não existe, mas como cristãos administrariam o mal sem ter um diabo para lançar certas culpas, tê-lo como origem do mal e zelador eterno do inferno. Talvez enfrentássemos nossos “demônios” interiores com mais maturidade, mesmo com mais eficiência, pois teríamos a certeza que se há mal a culpa é unicamente nossa, de mais ninguém. Se por um lado tem um bando de gente teimosa querendo viver desacreditando de Deus e do plano espiritual, tem um outro bando pensando demais no diabo e perdendo a lucidez.
Assim, a pergunta melhor talvez seja: é necessária a existência do diabo da teologia tradicional cristã? Que utilidade boa de fato isso tem? Não queremos retroceder aos tempos do antigo testamento, onde o inimigo era o outro povo e o deus desse povo era inimigo do meu Deus. Penso que o cristianismo precisa tratar Deus e a Bíblia com mais respeito. Procurar pôr em prática suas crenças, mostrando nas obras santidade, amor, tolerância, justiça, paciência, colocando em segundo plano bens e posições materiais, ainda que trabalhando muito e cuidando do planeta Terra, mas deixando que atos falem mais que discursos. Chegamos num momento onde precisa-se de menos fé, igreja e evangelismo e de mais vida.
Muitos podem dizer: “mas vida cristã é fé, igreja e evangelismo”. Mas quais têm sido os frutos disso no cristianismo protestante atual: fé para receber milagres físicos, igreja para inflar contas bancárias e egos, evangelismo para dominar o mundo com uma religião e ser intolerante com as outras? Desculpe-me, mas no meu ponto de vista isso não é a vida que Jesus viveu, assemelha-se mais a um plano diabólico para dominar a Terra, plano que o catolicismo já executou enquanto dizimava muitos nas cruzadas, na inquisição e no negacionismo científico. O “diabo” existe e está fantasiado de “Deus” dentro de templos cristãos, enganando os que querem ser enganados porque perderam a humildade para obedecer a Deus.
Infelizmente o diabo existe e muitos o acharão na eternidade, diabo potencializado por um lado pelos que se identificam como satanistas, e por outro lado, tragicamente, pelos que se denominam crentes fiéis e cristãos sérios. Não quero escandalizar ninguém, mas levanto a possibilidade de não existir um ser maligno eterno, mas que um ser maligno e infinito exista enquanto o ser humano acreditar que existe. A existência espiritual neste mundo é mental, no outro essa existência mental será liberada do corpo físico, o plano espiritual não só se acessa por fé, mas também é gerado e mantido por fé. Fé é energia mental e emocional, acredita-se porque se foca emoção e se visualiza, assim o diabo tem origem e vida na mente humana.
Vencemos o diabo, seja lá o que ele for, com força de vontade, contudo, só somos fortes conectados a Deus. Deus não é uma potência prepotente e vaidosa, criada pela mente carente e ignorante do ser humano, que busca dependentes e adoradores. Deus é espírito, está em todo lugar, mas sua mente está na região espiritual mais elevada de luz moral. Nós somos porções desse espírito, de Deus viemos e para ele voltamos, portanto, só temos paz conectados ao Altíssimo. Se em Deus há luz, há verdade, longe dele há trevas, portanto mentiras, o diabo é pai da mentira. Dizem que a maior mentira do diabo é nos dizer que ele não existe, mas será que não é o contrário, alguém, não o “diabo”, nos fazer crer que há um diabo?
3. Diabólico poder dos homens
“Ai dos que descem ao Egito a buscar socorro, e se estribam em cavalos; e têm confiança em carros, porque são muitos; e nos cavaleiros, porque são poderosíssimos; e não atentam para o Santo de Israel, e não buscam ao Senhor.” Isaías 31.1
Sem dúvida é mais fácil viver em grupo, o ser humano descobriu isso quando começou a fazer troca de alimentos, vestes e outros bens com outros seres humanos. O motivo é simples: ninguém é igual, cada um tem capacitações e habilidades diferentes, e todos podem ser surpreendidos pela existência neste planeta, pelo clima, por doenças e por acidentes, de maneiras diferentes. Assim o que nos falta num momento pode estar sobrando para outro, que pode pedir em troca pelo que tem algo que temos e que lhe falta. Se para a sobrevivência material viver em sociedade é melhor, também é para se compartilhar crenças e experiências com o sobre-humano, o divino e o plano espiritual. Viver em grupo não é o problema, é solução.
Contudo, podemos usar participação em comunidades, agremiações, sociedades e religiões, de forma negativa. A força e a convicção que não temos sozinhos, achamos quando estamos em grupo, vide por exemplo violências praticadas por torcidas de futebol, por gangues de bairros, por defensores de uma determinada ideologia política. Mas o erro pode ser pior quando nos unimos em torno de uma ótica religiosa, já que nesse caso pomos o nome de Deus no meio e o usamos como razão para crermos, falarmos e fazermos determinadas coisas, coisas que podem chegar a negar radicalmente os princípios que uma religião ensinava em seu início puro. Mentira sempre pede mais mentira para seguir existindo.
Vende-se porque há quem compre, assim o ser humano percebeu que o ser humano não quer só o que objetivamente supre necessidades reais, mas pode consumir muita coisa por vaidade, para não ser diferente, em busca de aprovação do grupo e assim ser abraçado e protegido por esse grupo. Enfim, o ser humano entendeu que o ser humano gosta de ser enganado e, portanto, de enganar para obter algum lucro. Se isso acontece nos alimentos, quando se bebe uma marca de refrigerante porque está na moda, também ocorre na religião, com o agravante de usar o nome de Deus. Assim cria-se mentiras religiosas para atrair e manter um grupo de pessoas num credo, mas também para conferir poder e riqueza a algumas pessoas.
A verdade purifica-se à medida que é conhecida, assim fica mais simples e pode até parecer diminuir, não para restringir, mas para explicar e unir tudo. A mentira aumenta com o tempo, precisa de novas e complicadas mentiras para continuar enganando os que não buscam a verdade na fonte, mas querem barganhar a mentira com os mentirosos. A mentira escraviza, limita, divide, assim leva a embates para que tenha poder, por isso precisa de inimigos claros e fortes. Só se tem uma grande vitória quando se vence um inimigo grande, a qualidade do inimigo engrandece aquele que se opõe a ele e o vence. Fiz essa introdução sobre vida em grupo para entendermos a relevância e a necessidade de existir um diabo.
Será que um cristão que se diz seguidor do Cristo precisa do diabo para ser forte? Ou pior, será que Deus precisa de um inimigo oposto e tão poderoso para ser Deus? Jesus e Deus não precisam, mas religiões construídas e mantidas por homens maus precisam, justamente porque essas religiões são mentirosas. O diabo importou para uma Igreja Romana que quis manter controle sobre um ser humano pouco instruído e supersticioso da idade média. O diabo interessa a falsos pastores que exploram crentes pobres e carentes do básico para sobreviverem neste mundo, assim como de algum alento para suas almas cheias de remorsos, mágoas e medos que querem o céu no outro plano. Diabo é mais vendável que Deus, infelizmente.
4. Alguém para culpar e temer
“Mas cada um é tentado, quando atraído e engodado pela sua própria concupiscência. Depois, havendo a concupiscência concebido, dá à luz o pecado; e o pecado, sendo consumado, gera a morte. Não erreis, meus amados irmãos.” Tiago 1.14-16
Se viver em grupo é melhor, jogar a culpa nos outros, para não assumi-la como nossa, é mais fácil. Novamente o dualismo de “nós” e “eles” é usado, agora como vítima e agressor. Gostamos de ver o agressor no outro, por isso o prazer mórbido por assistir programas jornalísticos que mostram assassinatos, estupros, violência. Se o “outro” comete um crime que achamos que nunca seremos capazes de cometer, isso nos entrega um consolo, que ainda que sejamos errados há gente pior. Por isso amamos fofocar, falar mal do outro, achar e se não achamos extrapolar e inventar erros dos outros. Há estudiosos que dizem que o que manteve seres humanos em grupo foi a necessidade de fofocar, mais até que outras necessidades.
O ser humano tem a tendência de criar ídolos para substituir Deus. Na tentativa mal sucedida de saciar sua sede de um Deus espírito, todo-poderoso material e espiritualmente e de moral superior, em santidade, amor e justiça, ele busca no plano físico e no espiritual potências que lhe satisfaçam. No plano material temos instituições, religiões, partidos políticos, que dizem defender agendas nobres e poderosas, essas são reconhecidas e adoradas. No plano espiritual potências ficam por conta da sensibilidade e trabalho espiritual de cada ser humano, mas também de sua fantasia. Um plano que se acessa mentalmente, está mais aberto para que o homem ache ilusão e enganos, portanto, mentira, portanto o chamado diabo.
Achar alguém para ser culpado, alguém grande e poderoso, um ídolo maligno, eis o que é o diabo na cabeça de muitos. Mas o ser humano não cria só ídolos do mal, de outros deuses, entidades ou poderes espirituais, o pior ídolo é o que o homem chama de “Deus”, ao qual é agregado conceitos bíblicos. Em seu amor Deus ouve a todos, abençoa mesmo os que não o adoram como o verdadeiro Deus, mas como um ídolo mental semelhante a ele. Se não fosse assim poucos receberiam favor divino. Interessante, que diferente de nós, que quando caluniados ou destratados queremos cobrar as pessoas, nos defender, Deus não faz isso, simplesmente porque não pode. Poucos estão preparados para o que Deus é de fato.
A humanidade evoluiu, a ciência se desenvolveu, o homem conhece a si mesmo, seu corpo, sua psique, o planeta, parte do universo, assim como entendeu a importância de direitos iguais para todos, indiferente de sexualidade, raça, cor de pele, religião, cultura ou poder aquisitivo. Se uma religião coletiva para agregar e direcionar a humanidade à verdade moral e espiritual teve algum interesse para Deus no passado, já há algum tempo não tem mais, não para todos, eu penso assim. O momento, que ao meu ver iniciou-se no final do século XIX, é de busca individual, não desprezando religiões coletivas, mas aprendendo delas o que é possível e depois seguindo numa jornada pessoal rumo à luz mais alta de Deus. Isso já é possível.
Quando olhamos para fora e para baixo fugimos de nós e de Deus, não encaramos a verdade e somos enganados por mentiras. Quando olhamos só para os homens buscamos felicidade na glória dos homens, na aprovação de religião, nisso geramos medo, que procura algo proporcional para temer. Como nessa situação estamos em trevas, não temos conhecimentos reais, assim nossa mente inventa, fantasia, e como é poderosa a criatividade humana. Comprovamos isso na literatura e no cinema, quantos monstros, quantos espectros, quantos alienígenas, quanto terror e quanta ficção fantasiamos, uma realidade falsa, mas que teve origem em mentes que se afastaram da verdade e se refugiaram na mentira, no mundo, nos homens, no diabo.
5. Fim da fantasia diabólica
“Quanto à vossa obediência, é ela conhecida de todos. Comprazo-me, pois, em vós; e quero que sejais sábios no bem, mas simples no mal. E o Deus de paz esmagará em breve Satanás debaixo dos vossos pés. A graça de nosso Senhor Jesus Cristo seja convosco. Amém.” Romanos 16.19-20
Que fique claro, quando levantamos a hipótese de como seríamos nós, como administraríamos a existência, neste mundo e no outro, caso não existisse um diabo eterno, como define a teologia tradicional protestante, não estamos dizendo que não haja pecado, que não haja mal, e que não haja uma avaliação divina, após a nossa morte física, para verificar se vencemos ou não o mal, pelo menos na maior parte do tempo em que vivemos na Terra. Ninguém force um entendimento errado desta reflexão, dizendo que não queremos admitir o diabo para que possamos viver em pecado e não sermos punidos por isso. O ponto não é se há o mal, mas até que ponto fugimos de uma responsabilidade pessoal numa fantasia diabólica.
A verdade é que por séculos o cristianismo tem usado um diabo como bode expiatório, tem pego o diabo pra “cristo”, perdoem-me o uso das palavras. O tamanho do diabo é proporcional ao tamanho do medo que o ser humano tem da verdade, portanto, medo de Deus, já que ele tem toda a verdade, inclusive sobre o diabo. O diabo é conveniente, como já dissemos, para manipuladores e comerciantes da fé de grupos humanos. Contudo, o diabo é útil para cada um de nós, oferece-nos um inimigo para odiarmos e culparmos, uma entidade por trás de teorias conspiratórias e escatológicas. Mas se Nietzsche disse que Deus estava morto, a verdade é que o diabo está morrendo, e creiam, haverá um dia que será citado só como história.
O filósofo acertou sob um ponto de vista, o “Deus” do catolicismo e mesmo do protestantismo, graças a Deus, está diminuindo, e novamente me perdoem os termos. À medida que o falso “Deus” decresce, o poder do diabo também míngua, os conceitos estão ligados. Superstições cristãs e superstições satanistas são dois lados de uma mesma moeda, ainda que Deus atenda a todos no que lhe permitem atender. No máximo, o diabo é uma influência ruim, coletiva e espiritual, sob indivíduos humanos encarnados. Espírito não tem corpo, mas se temos medo dele e não buscamos conhecê-lo em Deus, podemos imaginar o que quisermos. Um indiano imagina um diabo diferente de um italiano, de um chinês ou de um nigeriano.
Diabo é escuridão moral, ausência da luz de Deus, mas não de Deus. Deus está em todo lugar e nada foge dele. Só há um lugar que Deus só ilumina se for-lhe autorizado, o interior dos seres. Se dizemos não a Deus, nosso interior escurece-se, torna-se território diabólico. Não nos enganemos, temporariamente podemos ser instrumentos do diabo, ainda que religiosos e não possessos, como são instrumentos os egoístas e cruéis ou simplesmente ateus e materialistas de forma mais duradoura. Obviamente não na mesma proporção, mas o diabo e consequentes trevas podem estar dentro de qualquer um neste mundo, ainda que por pouco tempo. Após a morte infernos persistentes na Terra serão liberados ao inferno maior.
O inferno maior é local distante da luz mais alta de Deus, onde se reúnem e tentam se esconder os que não querem subir a Deus. Muitas trevas reunidas não tem o poder que tem uma finíssima emanação da luz do Altíssimo, que nós podemos refletir quando obedecemos a Deus, contudo, essas trevas podem ser grandes o suficiente para fantasiarem um diabo e influenciarem seres humanos simpáticos na Terra. Mas o tempo passa, o “inferno” recebe seres cada vez menos supersticiosos, ainda que em trevas, assim aquele diabo que por séculos aterrorizou a humanidade morre. Aproxima-se o tempo onde esse diabo morrerá de vez, é o que João o evangelista tentou descrever em Apocalipse, com sua mente do final do século um.
6. O mal é útil ao bem
“Ninguém, sendo tentado, diga: De Deus sou tentado; porque Deus não pode ser tentado pelo mal, e a ninguém tenta.” “Toda a boa dádiva e todo o dom perfeito vem do alto, descendo do Pai das luzes, em quem não há mudança nem sombra de variação.” Tiago 1.13, 17
Não tem como ser diferente, mal é praticado por um ser mau, chame-se esse ser de demônio, homem ou o que for. Sendo algo mau causa sofrimento, contudo, sofrimento pode ser usado pelo bem para gerar algo bom. O que é o bem? Em última instância é disposição benigna do ser humano para aprender algo bom, ainda que seja com a dor, então, não ser mais atingido pelo mal ou não atingir outros com esse. Mas como cristãos precisamos considerar o texto bíblico inicial, bem genuíno vem de Deus, Deus diretamente não faz mal. Deus, contudo, autoriza que o mal seja feito por alguém mau, assim como administra tudo no universo, tendo objetivo de conduzir o ser humano a ser bom, para mais perto dele.
Seres maus têm utilidade para Deus, fazem algo que outros seres não podem fazer, senão iria-se contra uma lei universal, luz gera luz, trevas geram trevas, luz não pode gerar trevas assim como Deus de forma direta não pode fazer o mal. Diabo, demônios, infernos e sofrimento têm utilidade nas mãos de Deus. Para nos aprofundarmos nessa reflexão algo tem que ser levantado, alguns dizem que o inferno é aqui, outros dizem que aqueles que acham que o mundo é um inferno não têm ideia do que seja o inferno verdadeiro. A teologia tradicional protestante pensa no inferno como lugar de tortura sem fim no plano espiritual, já no plano físico, por mais que soframos, sempre temos algum momento de refrigério.
Quem vive na Terra de forma lúcida, assumindo seus erros, não fugindo das consequências deles em prazeres ilusórios, nem jogando a culpa nos outros, fazendo a coisa certa do jeito certo, assim também não fazendo o certo com peso, achando que faz algo porque outro não está fazendo, mas fazendo com amor, esse sabe que viver é experimentar uma dor constante. Bom que seja assim, quem sofre no mundo do jeito correto entendeu que ter um espírito eterno, que anseia estar perto do Altíssimo, encarcerado num corpo fisico, gera sofrimento. Sensíveis sofrem, não sofrem os frios, cínicos, irresponsáveis e que deixaram de receber e dar perdão porque se acham certos demais para errarem e arrependerem-se.
A dor certa não diminui com o tempo, mas aumenta, não porque erramos mais, mas justamente pelo contrário, porque erramos menos, nos tornamos mais santos e andamos mais perto de Deus. O que é o inferno senão saber que o melhor existe, está em Deus, mas ter a consciência que não consegue-se ser melhor e estar perto de Deus? Inferno pode ser provado na Terra, mas o pior inferno só prova os que temem a Deus, os outros seguem iludindo-se e fugindo. Na eternidade todos seremos confrontados com a verdade, além disso lá só haverá um modo de se ter paz, o céu, que nada mais é que subir para Deus. Quem não foi humilde, santo e amoroso o suficiente no mundo cairá em sofrimento sem consolo.
Se o que acerta mais sofre mais, então esse prova mais inferno aqui que os outros. Você concorda com esse raciocínio? Mas não foi isso que vimos no Cristo homem? Um ser humano que não fez nada errado, que andou o tempo todo perto de Deus, que amou sem limites, mas que ainda assim não foi entendido, honrado nem respeitado, antes foi perseguido, preso, torturado e morto, e justamente por aqueles que estavam em posições religiosas mais altas? Concluo que ser cristão, mas não ser compreendido nem aceito por muitos que se auto-denominam cristãos, é honra, é provar inferno no mundo, assim pagar dívidas e conquistar glória maior na eternidade. Provar inferno aqui conquista o céu lá.
7. Mordaça no Espírito
“Mas, quando vier o Consolador, que eu da parte do Pai vos hei de enviar, aquele Espírito de verdade, que procede do Pai, ele testificará de mim.” João 15.26
Um ponto importante aos que querem usar textos bíblicos como comprovação para muitos dogmas cristãos, é que os seres humanos, mesmo profetas, apóstolos e outros escritores do cânone bíblico, não tinham as convicções que o cristianismo tem hoje, após quase dois mil anos da ressurreição de Cristo, quase dezesseis séculos de catolicismo e quase quatro séculos de protestantismo. Hoje para muitos em templos cristãos, certas informações parecem óbvias, mas não eram nos tempos bíblicos. A religião mosáica orientava obediência a leis, respeito a festas e sacrifícios no templo, mas para se ter uma vida agradável a Deus, e consequentemente digna de receber dele proteção, neste mundo, não na eternidade.
Algum israelita esotérico podia saber mais sobre existência no além, mas não era relevante ao israelita comum. Mesmo os profetas mais íntimos de Deus, não pregavam sobre juízo, céu e inferno, se sabiam guardavam para si, a palavra que entregavam a reis, a sacerdotes e ao povo era para serem fiéis a Deus para terem prosperidade no mundo. A princípio isso não era muito diferente nos tempos do novo testamento, mas nesse momento o homem já estava preparado para saber mais. Teria sido diferente, se os que ouviram a palavra em primeira mão de Jesus, tivessem passado à frente só o que o Cristo ensinou, se não tivessem perdido o foco tão depressa? Mas isso estava nos planos divinos, o grande desvio católico foi necessário.
Paulo dedicou grande parte de suas epístolas para ensinar judeus sobre dois temas. O primeiro é que fé no sacrifício do Cristo é superior à obediência às leis de Moisés, assim ele estendeu o messias esperado por um povo para salvador de todo o mundo. O segundo tema é que a vida não se encerra na morte, há uma ressurreição, não no plano material com corpos físicos, mas no espiritual, onde se passa pela avaliação divina, o juízo. Ao que nos parece, as pessoas, mesmo as com tradição religiosa israelita, tinham certa dificuldade para entender plano espiritual e vida eterna, assim como a superioridade da vida no além à vida terrena. Até Jesus cumprir sua missão, o ser humano era materialista, não por escolha, mas por limitação.
Muitos cristãos não fazem ideia da importância real de Jesus Cristo, tudo que ele representa e é, tudo que praticou como homem e se tornou como espírito. Por algum motivo, no quarto século, o imperador romano Constantino se converte ao cristianismo, cristianismo que não era mais o puro evangelho de Jesus, se fosse não teria se tornado tão rapidamente na Igreja Católica. Seja como for, uma seita judaica, nascida entre judeus e pregada a princípio a judeus, torna-se universal, ou ocidental, pelo menos na cultura. O catolicismo construiu a teologia que muitos creem hoje serem doutrinas oficiais do cristianismo, na verdade o cristianismo passou por um processo lento adaptando paganismo e reinterpretando textos sagrados.
O número de adeptos cresceu, igrejas se organizaram, a religião ganhou valor entre poderosos e uma grande maioria de denominados cristãos, ovelhas e pastores, se desviou da palavra viva, reta e pura que Deus entrega ao ser humano pelo Santo Espírito, experiência que Jesus inaugurou no momento que a humanidade estava preparada para tal. O lado positivo foi que se conseguiu calar a voz do politeísmo, o ser humano entendeu que a voz direta de Deus podia ser ouvida pela autoridade do nome de Jesus. O lado negativo foi que dogmas foram criados, a princípio para coibir desvios e subjetividades, mas que depois levaram a cristandade a calar também a voz do Espírito Santo, o que se podia saber estava escrito e ponto.
8. Deus não morre
“No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram feitas por ele, e sem ele nada do que foi feito se fez. Nele estava a vida, e a vida era a luz dos homens. E a luz resplandece nas trevas, e as trevas não a compreenderam.” João 1.1-5
Não, Deus não revelou sua palavra, ainda que em tempos diferentes, como um romance escrito por um único escritor, com início, meio e fim, de forma coesa e sem contradições. O Espírito de Deus é coeso e não se contradiz, inspirou autores bíblicos, sabemos disso, mas fez isso com respeito, Deus não violenta suas ferramentas, respeita seus limites. Deus não age de forma extraordinária, milagrosa aos nossos olhos, Deus nunca desrespeita leis universais que ele mesmo criou, principalmente o livre arbítrio humano. Muitos homens, em contextos sociais e históricos diferentes, registraram os livros do cânone bíblico, esses não se preocuparam com coesão ou não contradição, aliás, nem havia preocupação com isso em seus tempos.
O secularismo de Salomão, em Cantares e Eclesiastes, não é afinado com a intimidade espiritual de João evangelista, os mitos da criação, de Moisés em Gênesis, não têm a matemática das semanas de Daniel, os feitos extraordinários de Elias não são exatamente da mesma espécie que os milagres de Pedro, o Deus de conquista geográfica de Josué, não harmoniza com o Deus da pregação do evangelho de Estêvão. Mas algo é certo e único, o amor e a humildade pregados por Jesus, permeiam as experiências mais profundas de Davi com a misericórdia de Deus, assim como o desprendimento pessoal que Paulo exerceu para fundar igrejas e codificar a teologia cristã básica que orienta igrejas até hoje. Jesus é e sempre será diferente!
O Deus único e verdadeiro não morre, por isso o verdadeiro cristianismo não perdeu ou retrocedeu no mundo, mas seguiu cumprindo sua missão. Se olharmos do jeito certo, entenderemos o porque do desvio católico. Olhando superficialmente pode parecer o evangelho se perdendo, o Espírito Santo sendo amordaçado, só o nome do Cristo, solitário e humilhado numa cruz, sendo erguido e salvando os humildes. Ah o tempo de Deus, não é o nosso, as maneiras como ele trabalha, não são as nossas, o que o ser humano, como indivíduo e como coletivo, como igreja e como humanidade, precisa vivenciar para aprender a lição que Deus quer ensinar, ainda que em Jesus toda lição tenha sido ensinada há quase dois mil anos.
Na morte neste mundo, morre o corpo, não o espírito, o espírito é eterno, nossa mais plena e profunda identidade. Jesus entregou o Espírito de Deus à humanidade, ele já é suficiente para que tenhamos vida eterna. Contudo, o catolicismo o vestiu com trajes luxuosos, não só de tecidos caros, de couros raros, revestidos de pedras e metais preciosos, mas de carne, a mesma que envelhece e morre. Há tempos a carne morta fede, o perfume singular do Espírito é escondido. É tempo de sepultar o velho, para que aquele que por ser sempre novo é eterno, apareça. O Espírito de Deus ainda que antigo não fica velho. Contudo, para experimenta-lo é preciso que nos livremos da glória do mundo e nos satisfaçamos com o glória de Deus.
O protestantismo tirou das vestes desnecessárias que o catolicismo cobriu o Espírito Santo algumas camadas, mas ainda que tenha se livrado do luxo, manteve o Espírito preso numa armadura. Essa roupa era mais simples, mas mais rígida, vestimenta para uma guerra que nunca foi de Deus. Se a pessoa de Jesus teve que viver por cerca de trinta e três anos para cumprir uma missão que acabou em morte, a humanidade precisa de um tempo para provar a obra de Jesus até que morra, só assim o homem entenderá a vontade de Deus. A mesma incompreensão, perseguição e injustiça que a velha religião israelita empreendeu contra a pessoa do Cristo, catolicismo e protestantismo estão fazendo contra o verdadeiro e original cristianismo.
José Osório de Souza, 11/08/2025
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