sexta-feira, agosto 05, 2011

Insaciáveis seres

Busquei no meu coração como estimular com vinho a minha carne (regendo porém o meu coração com sabedoria), e entregar-me à loucura, até ver o que seria melhor que os filhos dos homens fizessem debaixo do céu durante o número dos dias de sua vida. Fiz para mim obras magníficas; edifiquei para mim casas; plantei para mim vinhas. Fiz para mim hortas e jardins, e plantei neles árvores de toda a espécie de fruto. Fiz para mim tanques de águas, para regar com eles o bosque em que reverdeciam as árvores. Adquiri servos e servas, e tive servos nascidos em casa; também tive grandes possessões de gados e ovelhas, mais do que todos os que houve antes de mim em Jerusalém. Amontoei também para mim prata e ouro, e tesouros dos reis e das províncias; provi-me de cantores e cantoras, e das delícias dos filhos dos homens; e de instrumentos de música de toda a espécie. E olhei eu para todas as obras que fizeram as minhas mãos, como também para o trabalho que eu, trabalhando, tinha feito, e eis que tudo era vaidade e aflição de espírito, e que proveito nenhum havia debaixo do sol”, Eclesiastes 2:3-8 e 2:11.

         Não adianta, somos animais insaciáveis. Nunca nada é suficiente, e tudo sempre é pouco.
Saímos numa noite de sexta-feira com os amigos. Vamos a um bom restaurante ou a um bar da moda. Comemos os melhores pratos, os tira-gostos mais saborosos, isso acompanhado de uma bebida gelada. Conversamos sobre tudo, rimos muito, trocamos confidências, nos emocionamos. O tempo voa, quando percebemos o começo da noite já virou madrugada e nós estamos em casa. Ligamos o televisor então, só para relaxar um pouco e logo pegarmos no sono. Acordamos de madrugada, para beber um gole d´água. Então verificamos que a solidão e o vazio já batem novamente. Parece que toda a alegria da mesa, bebendo e comendo com os amigos, nunca existiu. Nossa alma ainda está vazia, falta companhia, mesmo que lá no nosso quarto, na cama, esteja a mulher ou o homem de nossa vida, por quem juramos amor eterno.
      Ao invés de cerveja ou de vinho, podemos usar drogas mais pesadas, e no lugar de uma relação madura e permanente, podemos fazer uso de aventuras casuais, que duram no máximo meses, se não uma semana apenas. Mesmo esbanjando falta de temor a Deus, de desrespeito com o nosso corpo, e de total desprezo com a nossa alma, horas depois do prazer, sentimos novamente o vazio, a angústia. Uma sede que nunca é saciada, uma fome de sei lá o que, que nunca termina. Vontade de gritar, de querer algo que nunca achamos. A velha história se repete, quem está só, quer estar junto, quem está junto, deseja estar só. Quem está nas ruas quer estar num lar, e quem está na sala de estar de sua casa, assistindo o televisor com a pessoa amada, deseja a liberdade da noite da cidade. Para quê? Sei lá, para procurar alguma coisa.
      A ilusão tem muito mais caras, nos tempos modernos. Sentada em uma poltrona da sala, assistindo a novela, uma esposa, sem que o marido que está sentado na outra poltrona saiba, pode estar trocando mensagens pelo celular com um estranho através de uma rede social. A filha no quarto pode estar consumindo porcarias sexuais no notebook, apressando um amadurecimento amargo e inútil. O marido, talvez seja o único que realmente esteja acompanhando a novela, cansado que está do dia de trabalho, sem energia e iniciativa para amar sua esposa. Mas a disponibilidade de afetos e relações possíveis com a tecnologia moderna não sacia o coração, apenas aumenta ainda mais o buraco das almas, que depois de alargado pela ilusão só fará mais doer.
      Nas igrejas a fome por emoção e prazer rápido também corre solta. Muitos chamam até de unção, como se fosse algo diferente, melhor. Mas em grande parte das instituições cristãs modernas é apenas sentimento para satisfazer a fome insaciável da alma dos seres humanos. O louvor, esta expressão de agradecimento e reconhecimento a Deus, por tudo que ele é e faz, foi totalmente corrompido. Essa expressão, que hoje ocupa uma parte enorme do culto cristão, relegando o estudo da palavra a um lugar quase sem importância, é ministrada habilmente por líderes carismáticos e talentosos de forma a tocar a parte mais íntima dos tais “adoradores”. Os tais “ministros” sabem bem como conduzir a coisa. Regem uma verdadeira sinfonia, começando com um movimento mais lento, para que as pessoas se esqueçam da vida real e se concentrem no culto. Depois um movimento lento mais austero e dramático, onde as pessoas juram promessas eternas de mudança de vida, confessam pecados e se colocam numa posição de novas criaturas. Por fim o andamento da música aumenta, o volume do som assume níveis ensurdecedores, a ponto de incomodar e muito a vizinhança da igreja local.  Para a maioria o culto poderia terminar aí, para que estudar a palavra, para que entender racionalmente a fé e a doutrina, já foi sentido tudo o que se desejava, é assim que essa geração ávida por prazer deseja ir embora. Cabe apenas um pedido de oferta financeira, que no estado emocional que as pessoas se encontram será respondido prontamente. Contudo, na madrugada, quando se levantam para beber o tal copo d´água lá em suas casas, muitos já sentirão a alma vazia, e nem um poço inteiro de água emocional poderá satisfazer seus corações insaciáveis.
      “Porque o meu povo fez duas maldades: a mim me deixaram, o manancial de águas vivas, e cavaram cisternas, cisternas rotas, que não retêm águas”, Jeremias 2:13.
      Engana-se quem pensa que mesmo cultuando a Deus de forma correta, que mesmo dando à emoção a prioridade certa, que mesmo estudando a Bíblia para que a razão aprenda sobre Deus e tenha uma ferramenta de lucidez para utilizar na batalha contra a insaciabilidade da alma humana, conseguirá um alimento perene para a sua alma. Talvez seja justamente por querer isso, e a princípio até com sinceridade, é que muitos filhos de Deus acabam utilizando mesmo o “louvor” de êxtase emocional para encher o vazio de seus corações. Mas a resposta não é “melhorar” o louvor, se dedicar mais ao estudo da palavra de Deus, ou orar mais, não que isso tudo não seja necessário. Sem entrar mais profundamente num estudo tricotômico do homem, onde pode-se concluir que o "louvor" emocional atinge somente a alma e o corpo, enquanto o verdadeiro louvor atinge todo o homem, corpo, alma e espírito, a resposta é aceitar a incapacidade da alma humana para ser feliz. É aceitar a dor que é parte desta vida, e que nunca pode ser totalmente curada. É aprender a conviver com a insaciabilidade da alma humana. Muitos até começam ministérios maravilhosos, honestos, santos, que por algum tempo conseguem alimentar os corações. Mas com o passar dos anos, esses ministérios também envelhecem, perdem a validade, não vencem o trabalho de saciar a alma humana. Por quê? Porque a alma humana não pode ser saciada, por nada. O vinho sempre envelhece e vira vinagre, somos odres gastos e remendados, que não podem guardar a qualidade da alegria espiritual para sempre.
      “Tenho-vos dito isto, para que em mim tenhais paz; no mundo tereis aflições, mas tende bom ânimo, eu venci o mundo”, João 16:33 (nunca me canso desse versículo).
      Você quer que eu conclua o assunto? Que dê um final feliz? Desculpe-me, mas eu não tenho essa conclusão não. O que eu posso dizer é que luto a cada dia com a minha alma insaciável. Todos os dias eu me levanto e me deparo com o vazio do meu coração. Tento preencher esse vazio com palavras, escrevendo textos como este. Mas sou igual a você e a todos os demais seres com o sopro de Deus, que viveram, vivem e viverão neste universo. Às vezes, na minha arrogância, gostaria de ser como os mais simples, que pouco viveram, pouco experimentaram, para esses existem ainda mais ilusões para serem provadas. Eu, que já vivi bastante, experimentei bastante, a mim que me acho mais forte mas que sou mais fraco, poucas opções de prazer existem. Por isso é que eu busco a Deus todos os dias, procuro discernir a voz do Espírito Santo me ensinando. A graça de Deus, mesmo sendo a água pura espiritual, que melhor preenche o coração humano, também não consegue ser retida durante muito tempo pela minha alma insaciável. Mas ela é purificadora, restauradora, cara, quem a prova não quer mais nenhum outro genérico mais barato.
      “Por isso não desfalecemos; mas, ainda que o nosso homem exterior se corrompa, o interior, contudo, se renova de dia em dia”, II Coríntios 4:16.

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