quarta-feira, agosto 31, 2011

Abba, pai

Somente uma vez eu saí de um culto no meio de uma pregação, isso faz algum tempo, foi a vinte e cinco anos atrás, por aí. Eu estava numa pregação para jovens, em um grupo ligado a uma grande e tradicional convenção de igrejas protestantes. Quem pregava era um pastor líder dos jovens da região. Eu me “revoltei” quando ouvi o pregador dizendo que chamar Deus de paizinho era uma falta de respeito. Julgar o pastor, tentando identificar o motivo que o levou a pensar dessa maneira, não convém. Mas eu posso pensar diferente e deixar registrado isso.
      A palavra “ab”, usada no tempo do antigo testamento, se transliterou para “abba”, usada no novo testamento, e significa pai em hebraico. Para os israelitas do antigo testamento, Deus era pai apenas deles, mesmo que a palavra “ab” fosse usada para outros fins, além de pai (os escravos chamavam seus senhores de “ab” também). No novo testamento a palavra começou a ser usada como pai de adoção, já que Deus foi apresentado como “abba”, pai, de todos os homens da terra que o aceitassem assim mediante o evangelho.
      O diminutivo paizinho denota uma intimidade com esse Deus pai, uma forma carinhosa de chamar aquele que cuida dos homens paternalmente. Essa forma de tratamento traduz a ótica neotestamentária de Deus, não mais o juiz da lei, do olho por olho, dente por dente, mas o pai misericordioso, cheio de graça, que se aproxima de todos os homens, de uma forma bem mais íntima, dando a eles a porção de seu Santo Espírito (a palavra em hebraico aparece três vezes no novo testamento, em Romanos 8:15, em Gálatas 4:6 e em Marcos 14:36, as outras citações estão em outra língua). Lembre-se que no antigo testamento não eram todos que tinham o Espírito Santo e nem durante todo o tempo. Existiam exceções, gente como Davi tinha bastante proximidade de Deus, assim como intimidade com a unção do Espírito.
      Não há nada de errado em se usar o termo paizinho, desde que essa intimidade seja margeada por outro princípio que rege nossa comunhão com Deus, o temor. É preciso entender temor não como medo, um sentimento de amedrontamento, que faz-nos distanciar de algo por acharmos que a proximidade pode nos trazer dano, nos fazer mal. O que nos dá o entendimento correto de o que é esse temor é o conceito de santidade. Deus é santo e para que nos aproximemos dele precisamos também estar em santidade. Nesse aspecto o novo testamento nos dá um privilégio que as pessoas do antigo testamento não tinham. Somos santificados mediante confissão de pecados e fé na propiciação plena de perdão através de Jesus, diferente do perdão através do sacrifício imperfeito de animais, que se fazia debaixo da lei. Confiança de que podemos nos aproximar de Deus com toda a intimidade mediante um coração limpo é o que define o caminho de nosso relacionamento com o Senhor.
      Porém, o motivo que me levou a escrever este texto não foi me justificar diante da opinião diferente do tal pastor. O propósito foi alertar sobre o perigo que corremos quando começamos a nos distanciar de Deus, seja lá por qual motivo for. O inimigo de nossas almas tem muito interesse que isso aconteça. Algumas religiões, dentre elas a instituição cristã mais antiga, tem interesse neste distanciamento, se bem que já permitiu que essa distância fosse maior quando fazia a liturgia do culto em uma língua morta que ninguém praticamente entendia. Esse distanciamento interessa para quem quer manter o controle sobre a doutrina, impede os religiosos de esboçarem opinião e fazerem crítica.
      A relação com Deus é estabelecida através de diálogo, Deus fala, nós ouvimos, nós falamos, Deus ouve. Não é um monólogo do homem abrindo seu coração para um deus distante e implacável, e nem um monólogo de um deus que fala e tem que ser ouvido e obedecido, em silêncio total. Contudo esse diálogo é concedido através da misericórdia de Deus. Facilmente nós endurecemos o coração e paramos de buscar o Senhor. Essa pessoalidade, que foi revelada aos homens pelo evangelho, difere bastante do deus distante e sem forma que o esoterismo e os meio ateus concordam em existir.
      Não deixe de conversar com Deus, de senti-lo como pessoal e como um Deus que se manifesta com formas humanas, com olhos, ouvidos, boca, braços e mãos, e acima de tudo, com um coração. A nossa alma precisa desse entendimento e Deus não nos proibiu de tê-lo. A Bíblia se refere a Deus assim, com antropomorfismos, ela também diz que fomos criados à semelhança de Deus. É perigoso ver Deus diferente, isso só nos afasta dele. Mas o melhor de tudo é saber que Deus é pai daqueles que o seguem, não de todos. Como pai, ele nos ama e aceita-nos como somos, mas como um pai melhor do que são nossos pais carnais, deseja que nós cresçamos, sendo cada dia mais e mais parecidos com ele.

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