domingo, novembro 24, 2019

Quem pode dizer se somos bons cristãos?

      “Ao fim de doze meses, quando passeava no palácio real de Babilônia, Falou o rei, dizendo: Não é esta a grande Babilônia que eu edifiquei para a casa real, com a força do meu poder, e para glória da minha magnificência? Ainda estava a palavra na boca do rei, quando caiu uma voz do céu: A ti se diz, ó rei Nabucodonosor: Passou de ti o reino. 
      E serás tirado dentre os homens, e a tua morada será com os animais do campo; far-te-ão comer erva como os bois, e passar-se-ão sete tempos sobre ti, até que conheças que o Altíssimo domina sobre o reino dos homens, e o dá a quem quer. Na mesma hora se cumpriu a palavra sobre Nabucodonosor, e foi tirado dentre os homens, e comia erva como os bois, e o seu corpo foi molhado do orvalho do céu, até que lhe cresceu pelo, como as penas da águia, e as suas unhas como as das aves.
      Mas ao fim daqueles dias eu, Nabucodonosor, levantei os meus olhos ao céu, e tornou-me a vir o entendimento, e eu bendisse o Altíssimo, e louvei e glorifiquei ao que vive para sempre, cujo domínio é um domínio sempiterno, e cujo reino é de geração em geração. E todos os moradores da terra são reputados em nada, e segundo a sua vontade ele opera com o exército do céu e os moradores da terra; não há quem possa estorvar a sua mão, e lhe diga: Que fazes? 
      No mesmo tempo tornou a mim o meu entendimento, e para a dignidade do meu reino tornou-me a vir a minha majestade e o meu resplendor; e buscaram-me os meus conselheiros e os meus senhores; e fui restabelecido no meu reino, e a minha glória foi aumentada.” 
Daniel 4.29-36

      Esta reflexão não é um estudo bíblico, aliás, como ocorre aqui na maior parte das vezes, é uma crônica, não o esmiuçar de uma citação da Bíblia com detalhes técnicos. Vou dar só um resumo do texto inicial, ele é a conclusão de uma passagem da vida de um dos homens mais poderosos citados na Bíblia, que por ter feito grandes conquistas achou ser maior que Deus. Por causa disso Nabucodonosor teve, podemos dizer assim (numa interpretação atual), uma enfermidade psiquiátrica, causada com certeza por uma dureza espiritual de coração. 
      Essa terrível doença o levou a viver como um animal, dessa forma o homem que tinha tudo perdeu tudo incluindo o principal, sua dignidade como ser humano, mais ainda que como monarca. Não vemos nos textos bíblicos a mão de Deus sendo pesada de forma tão implacável sobre alguém, principalmente alguém do quilate de Nabucodonosor. Mas ele se arrependeu de sua arrogância, teve humildade, então, imediatamente (tanto quanto foi sua queda relatada e frisada em negrito), Deus o restaurou totalmente. 
      O que me chama atenção no texto é o termo altíssimo, de todos os adjetivos de Deus, o meu preferido, posição almejada por Nabucodonosor (e pelos diabos), mas que é exclusiva de Deus. Nessa posição não podemos estar, mas quando nos refugiamos em Deus temos um abrigo nessa medida, que nos dá tanto proteção como uma visão justa de nós mesmos, dos homens, da vida, dos seres espirituais e do Senhor. Quem pode dizer se somos bons cristãos? O Deus altíssimo pode. Mas vamos à crônica para os que têm ouvidos e olhos espirituais para ela. 

      Quem pode dizer se nossas vidas realmente são transformadas pelo evangelho que dizemos crer, quem pode dizer se de fato somos diferentes como cristãos, quem tem a visão mais limpa para falar se somos espirituais? Nós mesmos, os outros, Deus? Diz-se que se vê melhor do lado de fora e de longe, de perto perdemos referências e podemos nos enganar achando que é uma coisa quando é outra. De perto também nos envolvemos com o objeto analisado e não fazemos uma crítica isenta, só à distância adquirimos a frieza necessária para tecer uma avaliação justa. 
      Muitas vezes, tão envolvidos com nossos egos, com atividades de igreja, com a vida social de comunidades cristãs, podemos simplesmente concluir que somos bons cristãos. Outras vezes, fazendo sacrifícios físicos e emocionais, gastando muito tempo com estudo teológico, usando forças materiais, cansando o corpo e a alma, podemos achar que somos espirituais, que somos cristãos sérios e comprometidos com o evangelho. Líderes e pastores, de maneira geral, são os que mais podem se equivocar em avaliar suas vidas como de fato transformadas pelo cristianismo. 
      O fato é que quando se desce do “altar” (e o termo melhor e de fato técnico deveria ser palco, por mais que falsos espirituais achem isso um termo menor e mundano), quando se pisa o chão dos reles mortais, sem microfone na mão, máscaras caem. Alguns nem acham que precisam se relacionar com as pessoas, só com pares, ainda que jurem cristianismo nas pregações, revelam-se arrogantes e prepotentes no “chão de fábrica”. A verdade é que muita gente usa o púlpito e se fantasia de pregador só para compensar inseguranças e tentar convencer a si mesmos, nem aos outros, que são especiais. 
      Jesus, Jesus, e Jesus encarnado, como homem comum, humano, despido de todo super poder divino, ele é sempre o exemplo maior e melhor, sempre, e é isso que sempre me fará amar o evangelho e ver nele mais que mais uma religião. Jesus era o mesmo no “altar” e entre os “bancos”? Nem precisava ser, ele não subia em altares, no máximo usava um lugar mais alto só para ajudar na acústica e ter mais eficiência em seu ensino, mas Cristo nunca subia em palcos. A única vez que fez isso não foi para ser honrado, mas para ser sacrificado, subiu ao altar da cruz e se ofereceu em morte terrível para salvar a todos.
      Quem nos conhece de perto, como nossas famílias e nossos colegas de trabalho, pode dizer quem somos? Sim e não. Sim porque são os que convivem com nossas realidades mais reais, não com o palco de ilusão que são muitas igrejas e púlpitos. Mas não porque estão tão envolvidos com a gente que podem se enganar, principalmente se formos bons atores. O ponto desta reflexão é que precisamos sair de nós mesmos e nos olharmos de longe, compararmos teoria com prática, palavra com ação, intenção com atitude.
      Só saberemos se somos de fato o que gostaríamos de ser, ou o que queremos que os outros pensem que somos, se nos olharmos à distância, contudo, querer ser algo só para conseguir aprovação de homem é uma tarefa tão impossível quanto desnecessária. Lúcidos, despertos, sóbrios, eis o desafio, muitos contudo só trocam de fantasias, deixam sexo, drogas rock and roll, e outros vícios, e colocam no lugar religião, trabalhos comunitários e engajamento social. Muitos só trocam de carcereiros, saem debaixo de traficantes e se colocam sob pastores hereges. 
      Mas pode-se argumentar, “mas é melhor que ajudar o próximo que perder-se em vícios”, sim, para o próximo é, mas não para quem quer ajudar o próximo com os meios errados, os fins não justificam os meios, não no verdadeiro evangelho. Quem usa os meios errados um dia será desmascarado, não conseguirá manter o personagem para sempre, tropeçará nas próprias pernas, ídolos não dão forças, nem pra fazer as coisas boas, e sendo vício um exagero carnal, ajudar o próximo de forma obsessiva é tão vício quanto beber cachaça. 
      O viciado, ainda que em algo aparentemente bom, não tem lucidez, assim facilmente será enganado é manipulado, se quer entender isso melhor veja o que acontece com muitos engajados politicamente, ainda que se iniciem numa causa para ajudar a sociedade, crendo que defendem uma bandeira que é a escolha melhor para um grupo social, uma cidade, uma nação, com o tempo tornam-se recrutas cegos e passivos que obedecem cegamente mesmo a líderes corruptos e inescrupuloso. Isso acontece em partidos políticos de trabalhadores honestos tanto quanto em igrejas cristãs de crentes sinceros. 
      Conheço bem os dois lados, fui arrogante em “altares” e invejoso nos bancos de igreja, ainda estou aprendendo o difícil caminho do equilíbrio, mas sei que todos nós temos a tendência de romantizar nossas histórias, de contá-las às pessoas nos colocando sempre como heróis ou vítimas, nunca como bandidos ou agressores. Novamente exalto a verdade dos textos bíblicos que sempre mostram os personagens por inteiro, suas vitórias e virtudes assim como suas quedas e pecados. A Bíblia nos dá uma visão isenta porque vê de longe, são homens escrevendo mas sob quais olhos? O olhos do Espírito Santo do altíssimo Deus. 
      Para concluir retorno ao texto inicial, ver-se equivocadamente pode levar à loucura, que antes passa pela arrogância de se achar muito espiritual, quer um conselho? Não almeje alturas, mesmo que tema a Deus e queira ser parecido com Jesus, na verdade o altíssimo se conhece na simplicidade de pés que tocam o chão, ainda que caminhando para frente sigam devagar. Eu já almejei grandes coisas, e nem digo que eram ilegítimas, eu tinha e tenho capacidades para exercê-las. Mas será que isso me levaria para mais perto de Deus, mesmo que seja almejando ser servo de Deus? Algumas coisas podemos fazer, mas é melhor nem fazer, para não perder a paz e a posição de pequenino que o altíssimo abriga sob suas asas. 

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