quarta-feira, abril 13, 2022

Nós seremos a água (73/90)

      Para melhor entendimento desta reflexão, leia as duas reflexões anteriores. 

      “O Espírito de verdade, que o mundo não pode receber, porque não o vê nem o conhece; mas vós o conheceis, porque habita convosco, e estará em vós. Não vos deixarei órfãos; voltarei para vós. Ainda um pouco, e o mundo não me verá mais, mas vós me vereis; porque eu vivo, e vós vivereis. Naquele dia conhecereis que estou em meu Pai, e vós em mim, e eu em vós.
João 14.17-20

      Reflitamos mais um pouco sobre a “parábola das águas”. O viajante tentou beber a água diretamente da cachoeira, mas ela caia com muita força, quase o afogou, por isso usou a caneca, ainda que furada era o meio mais adequado para que ele levasse água à boca. No mundo somos seres divididos, parte de nós é matéria, parte de nós é espírito. Por que é assim, se na eternidade seremos espíritos puros, se esse é o estado onde seremos plenos? Por que apraz a Deus nos colocar no plano físico, ainda que seja por um curto espaço de tempo, num conflito interior insolúvel? Parece até que Deus nos quer fazer sofrer de propósito?
      Entretanto, qual o problema de sofrer? Não, não me refiro a sofrimentos desnecessários, estúpidos, que exaltam agressores, humilham oprimidos, que são consequências de preconceitos e injustiças sociais, contra esses devemos lutar e não aceitar de forma alguma. Me refiro ao sofrimento interior de todos, que existe por causa do nosso orgulho, do nosso medo, de nossa insistência em buscarmos prazer nas coisas materiais e erradas, que são erradas porque fazem mal aos outros e a nós mesmos, e na verdade as duas coisas sempre estão relacionadas, e que só nos prejudicarão espiritualmente, neste mundo e muito mais no outro. 
      Ninguém vence a si mesmo sem aprender a suportar o sofrimento. Isso não é fugir da dor, e nem aceitá-la, mas conviver com ela em paz e com humildade, para isso Jesus veio ao mundo, para ensinar-nos a administrar a dor do conflito entre matéria e espírito. Por isso a caneca furada, por isso não conseguimos viver o tempo todo em um êxtase espiritual, fazer é pôr a cabeça diretamente sob o jato de água, isso pode prejudicar nossa sanidade mental. Pedro, João e Tiago quiseram perpetuar um momento quando viram Jesus transfigurado com Moisés e Elias em Mateus 17.1-9, não entendiam que eram canecas furadas. 
      Na eternidade poderemos ser, não canecas, vasos ou qualquer recipiente para reter água, para conter unção, seremos mais que templos do Espírito, existiremos no Espírito, seremos a própria água, e por isso poderemos nos encher dela sem nos prejudicar. Aqui nos cabe acostumarmos-nos com ela o mais que pudermos, mas sabendo que no mundo água que sacia a sede também afoga, e eis aí uma metáfora de um mistério espiritual. Como algo bom pode fazer mal? Faz se exagerarmos na contemplação e nos esquecemos da realidade, o viajante não podia permanecer à beira do riacho, ele tinha que seguir viajem.
      Por melhor que fosse se saciar e se refrescar com a água do riacho, a missão do homem da parábola não era estar na água o tempo todo, a água devia ser usada de vez em quando, em poucas quantidades, sua missão principal era colocar os pés na terra e seguir. Nossa missão nesse mundo não é estarmos dentro de templos o todo tempo, termos experiências espirituais sempre, nossas mentes não suportam isso. Temos que trabalhar, nos alimentar, descansar e principalmente nos relacionarmos com as pessoas. É administrando essa vivência limitada que atravessamos o caminho, servindo em humildade e amor as outras pessoas.
      Jesus, como sempre, nos mostra como vivermos corretamente. Ainda que tivesse consciência de sua alta espiritualidade, de que, como ensina a tradição cristã, “fosse Deus”, ele não vivia como tal, mas como homem. Acreditem ou não, mesmo o Cristo era uma caneca pequena e furada e ele sabia disso, sim, Jesus homem também era limitado. Mas ele sabia viver com equilíbrio, de modo que interagisse com os homens, em amor, no ensino, no exemplo prático, e ainda assim tivesse muitos períodos solitários de oração e consagração. Ele sabia manter sua caneca cheia o máximo possível e prosseguir até seu difícil destino.

Esta é a 73ª parte da reflexão
“Quem você será na eternidade?”
dividida em 90 partes, para melhor
entendimento leia toda a reflexão.

José Osório de Souza, março de 2021

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