quinta-feira, abril 14, 2022

Parábola das mochilas (74/90)

       Nesta parte e nas duas próximas do estudo “Quem você será na eternidade?”, uma parábola original e sua interpretação.

      “Mesmo vós sabeis para onde vou e conheceis o caminho… disse-lhes Jesus, eu sou o caminho…” 
João 14.4, 6a

      Numa terra distante, há muito tempo atrás, uma mãe pede a um de seus filhos que viaje até um lugar. No destino está o pai, que por motivo de trabalho, mora longe da família. Para a viagem, a mãe dá ao filho mantimento na quantia adequada para a jornada e o guarda numa pequena mochila. O filho coloca a mochila nas costas, mas antes de partir a mãe lhe dá uma orientação, “tudo o que você precisa para sobreviver na viagem está na mochila, não pare em lugar algum para comer nada diferente, descanse se for preciso, mas não demais, e quanto à água, os rios no caminho lhe fornecerão”. 
      O filho caminha por um tempo, descansa, se alimenta com a comida que sua mãe lhe deu, mas após fazer isso algumas vezes sente-se entediado, para demais para descansar e não tem mais vontade de seguir, esquece-se da urgência da viajem. Com a ociosidade a descrença o domina, sente saudades da casa da mãe, desacredita que possa haver algo bom em seu destino final. Desanimado, a fome torna-se maior, mas como a viagem parece demorar não sente mais prazer na comida que a mãe lhe deu. O jovem viajante tem vontade de comer algo diferente, ao menos para preencher o vazio de sua alma. 
      Perdido em seu devaneio ele vê, à margem do caminho, uma estalagem. Desobedecendo a orientação da mãe ele entra na estalagem e pede para que lhe sirvam a melhor refeição que o lugar tem. Quando ele termina de comer, cai em si, lembra-se que não tem como pagar pela comida, e quando o dono da estalagem vem fazer a cobrança ele revela sua situação. Ele se surpreende, contudo, quando o dono diz que ele não precisa pagar, basta que lhe faça um favor, levar uma encomenda para o mesmo lugar que ele vai. Ele recebe a encomenda numa nova mochila e a põe nas costas, essa é grande e pesada.
      Revigorado ele anima-se e põe-se de novo a caminhar, ele diz a si mesmo, “agora vou fazer como minha mãe mandou, vou até o fim sem parar”. Contudo, a encomenda que lhe foi dada pesa, com o peso ele se cansa mais facilmente e precisa interromper a viagem mais vezes para descansar, com o descanso exagerado ele volta a ter saudades da casa da mãe. Ele reclama, “viagem inútil essa, vou para um lugar que nem conheço, por que meu pai está tão longe? Se me amasse estaria comigo, na casa de minha mãe, e eu nem precisaria caminhar tanto, trocar o certo pelo incerto, que tolice a minha”. 
      Novamente, perdendo muito tempo reclamando e imaginando, ele vê uma outra estalagem. Ele entra nela e faz a mesma coisa, pede a refeição mais cara, só quando termina de comer é que se lembra que não tem como pagar. Contudo, para sua surpresa, o dono dessa estalagem solicita a ele a mesma coisa que o outro dono pediu, que leve uma encomenda como pagamento pela refeição. Feliz por ter se livrado da dívida, ele aceita o encargo de levar a encomenda, também dentro de uma mochila, nem pergunta para quem deve entregá-la quando chegar ao destino, só quer se livrar da dívida e seguir.
      Com mais peso para levar, mais facilmente se cansa e torna a cair na armadilha de tentar se satisfazer com uma comida diferente. Dessa vez, contudo, ele entra em uma estalagem já com a certeza que não precisará pagar, que o dono vai lhe pedir o mesmo favor, levar uma encomenda. Ele pensa, “deve ser um costume nestas terras, para mim está ótimo, não tenho como pagar mesmo”. Mas essa terceira mochila é fatal, após andar só um pouco ele cai ao chão, exausto de levar tanto peso. Onde caiu ficou e prostrado não teve forças nem para voltar, nem para continuar, só quis ficar lá, quieto e sozinho.

      Meio morto, meio vivo, ele ainda tenta se alimentar com o mantimento que sua mãe havia lhe dado, mas não teve forças para nada, quando esse alimento acabou ele se resignou à morte, e ainda que estivesse às margens de um rio desfaleceu de sede. Num determinado momento, ouve uma voz, reunindo as poucas forças que tinha abre os olhos. Era um velho, de barbas e cabelos longos e brancos, mas com olhos vivos, faces rosadas e um sorriso iluminado. O velho o ajuda a se sentar, lhe dá água do rio, o alimenta e coloca na mochila que sua mãe tinha lhe dado algum mantimento.
      O velho diz ao viajante, “pode seguir viagem”, o jovem responde, “não posso, essas mochilas pesam demais”, o velho diz, “livre-se delas”, o viajante fala, “não posso, são pagamentos pelo que comi”, o velho responde, “venho atrás de você há algum tempo, passei nas estalagens e paguei tuas dívidas, você está livre desses pesos”. Contudo, o jovem torna a reclamar, “não tenho o que comer”, então diz o velho, “coloquei em tua pequena mochila alimento suficiente para você terminar a viagem, se seguir sem parar demais, não enjoará dele e chegará a seu destino a tempo”. 
      O viajante olha sua pequena mochila e há nela o mesmo mantimento que sua mãe havia lhe dado, contudo, não resiste à curiosidade de olhar as outras mochilas. Abre uma delas e se surpreende ao ver que há pedras nela, olha a segunda, a terceira, e vê a mesma coisa. O velho, já se afastando, avisa, “são armadilhas, o dono das estalagens dá pedras para os viajantes levarem, para que se cansem e desfaleçam, quando isso acontece ele vem, os prende e leva-os como escravos para trabalharem nas estalagens”. O jovem percebe, então, os donos das estalagens eram a mesma pessoa.

      Continuando a viagem, o jovem algumas vezes foi tentado a parar demais para descansar, a ter saudades da casa da mãe, a comer algo diferente, mas resistiu, levantou-se e seguiu em frente, ele enfim havia aprendido a lição. Chegando perto de seu destino já podia ver, lá longe, a casa de seu pai, esse estava à porta. Fazia muito tempo que ele não o via, nem se lembrava mais como era o rosto do pai. Contudo, ainda longe, o pai gritou, “venha meu filho, estava te esperando, demorou um pouco, mas você conseguiu chegar, estou muito feliz por isso, aproxime-se e conheça a tua parte na herança”. 
      A voz do pai lhe deu forças, assim ele caminhou os últimos metros correndo, contudo, quando chegou e viu o rosto do pai, ele o reconheceu, era o velho que o havia ajudado no caminho, que tinha pago suas dívidas. O jovem viajante disse então, “era você, não te reconheci”. O filho, então, entendeu, o pai não estava longe dele, mas caminhava secretamente com ele, bem perto, durante todo o caminho. O pai não era seu destino, mas o próprio caminho. Sua missão não era alcançar o destino, mas percorrer o caminho obedecendo as orientações que recebeu, aprendendo a viver bem com pouco. 
      O filho entrou na casa do pai e perguntou, “que trabalho é esse que o senhor faz, que precisa ficar tão longe de mim?”. O pai respondeu, “eu faço dois trabalhos, um é administrar os que trabalham aqui nas terras, e não pense que aqui não há trabalho para você fazer, mas aqui poderá trabalhar perto de mim, administrando tua herança. A viagem foi para isso, para te preparar para estar aqui. O segundo trabalho faço indo até à casa de sua mãe e acompanhando meus filhos até aqui, você tem muitos irmãos e eles também precisam fazer a viagem corretamente e chegarem aqui, o destino de todos”.
      O filho fez outra pergunta, “o senhor nunca fica com a mãe?”. O velho respondeu, “estivemos juntos por um tempo, gerando filhos, e estaremos juntos também no final, quando todos os filhos estiverem aqui, mas neste ínterim é necessário que estejamos separados, cada um cumprindo sua missão. Ela cria os filhos até chegarem à juventude, depois o caminho os amadurece, quando fazem suas jornadas sozinhos, finalmente estão perto de mim, mas ainda aprendendo. Quando estiverem prontos irão a novas terras, conhecerão mulheres e constituirão famílias, serão novos pais, eis o ciclo da vida”. 
      Mas uma terceira pergunta o filho ainda fez, “quem é o dono das estalagens?”. O pai respondeu, “foi um viajante que não quis chegar ao seu destino. No início era só um escravo de um outro dono de estalagens, mas com o tempo até o antigo dono escolheu chegar ao seu destino, partiu e deixou em seu lugar o escravo mais antigo. Trabalhando nas estalagens muitos, com o tempo, até acham terem encontrado um sentido na vida, mas lá eles são apenas escravos, sem direito de ir e vir, sem posses, só assistem jovens iludidos se satisfazendo com o prazer enganoso que se vende nas estalagens”. 
      O filho tornou a falar, “até o dono das estalagens foi jovem? ele parecia tão insidioso”. “Sim”, disse o pai, “todos começamos como jovens viajantes, inclusive eu, enviados à terra de um senhor”, “então, o senhor não é dono de tudo?”, perguntou o jovem, “não, só cuido de quem administra as terras para o dono de tudo, como eu existem outros”, disse o pai. O jovem tornou a falar, “fará isso sempre?”, “não”, respondeu o velho, “só até meus filhos chegarem aqui, minha missão não é cuidar de terras, mas de vidas, quando terminar eu e tua mãe moraremos na casa do dono de tudo, lá há descanso”. 

Esta é a 74ª parte da reflexão
“Quem você será na eternidade?”
dividida em 90 partes, para melhor
entendimento leia toda a reflexão.

José Osório de Souza, março de 2021

quarta-feira, abril 13, 2022

Nós seremos a água (73/90)

      Para melhor entendimento desta reflexão, leia as duas reflexões anteriores. 

      “O Espírito de verdade, que o mundo não pode receber, porque não o vê nem o conhece; mas vós o conheceis, porque habita convosco, e estará em vós. Não vos deixarei órfãos; voltarei para vós. Ainda um pouco, e o mundo não me verá mais, mas vós me vereis; porque eu vivo, e vós vivereis. Naquele dia conhecereis que estou em meu Pai, e vós em mim, e eu em vós.
João 14.17-20

      Reflitamos mais um pouco sobre a “parábola das águas”. O viajante tentou beber a água diretamente da cachoeira, mas ela caia com muita força, quase o afogou, por isso usou a caneca, ainda que furada era o meio mais adequado para que ele levasse água à boca. No mundo somos seres divididos, parte de nós é matéria, parte de nós é espírito. Por que é assim, se na eternidade seremos espíritos puros, se esse é o estado onde seremos plenos? Por que apraz a Deus nos colocar no plano físico, ainda que seja por um curto espaço de tempo, num conflito interior insolúvel? Parece até que Deus nos quer fazer sofrer de propósito?
      Entretanto, qual o problema de sofrer? Não, não me refiro a sofrimentos desnecessários, estúpidos, que exaltam agressores, humilham oprimidos, que são consequências de preconceitos e injustiças sociais, contra esses devemos lutar e não aceitar de forma alguma. Me refiro ao sofrimento interior de todos, que existe por causa do nosso orgulho, do nosso medo, de nossa insistência em buscarmos prazer nas coisas materiais e erradas, que são erradas porque fazem mal aos outros e a nós mesmos, e na verdade as duas coisas sempre estão relacionadas, e que só nos prejudicarão espiritualmente, neste mundo e muito mais no outro. 
      Ninguém vence a si mesmo sem aprender a suportar o sofrimento. Isso não é fugir da dor, e nem aceitá-la, mas conviver com ela em paz e com humildade, para isso Jesus veio ao mundo, para ensinar-nos a administrar a dor do conflito entre matéria e espírito. Por isso a caneca furada, por isso não conseguimos viver o tempo todo em um êxtase espiritual, fazer é pôr a cabeça diretamente sob o jato de água, isso pode prejudicar nossa sanidade mental. Pedro, João e Tiago quiseram perpetuar um momento quando viram Jesus transfigurado com Moisés e Elias em Mateus 17.1-9, não entendiam que eram canecas furadas. 
      Na eternidade poderemos ser, não canecas, vasos ou qualquer recipiente para reter água, para conter unção, seremos mais que templos do Espírito, existiremos no Espírito, seremos a própria água, e por isso poderemos nos encher dela sem nos prejudicar. Aqui nos cabe acostumarmos-nos com ela o mais que pudermos, mas sabendo que no mundo água que sacia a sede também afoga, e eis aí uma metáfora de um mistério espiritual. Como algo bom pode fazer mal? Faz se exagerarmos na contemplação e nos esquecemos da realidade, o viajante não podia permanecer à beira do riacho, ele tinha que seguir viajem.
      Por melhor que fosse se saciar e se refrescar com a água do riacho, a missão do homem da parábola não era estar na água o tempo todo, a água devia ser usada de vez em quando, em poucas quantidades, sua missão principal era colocar os pés na terra e seguir. Nossa missão nesse mundo não é estarmos dentro de templos o todo tempo, termos experiências espirituais sempre, nossas mentes não suportam isso. Temos que trabalhar, nos alimentar, descansar e principalmente nos relacionarmos com as pessoas. É administrando essa vivência limitada que atravessamos o caminho, servindo em humildade e amor as outras pessoas.
      Jesus, como sempre, nos mostra como vivermos corretamente. Ainda que tivesse consciência de sua alta espiritualidade, de que, como ensina a tradição cristã, “fosse Deus”, ele não vivia como tal, mas como homem. Acreditem ou não, mesmo o Cristo era uma caneca pequena e furada e ele sabia disso, sim, Jesus homem também era limitado. Mas ele sabia viver com equilíbrio, de modo que interagisse com os homens, em amor, no ensino, no exemplo prático, e ainda assim tivesse muitos períodos solitários de oração e consagração. Ele sabia manter sua caneca cheia o máximo possível e prosseguir até seu difícil destino.

Esta é a 73ª parte da reflexão
“Quem você será na eternidade?”
dividida em 90 partes, para melhor
entendimento leia toda a reflexão.

José Osório de Souza, março de 2021

terça-feira, abril 12, 2022

Uma caneca furada (72/90)

      Para melhor entendimento desta reflexão, leia a reflexão anterior. 

      “Porque Deus, que disse que das trevas resplandecesse a luz, é quem resplandeceu em nossos corações, para iluminação do conhecimento da glória de Deus, na face de Jesus Cristo. Temos, porém, este tesouro em vasos de barro, para que a excelência do poder seja de Deus, e não de nós.” 
II Coríntios 4.6-7

      Segue a interpretação da “parábola das águas”. Neste mundo estamos num caminho a pé, não de carro, nossa evolução depende de nossas forças. Podemos até usar mecanismos artificiais para prosperarmos materialmente, mas só o que conquistarmos com nossas virtudes aliarão ao nosso homem interior crescimento moral. Quando iniciamos nossa caminhada recebemos dos que nos criaram um cantil, ele é a forca necessária para o início da jornada. Ele, contudo, dura só algum tempo, não é para sempre, quem quiser essa força inicial por mais tempo acabará sempre voltando ao início do seu caminho, perdendo tempo e não chegando ao destino. Se o viajante quisesse um cantil novo teria que voltar ao ponto de partida de sua viagem. 
      A parte mais importante de nossa caminhada fazemos sozinhos, descobrirmos por nós mesmos os meios para alcançarmos nosso destino. O cantil e a caneca estão furados? Mas é para ser dessa maneira, cantil têm data de validade, um dia devemos nos livrar dele, a caneca não tem, mas tem uso limitado. Nosso passado é um cantil furado, até nos ajuda por um tempo, mas em determinado momento perderá sua utilidade, porque ele é a história dos outros, não a nossa. Como indivíduos devemos construir nossa própria história. Nossa alma é uma caneca furada, ela pode e deve ser usada, não substituída, mas administrada. É nela que construímos nossa história, é ela que é enchida com a água que mata nossa sede, para que tenhamos forças para seguirmos.
      A água que recebemos inicialmente em nosso cantil nos ajuda no início, mas depois temos que descobrir onde está o rio e dele recebermos água para saciarmos nossa sede. O irónico da história é que quem idolatra o cantil não percebe que o rio está perto, margeando o caminho, assim quem se prende às tradições de família e de religião não percebe que isso é base para início, mas não saciará durante todo o caminho. O que nos sacia no caminho é uma experiência nova, viva e diária com Deus, o Espírito Santo é a água limpa e fresca que Deus nos dá à medida que caminhamos em sua vontade. Não é fácil acharmos esse rio, apesar dele estar perto da gente, é preciso a calma que abre os ouvidos espirituais e discerne o ruído das águas. 
      Não há vida sem oração, mas vida de oração é algo que se transforma. Cada vez que buscamos a Deus é diferente, e é assim para que nos esforcemos mais e cresçamos. O caminho se segue com trabalho, mas o trabalho agita nossa alma, que precisa ser acalmada para achar a água viva do Espírito que nos sacia, para que possamos continuar caminhando. Isso estabelece o conflito permanente entre corpo e espírito, que enfrentamos no mundo, para o qual devemos achar equilíbrio. Não devemos anular o corpo, nem iludir o espírito, ambos são necessários para que nosso destino seja alcançado. Além desse conflito temos outro desafio, usar uma caneca furada, isso é um exercício de humildade, eis um mistério que muitos não entendem. 
      Parece que seria bem mais fácil termos uma caneca grande e em perfeitas condições, nos esforçaríamos menos para fazer algo tão importante, saciarmos nossa sede e assim prosseguirmos mais rapidamente em nossa caminhada. Mas não é assim, por quê? A água é o alimento espiritual que saciando nosso espírito fortalece nosso emocional, nosso racional e nosso corpo físico, quando temos um encontro poderoso com Deus em oração somos plenamente fortalecidos. Não seria bom termos um encontro assim é termos forças para caminharmos por muito tempo, sem precisarmos orar novamente? Mas a caneca é furada, não retemos unção do Senhor por muito tempo, temos que enchê-la com a água do Espírito, pacientemente, todos os dias. 

Esta é a 72ª parte da reflexão
“Quem você será na eternidade?”
dividida em 90 partes, para melhor
entendimento leia toda a reflexão.

José Osório de Souza, março de 2021

segunda-feira, abril 11, 2022

Parábola das águas (71/90)

      Nesta parte e nas duas próximas do estudo “Quem você será na eternidade?”, uma parábola original e sua interpretação. Fico muito feliz quando o Espírito Santo me dá graciosamente esse tipo de inspiração. Ensinar conceitos espirituais dessa forma é tão prazeroso quanto didático, poético quanto religioso, por isso o mestre das parábolas, Jesus Cristo, usava tanto esse recurso literário.

      “O Senhor é o meu pastor, nada me faltará. Deitar-me faz em verdes pastos, guia-me mansamente a águas tranquilas.” 
Salmos 23.1-2

      Um homem, cansado, após caminhar por algum tempo em sua viagem, procura pelo cantil com água. Quando o pega dentro da mochila, percebe que está vazio, com a boca seca ele senta-se sobre uma pedra, fecha os olhos, respira fundo e procura se acalmar. Com o coração batendo mais tranquilo, com a respiração espaçada, profunda, mas silenciosa, ele consegue ouvir mais que o próprio corpo, que a própria alma, ele ouve a natureza. Ele procura por algo que vá além do canto dos pássaros, da brisa que bate em seu rosto, ele procura pelo barulho das águas. No meio daquela floresta, se ele subisse numa árvore conseguiria ver melhor, mas está muito cansado para isso, assim decide prestar atenção para ouvir melhor. 
      Após alguns momentos de calma, ainda com a boca seca, ele ouve, baixinho, não muito distante, o som de águas caindo. Que som delicioso, só de ouvir o homem já se sente melhor, já se sente refrigerado. Então, ele se levanta, devagar, ainda com os olhos fechados, mas com os ouvidos bem abertos, afinados. Ele se vira e abre os olhos só um pouco, precisa ver para onde deve ir, mas não quer que seus ouvidos se distraiam. Ele se movimenta devagar, mas com certeza, sabe para onde se dirige, o som das águas aumenta de volume aos poucos, ele percebe que se aproxima do lugar. Ele aumenta a velocidade, agora os olhos já estão abertos, ele pode até sentir o cheiro, então, ele vê, entre as árvores a sua frente, a água. 
      É um pequeno riacho, cercado por uma formação rochosa que abraça as águas, que junto de altas árvores escondem o lugar. Só tem uma entrada, estreita, as pessoas poderiam passar bem ao lado do local e não o veriam, mas escutariam o ruído das águas se prestassem atenção. No lado oposto da entrada, caindo da formação rochosa, um filão não muito largo, mas concentrado de água, é ele que mantém o riacho vivo. O homem não entende, o riacho não é fundo, ainda que a água jorre sem parar ela não inunda o lugar, é como se o líquido caísse ao chão e sumisse nas entranhas da Terra. Ele tem sede, o riacho é raso demais para pegar água separada de areia, assim ele vai até a queda d’água, lá o líquido é puro e fresco. 
      Ele dá alguns passos e coloca a cabeça debaixo do filão de água, mas a água caí com muita força, ele quase se afoga, ele tira a cabeça e tenta de novo, outra vez a água entra pelo seu nariz e ele cai. O homem pensa, tenho uma caneca na mochila, é pequena, mas serve. Ele põe a mão dentro da mochila e acha a caneca, contudo, surpreende-se ao ver que a pequena caneca está furada, ainda assim ele a coloca sob a água que jorra. Pela força da água, pelo tamanho da caneca e pelas condições dela, furada, ele consegue levar pouca água à boca de cada vez, assim, pacientemente ele move a caneca da cachoeira para a boca, várias vezes, tomando só um pouquinho de cada vez, até que tenha sua sede totalmente saciada. 
      Satisfeito, ele senta-se à beira do riacho, lava o rosto e olha para o alto, o céu está azul, o Sol não é forte, ainda que esteja no meio do dia. Ele abaixa a cabeça, vê o reflexo do céu na água e fecha os olhos, pensa no que ficou para trás e no que ele encontrará em seu destino, anima-se, a viagem ainda não acabou, há muito para andar. Ele pega o cantil, quer enchê-lo e seguir viagem, contudo, percebe que o cantil também está danificado, e de um jeito que não pode mais ser usado, assim ele se livra dele. Então, ele olha para a queda d’água à sua frente, ela vem de um leito de rio que está acima das rochas, ele percebe que o rio margeia seu caminho, ele entende que se seguir perto do rio terá água para toda a viagem.   

Esta é a 71ª parte da reflexão
“Quem você será na eternidade?”
dividida em 90 partes, para melhor
entendimento leia toda a reflexão.

José Osório de Souza, março de 2021

domingo, abril 10, 2022

Humanidade tóxica (70/90)

      “Porque sei que são muitas as vossas transgressões e graves os vossos pecados; afligis o justo, tomais resgate, e rejeitais os necessitados na porta. Portanto, o que for prudente guardará silêncio naquele tempo, porque o tempo será mau. Buscai o bem, e não o mal, para que vivais; e assim o Senhor, o Deus dos Exércitos, estará convosco, como dizeis.” 
Amós 5.12-14

      Em 4 de maio de 2021, após quase dois meses num leito de u.t.i., faleceu Paulo Gustavo, vítima de complicações pela Covid 19. Ator, comediante, casado com um companheiro e com dois filhos, sucesso na TV, no teatro e no cinema, amado por muitos, um talento singular de luz. Muito triste, mas mais triste foi a posição que muitos, que se dizem evangélicos, incluindo pastores, tomaram, condenando o artista por sua sexualidade, vendo em seu sofrimento um castigo por simplesmente ter nascido e vivenciado quem era, tanto na vida pessoal como na vida profissional. 
      Que haja misericórdia para a “cristandade tóxica”, que não pratica evangelho genuíno, que mantém preconceitos por não buscar a Deus e conhecer sua vontade, homens querendo agradar homens e julgando homens, guiando-se por uma interpretação errônea da Bíblia. Fico indignado com algumas coisas, mas essa ignorância com que tantos evangélicos tratam homoafetivos, aliando ao diabo e ao inferno pessoas que nascem diferentes do padrão sexual binário, revolta-me especialmente. Nesta reflexão pensemos sobre a “toxidade” presente no tempo mau em que vivemos. 
      Existe masculinidade tóxica, mas também existe feminilidade tóxica, assim como homosexualidade tóxica, o problema não está em ser masculino, feminino ou homoafetivo, mas em ser tóxico. Da mesma maneira o pecado não está em ser masculino, feminino ou homoafetivo, mas em ser promíscuo, mas enfim, o que vem a ser tóxico nesse contexto? É o uso de certas características em jogo de poder para oprimir alguns e beneficiar outros, de forma injusta e até violenta, usando como justificativa estereótipos que generalizam seres humanos por clichês e exageros.
      Tais estereótipos até foram aceitos no passado como algo normal, usando mesmo argumentos religiosos para defendê-los, mas não podem ser mais aceitos numa sociedade que busca igualdade de direitos, num entendimento, não superficial e exterior, mas profundo e interior de cada ser. É claro que a masculinidade branca tóxica é a mais forte porque foi a que predominou por mais tempo, mas isso não significa que não existam outras toxidades, assim jogar toda a culpa no homem como agressor e entender, quase que automaticamente, os outros como vítimas, não é justo. 
      Na masculinidade, ser tóxico é usar truculência física para obter algum benefício, principalmente na área sexual, de quem está em posição inferior. Na feminilidade, ser tóxico pode ser usar sensualidade, a exibição do corpo e mesmo o jeito de se portar, para manipular alguém e obter algum benefício. Mas a toxidade pode ser usada para se prevalecer em outras áreas, que não a sexual, na área profissional, por exemplo, vemos muitas mulheres sendo tratadas injustamente só por serem mulheres, com salários menores e menos direitos a promoções e planos de carreira. 
      Mas até que ponto sedução é arma de violência, ainda que não seja truculência física? Isso é delicado, e pode ser usada tanto por mulher quanto por homem. Em se tratando de homoafetividade tóxica o assunto pode ficar ainda mais complexo, visto que no conceito de sexualidade atual há muitos tons de cinza entre o branco e o preto, misturando características físicas e afetivas. Uma mulher trans, por exemplo, com características físicas masculinas, pode usar de truculência com um hétero, por ser fisicamente mais forte que ele, ainda que se traja, que se sinta, que se identifique como mulher. 
      Da mesma maneira um gay, se for fisicamente mais frágil, pode ser forçado fisicamente por uma mulher hétero a fazer alguma coisa, assim, toxidade não tem a ver com sexo, com masculino contra feminino, ainda que possa usar sexo para se estabelecer, mas com forte contra fraco, quem é opressor o será seja qual for sua identidade sexual. O mundo está ficando muito complicado, mas homem que se impõe por força bruta é tão errado quanto mulher que usa mal atributos físicos, e vice-versa, a solução está no respeito das competências certas nas áreas certas, indiferente de sexualidade. 
      Na eternidade não haverá homem, mulher, trans ou qualquer outra identidade sexual, só espíritos. O ideal seria as pessoas serem valorizadas por suas essências interiores, não pelos seus corpos, mas no mundo vemos mais facilmente os corpos, para discernir luz espiritual é preciso uma comunhão com o mundo espiritual que muitos não buscam. O que levaremos do mundo à eternidade? Não será sexualidade, mas virtudes morais, estabelecidas pela maneira correta como administramos dores e desejos, se buscamos cura para isso, ou se só inventamos justificativas para continuarmos tóxicos. 
      Infelizmente também existe “cristandade tóxica”, contudo, ainda que muitos cristãos creiam em penas eternas, achem que os conceitos tradicionais sobre sexualidade e família são os únicos agradáveis a Deus, se ainda assim compartilharem o perdão e a paz que existem em Cristo, deixando que Deus faça sua obra, serão bênçãos. Que guardem seus juízos no coração e não tentem convencer ninguém por medo ou violência, mas por testemunho de vidas humildes. Se agirem assim, ainda que crendo em certos equívocos, serão úteis no mundo e atraídos por Deus à sua melhor eternidade, o céu. 
      O problema é que muitos cristãos constróem álibis com textos bíblicos para não precisarem amar, fazem isso com homoafetivos, mas também com religiosos não cristãos. Muitos cristãos creem que todo homoafetivo é “sodomita”, condenado só por ser homoafetivo e não por ter vida promíscua (que é o que a Bíblia pode ensinar em textos sobre “sodomitas”), não entendem que a verdadeira homoafetividade é afeto emocional, não relação física sexual. Por isso se acham no direito de condenar todos os homoafetivos, e se esses estão no inferno são inimigos que não precisam de amor.
      Nisso o amor de Jesus é esquecido e o “diabo” tem vitória justamente no coração dos que se dizem seus inimigos, mas o pior é que o “diabo” vence em nome de uma bandeira que os cristãos acham que é de Deus, irônico tanto quanto terrível. O amor sempre liberta, tanto ao que ama quanto ao que é amado, mas o que ama o oprimido faz mais que sua obrigação, é instrumento de Deus para ajudar o que está em posição de fraqueza. A solução está no amor, só amamos quando recebemos de Deus amor, só o amor pode anular todo tipo de toxidade humana, mesmo a do falso cristianismo. 

Esta é a 70ª parte da reflexão
“Quem você será na eternidade?”
dividida em 90 partes, para melhor
entendimento leia toda a reflexão.

José Osório de Souza, março de 2021

sábado, abril 09, 2022

Mais que número numa lista (69/90)

      “E, Jesus, saindo, viu uma grande multidão, e possuído de íntima compaixão para com ela, curou os seus enfermos.” 
Mateus 14.14
      “E quando Jesus chegou àquele lugar, olhando para cima, viu-o e disse-lhe: Zaqueu, desce depressa, porque hoje me convém pousar em tua casa.
Lucas 19.5
      “E uma mulher, que tinha um fluxo de sangue, havia doze anos, e gastara com os médicos todos os seus haveres, e por nenhum pudera ser curada, Chegando por detrás dele, tocou na orla do seu vestido, e logo estancou o fluxo do seu sangue. E disse Jesus: Quem é que me tocou? E, negando todos, disse Pedro e os que estavam com ele: Mestre, a multidão te aperta e te oprime, e dizes: Quem é que me tocou? E disse Jesus: Alguém me tocou, porque bem conheci que de mim saiu virtude.
Lucas 8.43-46

      A morte, a única certeza que temos em vida neste mundo, pode ser a coisa mais triste que podemos experimentar, para quem vai? Talvez, certeza absoluta sobre o depois muitos só terão após morrerem, mas com certeza pode ser muito triste para quem fica, quando se vai alguém próximo, que se ama. Entretanto, a mesma morte que nos marca de maneira extrema com uma dor irremediável, pode ser banalizada, como em guerras e grandes catástrofes. Nesses casos acaba partindo tanta gente e tão depressa que muitos podem achar que uma morte é só mais um número em uma lista. A pandemia do Corona vírus é uma guerra, contra um inimigo microscópico, mas poderoso, e que não tem lado, está contra todos em todo o planeta.
      A pandemia tem nos confrontado todos os dias com a morte, seja na TV, na internet, mas também na realidade ao vivo bem próxima a nós. Com a precisão e a rapidez que as informações chegam hoje, com nitidez de imagem 4k e qualidade de som surround, a verdade não pode ser negada, só não se sensibiliza quem já está há muito embrutecido pelo egoísmo, ainda que disfarçado pelo negacionismo estúpido de alguma ideologia equivocada. Quando vemos uma família chorando pela morte de uma mãe, de um pai, de um filho, de um avô, porque o vírus não escolhe idade ou sexo, sentimos na carne, sabemos que do jeito que as coisas estão no momento atual, amanhã isso poderá acontecer conosco, isso não é brincadeira. 
      Hoje uma morte não é só mais um número numa lista, quando morre uma pessoa, em qualquer lugar do planeta, todos morremos juntos. Contudo, isso é mais que uma tragédia, é Deus ensinando a todos uma lição, sobre algo com o qual estamos sendo relapsos, que lição é essa? É sobre amar, que se não aprendemos a vivenciar do jeito fácil, aprenderemos pelo jeito mais difícil. É sobre dar valor às coisas certas, que não vale a pena perder tempo com bobagens e prazeres passageiros. É sobre espiritualidade real, que só existe algo que nos prepara para irmos e nos dá consolo se alguém se vai, uma comunhão real com o Deus verdadeiro. Estamos entendendo essa chamada de atenção ou só nos conformando com estatísticas? 
      Como nos escondemos atrás de leituras de estatísticas, de números, jogando as pessoas em pacotes e não enfrentando a individualidade de cada ser e sua consequente relevância. Quando vemos filas e aglomerações na tela da TV ou do celular, para receberem alimentos de uma ação social, esperando notícias de um parente internado num hospital, num velório municipal, não são números, cem, quinhentas, mil pessoas, mas indivíduos. É o José, a Maria, o Tadeu, a Cecília, e cada um desses tem família, necessidades, também sonhos, amam e sofrem, como eu e você, e sendo assim poderia ser também eu ou você em seus lugares. A cada um Deus ama, atrai às regiões celestiais mais elevadas em Cristo, quer dar paz e luz. 
      Você, quando olha estranhos nas ruas, gente que não convive com você, que talvez você nunca conheça de perto, já pensou quem serão eles na eternidade? Irão para o céu, para o inferno? Que experiência eles têm com Deus? Mas tão ruim quanto o desprezo é a arrogância, que muitas vezes nos leva olhar estranhos e pensar que somos melhores que eles, mais privilegiados por sermos cristãos e eles não. Como é cômodo pensar que por mais que o inferno seja ruim e que sofrer nesse mundo é trágico, muitos experimentam isso porque escolheram, porque são maus, assim alguém na danação eterna se torna também só mais um número numa lista de condenados. Essa não é a ótica de Deus, e não deveria ser a de quem se considera seu filho.
     Segue um mistério que muitos não entendem. Em algum momento de nossas existências teremos que exercer nossa missão principal, servir ao próximo, ninguém escapa disso porque esse é o único caminho para alcançarmos o “céu”. Alguém que hoje você despreza, que acha que não é sua obrigação ajudar, que é problema de outro, não seu, que você não tem chamada para ajudar, em um momento de sua existência você terá que ajudar, e bem de perto, de um jeito ou de outro. Dessa forma, o quanto antes você entender, aceitar e praticar isso, melhor para você, e nem é para o outro, porque se você não fizer sua parte Deus levanta outro para fazer, o pequenino de Deus, o pobre, o necessitado, o humilde, nunca é só um número. 
      Deus nos conhece e nos atende individualmente, vê o clamor da multidão, mas reconhece Zaqueu sobre a árvore e a mulher com fluxo de sangue que o toca em meio à multidão. Um Deus antropomórfico não teria essa capacidade, esse poderia amar alguns e desprezar outros, mas Deus não despreza ninguém, nele só há virtudes e no nível mais alto. Muitos, contudo, estão impossibilitados de orar, estão pobres, famintos, acamados, mesmo em coma, enfraquecidos demais física e intelectualmente para clamarem pelas vidas, por isso os que estão mais fortes devem fazer isso por eles. Nesses tempos difíceis é importante que os que podem orem e ajam, alguém não ser só um número numa estatística é responsabilidade de todos nós. 

Esta é a 69ª parte da reflexão
“Quem você será na eternidade?”
dividida em 90 partes, para melhor
entendimento leia toda a reflexão.

José Osório de Souza, março de 2021

sexta-feira, abril 08, 2022

Nossos filhos na eternidade (68/90)

      “Rogamo-vos, também, irmãos, que admoesteis os desordeiros, consoleis os de pouco ânimo, sustenteis os fracos, e sejais pacientes para com todos.
I Tessalonicenses 5.14

      Nas virtudes morais os pais são espelhos para seus filhos, 
filhos serão aquilo que seus pais são em suas vidas práticas;
agir certo é o que dá autoridade para ensinar o que é certo, 
e não só falar ou intencionar; a verdade sempre prevalece. 

     Não coloquei passagens do livro de Provérbios (13.24, 23.13-14, 29.15 e 17) como iniciais para esta reflexão, mas vou citá-las. “O que não faz uso da vara odeia seu filho, mas o que o ama, desde cedo o castiga.” “Não retires a disciplina da criança; pois se a fustigares com a vara, nem por isso morrerá. Tu a fustigarás com a vara, e livrarás a sua alma do inferno.” “A vara e a repreensão dão sabedoria, mas a criança entregue a si mesma, envergonha a sua mãe.”Castiga o teu filho, e te dará descanso; e dará delícias à tua alma.”. Leu com atenção os textos? Tente verificar a austeridade dos termos usados.
      O mais triste é que tem crente sincero, bem intencionado, querendo ser obediente a toda a Bíblia, achando que ter em casa uma varinha para surrar os filhos para discipliná-los é vontade de Deus. Tem até um argumento usado para defender esse costume, bater com a vara faz a criança aliar violência à vara, não à mão do pai que deve ser aliada só a dar carinho. Não consigo entender a lógica dessa transferência, mas o que não se inventa para não se dar ao trabalho de buscar a Deus, e se receber orientação viva do Espírito Santo, ao invés de se seguir cegamente um texto antiquado de uma sociedade do passado.   
      Por que não vou usar os textos de Provérbios como base para uma reflexão cristã sobre como criar filhos corretamente? Porque não devem ser tomados, principalmente se entendidos ao pé da letra, como orientação de Deus para criarmos filhos hoje. Eles estão na Bíblia? Estão. Mas não devem ser considerados? Ao pé da letra, não! Mas mesmo que não forem tomados ao pé da letra é preciso algum esclarecimento do Espírito Santo para retirarmos deles princípios e usá-los adequadamente. Assim é com muitos textos bíblicos, principalmente aqueles relacionados à sociedade, família e sexualidade. 
      Então, como devemos criar filhos para que possam morar no céu conosco, usando um entendimento bem simplista? Da melhor maneira possível. Isso lhes garantirá o céu? Eu até creio que sim, se plantamos, colhemos, mas talvez não do jeito que muitas igrejas e muitos pastores pregam e acham que será. Entendamos uma verdade: não somos donos de nossos filhos, aliás, não somos donos de ninguém, não temos o dever de decidir por eles, nem o direito de que eles sejam o que queremos que eles sejam. Somos mordomos temporários de seres humanos, que devem ser criados no mínimo para serem independentes.
      Essa verdade, ainda que seja o entendimento mais sábio e mais de acordo com a vontade de Deus, pode ser, e é em muitas das vezes, só teoria, a prática é bem mais difícil. Contudo, algumas orientações podem facilitar o trabalho de pais que têm experiências com Deus e que desejam, de todo o coração, que seus filhos também tenham. A primeira delas é: respeite seus filhos como indivíduos, com direito a livre arbítrio e à liberdade para serem o que desejarem ser, mesmo que isso seja muito diferente do que vocês, pais, são, principalmente depois que crescerem e passarem da infância e da adolescência à maturidade. 
      Quem cria filhos sabe que até uma idade podemos aconselhá-los com facilidade, conversar com eles, mas depois isso fica difícil, e por um tempo será mesmo muito difícil. Só algum tempo depois, quando amadurecerem, é que voltarão a dar mais atenção às nossas palavras. Ma não há nada de errado nisso, no período que se preparam para fazer curso superior, que fazem graduações e pós-graduações em faculdades, que se colocam profissionalmente, que namoram, eles estão ocupados se definindo como seres autônomos. Nesse período temos que ter paciência e permitir que eles se decidam e se testem. 
      Os textos de Provérbios citados no início não procedem hoje em dia, mas isso não significa que não temos que usar de autoridade, e eis um termo mal compreendido. Autoridade no evangelho se faz com amor e com um caráter interior, quando isso existe, filhos nos acatam, às vezes só por olharmos para eles. Qualquer espécie de castigo físico que use de violência é no mínimo inútil, mesmo violência verbal também é, que às vezes pode humilhar e machucar mais que a vara. Contudo, fazer trocas, desautorizar atividades temporariamente como punição para erros insistentes, se feito com sabedoria, pode ser útil. 
      As pessoas nos respeitam pelo que somos, somos o que fazemos e é isso que é visto. Se é assim no meio profissional, na escola, na igreja, muito mais em nossos lares, onde nos despimos de máscaras e nos mostramos como somos de verdade. Nossos filhos nos conhecem muito bem, ainda que sejam pequenos, ainda que não falem nada, e eles nos imitam, simples assim. Se formos coerentes e verdadeiros eles também serão. Mas se alguém diz que fez tudo certo, até levou os filhos à igreja, mas ainda assim eles se tornaram pessoas muito diferentes, de duas uma, ou esse alguém está mentindo, ou não se conhece. 
      Muitos mentem insistentemente para si mesmos, no fundo sabem que vivem uma farsa, mas seria muito dolorido e trabalhoso para eles admitirem, teriam que se desconstruir para então construírem algo verdadeiro. Assim, fingem que são cristãos, que são maridos, que são pais, e os filhos que os veem fingirão que são filhos cristãos, funciona desse jeito. Por outro lado, tem gente que não se conhece, acha que é uma coisa quando não é, novamente os filhos se espelharão neles e serão o que eles são, ainda que seja algo aquém do que eles acham serem. Espelho útil é o limpo, que reflete a imagem original sem distorções.  
      Seres humanos podem ser orientados, precisam ser cuidados, devem ser amados, mas o que precisam, no final das contas, é serem eles mesmos. Quem são nossos filhos? Só saberemos se dermos a eles liberdade, liberdade se dá, no tempo certo e do jeito certo. Sim, temos a responsabilidade como pais de dar a eles nossas melhores referências, morais, intelectuais, materiais, mas sem medo de mudarmos de opinião, de nos arrependermos, de pedirmos perdão, de sermos honestos e humildes, tratando-os como iguais, não como inferiores. Quem são de fato nossos filhos e quem serão na eternidade só o Senhor sabe. 
      Se tivermos amor ficaremos satisfeitos de vê-los como Deus quer que eles sejam, aprenderemos com eles, mudaremos para melhor vendo seus exemplos, seremos felizes por termos cuidado de seres que Deus nos permitiu ter por perto por um tempo. Filhos criamos para o mundo, deixamos voar, não prendemos em gaiolas, e principalmente, como cristãos, lhes damos direito ao livre arbítrio religioso. Quando adultos, e quando digo adulto é próximo aos vinte anos, não precisam ser obrigados a nada, nem a irem a cultos! Mas estejamos em paz, se tivermos trabalhado direito, no final eles farão escolhas que nos darão orgulho. 

Esta é a 68ª parte da reflexão
“Quem você será na eternidade?”
dividida em 90 partes, para melhor
entendimento leia toda a reflexão.

José Osório de Souza, março de 2021

quinta-feira, abril 07, 2022

Juiz e Senhor, só Deus (67/90)

      “Quem és tu, que julgas o servo alheio? Para seu próprio senhor ele está em pé ou cai. Mas estará firme, porque poderoso é Deus para o firmar. Um faz diferença entre dia e dia, mas outro julga iguais todos os dias. Cada um esteja inteiramente seguro em sua própria mente. Aquele que faz caso do dia, para o Senhor o faz e o que não faz caso do dia para o Senhor o não faz. O que come, para o Senhor come, porque dá graças a Deus; e o que não come, para o Senhor não come, e dá graças a Deus.” 
Romanos 14.4-6

      Julgamos com frequência as pessoas quando achamos que elas fazem ou são menos que deveriam fazer ou ser, fazemos isso baseados no que nós achamos que elas devem fazer ou ser. Muitas vezes fazemos isso para que de alguma forma sejamos beneficiados e de uma maneira maldosa, diminuindo os outros para que nós injustamente cresçamos. Mas quem é o Senhor, nós ou Deus? A quem as pessoas e nós daremos contas, a nós mesmos ou a Deus? Se só Deus é Senhor só ele sabe o que pede de cada um de nós, e sendo assim só ele poderá julgar se fizemos ou não o que ele pediu, se fomos ou não o que poderíamos ser de melhor com o que dele recebemos. 
      Julgando injustamente achamos que alguém, que aos nossos olhos muito recebeu, fez pouco com isso, foi ocioso, egoísta, poderia ter beneficiado mais pessoas e não beneficiou. Mas quem sabe o preço que alguém paga para crescer, um pouco que seja, para se libertar de vícios, para ser melhor no final de sua vida em relação àquilo que era no início? Muitos trabalhos não são vistos, não aparecem exteriormente, mas são realizados no homem interior, e esses só Deus de fato vê e mede. Nós homens somos moralmente míopes demais, egocêntricos demais, olhamos na maior parte do tempo só para nossos umbigos e ainda achamos que podemos julgar os outros. 
      Alguém ter nascido com mais posses, ter mais facilidade para ser intelectualmente inteligente, ter um aproveitamento mais rápido e mais abrangente de competências, e mesmo possuir inteligência afetiva maior, saber administrar melhor carências e dores, não é por essas capacidades que as pessoas são avaliadas por Deus. Deus avalia o saldo final, o que se acrescentou ao que foi recebido. Para ele cento e cinquenta menos cem, é a mesma coisa que cinquenta e um menos um, em ambas as contas o resultado é cinquenta. Nós, contudo, não enxergamos o saldo, mas só o crédito inicial, vemos o que as pessoas são no início e decretamos que serão isso até o fim. 
      Mas quem cresceu mais no exemplo dado, quem foi de cem para cento e cinquenta, ou quem foi de um para cinquenta e um? Quem trabalhou mais? Sob o ponto de vista da economia, quem já tem cem tem mais facilidade para render mais cinquenta do que quem tem só um, os juros sobre cem rendem mais que sobre um. Mas a coisa pode não funcionar assim, quem tem um acostumou-se com um estilo de vida mais barato, já aquele que foi criado com cem gasta mais com um estilo de vida mais caro, seu valor rende mais, mas ele também gasta mais para viver. Deus considera os limites de cada um, ainda que não julgue pela aparência, mas por intenção que se transforma em obras. 
      Cada um de nós paga preços diferentes para viver e evoluir, somos tentados por coisas diferentes, temos feridas diferentes, e consequentemente buscamos curas e defesas diferentes. Para quem é mais difícil ser humilde, para o pobre ou para o rico? Depende de como a pessoa foi criada e do caráter que ela possui em sua essência espiritual, e isso independe de bens materiais. Contudo, muitos que começaram razoavelmente bem no final continuaram quase iguais, e outros, que tiveram um início de jornada complicado, no final obtiveram libertação de vícios, curas de feridas, saíram do buraco que estavam e se expuseram sem medo à luz, renascendo pessoas melhores. 
      Alguns que perderam bens materiais ganharam a alma, evoluíram moralmente, ainda que no final de suas vidas fossem considerados materialmente perdedores. Já outros que prosperaram, que se tornaram profissionais reconhecidos, acabaram como seres humanos maliciosos, cínicos, ingratos, arrogantes. Mas quem disse que a prova desses últimos não era só trabalho físico árduo e vitória material? Quem sabe se suas vidas duras, que acabaram deixando-os céticos com muitas coisas, não beneficiaram outros na área material? Deus não cobra o mesmo de todos, mas todos temos a oportunidade de sermos aprovados, de um jeito ou de outro, para um ou outro fim. 
      O texto bíblico inicial fala de uma situação um pouco distinta, mas que pode servir de exemplo sobre maneiras diferentes que Deus trata as pessoas. Paulo fala de homens que vêm para o evangelho e mantêm costumes diferentes, de acordo com religiosidades que tinham antes de se converterem ao evangelho, isso ocorria quando judeus e não judeus (gentios) se convertiam. Deus não julgará a tais pelo que eram e mantiveram, mas pelo que se tornaram, assim certos velhos costumes que são mantidos não são relevantes, tanto para Deus como para os homens. Quem mantêm esses costumes não deve se achar melhor nem pior que aqueles que não mantêm tais costumes. 
      Não estamos dizendo que costumes de religiões que as pessoas tinham antes de se converterem devam ser mantidos, não é isso, alguns costumes negam expressamente as orientações do evangelho. Contudo, vemos isso em novos costumes que denominações e igrejas cristãs diferentes possuem. Alguns costumes, por exemplo, se referem a tipo de roupa, mesmo a corte de cabelo, que cristãos devem ter, mas isso não é o mais importante num evangelho que propõe mudança interior como prioridade. Mas quem se veste diferente por ser cristão deve se achar mais santo que o que não se veste? Não, nem o que não se veste deve se achar mais espiritual que o que se veste. 
      Somos todos servos de Deus e só Deus é Senhor, se Deus quer tratar um outro servo de maneira diferente como nos trata, o que temos com isso? A nós cabe fazermos aquilo que Deus pede e em paz, preocupados com o que Deus pensa de nós, na eternidade cada um dará conta individualmente por si. “Quem és tu, que julgas o servo alheio? Para seu próprio senhor ele está em pé ou cai... Cada um esteja inteiramente seguro em sua própria mente”. Nossa referência é Deus, não os homens, juiz só Deus, não os homens, honra por ter feito ou não algo, só na eternidade receberemos. Não nos apressemos neste mundo, querendo receber honras ou tirá-las dos outros. 

Esta é a 67ª parte da reflexão
“Quem você será na eternidade?”
dividida em 90 partes, para melhor
entendimento leia toda a reflexão.

José Osório de Souza, março de 2021

quarta-feira, abril 06, 2022

Tenha paciência (66/90)

      “Então dali buscarás ao Senhor teu Deus, e o acharás, quando o buscares de todo o teu coração e de toda a tua alma.” 
Deuteronômio 4.29

      Deus pede paciência de nós, mas isso não deve ser encarado como algum tipo de castigo. O interesse de Deus em nos fazer passar por experiências que exijam que sejamos pacientes, não é uma punição, a não ser que entendamos paciência do jeito errado, como a agonia por perdermos tempo deixando de fazer alguma coisa, deixando de executar um trabalho. Se for assim será uma visão material da existência, só física. No mundo fazer é ganhar, e fazer mais é ganhar mais, mas tudo que fazemos no mundo fica no mundo. Só levamos para a eternidade aquilo que fazemos no nosso espírito e nos espíritos dos outros pelo Espírito de Deus, o trabalho para fazer isso é o oposto do trabalho físico que exercemos no mundo material. 
      Para o mais nobre dos trabalhos, o espiritual, paciência é fundamental, nela acalmamos sentimentos e pensamentos até que nosso corpo seja controlado pelo espírito, no quanto é possível que isso seja feito enquanto encarnados no mundo. O fato é que entendemos tudo errado, a agitação, a ansiedade, a pressa, que achamos que nos darão alguma vantagem no mundo, só fazem nossos corpos físicos adoecerem. Quantas enfermidades, físicas e emocionais, construímos por não termos paciência, eis aí o espírito eterno dando uma lição ao passageiro corpo físico. Não corra, ande, não discurse, cale-se, não flerte com a loucura elaborando armas para destruir quem nem se importa com você, nem sequer imagine bobagens. 
      Que Deus não tenha que “quebrar nossas pernas” e nos prender a um leito para, então, sermos forçados a ter paciência, ainda que só para aguardarmos o restabelecimento de “nossas pernas” para continuarmos fugindo de Deus e de nós mesmos. Esse restabelecimento nunca chegou para muitos que teimaram em não passar pela maior prova da vida, serem pacientes o suficiente para acharem a paz. Deus está na paz, não na ansiedade, na pressa ou no muito fazer, mas no fazer o suficiente para que sobrem tempo e energia para pararmos e ouvirmos sua voz. A voz de Deus só ouvimos quando estamos na mais profunda paz, para acharmos essa paz é preciso paciência, e tomara que seja pelo menos enquanto ainda temos “pernas”. 
      Então, passamos dos quarenta anos de idade, caminhando para os cinquenta, é nesse momento que as consequências de toda a pressa que tivemos até então aparecem. Temos dificuldade para dormir, nossa alegria de viver, mesmo nosso desejo de “namorar”, diminui, o fogo da paixão esfria-se, nosso corpo até está bem, mas nossa cabeça parece desconectada. Mas pode ser pior, ansiedades geram tanto tumores quanto transtornos psiquiátricos mais sérios, além de desregularem nossa alimentação, de nos levarem a vícios, tornando nossos corpos presas de excessos e de prazeres estranhos, que nos matam por dentro. Tudo isso porque passamos uma vida dizendo a nós mesmos que não tínhamos tempo para sermos pacientes. 
      Por que o budismo e o hinduísmo ganham tanto apoio da mídia e mais adeptos entre as pessoas mais esclarecidas, com mais formação intelectual, enquanto o cristianismo é visto como religião de ignorantes e preconceituosos? Por que ioga é orientada como terapia pela psicologia mais que oração a Deus por meio de Cristo? Porque essas religiões e técnicas conduzem o homem à paz, ensinam disciplina, autocontrole, serenidade, enquanto que em muitas igrejas cristãs as pessoas só querem dizimar e fazer orações curtas e de fé para receberem, sem tempo a perder, prosperidade no mundo. Muitos cristãos ficariam surpresos e até se escandalizariam, se pudessem conviver com o Cristo encarnado, vivendo como homem entre os homens. 
      Se paciência pode ser nosso modus operandi para tudo, para orarmos não é opção, é o único modo. Deus ouve a todos e seja lá qual for o jeito que o homem ore, mas para um crescimento espiritual mais profundo é preciso muita paciência. Neste ponto chegamos ao texto bíblico inicial, só achamos a Deus quando o buscamos com todo o coração, e o termo “todo o coração” implica não só em fé forte e rápida, mas em um longo e paciencioso período de busca, onde conhecemos a nós mesmos, então, a vontade de Deus. Sem paciência não achamos a paz, sem paz não achamos Deus, e sem Deus não achamos vida em abundância, eis o processo do trabalho espiritual, acontecendo de maneira oposta ao do trabalho físico. 
      Creia, em um determinado momento de tua existência, no plano físico ou no espiritual, você terá que ter paciência, ainda que passe uma existência no mundo material fugindo disso. Quem foge da paciência foge da paz, foge de Deus, foge da vida. Céu e inferno estão diretamente relacionados à paciência que temos para entender e fazer a real vontade de Deus para nossas vidas, não aquilo que achamos que é a vontade do Senhor, nem o que os homens nos dizem que é. O quanto antes entendermos isso, melhor para nós, que seja antes de perdermos as “pernas”. “Perder as pernas” pode ser coisas diferentes para pessoas diferentes, de um jeito ou de outro limita nosso espaço num tempo indeterminado, só para aprendermos a ser pacientes. 

Esta é a 66ª parte da reflexão
“Quem você será na eternidade?”
dividida em 90 partes, para melhor
entendimento leia toda a reflexão.

José Osório de Souza, março de 2021

terça-feira, abril 05, 2022

A luz da aurora (65/90)

      “Mas a vereda dos justos é como a luz da aurora, que vai brilhando mais e mais até ser dia perfeito.
  Provérbios 4.18

      Lindíssimo o versículo inicial, poético e espiritual. Muitos não entendem, mas tudo no mundo físico é metáfora do plano espiritual, a arte criada por escritores, músicos, pintores, diretores de cinema e outros, nasce da mente que conhece um mistério espiritual, ainda que o homem não tenha consciência disso. Mesmo que seja a Terra que se movimente em torno do Sol, o dia começa quando vemos a subida do astro rei no horizonte, pouco a pouco se eleva e a Terra é iluminada, o que está escondido é revelado, seres humanos acordam e saem para trabalhar, estudar, amar, se divertirem, banham-se de luz. 
      Quanto aos temerosos sentem-se desconfortáveis com a claridade, se as janelas estiverem abertas eles as fecham, se antes estavam ao ar livre, protegidos pela escuridão da noite, buscam esconderijo em quartos fechados. Esses são os descritos no verso seguinte ao inicial acima, “o caminho dos ímpios é como a escuridão, nem sabem em que tropeçam” (Provérbios 4.119). As poucas decisões que tomam fazem na passagem, entre noite e dia, e não percebem que só conseguem fazer isso por terem uma rápida visão que o Sol, aquele do qual fogem, lhes permite terem, eles sentem-se mal com a luz.
      Quando entramos numa casa abandonada, que ficou com portas e janelas fechadas por muito tempo, sem receber qualquer claridade, temos que tomar cuidado. Ao primeiro raio de Sol que adentra o recinto vemos no chão baratas, aranhas e até ratos, fugindo da claridade para os cantos ou para quartos no interior da casa, onde a luz ainda não alcançou. Esse bichos gostam das trevas, podem ter vivido por anos naquela casa fechada, e na verdade, se tivessem inteligência, diriam que aquela moradia lhes pertence, ainda que por usucapião, só saíram de lá à noite para se alimentarem e logo retornavam. 
      Infelizmente a mesma coisa pode acontecer com nossos corações, com nossos homens interiores, ficarem por tanto tempo em trevas que acabam sendo moradas de todo tipo de mal, de vício, medo, rancor e desconfiança. Podemos administrar casas abandonadas assim dentro de nós, ainda que em nossas aparências externas mostremos para as pessoas faces sorridentes, corpos asseados, palavras refinadas. Contudo, quem olhar com cuidado nossos olhos verá, lá no fundo, insetos e roedores, correndo rapidamente para algum canto, buscando esconderem-se de quem os confronta com a luz espiritual. 
      Mantemos luz ou trevas dentro de nós? É fácil sabermos, só respondermos outra questão: existem muitas coisas que tentamos esconder das pessoas? É precioso entender que ninguém é um livro totalmente aberto, sim, todos nós escondemos coisas dos outros. Algumas coisas porque, ainda que resolvidas no presente, são assuntos sensíveis, difíceis, que nenhum proveito existe em serem mostradas. Mas tem coisas, que ainda que não estejam solucionadas, e Deus tem muita paciência conosco, podem representar, não “seres estranhos da noite”, mas pendências temporárias que serão resolvidas.
      Uma barata pode entrar de vez em quando em casa, mas uma faxina e ela será descoberta e retirada, contudo, ter um ninho de ratos morando num canto escuro e esquecido da casa, representa mal maior, a insistência em não limparmos certos lugares ou em mantê-los abertos para entrada de bichos. Vida de oração é raio da luz do Altíssimo lançado sobre nosso homem interior, nisso o mal é revelado e pode ser expulso, depende só de nós buscarmos a Deus, conhecermos sua vontade e obedecê-la. O que ama a Deus terá uma trajetória como a descrita no versículo inicial, mais e mais iluminada. 
      Sob a luz a verdade se revela, boa ou ruim, sob a claridade do Sol as rugas aparecem, mesmo a maquiagem exagerada para tentar escondê-las, sob o Sol a vida solicita movimento, ânimo, trabalho, evolução. Os que amam a morte escapam para as trevas, para as luzes artificiais, que mostram o que eles desejam que seja mostrado. Na noite a verdade é manipulada, distorcida, e aí não é mais verdade, é ilusão, é fuga, é malícia. Na eternidade todos nós enfrentaremos a mais forte das luzes, a luz espiritual da moralidade mais elevada de Deus em Jesus, sob ela destinos eternos serão estabelecidos. 

Esta é a 65ª parte da reflexão
“Quem você será na eternidade?”
dividida em 90 partes, para melhor
entendimento leia toda a reflexão.

José Osório de Souza, março de 2021

segunda-feira, abril 04, 2022

O transporte do amor (64/90)

      “E eis que se levantou um certo doutor da lei, tentando-o, e dizendo: Mestre, que farei para herdar a vida eterna? E ele lhe disse: Que está escrito na lei? Como lês? E, respondendo ele, disse: Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todas as tuas forças, e de todo o teu entendimento, e ao teu próximo como a ti mesmo. E disse-lhe: Respondeste bem; faze isso, e viverás.” 
Lucas 10.25-28

      Quem seremos na eternidade? Seremos o homem espiritual que construímos dentro de nós aqui no mundo. A qualidade desse homem interior está diretamente relacionada a quanto praticamos os mandamentos de Deus. Jesus resumiu todos os mandamentos em um, amar a Deus, assim, construir o céu dentro de nós ainda neste mundo é amar a Deus. Quem ama a Deus, ama a si mesmo e ao próximo. Mas o que exatamente é amar a Deus? Entendemos o conceito espiritual disso ou confundimos com o apreço afetivo que temos por coisas físicas, pessoas, e mesmo por animais?
      O que nos vem de imediato à cabeça, quando pensamos no termo gostar, é aprovar. Se aprovamos alguém, gostamos desse alguém, do que ele faz, nisso pode estar incluído um relacionamento físico íntimo, assim, podemos gostar sem amar. Já amar podemos relacionar com um afeto maior. Um amigo, por exemplo, podemos amar ainda que não aprovemos tudo que ele faz. Mas com um companheiro afetivo, um cônjuge, é semelhante, ainda que não gostemos de tudo que ele faz, nós queremos continuar vivendo com ele, nos compartilhando fisicamente com ele, porque o amamos.
      Isso são manifestações emocionais e mesmo físicas de afeto, contudo, o amor espiritual que exercemos para Deus é algo mais. Nem estou falando de amor sacrificial, que também é uma alta expressão de afeto, que sofre pelo outro, que tem paciência mesmo com o desafeto do outro, que pode dar a própria vida pelo outro, como Jesus fez. Apesar disso ser uma expressão elevada de amor, ainda é amar no plano físico. Deus está no plano espiritual, ele não precisa que nos sacrifiquemos por ele, ainda que encarnado em Jesus tenha se sacrificado por nós, como espírito ele pode viver em nós. 
      Muitos cristãos percebem na prática o poder que tem o louvor, mas muitos não entendem o que de fato ocorre espiritualmente quando adoram Deus, Jesus e o Santo Espírito. Não são só palavras de aprovação por tudo que Deus é e faz que dizemos em hinos e cânticos, não é só o sentimento, que encharcado pelos dons espirituais entrega ao adorador um êxtase singular. Quem adora, ama, não se pode adorar sem amar. Amar um ser espiritual nos aproxima desse ser, mais ainda, nos coloca espiritualmente na posição espiritual que esse ser está, transporta-nos espiritualmente a um lugar. 
      Endemoniados são seres humanos que amam o mal, seja pelo que for que o mal se manifeste neles, vícios do corpo, ódio, inveja, lascívia. Quando amam o mal se colocam na mesma “frequência” espiritual de seres espirituais do mal. É simples, iguais se atraem, assim funciona no plano espiritual, por isso precisamos ter cuidado, gostar demais de algo que sabemos que nos afasta das virtudes morais lançadas sobre nós pela luz do Altíssimo, “endemonia-nos”, ainda que num grau menor, que não controle nosso corpo e nossa mente o tempo todo. O que adoramos nos possui. 
      Moisés ensinou e Jesus enfatizou, amar a Deus é o mais importante dos mandamentos. Eles não falaram só sobre o amor que sentimos no plano físico, uma preferência que temos por algo ou por alguém, é muito mais que isso. Há poder espiritual no amor, ele nos leva a adorar algo, assim nos coloca na mesma posição espiritual do objeto adorado. Se amamos a Deus naturalmente o adoramos. Isso é mais que palavras e emoções, é transporte espiritual para uma posição elevada, através de Jesus e pelo Espírito Santo. Nessa posição temos proteção, paz e luz, para resistirmos a todo o mal. 
      Por isso Paulo encerra o ensino sobre o amor em I Coríntios 13.13 dizendo, “agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor, estes três, mas o maior destes é o amor”. Na eternidade seremos confrontados pelo amor maior que chega a todos através da luz do Altíssimo. Quem já tiver o penhor do céu em si, subirá para a luz mais alta de Deus, sem medo, sem culpa, sem perturbação, não será surpreendido, se não para melhor. Quanto aos que não amaram os homens, porque não amaram a Deus no mundo, se sentirão desconfortáveis com a luz, se esconderão nas trevas infernais. 

Esta é a 64ª parte da reflexão
“Quem você será na eternidade?”
dividida em 90 partes, para melhor
entendimento leia toda a reflexão.

José Osório de Souza, março de 2021

domingo, abril 03, 2022

Escolhas terminais (63/90)

      “Não erreis: Deus não se deixa escarnecer; porque tudo o que o homem semear, isso também ceifará. Porque o que semeia na sua carne, da carne ceifará a corrupção; mas o que semeia no Espírito, do Espírito ceifará a vida eterna.
 Gálatas 6.7-8

      Se a salvação está na persistência, primeiro para crer e depois para praticar, a perdição também está, na teimosia primeiro em pecar e depois em não pedir perdão pelo pecado. Nossa insistência define o que somos e o que levaremos para a eternidade. Ela é um processo que pode mudar até uma intenção, que a princípio era boa, já que com o tempo harmonizam-se intenção e prática. Quando a prática do pecado estabelece uma intenção de não se importar mais em pecar, a pessoa pode chegar a um ponto sem volta, onde será feita uma escolha terminal. Por mais que Deus ame a todos e tenha sempre a porta aberta de sua melhor vontade, ele respeita o livre arbítrio, que pode encerrar as chances que alguém tem neste mundo para mudar de vida. O amor de Deus desiste de alguém? Não, só a vontade do homem é que desiste de se arrepender e de seguir no melhor de Deus para sua vida.  
      Deus não tem limites, o homem tem. Uma escolha de reação emocional errada, mantida por tempo demasiado, pode instalar doenças emocionais, síndrome de pânico, depressão, ansiedades, que de mentais passam a ser doenças físicas, levando a dificuldades para dormir e outros males. Quando se trata de doenças emocionais não podemos cometer a irresponsabilidade de generalizarmos, várias são as causas, inclusive no sentido inverso, ao invés do emocional interferir no físico, um desajuste químico, que é físico, poder interferir no emocional. Mas seja como for, o homem tem limites, se não administrar bem corpo e mente, dores que começaram como eventos mentais, podem se tornar físicas, para quem lidou mal por muito tempo com pensamentos e sentimentos. Isso também é o poder, negativo, da fé, acabamos nos tornando o que cremos ser, seja para o bem, seja para o mal. 
      Por um bom tempo em nossas vidas ainda tentamos nos convencer, às vezes por estarmos frequentando igrejas onde ouvimos um ideal de Deus para nossas vidas e que constitui o único caminho para o céu. Dessa forma dizemos para nós mesmos, “cometo esse erro o tempo todo, mas não sou isso, Deus conhece minha sinceridade, sabe de minha intenção”, contudo, não conseguimos fazer isso para sempre. Quando existe essa incoerência um dia poderemos desistir de nós, e isso para podermos ter alguma sanidade mental, para que cesse o conflito dentro de nós, entre o que queremos ser e o que vemos que somos. Dessa forma acabamos assumindo o que a nossa prática, e não a nossa intenção, mostra que somos. Eis um momento crucial nas existências das pessoas, que define o motivo principal de porque estão neste mundo, assim como o que serão na eternidade. Pode ser um triste momento. 
      Como a depressão é algo que se instala em nossas cabeças, e que num determinado momento de nossas vidas pode ser de difícil cura, ainda que administrada com medicamentos, o inferno também é instalável em nossos espíritos, e num determinado momento de nossas vidas pode ser irreversível. Quando não queremos pensar sobre algo ou aceitar algo, temos a tendência de generalizar e jogar num extremo, assim, não entenda inferno como uma vida dominada pelos prazeres do corpo, na devassidão, em pecado, não, inferno não é só isso. Inferno é dor sem fim, e dor pode estar bem escondida em vidas que desistiram de anulá-la com fugas. Existe gente dentro de igrejas assim, controladas exteriormente (por remédios), socialmente resignadas, mas sendo “cavalos” de terríveis sofrimentos, muitos que de boca confessam o céu, mas que no coração já se condenaram a um inferno há algum tempo.
      A maneira de ver muitas coisas deste que vos escreve, não é melhor e acho que também não é pior que a maneira de outros cristãos, mas a maneira de ver deste espaço virtual é diferente. Geralmente sou levado pelo Espírito Santo a não tirar aquelas conclusões mais óbvias, tento ver aquilo que pode estar escondido, que a princípio pode parecer uma coisa, mas que se olharmos com atenção veremos que é outra. Penso que Jesus trouxe uma crítica assim para a religião tradicional de sua época, viu além do óbvio, discerniu o pecado não na aparência, mas na intenção, assim a minha interpretação do termo “carne” do texto bíblico inicial tenta ir além daquilo que muitos ensinam. A leitura que faço desse termo não se refere aos pecados dos prazeres do corpo, mas a uma disposição mais interior, que ainda que explicitamente não peque também não coloca Deus no melhor lugar do ser humano.
      Por que isso é relevante? Porque a abundância de igrejas e pregadores, principalmente na internet, com sites e canais de vídeos, popularizou o ensino evangélico. Hoje muitas pessoas conhecem a Bíblia, contudo, conhecem do jeito tradicional e superficial, assim só mais do mesmo. Muitos se acostumaram a pregar o que a maioria gosta de ouvir. Suponha, que em uma igreja pentecostal, onde vários pregadores podem usar o púlpito e não só o primeiro pastor, como acontece em igrejas protestantes tradicionais, fosse feito o desafio de durante um certo tempo não se pregar sobre os milagres de Jesus, a cura da mulher com o fluxo de sangue e outros. Acho que os pregadores teriam dificuldades para entregarem palavras diferentes, mesmo para olharem um Deus que faça coisas mais importantes que milagres físicos. Bem, esse é o jeito óbvio de se ver a palavra de Deus, tento ver diferentemente.
      Sobre o que temos semeado, sobre a carne ou sobre o Espírito? Todos precisamos trabalhar, mas até que ponto exageramos no esforço pessoal para não termos fé em Deus? Ambos os extremos são inadequados, não é sábio dependermos só do que é feito diretamente pelas nossas mãos, tanto quanto não é sábio só dependermos daquilo que vem das divinas mãos, é preciso equilíbrio, pés na Terra e olhos no céu. Quem chegou num ponto onde não acredita mais num Deus que tudo controla, e que conta com nossos esforços tanto quanto com o que não podemos fazer, quem acha que só depende do próprio trabalho, parou de olhar para o céu e semeia na carne. Muitos até respeitam Deus, mas se negam a depender dele pela fé, dependem só deles mesmos. O tempo, ainda neste mundo, mostrará os frutos de tal escolha, mas tenhamos cuidado, algumas escolhas podem ser irreversíveis e terminais. 

Esta é a 63ª parte da reflexão
“Quem você será na eternidade?”
dividida em 90 partes, para melhor
entendimento leia toda a reflexão.

José Osório de Souza, março de 2021

sábado, abril 02, 2022

Qualidade da dor (62/90)

      “Amados, não estranheis a ardente prova que vem sobre vós para vos tentar, como se coisa estranha vos acontecesse; mas alegrai-vos no fato de serdes participantes das aflições de Cristo, para que também na revelação da sua glória vos regozijeis e alegreis. Se pelo nome de Cristo sois vituperados, bem-aventurados sois, porque sobre vós repousa o Espírito da glória e de Deus; quanto a eles, é ele, sim, blasfemado, mas quanto a vós, é glorificado. Que nenhum de vós padeça como homicida, ou ladrão, ou malfeitor, ou como o que se entremete em negócios alheios; mas, se padece como cristão, não se envergonhe, antes glorifique a Deus nesta parte.
I Pedro 4.12-16

      O que nos define espiritualmente é a qualidade de nossas dores, se entendêssemos isso entenderíamos o real motivo de vivermos no mundo. Os textos de Moisés deixam isso bem claro nos primeiros capítulos de Gênesis. Ainda que sejam entendidos só como mitos, e como tais podem ter significados ainda mais profundos que se entendidos só ao pé letra, Adão, o Éden, a árvore do conhecimento do bem e do mal, a serpente, o pecado original e as consequências desse pecado, mostram que a vida no planeta Terra pós-queda é de dor. A civilização evoluiu, a ciência permitiu confortos que não se tinha há quinhentos, mil anos atrás, mas a dor segue, só mudaram os motivos para que ela exista, nesse mundo continuará até o juízo. Na verdade as dores aumentaram, mesmo numa humanidade com tantas facilidades tecnológicas, hoje existem sofrimentos que não existiam no passado. 
      O homem não evolui sem sofrer, negar a dor é negar a evolução. Jesus lutou contra uma dor que sentia por ter que salvar a humanidade, não foi pelo remorso de um pecado cometido, pela culpa de um prazer do corpo desfrutado na hora, no lugar ou com a pessoa errada. Paulo sofreu na prisão (II Timóteo 4), abandonado por muitos companheiros, só por ter pregado o evangelho de amor do Cristo aos homens de seu tempo. Muitos cristãos atuais estão sofrendo por não fazerem conchavos sujos com homens, o que poderia lhes render mais prosperidade nos negócios, status e aprovação no mundo. Alguns sofrem por não conseguirem vencer vícios como tabagismo, alcoolismo e de outras drogas, contudo, muitos de nós sofremos só por não termos resistido a um sentimento de vingança, ou talvez só por termos assistido um vídeo impróprio ao invés de amarmos nossos cônjuges. 
      Por um amor fraternal que se sacrifica, ou por culpa por prazeres egoístas, o que nos causa dor? Medo ou culpa? Orgulho ou frustração? Quebra de alianças que fizemos com nós mesmos, com nossos corpos, com nossas saúdes físicas e mentais, ou quebra com aqueles compromissos que fizemos com Deus quando entendemos que viver melhor é ajudarmos os outros e não só satisfazermos a nós mesmos? A qualidade de nossas dores nos define muito mais que a qualidade de nossos prazeres, porque só a dor mais pura e altruísta nos dará direito ao melhor de todos os prazeres, o espiritual que agrada a Deus. Na eternidade seremos só isso, nossa intenção mais interior de agradar a Deus. Se ela existir teremos direito ao melhor céu, caso contrário, ainda que tenhamos sido bons cidadãos e ótimos religiosos no mundo, nossa intenção de só usufruirmos para o próprio deleite já construiu um inferno em nós. 
      Se sobre nós repousa o Espírito Santo do Altíssimo, e se somos verdadeiros e respeitosos com sua voz, sempre sofreremos por Deus. Quem sofre por si não sofre por Deus, se o sofrimento teve como causa sentimento de vitimização ou pecado, não há glória nele, só egoísmo ou efeito de erro. Mas no arrependimento sincero e no desejo de não se errar mais, existe uma dor que agrada a Deus, ainda que seja efeito de pecado nosso, pois nisso o Senhor vê que ainda que pequemos não queremos pecar, porque entendemos que isso desagrada a ele. O ímpio segue errando e errando, não sofre porque erra, joga a culpa de seus erros nos outros, na vida, no destino e até em Deus, não assumirá seus “b.o.s”, como se diz hoje. A dor de qualidade é a que vem não como efeito de pecado, mas como temor de algo que teremos que passar, e não nos negamos a isso por querermos agradar a Deus. 
      Não somos transformados da noite para o dia, não nos libertamos de vícios rapidamente, e com muitos vícios lutaremos por toda a vida. Por isso a dor é constante, mas temos que lutar contra o pecado, até o fim, e lutarmos com a arma certa. A arma certa é acostumarmos todo o nosso ser com o bem, com a paz, com o amor, com a confiança num Deus que nos conhece, cuida de nós e nos conduz em vitória. Damos início a isso com uma vida de oração no Espírito Santo, experiência que impressiona todo nosso ser, razão e emoção, corpo e espírito, só assim mudaremos nosso espírito diante de Deus, não só nosso corpo e nossa vida social, que exteriormente podem até estarem corretos diante dos homens. É a qualidade de nosso espírito que definirá nosso céu e nosso inferno, nosso melhor homem interior que será manifestado no plano espiritual e que seguirá conosco para novos céus e nova Terra. 

Esta é a 62ª parte da reflexão
“Quem você será na eternidade?”
dividida em 90 partes, para melhor
entendimento leia toda a reflexão.

José Osório de Souza, março de 2021

sexta-feira, abril 01, 2022

Poder da fraqueza (61/90)

      “E quando chegou àquele lugar, disse-lhes: Orai, para que não entreis em tentação. E apartou-se deles cerca de um tiro de pedra; e, pondo-se de joelhos, orava, dizendo: Pai, se queres, passa de mim este cálice; todavia não se faça a minha vontade, mas a tua. E apareceu-lhe um anjo do céu, que o fortalecia. E, posto em agonia, orava mais intensamente. E o seu suor tornou-se em grandes gotas de sangue, que corriam até ao chão. E, levantando-se da oração, veio para os seus discípulos, e achou-os dormindo de tristeza. E disse-lhes: Por que estais dormindo? Levantai-vos, e orai, para que não entreis em tentação.
Lucas 22.40-46

      Quando Jesus orou no Getsêmani até suar sangue, precisando da companhia de seus melhores amigos, que não resistiram ao sono da vigília e o deixaram só, Jesus sentiu toda a dor da fraqueza humana. Racionalmente ele sabia o que poderia passar, o que teria que passar, o que passaria, mas como homem encarnado, e não como Deus, ele fez o que qualquer um de nós, em sã consciência, lúcido e saudável, faria, ele tentou “negociar” com Deus. Procure entender certo o termo, não existe nada de errado nisso e mesmo referindo-se a Jesus. É o mecanismo de sobrevivência do homem tentando manter o corpo físico íntegro, e isso não é necessariamente pecado, covardia ou fuga. Deus espera de nós tal reação, ela é legítima se vivida em Deus, com o temor do Senhor que se coloca humildemente debaixo dele, ainda que procurando um jeito de escapar de sua inevitável vontade.
      Meus queridos, muitas vezes a dor de viver é enorme, insuportável, e todos passamos por ela. É a morte levando um ente querido, às vezes antes daquilo que achamos ser o melhor tempo e a melhor maneira, é a injustiça do poderoso que pode deixar mesmo crianças sem terem o que comerem, é a violência dos egoístas e devassos, que pensando só em seus prazeres e vaidades não se importam em machucar os outros. Contudo, também pode ser algo que pouco representa para os outros, mas que nos fere de maneira avassaladora. A dor pode parecer infinita e com tal potência que achamos que nos levará à morte, sentimos o lado esquerdo do peito comprimido, o coração descompassado, um gosto amargo na boca, achamos que a qualquer momento perderemos as forças e desfaleceremos, vencidos por algo que não temos controle. Jesus sentiu isso e mais, antes de ser preso e crucificado.
      O antigo testamento, a velha aliança, é a vitória do forte sobre o enfraquecido, que está fraco por estar longe de Deus, da força sobre a fraqueza, numa guerra física e externa. O novo testamento, contudo, a nova aliança, é o contrário, é a vitória da fraqueza sobre o forte que se sente enganosamente forte por não se conhecer nem a Deus, do fraco sobre si mesmo numa guerra espiritual e interna. Jesus pregou sobre isso em seu ministério, mas acima de tudo praticou isso, não só para viver como também para morrer. O evangelho ensina que a vitória está, não em reagir, ainda que se tenha razões legítimas para isso, mas em não reagir, não em usufruir, mas em sentir a falta, aceitar isso e ainda estar em paz. Não é só uma questão de ser masoquista, de achar que sofrer a dor nos oferece direito a algum crédito. Isso seria vaidade e pode ser muito mais transtorno psicológico que espiritualidade.
      Não é fácil para ninguém suportar a dor de viver, e viver é administrar uma dor constante. Na verdade, não vamos atrás de prazer, só tentamos fugir da dor, mas crescer espiritualmente é conseguir fazer isso construindo dentro de nós os melhores valores morais, nos libertando dos vícios do corpo, resistindo a toda espécie de vaidade. A luta ocorre todos os dias, e ainda que hoje experimentemos felicidade, amanhã nosso corpo e nossa alma se esquecerão disso e tornarão a sentir dor. “Mas aquele que perseverar até o fim será salvo” (Mateus 24.13), eis algo que temos que repetir para nós mesmos o tempo todo, pedindo perdão pelo pecado, não nos acostumando com o pecado ainda que ele teime em nos subjugar, tendo humildade para reconhecer sempre que pecar é uma escolha pessoal que fazemos, não é culpa dos outros, mas é responsabilidade nossa, tanto quanto é pedir perdão por isso. 
      E disse-me: a minha graça te basta, porque o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza; de boa vontade, pois, me gloriarei nas minhas fraquezas, para que em mim habite o poder de Cristo” (II Coríntios 12.9), Paulo define o conceito “poder da fraqueza” usando experiência própria, e todos que forem amigos genuínos de Deus não só entenderão isso, mas também não terão receio de admiti-lo. Gloriar-se na fraqueza não é alegrar-se pelo prazer que o pecado entrega, não, pecado sempre tem que nos entristecer. Bem-aventurado os que se entristecem profundamente com o pecado, por mais que isso pareça contraditório. Experimentarmos a dor que vem da frustração por não agradarmos a Deus, é estarmos em comunhão com o Espírito Santo, e esse sempre nos diz “mas como é santo aquele que vos chamou, sede vós também santos em toda a vossa maneira de viver“ (I Pedro 1.15).

Esta é a 61ª parte da reflexão
“Quem você será na eternidade?”
dividida em 90 partes, para melhor
entendimento leia toda a reflexão.

José Osório de Souza, março de 2021