terça-feira, agosto 30, 2022

O mistério da fé (30/92)

      “Guardando o mistério da fé numa consciência pura.” I Timóteo 3.9

      Nós gostamos de ter controle sobre as coisas, assim queremos ter certezas, se não temos, sofremos. Pessoas de nível financeiro e intelectual menor, ocupadas em trabalhar para comprar a próxima refeição, querem no máximo controle sobre comida e moradia, contudo, aqueles com mais grana e estudo querem controlar o planeta. Essa intenção não é em si errada, tratar melhor a natureza e os animais, de modo a se ter mais e melhor qualidade de vida, não só para hoje, mas para o futuro, é algo correto e necessário. Lutar por direitos iguais para uma sociedade sem preconceitos que respeita as diversidades. também é justo e o único jeito de nos desenvolvermos como civilização. 
      A questão, contudo, é querer exercer esses controles sem Jesus e seus ideais morais, sem interagir com o mundo espiritual e confiar em Deus, sem preparar-se para uma eternidade espiritual. Aqueles que se consideram melhores no mundo, endeusam a ciência, a colocam no lugar de Deus, justamente porque através dela podem se achar no controle, com certezas materiais e racionais sobre o universo. Assim o ser humano acha ter encontrado o caminho para a evolução, não entende que isso é apenas uma fase, ainda que de muitas clarezas, uma fase de negação da iluminação maior de Deus. No fim de toda etapa há o desvio maior da verdade, mas só há vida depois da morte e o homem morre várias vezes. 
      As coisas espirituais são intraduzíveis pela matéria, ainda que tenhamos muita sensibilidade espiritual, adquirida com santidade e temor a Deus, e conheçamos a linguagem da matéria profundamente, não podemos de fato explicar conhecimentos espirituais. Por isso toda religião é parte mentira e parte verdade, todas elas, parte se sabe e parte se crê. Se por um idioma do mundo temos dificuldade para traduzir um outro idioma, muito mais difícil é um idioma desse mundo tentar traduzir o idioma do outro mundo. No mundo isso acontece porque as pessoas são diferentes, de culturas, histórias e principalmente de óticas religiosas diferentes, assim as construções emocional e social dos seres humanos mudam. 
      Por mais que certos valores e sentimentos nos pareçam semelhantes, uma pessoa do mundo árabe dá ao amor um significado diferente que dá uma pessoa latina, por exemplo. Em lugares diferentes virtudes têm preços diferentes, um passado histórico que marcou a mente coletiva com elementos diferentes. Muito mais é o mundo espiritual, livre de matéria, espaço e tempo, o amor que Deus sente e compartilha é muito mais pleno, perfeito, abrangente que o amor que os seres humanos experimentam no mundo. Deus expressa-se com pureza, sem filtros, sem atemporalidades, e de forma única para todos, o que varia é nossa percepção e capacidade de compreender e interpretar suas virtudes e conhecimentos. 
      O mundo espiritual não precisa de palavras, de idiomas, ele simplesmente é praticado, a partir de um simples olhar, eis o mistério. O que nos traz consolo quando oramos, é recebermos uma emanação de luz do Altíssimo, nisso nossas mentes podem traduzir, em simples frases se tiverem a inteligência da síntese, uma sabedoria profunda. Por que a Bíblia é livro sagrado superior a outros livros sagrados? Porque ela tem registros disso, de olhares de luz de Deus, onde versículos traduzem palavras vivas. Davi e Salomão têm textos assim, que alimentarão as almas humanas por muito tempo, mas ninguém foi melhor que Jesus para expressar essa síntese, a lista das bem-aventuranças em Mateus 5 é exemplo disso. 
      As verdades mais altas não podem ser formuladas, definidas, vendidas como receitas, isso seria prendê-las e limita-las, quem entende isso nunca terá plena certeza das coisas, por isso precisará crer, e eis o motivo pelo qual fé é tão enfatizada no ensino de Jesus. Uma verdade de fato de Deus não fecha, abre, não muito, mas deixa aberta outras muitas possibilidades, faz com que o ser humano se sinta satisfeito, revigorado, mas vivo e vivo queremos seguir aprendendo mais. A palavra de Deus que acessamos pela fé sempre nos deixa com vontade de querer mais, assim levantamos novas perguntas, crer é admitir não saber, e isso de forma gradativa, quanto mais se crê, mas se sabe e mais se sabe que não se sabe.
      Uma diferença entre a religião de Israel, a velha aliança, e o evangelho, a nova aliança, é que uma se acessa por obras e a outra por fé, Paulo dedicou grande parte de suas cartas a explicar essa questão, a diferenciar o ensino de Moisés do ensino de Cristo. Pela realização de obras se faz algo e se tem direito a receber algo, é tudo material e paupável, mas receber pela fé mostra que o homem não pode entender como Deus trabalha, não pode pagar o que Deus dá, mas aceita só por confiar em Deus. Na nova aliança obras acontecem depois, como consequência da fé, não como moeda de negócio, são efeitos, não causas. Quem recebe favores religiosos por obra não é desafiado a saber mais, mas acha que já sabe tudo pelas leis.
      Mesmo no cristianismo, muitos vivem por obras, não por fé, acham que podem receber favores de Deus por serem assíduos em cultos, obedientes a dogmas e fiéis nos dízimos. Nisso é preciso alguma fé, se envolve Deus e o mundo espiritual sempre é preciso, mas não aquela fé maior que conduz o ser humano a conhecer mais profundamente a Deus, a fé necessária nesse caso é só para conhecer e praticar uma religião. Para que ter dúvidas e crer quando tudo que se precisa saber é ditado por sacerdotes, pastores e livros? Não se crê porque se sabe, quem sabe não carece acreditar, na fé não se tem certeza, nem se precisa ter, mas se aprende a confiar em Deus, ainda que se tenha racionalmente muitas dúvidas. Só crê quem não sabe. 

Leia nas próximas postagens
as outras partes desta reflexão
José Osório de Souza, 8/10/2021

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