segunda-feira, agosto 01, 2022

Por que somos cristãos? (1/92)

      “Porém o Senhor disse a Samuel: Não atentes para a sua aparência, nem para a grandeza da sua estatura, porque o tenho rejeitado; porque o Senhor não vê como vê o homem, pois o homem vê o que está diante dos olhos, porém o Senhor olha para o coração.I Samuel 16.7

      Iniciando hoje, noventa e duas reflexões sobre espiritualidade, santidade, fé, mundo, eternidade, temas que cumprem o objetivo maior da chamada profética do espaço “Como o ar que respiro”. Por que falarmos sempre disso? Talvez a pergunta seja: por que somos cristãos se não for para entendermos e vivermos tudo isso? A não ser que estejamos querendo com o cristianismo só mais uma religião, se for isso fatalmente seremos presas de homens, não livres em Deus, manadas de líderes humanos, não rebanho espiritual de Jesus. O que de fato queremos como cristãos, indo a igrejas, lendo Bíblia, cantando louvores e orando? 
      O cristianismo é lugar bem adequado para quem quer só uma religião, principalmente na católica, com suas pomposas liturgias, com suas catedrais carregadas de história e de tradições, com cultos padronizados por sacramentos e dogmas. Quem não se sente num lugar digno de respeito quando está num templo católico? Parece museu, pede seriedade e austeridade por si só, mesmo que não esteja havendo uma missa. Isso é ruim? Não necessariamente, sou protestante desde os dezesseis anos, hoje tenho sessenta e dois, mas ainda sinto algo religiosamente instigante quando estou numa dessas velhas construções católicas. 
      Tive uma experiência significativa aos dezoito anos, quando fazia faculdade na P.U.C. de Campinas. No intervalo fui até à capela da universidade, uma sala comum, com cadeiras e um altar resumido à frente, me ajoelhei e me pus a orar. Um padre então entrou e me exortou duramente, disse ele, “como você se coloca de costas para o altar?”, intimidado saí do local. Eu estava de joelhos, de frente para uma cadeira, mas de costas para a frente da capela, isso escandalizou o sacerdote. Não  importou a ele o fato de eu estar falando com Deus, mas só o fato de eu ter inflingido algum protocolo, nem quis saber se eu era católico ou não. 
      Seria injusto de minha parte fazer qualquer generalização, dizer que todos os sacerdotes católicos agem assim, nem estou me eximindo de ter desobedecido alguma regra importante para alguém, mas ele poderia ter me perguntado se eu conhecia a regra. Aquilo poderia ser uma oportunidade dele me evangelizar, afinal deve ser mais fácil para alguém que está orando dentro de uma capela querer a Deus que outras pessoas. Mas como eu disse foi uma experiência significativa, revelou uma faceta icônica do cristianismo católico, a importância que ele dá a símbolos, rituais e tradições, mais que ao vivo Espírito Santo do Deus altíssimo. 
      Sei que critico o catolicismo, e também critico o protestantismo, mas critico como instituições, já o ser humano católico ou evangélico, sincero e cheio de fé, não deve ser julgado. Deus ouve todos os que o buscam, estejam onde estiverem, e muito mais em catedrais e templos, que ainda que carregados de tradições e mesmo de doutrinas adicionadas ao puro evangelho, recebem quem ora ou reza em nome do Cristo. Mas isso também não me desobriga de instar sobre a necessidade de experiências espirituais mais diretas e profundas com Deus, e para isso nem é necessário muito do que o cristianismo do mundo exige. 
      Um perigo da religião é nos acomodarmos a ela e acabarmos achando que ela é Deus, usando o exemplo acima, se eu não rezar de frente para o altar estarei pecando. Esse tipo de entendimento já deveria ter ficado claro para todos nós que é errado, baseado nas reações que Cristo homem teve diante dos religiosos judeus do primeiro século, quando exortou sobre a relevância do interior sobre a aparência, do espírito sobre a matéria, do amor sobre protocolos religiosos. Contudo, fazem mais ou menos dois mil anos que Jesus esteve no mundo e religiosos ainda não entenderam o que é a religião que de fato agrada a Deus. 
      Reflitamos um pouco mais, não em como somos vistos como religiosos no mundo, não em como a sociedade nos vê como católicos, batistas, presbiterianos, assembleianos ou outros. Os homens veem o exterior e podemos passar vidas inteiras nos esforçando para exibirmos bons exteriores religiosos para eles, mas o que de fato há em nosso interior só Deus sabe. O que levaremos para a eternidade? Nossos espíritos, o que está dentro de nós, as aparências todas ficarão neste mundo. Que tenhamos coragem de vencer o orgulho e a vaidade de querer mostrar, não ser, e ser para Deus, não para padres, pastores ou outros. 
      O texto bíblico inicial relata a chamada de Davi, quando seu pai tentou apresentar ao profeta Samuel outros de seus filhos, porque achava que esses agradariam mais, mas Deus disse que escolheria conforme o coração, não pela aparência externa. Muitos se fiam em igrejas pela grandiosidade que elas têm no mundo, sentem-se seguros de estarem agradando a Deus porque, afinal de contas, são membros fiéis de instituições estabelecidas, como a milenar igreja católica, ou mesmo protestantes seculares. Mas mesmo denominações evangélicas e pentecostais mais novas, inspiram confiança em muitos por terem grandiosos templos.
      Grandioso é o engano de muitos, mas é ele que impede tantos de buscarem mais direta e profundamente a Deus. A busca verdadeira requer aprovação só de Deus, não de homens, exigirá consagração e oração solitárias, sem o suporte luxuoso de templos e ministérios. Isso não significa sair de igrejas, de forma alguma, mas significa colocá-las em seus devidos lugares, locais para reuniões sociais e um conhecimento mais exotérico de Deus, bom para crianças e novatos na fé, eis a verdade, e não interpretem isso como algo arrogante. Não é arrogância, é humildade, quem busca mais a Deus não faz propaganda, guarda para si. 
      Será que os outros irmãos de Davi, apresentados orgulhosamente pelo pai a Samuel, suportariam toda a perseguição que Davi recebeu diretamente de Saul, o rei deposto por Deus e que não aceitava isso? Davi teve que viver como pária por algum tempo, até ter a honra de ser entronizado rei de Israel. Quem quer a vaidade de parecer bom religioso para homens não suporta as provas da busca da espiritualidade mais alta, provas para a humildade e a santidade mais puras. Por que somos cristãos? Se somos para Deus nada nos impedirá de sermos, nem nossos egos, nem os homens, nem os demônios, nem o mundo, nem a religião. 

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