sexta-feira, agosto 19, 2022

O que é espiritualidade? (19/92)

      “Mas, como está escrito: As coisas que o olho não viu, e o ouvido não ouviu, e não subiram ao coração do homem, são as que Deus preparou para os que o amam. Mas Deus no-las revelou pelo seu Espírito; porque o Espírito penetra todas as coisas, ainda as profundezas de Deus. Porque, qual dos homens sabe as coisas do homem, senão o espírito do homem, que nele está? Assim também ninguém sabe as coisas de Deus, senão o Espírito de Deus.
      “Ora, o homem natural não compreende as coisas do Espírito de Deus, porque lhe parecem loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente. Mas o que é espiritual discerne bem tudo, e ele de ninguém é discernido. Porque, quem conheceu a mente do Senhor, para que possa instruí-lo? Mas nós temos a mente de Cristo.
  I Coríntios 2.9-11, 14-16

      Para a doutrina cristã protestante espiritualidade é a pessoa do Espírito Santo nos homens, permitida pela conversão a Cristo salvador, para se tornar meio para acessar Deus pela porta que é Jesus espiritual no céu. Jesus é começo e fim, o Espírito Santo é o único meio, Deus é tudo em todos e suas virtudes mais altas são o objetivo da espiritualidade cristã. O texto inicial diz que quem sabe de Deus é seu Espírito, assim não é a religião ou costumes religiosos que fazem de um ser humano possuidor de espiritualidade, mas a liberdade que o Santo Espírito tem nele para conectá-lo a Deus. 
      O texto diz mais, sem o Espírito de Deus o homem é um ser “natural”, toda a humanidade está originalmente nessa condição, nela o ser é incompatível para entender a espiritualidade mais elevada de Deus, ainda que tenha conexão com “outros” espíritos, porque só o Santo Espírito nos dá a “mente de Cristo”. Não basta o corpo, os sentimentos e mesmo os pensamentos experimentarem conhecimentos espirituais, o homem precisa provar uma metamorfose que transforma sua mente natural em “mente de Cristo”, só assim poderá conhecer a verdadeira espiritualidade e praticá-la. 

     Espiritualidade, termo usado por pessoas e religiões diferentes para referirem-se a coisas semelhantes, mas não exatamente iguais. De maneira geral o termo refere-se a valores espirituais, uma parte do ser humano que opõe-se à matéria, que não pode ser percebida puramente pelos sentidos físicos, que não pode ser provada cientificamente, que é eterna, que dialoga com o divino. Refere-se também a capacidades e talentos que seres humanos têm para se comunicarem com o plano espiritual, e nisso pode não existir qualidade moral, já que no mundo espiritual podem existir deuses, divindades, entidades, potestades, anjos, arcanjos, demônios, e como creem muitos, espíritos de pessoas mortas, dentre outros seres espirituais. 
      O cristianismo tradicional usa o termo espiritualidade para definir a boa espiritualidade, já que para ele só com essa é autorizado ao homem ter comunhão especificamente com Deus pai, Deus Espírito e Deus filho, Jesus Cristo. Para a doutrina protestante os seres humanos não devem tomar iniciativa de fazer conexão mesmo com anjos, os bons seres espirituais. Para a doutrina cristã protestante em espiritualidade implica contato com bons seres espirituais, assim o termo está ligado a boa moral, virtudes morais, santidade, justiça, amor etc, já vícios e pecados estariam ligados à ausência de virtudes e moralidade, assim para o meio cristão se não há Deus, não há espiritualidade, quem não tem moral não é espiritual.
      A religião espírita, o kardecismo ou espiritismo, é mais humanista, entendendo espiritualidade como elevação moral do indivíduo, dependendo dele construir sua graduação espiritual, assim ser espiritual é adquirir virtudes e virtudes expressas em obras. Para o espiritismo ser espiritual está mais ligado ao que o homem faz do que ao que ele crê, não se é espiritual porque se é cristão e se adora a Deus, mas porque se tem uma vida prática de caridade, justiça e santidade, e principalmente de caridade, servindo o próximo em amor. Se para o cristão tradicional ser espiritual é relacionar-se com Deus pela fé, para o espírita relacionar-se com o próximo em amor é o que de fato evidencia espiritualidade, e isso não é mais fácil, é mais difícil. 
      Não vou refletir sobre outras críticas que o cristianismo tradicional faz ao kardecismo, não é o ponto deste texto. Contudo, é justamente aquilo que o protestantismo considera falta de espiritualidade, ou seja, comunicação com mortos e reencarnação, vendo um como contato com anjos caídos e o outro como negação da salvação gratuita pela fé em Cristo, que o espiritismo considera pontos de espiritualidade, ou seja, mediunidade que ensina e evolução por mérito próprio. Será que os evangélicos não deveriam considerar o fato de que muitos que eles acham ter ligações com Satanás, possuirem em suas vidas práticas virtudes morais e obras reais de amor, para então reavaliar seus conceitos de espiritualidade?

      Esse entendimento do que é espiritualidade foi introdução para o ponto desta reflexão, que é uma pergunta: qual é a essência de Deus? Muitas linhas religiosas ou metafísicas, entendem Deus como uma luz, ou como uma frequência muita alta, como uma onda, ou mais, como uma energia. Nem vou afirmar que Deus não possa ser percebido pelos nossos sentidos físicos, impressionados por nossos espíritos, dessa maneira. Como não podemos ver e ouvir Deus diretamente por nossos sentidos físicos, que recebem um eco daquilo que nossos espíritos percebem e tentam fazer uma interpretação grosseira disso, quando oramos ao invisível podemos sentir o Espírito Santo como uma luz, como um som, mesmo como uma energia. 
      Apesar de crer que a humanidade chegará num tempo onde muita coisa que se considera parte do mundo espiritual poderá ser comprovado pela ciência, um momento onde religião e ciência não serão mais oponentes, mas amigas, pessoalmente não considero adequado considerar as coisas espirituais como elementos e eventos inteligentes mas desprovidos de virtudes morais. Ainda que possamos perceber Deus como uma luz claríssima, é uma luz provida de amor, santidade e principalmente de extrema empatia com o ser humano, por isso Jesus homem é e sempre será a expressão mais completa de Deus que a humanidade conheceu. Se Deus se mostrou como Jesus, ter espiritualidade é ser como Jesus, não como uma energia. 
      Ainda que sinceros e bem intencionados, os que tentam ver Deus, seres espirituais e comunicações com esses, só como um estudo científico, se possível para obterem comprovações materiais, mapeando as partes invisíveis do ser, alma, espírito, perispírito, fluídos espirituais etc, podem até conhecer a Deus, mas só seu “corpo”, não seu “espírito”. Um médico pode definir o ser humano como ossos, nervos, veias, órgãos, membros, carne e pele, mas todo esse conhecimento não curará depressão e insanidade, contudo, alegria, esperança, paz, podem harmonizar não só o corpo físico, mas também o espirito. Deus está em todo o universo, visível e invisível, conhecer isso é bom, mas só tem vida eterna quem conhece sua essência.
      Deus nos atrai com amor, para que sejamos santos respeitando nossas idiossincrasias, isso é um contato pessoal e afetivo buscando nosso aperfeiçoamento moral. Não é como o de um transmissor de ondas para um receptor, como de uma emanação de luz para uma área escura, de um raio do céu para um campo vazio, mas como o apelo carinhoso de um pai para um filho, respeitando todas as imperfeições desse filho. Não precisamos entender intelectualmente como isso acontece, por isso a fé é tão enfatizada no evangelho, basta-nos crer, e isso qualquer ser humano, indiferente de sua cultura, educação ou posses, pode fazer. A espiritualidade mais elevada se manifesta com simplicidade, traz paz e nos faz seres humanos melhores.

Leia na postagem de amanhã
a 2ª parte desta reflexão.
José Osório de Souza, 3/09/2021

Nenhum comentário:

Postar um comentário