quarta-feira, setembro 07, 2022

Quando Deus usa o errado (38/92)

Introdução

      “Quem é aquele que diz, e assim acontece, quando o Senhor o não mande? Porventura da boca do Altíssimo não sai tanto o mal como o bem?Lamentações 3.37-38

      Muitos aliam o bem a Deus e o mal ao diabo, assim criam um embate maniqueísta que na verdade não existe. Deus administra tudo, ainda que para alguns trabalhos use seres espirituais de luz e homens de bem, e para outros use seres espirituais das trevas e homens estúpidos e sem sabedoria. ”Diabo” não é um poder equivalente a Deus só que do outro lado, é apenas uma criatura não querendo fazer o bem, ainda que só aja com autorização do Senhor. 
      Esta reflexão pode receber vários nomes, um deles é uma afirmação, “A coisa não é tão simples assim”, outro nome é “Palavras imediatas, palavras eternas”, visto que palavras proféticas diferentes podem ser entregues pelo Espírito Santo, sejam para resolver questões imediatas, sejam para questões mais duradouras. O texto a seguir cita dois governantes, o persa Ciro, que libertou Israel do cativeiro babilônico, e Saul, primeiro monarca de Israel.
      Nenhum desses homens foram, como pessoas, exemplos de homem de Deus, mas ambos foram usados por Deus para esse cumprir seus propósitos. Podemos encontrar nessas crônicas israelitas antigas similaridades com a história política recente do Brasil? Talvez. Mas com certeza eu achei uma lição importante no posicionamento do profeta Samuel e na maneira como Deus age no mundo, usando o bem e o mal para conduzir a humanidade. 

1. A coisa não é tão simples assim

      “Eu sou o Senhor, e não há outro; fora de mim não há Deus; eu te cingirei, ainda que tu não me conheças; para que se saiba desde o nascente do sol, e desde o poente, que fora de mim não há outro; eu sou o Senhor, e não há outro. Eu formo a luz, e crio as trevas; eu faço a paz, e crio o mal; eu, o Senhor, faço todas estas coisas.Isaías 45.5-7

      Assisti um vídeo que me deixou estarrecido, políticos e apoiadores importantes do governo do presidente do Brasil entre 2019 e 2022, comemorando em 2021 a aprovação de um evangélico ao S.T.F. (refletimos sobre isso nas duas postagens anteriores). O que me estarreceu foi uma mulher, importante nesse contexto, se levantar louvando a Deus e falando em línguas espirituais estranhas, visto o êxtase que ela sentia pelo ocorrido. Podemos analisar esse evento, que na minha opinião é mais importante que muitos cristãos acham que é, sob vários aspectos, mas o mais importante é entendermos que as coisas não são tão simples assim como avaliações rasas e tendenciosas podem achar que são, a vida nunca é simples. 
      A primeira coisa que preciso dizer é que sou cristão que acredita em dons espirituais para os dias de hoje, ainda que reconheça que eles sejam usados muitas vezes com boa intenção, mas de maneira infantil, e às vezes até encenados e forçados com más intenções. Mas a existência do falso não inviabiliza o verdadeiro, e mais, acredito que experiências com os dons espirituais descritos no novo testamento sejam caminho imprescindível para a espiritualidade mais elevada, que pode dar acesso a muitos mistérios da existência humana no universo. Exatamente por levar esse assunto tão a sério é que tenho dificuldade para aceitar que sua manifestação possa ocorrer em vidas em pecado ou equivocadas de alguma maneira. 
      Quem acompanha este espaço sabe do posicionamento deste que vos escreve sobre cristãos apoiando extrema direita política, principalmente um presidente negacionista da ciência e a favor de legalização mais ampla de armas, dentre outras coisas, assim, não considero que cristãos lúcidos estavam naquele grupo que vi no vídeo comemorando a aprovação do evangélico ao S.T.F.. Isso é o que eu penso, mas o que Deus pensa? Deus ama igualmente a todos e dá do seu Espírito a todos que buscam, assim, julgar que algo não é de Deus por ocorrer numa pessoa que em minha opinião não age corretamente em alguns assuntos não é sábio. Se fosse assim Deus não teria usado o catolicismo por séculos para abençoar a humanidade. 
      “Te cingirei ainda que tu não me conheças”, diz o texto de Isaías 45.5-7, tomo para mim essa palavra, eu não conheço a Deus como acho. “Faço a paz e crio o mal, eu, o Senhor, faço todas estas coisas”, o que dizer de uma declaração assim? Deus faz tudo, até usa o malvado para cumprir um propósito benigno neste mundo, e o contexto histórico desse texto se refere exatamente a isso, o rei persa Ciro, seguidor de outros “deuses”, sendo usado para livrar Israel, povo do Deus mais alto, de Nabucodonosor. A verdade é que não sabemos e não entendemos os caminhos do Senhor, eles muitas vezes são complicados, não por causa de Deus, esse é essencialmente reto, mas por causa dos homens e seus sistemas num mundo em confusão.
      Se Deus usou Ciro em seus propósitos, por que não pode usar um político de extrema direita? Isso é possível, apesar de muitos acharem que não é, dentre esses uns que idolatram outro mito, e na opinião desses, um mártire que foi preso injustamente como resultado de um golpe arquitetado por juízes do Paraná na operação Lava-a-jato. Como seres humanos, que buscam a luz mais alta de Deus, não podemos nos deixar ser enganados nem por um, nem por outro, ainda que um deles tenha apoio de lideranças cristãs, contudo, temos que aceitar que Deus usa quem quer. Nossos sentidos presos à matéria, ao tempo e ao espaço, não fazem ideia do que algo pode desencadear, do que deve ocorrer para que o fim melhor ocorra. 

2. Palavras imediatas, palavras eternas

      “Então todos os anciãos de Israel se congregaram, e vieram a Samuel, a Ramá, e disseram-lhe: Eis que já estás velho, e teus filhos não andam pelos teus caminhos; constitui-nos, pois, agora um rei sobre nós, para que ele nos julgue, como o têm todas as nações. Porém esta palavra pareceu mal aos olhos de Samuel, quando disseram: Dá-nos um rei, para que nos julgue. E Samuel orou ao Senhor. E disse o Senhor a Samuel: Ouve a voz do povo em tudo quanto te dizem, pois não te têm rejeitado a ti, antes a mim me têm rejeitado, para eu não reinar sobre eles.”  I Samuel 8.4-8

      Palavras imediatas e palavras eternas, o Espírito de Deus nos dá esses dois tipos de palavras, ambas verdadeiras, ambas acontecerão de um jeito ou outro. As imediatas refletem a misericórdia do Senhor, que precisa ajudar alguém em curto prazo, de qualquer jeito, principalmente se esse alguém, ainda que equivocado em muitas questões, o buscou com sinceridade. Eu vejo um cristianismo evangélico equivocado no Brasil, mas ainda assim sincero, que pai não se toca com um filho, que ainda que teimoso para cumprir sua vocação maior, procura sua ajuda aos prantos? Eu não sou Deus, mas sou pai, e como pai posso entender, pelo menos um pouco, a misericórdia do Senhor com o Brasil, ninguém duvide dela. 
      Os que não temem a Deus não podem entender a Deus, e muitos que se dizem cristãos agem assim, julgam e condenam muitos cristãos, mas não percebem a extensão da misericórdia do Senhor. Sim, penso que um momento espiritualmente tão íntimo como o registrado no vídeo que citei inicialmente, não deveria vir a público. Teve um propósito político para os que aparecem, agradando um eleitorado que acha o que é mostrado relevante, mas quando conveniência humana usa o nome de Deus comete sério pecado, em minha opinião, advertido nos mandamentos de Moisés (Êxodo 20.7). Exibir publicamente, algo que creio ser tão especial, vulgariza o dom do Espírito Santo, mas Deus tem paciência com isso, mais que eu tenho.
      Existe, contudo, uma palavra eterna de Deus que deve ser entregue, de um jeito ou de outro, essa é a que este espaço procura entregar, não com arrogância, mas como missão. Essa palavra revela uma vontade de Deus que vai além do momento atual do Brasil, e que conduz o homem a uma espiritualidade muito mais alta, que o cristianismo do mundo, que as igrejas protestantes e evangélicas, que o catolicismo e outras religiões, podem entender neste início do século XXI no planeta Terra. Nessa vontade mais alta, estupidez e infantilidade em nome do evangelho não cabem, mesmo com intenção sincera, e eu penso que o momento para que Deus cobre essa vontade mais alta já está chegando, ao Brasil e à toda a humanidade. 
      Quando Israel pediu um rei (I Samuel 8.4-8), Deus disse que não precisavam de um rei como as outras nações, ele era seu rei. Ainda assim, na insistência, Deus deu um rei conforme o coração de Israel, Saul, uma intenção sincera, mas errada, alcançou um objetivo vão que deu no que deu. Então, Deus levantou Davi, você acha que Davi era a vontade eterna de Deus para Israel? Também não era, mas era o melhor que Deus podia fazer com a realidade, e de fato Davi era um homem com um coração especial, que realizou grandes coisas, ainda que tenha cometido sérios pecados (II Samuel 11-12). A vontade maior do Senhor para Israel e para toda a humanidade sempre foi Jesus, um rei espiritual que conduz a um reino espiritual. 
      Você acha que durante o reinado de Saul, Israel não cultuava a Deus? Não oferecia sacrifícios, não adorava ao Senhor, não era cuidado pelo Altíssimo? Claro que tudo isso acontecia, e a religiosidade de Israel era sincera, assim como autêntica a atuação de Deus em suas vidas. O que um homem como o profeta Samuel devia pensar quando via tudo isso? Agia com temor a Deus, sabia que aquilo não era o melhor para Israel, mas que ele devia respeitar a escolha do povo e a vontade do Senhor, que tinha dado ao povo aquilo que o povo desejou. Situação semelhante ocorre com muitos cristãos com o governante eleito em 2018 no Brasil, nunca foi e nunca será o melhor, mas foi o que muitos quiseram, que “Samuel” respeite isso. 

Conclusão

      “Porque o Filho do homem virá na glória de seu Pai, com os seus anjos; e então dará a cada um segundo as suas obras.” Mateus 16.27
 
      Este texto representa algo muito especial para mim, uma palavra do Espírito Santo que mudou meu posicionamento diante de posicionamentos que muitos protestantes e evangélicos têm tomado diante da política, principalmente nos últimos quatro anos. Uma parte desses cristãos apoia envolvimento cristão com política no Brasil há algum tempo, pentecostais fazem isso há décadas, colocando membros de suas igrejas nas várias esferas da administração pública, mas o que temos visto, depois que o governante de extrema direita venceu a eleição de 2018, é mais significativo.
      Eu estou entendendo em Deus que não posso julgar, ainda que tenha entendimento de Deus que a igreja cristã precisa sair da infância e que o mais correto seria nenhum envolvimento de pessoas realmente espirituais com as coisas deste mundo, a não ser no mínimo exigido pela lei ao cidadão (Lucas 20.25). Contudo, aprendi muito com o procedimento do profeta Samuel, ele não abriu mão de sua chamada, da iluminação que tinha recebido, mas ainda assim respeitou as escolhas do povo de Israel, e principalmente, acatou o respeito de Deus diante das escolhas não tão adequadas do povo. 
      Assim, de fato, a coisa não é tão simples assim, aquele que quer viver com lucidez deve ter paciência, não se vender a lados, ainda que possa ser julgado como “isentão” ou “em cima do muro”, mas vigiar em Deus, esperando novos céus e nova Terra onde haverá justiça. Deus por sua vez abençoa mesmo o imperfeito, dá do seu Espírito mesmo ao infantil, ouve as orações mesmo do que pede algo que a longo prazo não será o melhor para ele, mas quem não é imperfeito, infantil ou que não pede insistentemente algo que poderá lhe prejudicar depois? A eternidade revelará a verdade.
      O título desta reflexão é “Quando Deus usa o errado”, mas muitos poderão dizer, “Deus usou para que esse governante de extrema direita, ele fez tudo errado?”, também tenho essa opinião, mas esse era o “Saul” que o povo cristão pediu, o “Ciro” que o povo cristão precisava no seu ponto de vista. Mas eu creio que Deus usou, sim, para mostrar que aquilo que o homem acha ser bom, mesmo bem intencionado, pode não ser. Muitos cristãos entendem isso hoje, após quatro anos? Não, na verdade muitos acham que o tal presidente fez tudo certo. Mas de novo digo, a eternidade os fará entender. 

      “Respondeu Jesus, e disse-lhe: O que eu faço não o sabes tu agora, mas tu o saberás depois.João 13.7

José Osório de Souza, 13/12/2021

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