sexta-feira, setembro 16, 2022

Salvação pela fé (47/92)

      “Mas Deus, que é riquíssimo em misericórdia, pelo seu muito amor com que nos amou, estando nós ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou juntamente com Cristo (pela graça sois salvos), e nos ressuscitou juntamente com ele e nos fez assentar nos lugares celestiais, em Cristo Jesus; para mostrar nos séculos vindouros as abundantes riquezas da sua graça pela sua benignidade para conosco em Cristo Jesus. Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus. Não vem das obras, para que ninguém se glorie” Efésios 2.4-9

      O cristianismo tradicional não pesa corretamente fé e obras, desequilibra os ensinos, assim pode não entender adequadamente textos bíblicos como o inicial. O texto conclui dizendo que a salvação não vem de obras, mas pela fé, o ponto é entendermos o que é a salvação referida. Salvação é comunhão com Deus, não aperfeiçoamento imediato, ainda que haja uma perfeição em potencial, salvação nos sintoniza com a espiritualidade mais alta de Deus. Essa salvação, que é o início de um processo, começa com uma oração de fé onde nos colocamos em Deus, isso é o chamado novo nascimento.
      Essa é a diferença principal que a nova aliança do Cristo entrega à humanidade, com relação à velha aliança de Moisés, ela é importante porque só assim alcançamos pela fé uma posição espiritual acima de outros “deuses”. Os outros “deuses” que a Bíblia se refere tantas vezes, e que vemos em muitas mitologias, hinduísta, egípcia, babilônica, grega, romana etc, não são só imagens e estátuas vazias, meros frutos da imaginação humana. Essas imagens e estátuas são símbolos, ainda que criados por homens, de seres espirituais reais e que podem estabelecer contato com os homens.
      Esses seres ainda existem, só que o homem moderno não necessita tanto de reforços antropomórficos, zoomórficos ou antropozoomórficos como precisavam os antigos, ainda que as formas mistificadas ainda sejam invocadas mentalmente. O deus egípcio Anúbis, por exemplo, com corpo humano e cabeça de chacal, não é só uma fantasia, ele tem significados esotéricos profundos e se refere a uma legião de seres espirituais. Da mesma maneira as entidades do afroespiritismo, seus desenhos e esculturas, ainda que sincretizadas, representam seres espirituais que existem e agem.
      Os cristãos, em sua maioria, não entendem o conceito de ídolo, sim, mesmo a Bíblia diz que as representações físicas são mortas e não podem responder aos homens, mas os seres espirituais que elas representam podem, obviamente não como Deus responde. Que formato têm esses seres? Espíritos não têm formatos, mas os homens podem aliar formas a eles, baseados em suas imaginações e nas atuações que desde os tempos antigos foram ligadas a eles. Um ser que vive no fogo será vermelho, um ser que controla raios poderá ser representado como um zigue-zague de energia.
       Cristãos, contudo, não se enganem, ainda que chamando de outros nomes, seres humanos de outros tempos, culturas e religiões, podem ter se relacionado com o Deus Altíssimo e verdadeiro. Uma revelação importante do evangelho não é só sobre a possibilidade dos homens terem contato com o mundo espiritual, mas poderem se ligar intimamente com o Deus mais alto, essa foi a grande bênção que Jesus permitiu aos homens, depois que ele subiu ao céu. Entendamos salvação principalmente como livramento de confusão e ruídos espirituais, que impedem contato com o Deus Altíssimo.
      O equívoco, porém, que o cristianismo comete, está depois desse, digamos assim, primeiro contato, que é só o início de algo, não o fim. Quando a Bíblia diz que a salvação é de graça para que ninguém se glorie, ela diz que a iniciativa para que o homem possa ter essa ligação tão especial com o Altíssimo foi do próprio Deus. Isso coloca o ser humano inicialmente incapacitado de estabelecer essa ligação por si mesmo, se Deus não tomasse a iniciativa ela não ocorreria. Quem valoriza exageradamente obras despreza essa incapacidade, e joga sobre o ser humano peso desnecessário. 
      Jesus veio no tempo certo para um homem preparado para um upgrade espiritual, upgrade que permitiria conhecimentos mais profundos de Deus. Antes o Deus Altíssimo e verdadeiro não atendia os seres humanos, não só de Israel mas de todos os lugares e tempos do planeta? Atendia, mas digamos assim, num estado de excessão, como no tratamento que nós seres humanos damos a nossos filhos menores. A eles não dizemos tudo, falamos muitas vezes usando metáforas, ainda que os amemos muito e os protejamos, fazendo por eles coisas que eles ainda não podem fazer sozinhos. 
      O engano mais sério que exagerar-se na doutrina de salvação por fé incorre, é a estagnação do espírito humano, que leva ao conservadorismo e esse a preconceitos. Entenda certo, sem fé é impossível agradarmos a Deus, neste mundo não podemos ter diálogo com Deus sem fé, de maneira alguma diminuímos seu valor. Contudo, ela não pode ser usada como chave para trancar, mas para abrir, e mais e mais, isso requer obras. O novo testamento enfatiza essa doutrina porque foi escrito num tempo que um povo precisava entender uma mudança, a da salvação por obras para a salvação pela fé.
      Entretanto, a igreja católica e até mais a reforma protestante, sob o aspecto fé, quiseram encarcerar a humanidade na primeira sala que a fé abre, não entenderam e se entenderam não ensinaram, que a morada espiritual tem infinitas câmaras que podem ser abertas pela fé. É como se fosse dada uma mansão a uma família e pela fé as pessoas abrissem a porta sem saber o que achariam lá dentro. Então, encantados com o hall de entrada, ficassem lá, só contemplando, esquecendo-se do resto da mansão, ainda que houvesse no molho muitas outras chaves, que elas não se deram ao trabalho de usar.
      Quando pela primeira vez buscamos a Deus com fé e boa sinceridade, um molho completo de chaves nos é entregue. Se usamos só uma ou duas chaves, as outras permanecem lá, como questionamentos sem respostas dentro de nós. A primeira coisa que temos que fazer é olhar o molho de chaves e o admitir para nós mesmos, não adianta fingirmos que ele não existe, não podemos fazer de conta que tudo bate nas religiões cristãs e que estamos em paz com isso. Volto, assim, ao início desta reflexão, o “Como o ar que respiro” é espaço para perguntas abertas, não para respostas fechadas.

Leia na postagem de ontem
a 1ª parte desta reflexão

Nenhum comentário:

Postar um comentário