domingo, abril 28, 2019

Antes que se rompa o cordão de prata

      “Lembra-te também do teu Criador nos dias da tua mocidade, antes que venham os maus dias, e cheguem os anos dos quais venhas a dizer: Não tenho neles contentamento” “Antes que se rompa o cordão de prata, e se quebre o copo de ouro, e se despedace o cântaro junto à fonte, e se quebre a roda junto ao poço, e o pó volte à terra, como o era, e o espírito volte a Deus, que o deu.” Eclesiastes 12.1, 6-7

      Sei que os mais jovens não vão entender isso e não podem entender porque não podem sentir, e é assim que tem que ser. Pessoas saudáveis não pensam na morte, não acham e nem querem morrer, ao contrário, fazem de tudo para permanecerem vivas. A ilusão da paixão, seja ela usada para criar e manter seja lá o que for, faz com que nos sintamos eternos, e mesmo que doa viver, doa amar, doa conviver com outros seres humanos, o prazer de tantas coisas, prazer passageiro, sempre nos leva a querer viver um novo dia, sempre nos dá a certeza que as coisas serão melhores depois que a noite passar e o sol nascer.
      Mas você que é jovem, pergunte a alguém mais velho sobre a vida, se ele for alguém saudável, equilibrado, que pôde viver cada fase da existência com sabor, que sabe agora que envelhecer é preciso, e envelhecer bem é bênção, que não se pode, nem se deve querer ser jovem para sempre, se perguntar a um velho feliz ele responderá: a vida passa muito rapidamente, parece tão curta. O conselho que se dá, considerando isso, é o conhecido, se é curta, aproveite-a, mas a questão é justamente essa, aproveite-a do jeito certo. 
      Uma vida equilibrada se vive com os pés neste mundo, mas com a cabeça no outro, respeitando os limites e a realidade inexorável da carne, mas sabendo que o espírito viverá eternamente com os efeitos do que o corpo causou. É importante que os tempos de nossa existência sejam resolvidos, principalmente os tempos da infância e da adolescência, quando somos passivos inocentes. Quem não se resolve como criança estará fadado a querer ser criança para sempre, mas também quem não se resolve como jovem desejará sê-lo, mesmo na velhice do corpo.
      Nos dias atuais a saúde tem sido mais valorizada, vários recursos estão disponíveis para que o corpo envelheça melhor, contudo, viver mais não é necessariamente envelhecer melhor. Que estejamos com boa saúde, mas sem trocar fases emocionais, deixando de usufruir o que a maturidade e a velhice tem de bom para tentar repetir os prazeres da juventude. O ser humano maduro evoluirá em seus gostos, em seus objetivos, mesmo em seus prazeres, ainda que mantenha seu corpo, através de bons hábitos alimentares e exercício físico, jovem por mais tempo, e fará tudo isso a tempo, “antes que se rompa o cordão de prata”.
      O que mais nos amadurece do jeito certo é ser família, deixar de ser filho e ser pai, deixar de ser namorado e ser esposo, deixar de ser singular e ser plural. Isso leva a troca de busca de prazeres egoistas, por uso produtivo do tempo fofando em harmonia e dignidade dos outros, de filhos e cônjuges. Quem busca os melhores valores envelhecerá bem, mas desconfie de quem busca manter juventude, mas continua vivendo só para si mesmo, isso é negar a essência da vida física. A essência da vida física é a morte, começamos a morrer no momento em que nascemos, contudo, nos tornamos eternos quando morremos. 
      Amadurecer é parar de sofrer por si e sofrer pelos outros, não por imposição, não por masoquismo, mas por escolha de amor. Essa boa dor, digamos assim, é o que envelhece bem, quem foge dela ou a nega não cresce, quem não cresce não está preparado para a morte. Seja como for, num determinado momento de nossas existências, a cabeça para e entendemos, a vida é rápida, passou muito depressa, ainda ontem eu fazia isso, pensava aquilo, andava com aquela gente, e hoje estou mais perto do fim que do início, será que fiz o possível para valer a pena? 

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