sábado, maio 07, 2011

História da Música Cristã

      Segue um resumo da história da música cristã, ou da música do povo de Deus: no antigo testamento, no novo testamento, entre os cristãos primitivos, entre os protestantes, entre os avivalistas, e finalmente no mundo atual e no Brasil. Espero poder ajudar os músicos das igrejas com essas informações valiosas, sobre o ministério de adoração e louvor através dos tempos.

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Achar um título para este texto foi um pouco difícil. A intenção é estudar as manifestações musicais legitimamente de louvor, obviamente, estas manifestações só podem acontecer no meio do verdadeiro povo de Deus. Mas quem é o povo de Deus?
A Bíblia identifica dois conceitos de povo de Deus. Primeiro, o povo geográfico, que teve início com a promessa feita a Abraão. Fundamentou-se em Jacó e em seus doze filhos, apareceu como nação no Egito sendo liderado pelo libertador e legislador Moisés e conheceu com os reis Davi e Salomão o seu auge político e religioso. Este povo foi escolhido por Deus para ser sua testemunha entre as nações da terra.
Segundo, o povo espiritual, a Igreja, formada por aqueles que creem em Cristo como o salvador da humanidade que teve o seu início com a pregação do evangelho feita pelos primeiros discípulos de Jesus. Constituído por filhos de Deus de todas as nações, agora é esse povo que tem a missão de levar as boas novas do evangelho para os homens.
Mas não é só isso, o evangelho foi pregado, igrejas foram formadas e após centenas de anos e muitos desvios doutrinários novos profetas se levantaram para exortar e conduzir os homens ao conhecimento do plano de Deus para o mundo. Um novo povo se levantou, protestando e evangelizando, mas seguindo os mesmos mandamentos originais da Bíblia.
Finalmente o Brasil foi alcançado e aqui também está uma parte importante do chamado povo de Deus, que luta contra a idolatria, o espiritismo e o materialismo.
Quem é o povo de Deus? Todos esses são o povo de Deus, os israelitas, os cristãos, os protestantes, muitos de nós brasileiros e com certeza muitos outros mais.

1. Israel

Jubal é citado como “pai de todos os que tocam harpa e flauta”, esta é a primeira citação bíblica sobre música e se encontra em Gênesis 4:21. Em Gênesis 4:23 aparece o obscuro canto de Lameque, essa é a primeira referência bíblica de uma composição musical.
Em Êxodo 15:1, 20 e 21 está a primeira referência bíblica de louvor musical onde Moisés e Miriã agradecem a Deus pela libertação dos egípcios. Esta apresentação foi vocal, com homens e mulheres, instrumental e acompanhada por dança.
Em Juizes 5 esta registrado o cântico de Débora agradecendo a Deus pela vitória na batalha. Em I Samuel 10:5-6 é mencionada claramente uma tradição musical de adoração do tipo espontânea e em êxtase quando Saul é preparado para se tornar rei de Israel. A música é um fruto direto de uma manifestação poderosa do Espírito Santo, é uma ação profética.
Em II Reis 3:15-16 o profeta Eliseu pediu que um músico tocasse, quando isso aconteceu o poder de Deus veio sobre ele e então profetizou. A capacidade da música afetar o temperamento humano aparece também em I Samuel 16:14-23 onde esta registrado um uso primitivo da música como terapia, Davi toca para afastar o espírito maligno de Saul.
Em II Samuel 6:5 está registrado o processional de Davi com a arca de Gibeá, cinco instrumentos musicais diferentes são mencionados ali. Essa é a primeira referência bíblica da música para fins religiosos.
A segunda tradição musical bíblica era formal e profissional e foi iniciada por Davi que além de pastor e rei era instrumentista e compositor. Em I Crônicas 15:16 aparece Davi constituindo o ministério musical cujas características eram:
- trabalho em tempo integral no templo, I Crônicas 25:9-31: 24 turnos com 12 músicos em cada um, num total de 288 músicos louvando ao Senhor, 24 horas, dia e noite no templo;
-  formado por ministros escolhidos por seu talento e pertencentes a três famílias específicas da tribo de Levi, os filhos de Asafe, de Hemã e de Jedutum, I Crônicas 15:22 e 25:1-8;
- os ministros deveriam passar por treinamento de cinco anos no templo antes de serem admitidos no coro oficial.
O livro de cânticos do povo hebreu era o livro de Salmos. Seus hinos proveem de muitos períodos da antiga cultura judaica e foram acrescidos de cânticos que datam da libertação de Israel da escravidão no Egito. Na antiga adoração hebraica, as palavras da Escritura nunca eram faladas sem melodia, fazê-lo era considerado sacrilégio de certa gravidade. Elas eram sempre cantadas em uma sonora cantilena como nos sugere o Salmo 47:1, “celebrai a Deus com vozes de júbilo”.
O principal elemento estrutural da poesia hebraica era o paralelismo que é a repetição ou complementação do pensamento na 2ª linha de uma parelha de versos, isto seria uma indicação que já nos dias primitivos se praticava o uso antifônico ou responsivo dos Salmos. Um exemplo esta em Salmos 51:2.
Metricamente a poesia hebraica era bastante livre tendo apenas algumas acentuações. Não havia preocupação com rima. Os instrumentos não produziam sons muito fortes indicando que as vozes eram bem mais ouvidas do que eles durante a adoração.
Não existe qualquer menção da música no templo ou nas cerimônias religiosas ser utilizada para a apreciação artística, mas sempre e unicamente para invocação e adoração de Deus.
Visto que não se tem nenhuma documentação da música de adoração do Antigo Testamento, total certeza não se tem de como ela era, mas as principais autoridades no assunto concordam que era semelhante às melodias gregorianas, isto é, baseadas em pequenos padrões melódicos de amplitude bastante limitada, não excedendo geralmente uma 4ª ou uma 5ª.
Grande parte dos estudiosos também sugere que a música no templo era quase que completamente profissional, a congregação era praticamente ouvinte e participava apenas das respostas com “Amém” e “Aleluia”.

2. Primeiros Cristãos

Dispersos no século V antes de Cristo, os judeus começaram a adorar a Deus nas sinagogas. Distantes do Templo de Jerusalém ou cativos em outras terras, eles não podiam oferecer os sacrifícios tradicionais então começaram a oferecer sacrifícios de louvor e oração. A adoração nas sinagogas era essencialmente um Culto da Palavra, leitura e discussão da Torá e apesar da figura do rabi (rabino), era uma reunião de leigos.
Subentende-se que certos cantores levitas devem ter continuado o seu ministério nestas reuniões usando o mesmo material musical que se utilizava no Templo. Um ou no máximo dois cantores solistas cantavam em uma reunião e provavelmente sem o uso de qualquer instrumento, pois estes eram relacionados com os sacrifícios de animais. A congregação deveria ter alguma participação nesses cânticos. Jesus e os apóstolos participavam dessas reuniões.
A música dos cristãos primitivos foi herdada dessas reuniões judaicas, porém deixou de ser ministério de sacerdotes ordenados ou cantores profissionais para ser social e congregacional. Paulo lista em Colossenses 3:16 e Efésios 5:19 três manifestações musicais que existiam nessas reuniões: Salmos, Hinos e Cânticos Espirituais.

I. Salmos

Eram as músicas do Saltério hebraico que cantadas pelos judeus nas sinagogas continuaram a ser cantadas pelos cristãos em suas reuniões.

II. Hinos

Eram composições semelhantes aos cânticos de Lucas que pela importância foram se tornando tradicionais e são cantados pela comunidade cristã até hoje como:

- o “Magnificat”                    de Maria     ( 1:46-55),
- o “Benedictus”                  de Zacarias ( 1:68-79),
- o “Gloria in excelsis Deo” dos anjos     (2:13-14),         
- o “Nunc Dimittis”               de Simeão  ( 2:29-32).

Outros exemplos de hinos estão em I Timóteo 3:16 e II Timóteo 2:11-13.

III. Cânticos espirituais

Deveriam ser composições mais livres e informais que surgiam na comunidade cristã, como hoje surgem os louvores (corinhos), esta seria uma posição das igrejas mais tradicionais. As igrejas renovadas interpretam o cântico espiritual como sendo um dom especial do Espírito Santo onde o crente faz uma adoração, com música e letra, criada na hora e improvisada, espontaneamente.
Toda a congregação pode fazer uso deste dom simultaneamente durante um período do louvor. As melodias parecem usar escalas orientais, simples, mas belas e muitos que normalmente não tem muita habilidade musical natural ficam surpreendidos com a afinação e a harmonia do canto que é concebido, acreditam eles, totalmente pelo Espírito Santo, num estado de êxtase que lembra as manifestações musicais do Antigo Testamento.
Os textos primitivos dos cânticos eram judaicos ou baseados em modelos judaicos. Como a manifestação mais importante da Igreja primitiva aconteceu em Roma, a música, assim como todas as demais manifestações artísticas da época, sofreu influência da cultura greco-romana.

A Igreja perseguida se reunia nas catacumbas e as principais características da sua maneira de cantar eram:
- canto em uma só voz;
- sem acompanhamento instrumental, pois os instrumentos lembravam o culto pagão e por isso foram proibidos;
- somente homens adultos e meninos cantavam;
- as melodias tinham poucas variações de altura, raramente ultrapassavam a oitava, eram “planas” daí o nome Cantochão ou “Cantus planus”;
- os ritmos dependiam dos textos, a melodia acompanhava as acentuações das frases poéticas.
Parece que foi se tornando difícil para a congregação cantar então no século II as Constituições Apostólicas determinaram que um solista entoaria os Salmos e a congregação responderia apenas trechos fáceis. O canto congregacional começava a se afastar do culto e só voltaria a ele no século XVI com a reforma. Por outro lado coros treinados de monges e clérigos se aperfeiçoavam no ministério musical.
Donald P. Hustad, em seu livro “A Música na Igreja”, nos dá uma boa visão sobre este período:
A adoração na Idade Média conservou os elementos neotestamentários quanto ao conteúdo, mas perdeu o seu espírito evangélico devido a uma distorção da teologia da eucaristia. Ela também perdeu a sua espontaneidade e natureza congregacional no desenvolvimento de uma liturgia fixa, complexa, executada por sacerdotes, com mínimo de envolvimento congregacional. Além do mais, na medida em que a igreja se espalhou para o oeste, devido à expansão missionária, a língua latina oficial passou a ser usada universalmente na adoração, porque as línguas vernáculas eram consideradas demasiadamente vulgares, demasiadamente subdesenvolvidas para veicular a mensagem da liturgia. Consequentemente, o cristão médio, sem cultura, entendia poucas das palavras que ouvia na igreja”.

3. Reformadores

Em 1517 Martinho Lutero inicia a Reforma Protestante e propõem mudanças na liturgia da Igreja:
- restauração do sermão como centro do culto;
- participação musical mais atuante da congregação;
- uso da língua nacional nos cultos e não do latim;
- música mais simples, o estilo coral, com melodia acessível na voz mais alta e com harmonização para quatro vozes.

Pouca diferença existia entre a música sacra e a secular e composição muitas vezes significava mistura. Lutero usou diversas fontes para formar o seu hinário, desde composições passando por rearranjos de cantos gregorianos, até versões de canções populares com letras sacras.
A reforma de Calvino usou os mesmos princípios de Lutero, porém utilizando uma versão dos Salmos, metrificados em língua francesa, como letras para o seu hinário chamado de “Saltério”. Calvino acreditava que a única música digna de louvar ao Senhor era aquela cuja letra tivesse sido tirada diretamente da Bíblia.
No começo da reforma anglicana certos hinos alemães e latinos foram traduzidos para o inglês juntamente com versões metrificadas de salmos e outro material litúrgico, contudo mais tarde o exemplo luterano foi rejeitado em favor do padrão calvinista, isto é, salmos metrificados. Em 1562 todo o saltério foi traduzido do francês para o inglês e publicado.
No século XVIII, os não conformistas ingleses começaram a escrever e cantar salmos parafraseados e os chamados “hinos de composição humana” que são louvores que não utilizam diretamente a Bíblia como letra. Só nos meados do século XIX é que este tipo de música foi totalmente aceito no meio anglicano.

4. Avivalistas e Evangelistas

Aos irmãos Wesleys, criadores do movimento Metodista no século XVIII, se deve a criação dos primeiros hinos de apelo. Letras que cobriam todos os aspectos da experiência devocional cristã unida às músicas seculares demonstravam a disposição da Igreja em ser permanentemente versátil, para se identificar com “o mundo” e transformá-lo para Cristo. A música secular se tornava sacra para que fosse um veículo eficiente de testemunho do evangelho.
No século XIX, pregadores reavivalistas como George Whitefield, Charles Finney e Dwight Moody contribuíram para a criação de um repertório popular de hinos evangelísticos. Esses hinos têm uma poesia mais simples, teologicamente e biblicamente falando, apelam menos à imaginação e a estrutura musical é caracterizada por um coro, uma simples melodia lírica, harmonia simples e um ritmo alegre.
No começo do século XX, Charles Alexander levou o coro evangélico ao seu auge. Diretor musical dos cânticos de R. A. Torrey e J. Wilbur Chapman, se especializou em reger coros e congregações ao redor do mundo. As reuniões evangelísticas em Londres chegavam a durar quatro horas sendo que o pregador Torrey usava quarenta e cinco minutos enquanto o restante do tempo era usado para os cânticos.
Diferente da tradição europeia da época, o diretor musical assentava-se atrás do púlpito junto dos evangelistas e não num lugar separado. “Charlie” Alexander foi responsável por uma inovação secular na música de avivamento, o uso do Piano. Ele achava que este instrumento, sendo quase de percussão, era melhor para marcar o ritmo dos cânticos alegres da sua época.
No começo do século vinte, o evangelista Billy Sunday, junto do seu diretor de cânticos Homer Rodeheaver, propiciou às cruzadas evangelísticas um novo nível de secularismo com maneirismos de entretenimento que agradavam às multidões. “Rody” era um perito em fazer o povo cantar e usava de qualquer truque à sua disposição para quebrar a maneira sossegada de cantar a música religiosa, eles não toleravam caras fechadas no evangelho.
Nos anos vinte o rádio contribuiu para que grande parte da música evangélica fosse do tipo “especial”, Música de Testemunho, e não música para uso congregacional. Técnicas de arranjo vocal e instrumental e padrões rítmicos e harmônicos mais avançados foram emprestados do mundo dos espetáculos.
É importante citar a figura de John E. Peterson que apareceu no fim da década de quarenta e se tornou um compositor popular de cantatas evangélicas. A sua música era geralmente destinada a ser cantada por solistas, coros e conjuntos, e só depois começou a aparecer nos hinários. As suas letras são profundamente bíblicas e as suas músicas variam do estilo do hino evangelístico a uma imitação de canções da Broadway. Suas cantatas já venderam cerca de seis milhões de cópias.
Diferentemente dos seus antecessores reavivalistas, o ministério Billy Graham não produziu e nem promoveu uma grande quantidade de material musical, talvez em parte pelo fato de seu líder musical Clif Barrows não ser um publicador. Conservador, Billy Graham apesar de mostrar um estilo evangelístico novo e atraente, evitou o que era sensacional e hiper emocional. Barrows usou uma seleção de um material musical já aprovado e popular. A nova característica musical das cruzadas de Billy Graham foi o uso de alguns talentos provindos do “show business” para atrair a atenção dos não crentes, assim como dos mais conhecidos cantores evangélicos da época. 
Concluindo, a evolução da música sacra caminha no sentido da secularização. Melodia, harmonia e ritmo não precisam ser diferentes da música do mundo, mas usam uma mesma linguagem, a linguagem da alma e das necessidades do coração humano, a distinção esta na letra.
Para algumas pessoas, alguns estilos não são muito convenientes, porém no mundo atual, tão diversificado e individualizado, muita coisa é válida para que todos possam ser alcançados pela salvação de Jesus Cristo. Quem empurrou essa evolução não foi simplesmente a inspiração dos compositores evangélicos, mas o amor ardente dos avivalistas e evangelistas pelas almas gerando a necessidade de criar uma música que comunicasse este amor.
Porque assim diz o alto, o sublime, que habita a eternidade, o que tem o nome de Santo: Habito no alto e santo lugar, mas habito também com o contrito e abatido de espírito, para vivificar o espírito dos abatidos e vivificar o coração dos contritos. (Isaías 57:15). Este paradoxo teológico me parece argumento suficiente para um dualismo em questões de música eclesiástica. Estou convencido de que os evangélicos requerem música que expresse a perfeição do Deus “alto e Santo”, e que também revele a experiência religiosa pessoal dos “quebrantado e humildes.” (Donald P.Hustad, A Música na Igreja).

5. Brasil
A Igreja evangélica chegou com mais força em nosso país no final do século XIX com missionários europeus, principalmente, norte-americanos. O que predominou até a década de 1960 foi uma música protestante americanizada com base nos hinários centenários de cânticos cristãos, música tradicional para crentes adultos. Dentro da igreja evangélica, Ministério de Louvor era sinônimo de coral e o Ministro de Música, mesmo que informalmente, era um regente nos moldes clássicos. Legítimos eram o órgão e o piano, instrumentos populares da linguagem mais pop-rock não eram bem vistos.
A partir de 1960, com a revolução da cultura pop no mundo inteiro, começaram a surgir também no Brasil conjuntos jovens de música cristã. O meio tradicional, onde havia mais predominância de música coral, começou a ser influenciado por estes conjuntos. A juventude evangélica, com algum custo, começou a trazer para dentro das igrejas baterias e guitarras elétricas. O grupo Som Maior, ligado á Convenção Batista Brasileira, é um exemplo de grupo musical tradicional.
No meio pentecostal, que naquela época era formado principalmente por um povo culturalmente mais simples, além da liberdade do Espírito que trouxe liberdade emocional para a adoração, coisa que o meio tradicional trocava por um culto mais racional, havia também mais liberdade nas formas musicais de adoração.
Cantores como Luís de Carvalho e grupos como Vozes da Verdade já vendiam muito LP na década de 1970, muito mais que qualquer grupo musical tradicional. A qualidade musical era menor, mas a liberdade lhes possibilitava utilizar estilos musicais nacionais com maior acentuação rítmica, principalmente os do norte do país, enquanto que os grupos tradicionais ainda estavam sobre a influência cultural norte-americana utilizando, na maioria das vezes, versões.
O “Vencedores por Cristo” realizou um dos mais importantes trabalhos musicais dentro da igreja evangélica nacional. Por mais de vinte anos, começando como um trabalho mais tradicional, utilizando muito material traduzido, evoluiu e foi pioneiro em fazer uma MPB evangélica. Música de nível, como alguns dizem, para universitário evangélico, mas que como da qualidade musical e poética não abriu mão da seriedade espiritual. Durante muito tempo a maioria dos louvores cantados nas igrejas brasileiras foram bebidos das faixas dos discos do VPC principalmente da série Louvor.
O Grupo Logos também deve ser lembrado como um conjunto musical evangélico importante da década de 1980. Este ministério, que começou com o músico Jairo Trench Martins dentro do Instituto Palavra da Vida e que depois virou Grupo ELO com o líder Paulo César, começou a trazer um conceito mais profissional e independente para a música evangélica tradicional. Usavam arranjos orquestrais de qualidade nas suas músicas, algo raro de se ver nos LP nacionais que até então se limitavam a uma formação de instrumentos de conjunto pop.
Contudo o que acontecia até este momento é que apesar do compromisso espiritual de muitos grupos não havia trabalhos com uma concepção artística madura. O VPC, com alguns compositores como Sergio Pimenta e João Alexandre, alcançou uma música evangélica com uma identidade, uma arte cristã nacional, mas era ainda uma expressão muita tímida, o que prevalecia era uma música evangélica que soava sempre como algo amador, uma imitação de alguma coisa, geralmente de música internacional.
O conceito de música para coral ainda era predominante, a tecnologia usada para a gravação nos estúdios era bastante limitada, na verdade não existia a ideia de músico evangélico profissional. Não havia, isso tudo no meio mais tradicional onde existia um nível cultural maior, bons cantores e produções evangélicas realmente com uma identidade. No meio pentecostal, apesar de tecnicamente existir uma música mais pobre, já havia uma identidade muito bem definida e que persiste até hoje.

(O que seria essa identidade musical evangélica? Bem, ter identidade é se conhecer e conseguir exteriorizar isso através da arte de uma maneira honesta e pessoal, sem timidez ou exageros. Para o cristão ter essa identidade, primeiramente ele precisa ter a convicção de que realmente é um músico, em segundo lugar ele precisa ter reais experiências com Deus, por último, considero muito importante que o artista, mesmo aquele que não é evangélico, conheça bem o seu país, suas manifestações musicais e rítmicas atuais e históricas.
Bem, um crente que domina a música, o instrumento, o canto e a poesia, que tenha algo verdadeiro para contar sobre sua vida com Deus e que possua um estilo musical próprio, uma formação profunda e de acordo com o contexto cultural em que vive, este sim pode produzir uma música evangélica nacional com identidade. O artista é um profeta cultural e tem que saber falar com a sua geração, ele deve estar no tempo e no lugar certo, só assim a sua arte cumprirá plenamente a sua função. Só existe identidade quando existe maturidade, como homem, como músico e como cristão.)
A partir do final da década de 1980, o artista cristão começou a assumir a formação musical que tinha, toda a sua cultura e não só aquela adquirida dentro da igreja que no Brasil foi por muito tempo uma cultura “gringa”. Começou a se separar área cultural da espiritual, perderam-se os preconceitos. Todas as linguagens valiam para compartilhar uma experiência legítima com Deus para com as outras pessoas, percebeu-se que isso identificava o evangelho com mais gente. O mundo mudou e Deus permitiu que parte da sua Igreja aqui no Brasil também mudasse.
O grupo carioca Rebaião foi um dos primeiros a fazer uma música evangélica com identidade, lembramos também das bandas que vieram da Igreja Evangélica de Indianópolis, cidade de São Paulo, Oficina G3, dentre outros grupos, assim como o ministério musical da igreja Renascer em Cristo que lançou bandas como Kats Barnea. O jovem evangélico brasileiro pôde encontrar dentro da igreja o que culturalmente só existia no mundo ou importado da América do Norte.
Dentre outros estilos foi liberado o rock gospel nacional, para a alegria de muitos. Contudo, muitos outros chamam isso de secularização da arte musical evangélica, o mundo entrando na igreja, porém, todo o processo histórico da igreja evangélica mundial, como já vimos, de Martinho Lutero até os evangelistas norte-americanos, utilizou essa secularização, por que o Brasil não poderia usar? Por que só a secularização norte-americana seria legítima?
A partir da década de 1990 uma grande mudança ocorreu com o neo-pentecostalismo, a música emocional das igrejas pentecostais, ganhou um espaço importante nos cultos, em muitos casos, maior até do que o da palavra pregada. O lado bom foi que a música gospel, termo que começou a ser usado no Brasil desde então, se tornou mais profissional, assim como permitiu a muitos uma libertação emocional e espiritual, através de uma música menos intelectual e racional. Isso foi feito através de letras mais antropomórficas, de melodias simples, migradas do pop-rock secular, assim como com coros repetitivos, como “mantras”, que permitiram uma adoração mais livre.
Gostaria de fazer uma menção especial ao ministério de adoração Diante do Trono, da Igreja de Lagoinha de Belo Horizonte/MG, considero essa a maior, mais séria e mais bela, expressão de música evangélica do nosso país. O que era um grupo se ramificou em diversos ministérios solos e ganhou espaço no mercado secular, sendo no momento contratado da Rede Globo. Opiniões contrárias existem sobre essa aliança, porém ninguém pode negar que isso foi conquistado com música de qualidade técnica e legitimidade espiritual.


José Osório de Souza

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