sábado, outubro 01, 2022

Paciência e fé dos santos (62/92)

      “Se alguém tem ouvidos, ouça. Se alguém leva em cativeiro, em cativeiro irá; se alguém matar à espada, necessário é que à espada seja morto. Aqui está a paciência e a fé dos santos.Apocalipse 13.9-10

      Será que podemos usar o texto bíblico inicial como base para uma doutrina? Talvez. E se for para basear uma doutrina que se opõe a outra bem extremada? Quem sabe, mas isso não nos impede de conjecturar sobre algo que está na Bíblia. O texto não é metafórico, nem uma parábola, aliás, é bem objetivo, mas pode conter um mistério, e não está sozinho no cânone bíblico na categoria de textos, digamos assim, polêmicos. Está em Apocalipse e pode fazer parte de profecias dos últimos tempos, pelo menos assim creem, não todos, mas muitos, dessa forma pode se referir a algo que ainda ocorrerá. 
      Me chama a atenção o fato dele começar com a frase se alguém tem ouvidos, que parece nos exortar sobre algo além do óbvio, cujo significado mais profundo não pode ser entendido sem uma atenção maior. Mas ele também termina de forma enigmática, aqui está a paciência e a fé dos santos. Apesar de citar endividados morais e suas devidas penas, relaciona isso aos santos, não aos ímpios. Quem encarcera e oprime será encarcerado e oprimido, quem mata com espada com essa será morto, assim podemos concluir que quem mata com arma de fogo será morto com arma de fogo, não com arma branca. 
      Pergunto: esse texto de alguma forma não torna o conceito de condenação algo relativo, na proporção do erro? Ele pode simplesmente se relacionar à perseverança, necessária para aprovação em provas para se obter uma posição espiritual, trabalho exercido com insistência e no tempo. Mas se, como se crê tradicionalmente, fé em Jesus basta para pagar dívidas, para que outros pagamentos? Qual a relevância levantada aqui? Se usarmos o texto bíblico inicial para concluir que penas não são eternas, estaremos dizendo que o inferno pode não ser para sempre ou igual para todos os condenados. Será? 
      Quem matou, se for morto, terá pago sua dívida, quem colocou em cativeiro, se for posto em cativeiro, também estará livre da dívida. Porém, ser morto e ser colocado em cativeiro são penas distintas, então, se o pagamento for feito na eternidade o inferno não será igual, ser morto não é igual a estar em cativeiro, por outro lado, se for feito no mundo não haverá necessidade de inferno. Mas será que o que pagou a dívida com cativeiro e o que pagou com morte terão direito ao mesmo céu? Há nisso certa dificuldade para entendermos inferno e céu como eternos e iguais. Isso importa para você?
      Isso não anularia o poder do sacrifico do Cristo homem do passado, nem a posição exclusiva de Jesus espiritual hoje. Nossa fé em Jesus nos dá acesso espiritual a Deus, isso nos permite receber o perdão do Senhor, que nos deixa em paz com o Altíssimo, a paz que perdemos quando pecamos. Essa paz nos dá forças para seguirmos e permite que Deus nos ajude, o Espírito Santo habita os limpos, somos limpos assumindo pecados e tomando posse de perdão. Toda essa experiência, contudo, não nos exime de termos que pagar preços pelos nossos erros, e só quitando essas dívidas somos aperfeiçoados.
      Se há necessidade de paciência e fé ao santo, é porque o aperfeiçoamento não é instantâneo, o santo o adquire enquanto pratica boas obras morais no plano físico, ainda que pela fé em Jesus ele tenha paz com Deus e isso lhe dê direito à salvação necessária para ter o céu no plano espiritual. Fizemos assim uma distinção entre aperfeiçoamento moral e salvação. Isso é um pouco diferente da doutrina mais convencional, baseada, por exemplo, em textos como Colossenses 2.9-10, em que fé em Cristo, salvação, direito ao céu e aperfeiçoamento espiritual, é tudo obtido de uma só vez e imediatamente. 
      Você entende onde esta reflexão pode nos conduzir? O ponto não é diminuir Jesus, mas aumentar a responsabilidade do ser humano em seu aperfeiçoamento, entendendo que mesmo salvas no céu as pessoas terão níveis diferentes, conforme o que trabalharam no mundo. Não tenho dúvidas que interpretações que cristãos têm como certas da Bíblia por séculos, são só a superfície de muitos conhecimentos. Sobre Daniel e Apocalipse, por exemplo, sabemos muitos menos que achamos saber. Por que, então, estão na Bíblia? Para aprendermos a ser humildes, não arrogantes, achando que sabemos tudo. 
      Fizemos aqui uma distinção em relação ao que doutrinas cristãs tradicionais pensam sobre penas eternas e aperfeiçoamento moral. Fizemos também um rebalanceamento de importâncias da fé e das obras, mas também propomos uma interpretação diferente da relevância da existência no plano físico e no espiritual. Jesus continua como sempre será, acima de tudo, única porta para Deus e exemplo maior de excelência moral, mas as tarefas dos homens mudaram um pouco nesta ótica. Deus faz sua parte, mas se os homens não fizerem as deles não haverá aperfeiçoamento. O que você pensa sobre isso?

Leia na postagem de amanhã
a 2ª parte desta reflexão

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