sábado, junho 25, 2022

Trabalho ou missão?

      “Ide; eis que vos mando como cordeiros ao meio de lobos.Não leveis bolsa, nem alforje, nem alparcas; e a ninguém saudeis pelo caminho. E, em qualquer casa onde entrardes, dizei primeiro: Paz seja nesta casa. E, se ali houver algum filho de paz, repousará sobre ele a vossa paz; e, se não, voltará para vós. E ficai na mesma casa, comendo e bebendo do que eles tiverem, pois digno é o obreiro de seu salário. Não andeis de casa em casa.Lucas 10.3-7

      Missão deveria ser o que podemos fazer além do que temos que fazer para ter uma existência digna, contudo, a mídia gosta de exaltar como prova de superação, quem, ainda que não ganhe o justo pelo que faz, procura fazer bem algo. Isso é muito usado com a classe de professores, parece algo inventado pelo governo para não ter que pagar com justiça esses profissionais. No início, quando se é jovem, encantado, quando se é solteiro e se mora com os pais, muitos até podem abraçar o professorado como missão, só por amor, independente da remuneração, mas com o tempo a realidade é outra. 
      As pessoas, ainda que gostem do que fazem, trabalham pelo dinheiro, para terem vidas dignas. Por que a mídia e os governos não dizem para psiquiatras que devem trabalhar como missão, não como profissão? Veja só o preço que esses profissionais cobram uma consulta, e não estou dizendo que não seja justo. Mas quem paga esses profissionais são, na maior parte das vezes, os de poder aquisitivo mais alto, não é o estado, ainda que muitos que não possam pagar necessitem e urgentemente de tratamento psiquiátrico. Conheço o assunto vida de professor de perto, como esposo de professora. 
      Temos o exemplo de uma situação oposta com a classe de pastores, infelizmente, principalmente no meio evangélico pentecostal, vemos muitos que entram numa atividade com noção da realidade que enfrentarão, que deverá ser trabalhar na área espiritual. Se em todas as áreas Deus é nosso Senhor acima de chefes humanos, muito mais como pastores temos Deus como nosso patrão e direto. Contudo, os que mais deveriam entender de missão querem profissão, e bem remunerada, não, não são todos, mas muitos, envergonhando o cristianismo, ainda que todos mereçam salários dignos. 
      Você acha que ganha uma remuneração financeira adequada? Bem, antes de responder, vou dar um crédito a você, ninguém acha isso, todos, em sã consciência, acham que deveriam ganhar mais. Não ganhamos mais por vários motivos, um deles é não merecermos, não termos formação acadêmica melhor ou nos faltar ainda experiência. Outro motivo é a injustiça do mundo, e isso é muito comum, beneficia os mais próximos aos chefes e menospreza os outros. Mas e Deus nessa história? Ele se manifesta conforme permitimos que se manifeste, de acordo com nossa chamada e consagração. 
      O texto bíblico inicial refere-se a uma situação bem específica e de um tempo antigo, não podemos tomá-lo ao pé da letra como orientação para evangelistas nos dias de hoje, mas podemos aprender com o princípio dele. A atividade dos discípulos de Jesus não lhes era exclusiva, outros mestres, e na verdade a profissão de Jesus após os trinta anos era a de professor (rabino itinerante), também enviavam alunos em períodos de estágio tendo que sobreviver de ajuda alheia. Isso não era vergonhoso, o povo da época tinha esse costume, na Índia ainda hoje religiosos sobrevivem dessa forma.
      Acredito que o princípio mais importante do texto seja: Deus sempre cuida dos seus com justiça. Eu creio assim, contudo, para ter esse privilégio deve haver chamada genuína e obediência a essa chamada. Muitos apelam para outros meios porque não foram chamados por Deus para fazer aquilo que eles se propõem a fazer. Outros, ainda que com chamada verdadeira, não obedecem a Deus, não se consagram ou tentam fazer aquém ou além daquilo que Deus lhes manda. De um jeito ou de outro haverá insatisfação no ser humano e amor ao mundo, a culpa disso não é de Deus, mas do homem.
      Algo que Deus se agrada, e até acima de outras coisas que consideramos virtudes, é honestidade, nela somos coerentes, desejamos algo, trabalhamos por isso e não temos receio de assumir isso diante de homens e do Senhor. Assim, quem almeja riqueza e fama pagará no futuro o preço por isso, mas se for honesto e buscar isso nas atividades e nos lugares adequados, até será útil nas mãos da providência para ajudar outros. Contudo, ninguém venha tentando espiritualizar a matéria ou materializar o espírito, cada coisa para seu lugar, retornos justos e vidas dignas para todos, sem hipocrisias. 
      Uma coisa precisa ser dita sobre dignidade, ela refere-se mais ao que o indivíduo pensa de si mesmo que à sua preocupação com que os outros pensam dele. É claro que é preciso lucidez, alguém se sentir digno de algo sem o ser de verdade, é insanidade, não virtude. Contudo, em Deus achamos a dignidade melhor, nos respeitamos e nos sentimos valorizados e até nobres porque confiamos em Deus, sabemos que o que precisamos de fato ele nos dá, e se não temos algumas coisas é porque elas realmente são prescindíveis. Isso não é se acomodar, é não dar ao mundo tanta importância, mas dar a Deus. 

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