segunda-feira, novembro 02, 2020

33. Espiritualidade e vitimismo

Espiritualidade Cristã (parte 33/64)

      “Mas ele foi ferido por causa das nossas transgressões, e moído por causa das nossas iniqüidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados. Todos nós andávamos desgarrados como ovelhas; cada um se desviava pelo seu caminho; mas o Senhor fez cair sobre ele a iniqüidade de nós todos. Ele foi oprimido e afligido, mas não abriu a sua boca; como um cordeiro foi levado ao matadouro, e como a ovelha muda perante os seus tosquiadores, assim ele não abriu a sua boca.Isaías 53.5-7

      Vivemos um momento quando a humanidade desperta para enxergar como existem vítimas no mundo, gente que sofre por preconceito, como inocente ou incapaz, ou sem qualquer outra condição de reagir à altura a agressores, das mais variadas espécies. Vivemos um momento em que o mundo desperta para uma justiça que dá a todos os mesmos direitos. Vamos refletir sobre vítimas e pensarmos sobre a relação disso com espiritualidade. Vitimismo é tendência a se vitimizar, a se fazer de vítima, vítima pode ter vários significados, pode ser um ser sacrificado em algum rito, um ser ferido ou assassinado por outro, um ser afetado por acidente ou outro dano, ou ainda, um ser sujeito à violência, opressão, maus-tratos etc. O papel de vítima coloca um ser numa isenção de responsabilidade por um mal feito, já que algo ruim foi feito a ele sem sua autorização, mas põe outro ser na posição de agressor, com toda a responsabilidade pelo mal. 
      Ser vítima inverte a justiça de causa e efeito, que normalmente é interpretada como boa colheita de bom plantio, já que alguém adquire direitos não por ter feito algo bom, mas por ter sofrido algo ruim. É certo que ninguém, com sanidade normal, quer adquirir direitos desse jeito, já que o trauma pode ser tão grande que por vergonha vítimas podem mesmo desejar esconder o mal que receberam. Por isso, são os outros que devem vigiar, para que vítimas não sejam feitas, vítimas em potencial devem ser protegidas, já que quem recebe um mal como vítima é justamente quem não estava pronto para se defender, sendo violentado por alguém que em determinado momento detinha uma posição que lhe dava poder para cometer o mal. Se é vítima sempre de alguém egoísta que quer usufruir um direito ou prazer à força e que portanto não lhe é justo possuir, agressão é roubo e todo ladrão deve ser punido.   
      Nenhum homem, contudo, merece o mal, disciplina e correção, sim, e isso se fizer por merecer, mas de uma maneira humana, e principalmente tendo oportunidade para adquirir consciência de porque está sendo penalizado, assim só pessoas com boa sanidade mental podem ser corrigidas, para que possam ter a chance de mudança de comportamento. Os doentes mentais, ainda que cometam grandes males, devem ser tratados como doentes, não disciplinados, mas curados, e se isso não for possível devem ser isolados. Esses podem ser terríveis agressores, que podem fazer muitas vítimas, mas também são vítimas, deles mesmos, não é fácil viver com memórias de agressões que se fez aos outros, não se houver ou for possível adquirir alguma consciência. Novamente cabem aos outros perceberem o doente mental, isola-lo, com humanidade, e tratá-lo, antes que façam vítimas.
      Ocorre com muita frequência de agressores se tornarem assim por terem sido agredidos, vítimas fazem vítimas. Por que alguns mesmo tendo sofrido muita violência não se tornam agressores e outros, que sofreram até menos, se tornam agressores? É complicado dizer, mas penso que o fator livre arbítrio sempre é possível aos seres humanos, pelo menos em algum momento de suas vidas, dessa forma sempre se tem uma escolha. Contudo, se passar do momento as pessoas podem escolher serem o mal por não conseguirem mais ser outra coisa, busca de identidade é o que impede as pessoas de se matarem, e na falta de uma identidade melhor, serve mesmo a mais ruim. Já foi dito que toda forma de violência é sexual, e isso não têm a ver só com o mais óbvio, um homem hétero forçando uma mulher hétera a conceder-lhe favores sexuais, uso de sexualidade como arma é algo bem mais complexo.
       Mulheres podem usar dotes sexuais para de alguma maneira obterem favores, e não só chegando as vias de fato, mas postando-se mais “agressivamente” através de suas sexualidades, entretanto isso não acontece só com mulheres, mas também com homens e com outros gêneros. Isso não é, como diz a mídia, ser poderosa ou poderoso, é desequilíbrio, não somos seres definidos só pela sexualidade, mas pela inteligência intelectual, pela inteligência emocional, e principalmente, pela espiritualidade. Violência é arma num jogo de poder? Sim, e sob esse ponto de vista é só uma maneira errada de posse de espaço no mundo, que mesmo na área sexual não precisa ser para obter prazer sexual, mas simplesmente para se impor como mais forte. O estuprador não quer prazer sexual, ele não pagaria preço tão alto por algo que poderia ter sem violência, se fosse equilibrado, ele quer subjugar alguém, e não existe maior prepotência que a que rouba aquilo de mais íntimo que alguém possui. 
      Por isso tantos idiotas que se dizem machos gostam de sair à noite em grupos, depois de encherem a cara, chingando e afrontando transsexuais, para que isso se não para atuto-afirmarem uma segurança que não sentem, um poder que não possuem, uma heterossexualidade que talvez não tenham? Odiamos nos outros aquilo que eles são e assumem ser e que nós somos e não assumimos ser, odiamos quem tem mais coragem que nós, e para continuarmos covardes tentamos tirar da coragem alheia sua legitimidade. Também é por isso que outros, na privacidade de seus lares, à noite, enquanto a família dorme, acha prazer em vídeos de pedofilia, ainda que disfarçados de outros fetiches (como adultos vestidos de crianças), ainda que no dia a dia se portem como homens “normais”, porque têm violências não curadas dentro deles, que ainda exigem deles prevalecer sobre mais fracos para terem algum prazer, algum espaço no mundo. 

      Atualmente a humanidade está revendo uma vítima verdadeira da civilização nos últimos quinhentos anos, os africanos. Trazidos à força de seu continente de origem, vendidos por irmãos que com o tráfico europeu começaram a ter lucros com um costume que já tinham, já que os próprios africanos tinham escravos africanos na África, membros das tribos perdedoras em batalhas regionais. Como escravos africanos foram levados a muitas partes do mundo como o Brasil, onde foram mão de obra importante na lavoura e enriqueceram muitos portugueses. Mas se isso era um problema ficou pior quando esse sistema econômico, que via seres humanos como coisas, sem direitos e sem dignidade, acabou deixando milhares de seres humanos num país que não era o deles, dominados por uma religião que não era a deles, sem direito à cultura, à identidade, à liberdade, por que o que adianta ser livre se não se tem direito a ter uma vida digna como os outros? 
      Não vou aqui levantar todos os pontos que temos visto diariamente na mídia, dando voz aos descendentes de africanos que agora são brasileiros e que só querem isso, serem brasileiros livres para serem o que querem ser, na profissão, na sociedade, na cultura, na religião. Contudo, o problema no Brasil hoje não são os descendentes de africanos, mas os pobres, e entre esses existem descendentes de imigrantes de várias nações, incluindo de indígenas que já habitavam o Brasil antes de portugueses chegarem. Esses imigrantes e indígenas se misturaram com os portugueses, assim o Brasil não é um país de brancos, como não é de negros amarelos ou outras cores de pela, mas de miscigenados, e grande parte desses são pobres mal administrados por políticos e outros poderosos. Descendentes de africanos têm motivos para se assumirem como vítimas? Claro que têm, mas quem não é de alguma maneira, no Brasil atual, descendente ou que tenha alguma ligação familiar com descendentes de africanos? Talvez uma minoria bem pequena.
      Daqui a algum tempo todos seremos pardos, é uma tenência mundial, mistura geral de raças, e talvez daqui a uns séculos, o que hoje é considerado exceção não será, mas regra, e preconceitos, de um jeito ou outro não existirão mais, acreditem nisso, o que vivemos hoje é só uma fase, como foi a idade média e outras eras. Nós, seres humanos, somos seduzidos por complôs apocalípticos, e os cristãos, baseados numa interpretação equivocada da Bíblia, mais ainda, mas o tema desta reflexão é vítima e vitimismo, falamos de vítimas legítimas, contudo, existe um problema sério no falso vitimismo, que pode manipular mesmo vítimas reais. Na verdade, no sentido mais puro, só existiu uma vítima real neste mundo, Jesus, só ele de fato não fez nada de errado, em nenhuma instância, e ainda assim foi preso, torturado e morto, tinha que ser assim, Deus ser sacrificado como homem sem pecado, para poder dar à humanidade salvação. 
      Em Cristo há proteção contra todo tipo de agressor, há cura para toda dor que agressores causam, assim como há um meio transformador que arranca o preconceito e agressão dos seres mais cruéis, não de nações ou governos, mas de indivíduos. Jesus não veio para ser Senhor de nações, seja do Brasil, dos E.U.A. ou de outro país, mas para ser Senhor de indivíduos, de mim, de você e de todos que permitirem. Os descendentes de africanos devem lutar por seus direitos? Os pobres devem lutar por seus direitos? Mas lutem em Cristo, por Cristo, não sozinhos e contra os cristãos. Sim, afro-brasileiros têm direito mesmo às religiões trazidas da África ou recriadas aqui, como Umbanda e Candomblé, e como cidadãos os cristãos devem lutar por isso, contudo, como cristãos, em amor e com sabedoria, podem dizer aos religiosas da Umbanda, do Candomblé e de outras religiões, só Cristo salva! 
      Acreditamos na sinceridade e na bondade daqueles que frequentam terreiros e casas de religiões afro-espiritas, mas só Jesus é o cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo, e cristãos, repito, digam isso com muito amor e com sabedoria, sem preconceitos. O mundo passa por um momento importante onde causas legítimas estão sendo levantadas e muitos, como nunca antes, as estão entendendo e por elas estão lutando, que bom que é assim, mas entendam isso do jeito certo, evangélicos e protestantes, isso não é a vitória do mal, mas justiça, e Deus é justiça. Não se apressem condenando ao inferno, ainda há tempo, querem dar testemunho de espiritualidade cristã? Lutem junto do afro-brasileiros, independente se eles são evangélicos ou espíritas. Querem dar testemunho de luz e paz? Alimentem os pobres, ajudem os órfãos e as viúvas, façam bem a quem precisa agora. Separem luta por um mundo melhor por opção por uma eternidade melhor, Deus dá livre arbítrio a todos e nós, evangélicos, temos que respeitar isso.
      O que adianta assiduidade em cultos, cantos e dízimos, uma vida religiosa dentro das quatro paredes dos templos, se a injustiça anda solta na Terra? Tenham certeza, se viverem e lutarem pela justiça, não apoiando políticos ou sendo políticos, mas sendo cristãos, seus testemunhos falarão alto, muito mais que suas palavras, e o nome de Jesus será de fato pregado e honrado. É tempo de mudança, é tempo de repensarmos espiritualidade cristã, não como algo que separa e afasta, mas que une e atrai, não como palavra dita no púlpito para convertidos, mas no mundo, para todos. Para que isso seja eficiente é preciso sermos cristãos com espiritualidade, liderados pelo Espírito vivo não por palavra morta. Não se esconde a luz debaixo da cama e se olha para ela à meia-noite, como se pudesse fazer alguma magia secreta, mas a luz é levada para o centro da cidade, ao meio da multidão, e se for luz de Deus brilhará forte mesmo sob o Sol quente do meio-dia, e não como uma mensagem panfletária e rasa, mas como prática de vida de amor, de misericórdia, de paciência e de justiça. Isso é espiritualidade cristã no mundo! 

“Espiritualidade Cristã”
é um estudo dividido em 64 partes,
por favor, se possível, leia todas as reflexões 
para melhor entendimento do assunto abordado.
José Osório de Souza, 30/09/2020.

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